AUDIÊNCIAS 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 31 de janeiro de 2001

Para um novo Céu e uma nova Terra

Queridos Irmãos e Irmãs,


1. A Segunda Carta de Pedro, recorrendo aos símbolos característicos da linguagem apocalíptica usada na literatura judaica, indica a nova criação como uma flor que desabrocha da cinza da história e do mundo (cf. 3, 11, 13). É uma imagem que marca o livro do Apocalipse, quando João proclama: "vi, depois, um novo Céu e uma nova Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra haviam desaparecido, e o mar já não existia" (Ap 21,1). O apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos, drescreve a criação que geme sob o peso do mal, mas destinada a "ser, também ela, libertada da servidão da corrupção para participar, livremente, da glória dos filhos de Deus" (Rm 8,21).

A Sagrada Escritura insere desta forma quase um fio de ouro no meio das debilidades, misérias, violências e injustiças da história humana e conduz para uma meta messiânica de libertação e paz. Sobre esta sólida base bíblica, o Catecismo da Igreja Católica ensina que "o Universo visível é, pois, também ele destinado a ser transformado, "a fim de que o próprio mundo, restaurado no seu estado primitivo, esteja sem mais nenhum obstáculo ao serviço dos justos", participando na sua glorificação em Jesus Cristo Ressuscitado" (CIC 1047 cf. Santo Ireneu, Adv haer., 5, 32, 1). Então finalmente, num mundo pacificado, "a terra está cheia da ciência do Senhor, tal como as águas que cobrem o mar" (Is 11,9).

2. Esta nova criação, humana e cósmica, é inaugurada com a ressurreição de Cristo, primazia daquela transfiguração a que todos estamos destinados. Paulo afirma isto na Primeira Carta aos Coríntios: "Cristo, como prímícias; depois os que são de Cristo, por ocasião da sua vinda. Depois virá o fim, quando entregar o Reino de Deus Pai (...). O último inimigo a ser destruído será a morte... a fim de que Deus seja tudo em todos" (1Co 15,23-24 1Co 15,26 1Co 15,28).

Sem dúvida, é uma perspectiva de fé que por vezes pode ser tentada pela dúvida, no homem que vive na história sob o peso do mal, das contradições e da morte. Já a citada Segunda Carta de Pedro narra isto, reflectindo a objecção dos que suspeitam e são cépticos ou até "escarnecedores cheios de zombaria" que perguntam: "Onde está a promessa da Sua vinda? Desde que os nossos pais morreram, tudo continua da mesma maneira, como no princípio do mundo" (2P 3,3-4).

3. Eis a atitude desencorajada dos que renunciam a qualquer empenho em relação à história e à sua transformação. Estes estão convencidos de que nada pode mudar, que qualquer esforço é vão, que Deus está ausente e não se interessa minimamente por este minúsculo ponto do universo que é a terra. Já no mundo grego alguns pensadores ensinavam esta perspectiva e a Segunda Carta de Pedro talvez reaja também a esta visão fatalista com evidentes aspectos práticos. De facto, se nada pode mudar, que sentido tem esperar? A única coisa é pôr-se à margem da vida, deixando que o movimento repetitivo das vicissitudes cumpra o seu ciclo perene. Nesta perspectiva muitos homens e mulheres já caíram na margem da história, sem confiança, indiferentes a tudo, incapazes de lutar e de esperar. Pelo contrário, a visão cristã é ilustrada por Jesus de maneira clara, quando, "interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o reino de Deus, lhes respondeu: "O reino de Deus não vem de maneira ostensiva. Ninguém poderá afirmar: Ei-lo aqui ou ali, pois o reino de Deus está dentro de vós"" (Lc 17,20-21).

4. À tentação de todos os que imaginam cenas apocalípticas de irrupção do Reino de Deus e de todos os que fecham os olhos entorpecidos pelo sono da indiferença, Cristo opõe a vinda sem clamor dos novos céus e da nova terra. Esta vinda é semelhante ao escondido mas fervoroso germinar da semente na terra (cf. Mt 4,26-29).

Por conseguinte, Deus entrou nas vicissitudes humanas e no mundo e procede silenciosamente, esperando com paciência a humanidade, com os seus atrasos e condicionamentos. Ele respeita a sua liberdade, apoia-a quando ela é atormentada pelo desespero, condu-la de etapa em etapa e convida-a a colaborar no projecto de verdade, de justiça e de paz do Reino. Por conseguinte, a acção divina e o empenho humano devem entrelaçar-se entre si. "A mensagem cristã não afasta os homens da construção do mundo nem os incita a desinteressar-se da sorte dos seus semelhantes: impõe-lhes, ao contrário, um dever mais rigoroso" (Gaudium et spes, GS 34).

5. Desta forma, abre-se diante de nós um tema de grande relevo que interessou sempre a reflexão e a obra da Igreja. Sem cair nos extremos opostos do isolamento sacral e do secularismo, o cristão deve exprimir a sua esperança também no interior das estruturas da vida secular. Se o reino é divino e eterno, ele está contudo espalhado no tempo e no espaço: está "no meio de nós" como diz Jesus.

O Concílio Vaticano II realçou com vigor este vínculo íntimo e profundo: "a missão da Igreja é não só levar a mensagem e a graça de Cristo a todos os homens, mas também impregnar e aperfeiçoar com o espírito evangélico a ordem temporal" (Apostolicam actuositatem, AA 5). A ordem espiritual e a temporal, "embora distintas, estão de tal maneira unidas no único desígnio de Deus, que o próprio Deus deseja reintegrar, em Cristo, todo o mundo numa nova criatura, que começa na terra, e atinge a plenitude no último dia" (ibid.).

Animados por esta certeza, o cristão caminha com coragem pelas estradas do mundo, procurando seguir os passos de Deus e colaborando com ele para fazer surgir um horizonte no qual "amor e fidelidade se encontrarão, justiça e paz se beijarão" (Ps 85 [84], 11).

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

Saúdo as pessoas e grupos de língua portuguesa aqui presentes, desejando que esta peregrinação a Roma seja frutuosa para a vossa vida pessoal, familiar e social, encaminhando-a rectamente pelas sendas do Céu. De coração, dou-vos a minha Bênção apostólica.

Recebo cordialmente os fiéis francófonos aqui presentes hoje de manhã. Saúdo de maneira particular os jovens do Colégio "Rocroy", de São Leão, e a juventude do liceu francês de Bruxelas. A vossa peregrinação vos ajude a viver uma profunda experiência eclesial e a ser ardentes testemunhas de Cristo! Do íntimo do coração, concedo a todos a minha Bênção apostólica.

Estendo uma saudação especial ao grupo comprometido no cuidado pastoral das comunidades vietnamitas, enquanto vos asseguro as minhas orações pelo vosso povo que, em toda a parte, tem demonstrado tanta adesão à fé nas circunstâncias difíceis. Dou as boas-vindas aos grupos da Irlanda, da Dinamarca e dos Estados Unidos da América. Sobre todos vós e as vossas famílias, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-poderoso.

Dou cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua espanhola, de modo especial aos professores e alunos de La Coruña e de Santiago do Chile. Convido todos a não se deixarem dominar pela passividade e o desalento, mas sim a colaborarem com Deus no seu desígnio de um mundo totalmente renovado.
Muito obrigado pela vossa atenção!

Agora, dirijo uma saudação cordial aos peregrinos de expressão italiana. De forma particular, desejo recordar o grupo de fiéis da Diocese de Susa, vindos para a Ordenação episcopal do seu Bispo, D. Alfonso Badini Confalonieri. Caríssimos, uni-vos em redor do vosso novo Pastor e sob a sua orientação oferecei em conjunto um renovado e generoso testemunho evangélico.

Enfim o meu pensamento dirige-se, como de costume, aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

Hoje, a Liturgia recorda São João Bosco, pai e mestre dos jovens, que em toda a parte anunciou a mensagem evangélica com ardor incansável.

Queridos jovens, o exemplo e a intercessão de São João Bosco vos encoraje a viver a vocação cristã de maneira autêntica e coerente; vos ajude, dilectos doentes, a oferecer os vossos sofrimentos em união com os de Cristo, para a salvação da humanidade, alegrando-vos na esperança; e vos sustenha, estimados novos casais, no recíproco compromisso de fidelidade, a fim de que a vossa família seja sempre aberta à dádiva da vida e do amor genuíno.





                                                                         fevereiro de 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 7 de fevereiro de 2001


A Igreja, esposa do Cordeiro, embelezada para o seu esposo




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Assim como no Antigo Testamento a cidade santa era chamada com uma imagem feminina "a filha de Sião", também no Apocalipse de João a Jerusalém celeste é apresentada "como uma esposa que se ataviou para o seu esposo" (Ap 21,2). O símbolo feminino descreve o rosto da Igreja nas suas várias fisionomias de noiva, esposa, mãe, sublinhando assim uma dimensão de amor e de fecundidade.

O pensamento corre para as palavras do apóstolo Paulo que, na Carta aos Efésios, numa página de grande intensidade traça as feições da Igreja "toda gloriosa, sem mancha nem ruga, mas santa e imaculada", amada por Cristo e modelo de toda a nubilidade (cfr Ep 5,25-32). A comunidade eclesial, "prometida a um único esposo" como virgem casta (cfr 2Co 11,2), põe-se em continuidade com uma concepção que surgiu no Antigo Testamento em páginas críticas como as do profeta Oseias (cc 1-3) ou de Ezequiel (c 16) ou através do júbilo radiante do Cântico dos Cânticos.

2. Ser amada por Cristo e amá-lo com amor esponsal é constitutivo do mistério da Igreja. Na origem está um acto livre de amor que se difunde a partir do Pai através de Cristo e do Espírito Santo. Este amor modela a Igreja, irradiando-se sobre toda a criatura. A esta luz pode dizer-se que a Igreja é um sinal elevado entre os povos para testemunhar a intensidade do amor divino revelado em Cristo, especialmente no dom que ele faz da sua própria vida (cf. Jo Jn 10,11-15). Por isso, "por meio da Igreja, todos os seres humanos tanto homens como mulheres são chamados a ser a "Esposa" de Cristo, redentor do mundo" (Mulieris dignitatem MD 25).

A Igreja deve deixar transparecer este amor supremo, recordando à humanidade que com frequência tem a impressão de estar só e abandonada nas planícies desoladas da história que jamais será esquecida e privada do conforto da ternura divina. Isaías afirma de maneira sensibilizadora: "Acaso pode uma mulher esquecer-se do menino que amamenta, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, eu nunca te esqueceria" (Is 49,15).

3. Precisamente porque é gerada pelo amor, a Igreja efunde amor. Faz isto anunciando o mandamento de se amarem uns aos outros como Cristo nos amou (cf. Jo Jn 15,12), ou seja, até ao dom da vida: "Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos" (1Jn 3,16). Aquele Deus "que nos amou primeiro" (1Jn 4,19) e não hesitou entregar por amor o Seu Filho (cf. Jo Jn 3,16) estimula a Igreja a percorrer "até ao fim" o caminho do amor. E está chamada a fazê-lo com a intrepidez de dois esposos que se amam na alegria da doação sem limites e na generosidade quotidiana, tanto quando o céu da vida é primaveril e sereno, como quando ameaçam a noite e as nuvens do inverno do espírito.

Neste sentido compreende-se porque é que o Apocalipse apesar da sua dramática representação da história está constantemente percorrido de cânticos, músicas, liturgias jubilosas. Na paisagem do espírito, o amor é como o sol que ilumina e transfigura a natureza que, sem o seu esplendor, permaneceria cinzenta e uniforme.

4. Outra dimensão fundamental nas núpcias eclesiais é a fecundidade. O amor recebido e doado não se limita à relação esponsal, mas torna-se criativo e gerador. No Génesis que apresenta a humanidade feita à "imagem e semelhança de Deus", torna-se significativa a referência ao ser "homem e mulher": "Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher" (1, 27).

A distinção e a reciprocidade no casal humano são sinal do amor de Deus não só como fundamento de uma vocação para a comunhão, mas também porque estão destinadas à fecundidade geradora. Não é por acaso que o livro do Génesis está assinalado pelas genealogias, que são fruto da geração e dão origem à história, dentro da qual Deus se revela. Desta forma compreende-se como também a Igreja, no Espírito que a anima e a une a Cristo seu Esposo, esteja dotada de uma íntima fecundidade, graças à qual gera continuamente filhos de Deus no baptismo e os faz crescer até à plenitude de Cristo (cf. Gl Ga 4,19 Ep 4,13).

5. São estes filhos que constituem aquela "assembleia dos primogénitos inscritos nos céus", destinados a habitar "o monte Sião e a cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste" (cf. Hb He 12,21-23). Não é por acaso que as últimas palavras do Apocalipse são as de uma intensa invocação dirigida a Cristo: "O Espírito e a Esposa dizem: "Vem"" (Ap 22,17), "Vem, Senhor Jesus" (Ibid, 20). Eis a meta definitiva da Igreja, que prossegue confiante a sua peregrinação histórica, mesmo se muitas vezes sente ao seu lado, segundo a imagem do próprio livro bíblico, a presença hostil e furiosa de outra figura feminina, "Babilónia", a "grande prostituta" (cf. Ap Ap 17,1 Ap Ap 17,5), que encarna a "brutalidade" do ódio, da morte, da esterilidade interior.

Olhando para a sua meta, a Igreja cultiva "a esperança do Reino eterno, que se actualiza pela participação na vida trinitária. O Espírito Santo, concedido aos Apóstolos como Consolador, é o guarda e o animador desta esperança no coração da Igreja" (Dominum et vivificantem DEV 66). Então, pedimos a Deus que conceda à sua Igreja ser sempre na história a guardiã da esperança, luminosa como a Mulher do Apocalipse "revestida de sol, tendo a Lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça" (Ap 12,1).

Saudações

Ao grupo de visitantes vindos de Portugal e a todos os demais peregrinos de língua portuguesa, como penhor de abundantes dons divinos que sirvam de estímulo para a sua vida cristã, concedo benevolamente minha Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II



AUDIÊNCIA

Quarta-feira 14 de fevereiro de 2001

A "recapitulação"

de todas as coisas em Cristo

1. O desígnio salvífico de Deus, "o mistério da sua vontade" (Ep 1,9) que diz respeito a toda a criatura, é expresso na Carta aos Efésios com um termo característico: "recapitular" em Cristo todas as coisas, celestes e terrestres (cf. Ef Ep 1,10). A imagem poderia remeter-nos também para a haste à volta da qual se enrola a folha de pergaminho ou de papiro do volumen, que tem sobre si um escrito: Cristo confere um sentido unitário a todas as sílabas, palavras e obras da criação e da história.


O primeiro a recolher e a desenvolver de modo admirável este tema da "recapitulação" é Santo Ireneu, bispo de Lião, grande Padre da Igreja do segundo século. Contra todas as fragmentações da história da salvação, contra todas as divisões entre Antiga e Nova Aliança, contra todas as dispersões da revelação e da acção divina, Ireneu exalta o único Senhor, Jesus Cristo, que na Encarnação junta em si toda a história da salvação, a humaniddae e toda a criação: "Ele, como rei eterno, recapitula tudo em si" (Adversus haereses, III, 21, 9).

2. Escutemos um trecho em que este Padre da Igreja comenta as palavras do Apóstolo, que dizem respeito precisamente à recapitulação de todas as coisas em Cristo. Na expressão "todas as coisas" afirma Ireneu está compreendido o homem, tocado pelo mistério da Encarnação, quando o Filho de Deus "de invisível se torna visível, de incompreensível compreensível, de impassível passível, de Verbo se torna homem. Ele recapitulou tudo em si mesmo, a fim de que, como o Verbo de Deus tem o primado sobre os seres supracelestes, espirituais e invisíveis, do mesmo modo ele o tenha sobre os seres visíveis e corpóreos. Assumindo em si este primado e dando-se como chefe à Igreja, ele atrai tudo a si" (Adversus haereses III, 16, 6). Este confluir de todos os seres em Cristo, centro do tempo e do espaço, realiza-se progressivamente na história, superando os obstáculos, as resistências do pecado e do Maligno.

3. Para ilustrar esta tensão, Ireneu recorre à oposição, já apresentada por São Paulo, entre Cristo e Adão (cfr. Rm Rm 5,12-21): Cristo é o novo Adão, isto é, o primogénito da humanidade fiel que acolhe com amor e obediência o desígnio de redenção que Deus traçou como alma e meta da história. Cristo deve, por isso, eliminar as obras de devastação, as horríveis idolatrias, as violências e todo o pecado que o rebelde Adão espalhou na vivência secular da humanidade e no horizonte da criação. Com a sua plena obediência ao Pai, Cristo abre a era da paz com Deus e entre os homens, reconciliando em si a humanidade dispersa (cf. Ef Ep 2,16). Ele "recapitula" em si Adão, no qual se reconhece toda a humanidade, transfigura-o em filho de Deus, trá-lo à comunhão plena com o Pai. Precisamente através da sua fraternidade connosco na carne e no sangue, na vida e na morte, Cristo torna-se "o chefe" da humanidade redimida. Escreve ainda Santo Ireneu: "Cristo recapitulou em si mesmo todo o sangue derramado por todos os justos e por todos os profetas que existiram desde o princípio" (Adversus haereses, V, 14, 1: cf. V, 14, 2).

4. Bem e mal são, por isso, considerados à luz da obra redentora de Cristo. Essa, como Paulo faz notar, envolve toda a criação, na variedade dos seus componentes (cf. Rm Rm 8,18-30). De facto, a própria natureza, como está submetida ao contra-senso, à degradação e à devastação provocada pelo pecado, assim também participa na alegria da libertação operada por Cristo no Espírito Santo.

Esboça-se, portanto, a actuação plena do projecto original do Criador: o de uma criação em que Deus e o homem, homem e mulher, humanidade e natureza estejam em harmonia, em diálogo, em comunhão. Este projecto, perturbado pelo pecado, é retomado do modo mais admirável por Cristo, que o está a realizar misteriosa, mas eficazmente, na situação actual, na esperança de o levar à realização. O próprio Jesus declarou ser o centro e ponto de convergência deste desígnio de salvação, quando afirmou: "Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jn 12,32). E o evangelista João apresenta esta obra propriamente como uma espécie de recapitulação, um "trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos" (Jn 11,52).

5. Esta obra atingirá a plenitude no cumprimento da história, quando é ainda São Paulo a recordá-lo "Deus será tudo em todos" (cf. 1Co 15,28).

A última página do Apocalipse que foi proclamada no início do nosso encontro descreve com cores vivas esta meta. A Igreja e o Espírito anseiam e suplicam por aquele momento em que Cristo "entregará o Reino a Deus Pai, depois de ter destruído todo o principado, toda a dominação e potestade... O último inimigo a ser destruído será a morte, pois (Deus) tudo sujeitou debaixo dos pés" do seu Filho (cf. 1Co 15,24 1Co 15,26).

No termo desta batalha, cantada em páginas admiráveis do Apocalipse Cristo realizará a "recapitulação" e aqueles que estiverem unidos a ele formarão a comunidade dos redimidos, que "não mais será atingida pelo pecado, pelas manchas, pelo amor próprio, que destroem e ferem a comunidade terrena dos homens. A visão beatífica, em que Deus se manisfestará aos eleitos de modo inesgotável, será fonte inexaurível da felicidade, da paz e da mútua comunhão" (CIC 1045).
A Igreja, esposa enamorada do Cordeiro, com o olhar fixo naquele dia de luz, eleva a invocação ardente. "Maranathá" (1Co 16,22), "Vem, Senhor Jesus!" (Ap 22,20).

Queridos Irmãos e Irmãs

Uma cordial saudação às pessoas e grupos de língua portuguesa, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos cumule de alegria e o seu Espírito ilumine todas as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projecto de Deus a vosso respeito. Acompanhem-vos a minha oração e Bênção!

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos presentes nesta Audiência, em particular a Comissão internacional de coordenação da Sociedade de São Vicente de Paulo, os sacerdotes da diocese de Quimper, os jovens do seminário de Ars e o grupo de peregrinos greco-melquitas do Líbano, acompanhados por D. Georges Kwaïter, Arcebispo de Saida. A todos, concedo do íntimo do coração a Bênção apostólica.

Faço extensiva uma especial saudação aos estudantes de Kagoxima, no Japão, e da Universidade de Dallas. Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa aqui presentes, e sobre as vossas famílias, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.

Saúdo os peregrinos de expressão espanhola, hoje presentes nesta Audiência, de forma especial os fiéis das paróquias de Nossa Senhora da Paz e do Apóstolo São Tiago, de Villena; e de Santa Catarina, de Caudete, assim como o grupo de fiéis mexicanos e de jovens chilenos. Encorajo todos vós a fazer desta peregrinação a Roma um momento privilegiado para o crescimento da vossa fé em Cristo, nosso Salvador. Muito obrigado pela vossa atenção.

Dirijo uma calorosa saudação aos peregrinos das paróquias de Prostejov e Hrusovany nad Jevisovkou, na República Checa.

Hoje, a Igreja que está na Europa festeja os seus co-Padroeiros, os Santos Cirilo e Metódio. Possam eles tornar-se para vós uma orientação para construir a "civilização do amor", que deve nascer da conversao pessoal, ou seja, do coração de cada um dos cristãos.
É de bom grado que vos abençoo!

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo os fiéis eslovenos, vindos com Sua Ex.cia D. Franc Rode para venerar os Apóstolos dos Eslavos, os Santos Cirilo e Metódio, que a caminho de Roma abençoaram a vossa querida Pátria. Possam os dois Irmaos de Salonica e o Beato António Martinho Slomsek orientar cada um de vós, as vossas famílias e a amada Naçao eslovena no caminho rumo à Pátria celeste "no Paraíso, sinto-me em casa".

Saúdo agora os peregrinos italianos aqui presentes. Em primeiro lugar, dirijo um pensamento cordial aos participantes no simpósio anual dos Bispos amigos do Movimento dos Focolares, que se está a realizar no Centro "Mariápolis" de Castel Gandolfo. Venerados e estimados Irmãos no Episcopado, dirijo a cada um de vós a minha afectuosa saudação e o meu sincero reconhecimento por esta visita, que me permite expressar o apreço pelo vosso esforço em favorecer o crescimento da comunhão no seio das Conferencias Episcopais e das Comunidades diocesanas, e em encorajar um fecundo diálogo com o vasto mundo das outras religiões. Enquanto faço votos para o pleno bom exito do vosso encontro fraterno, acompanho-o com a minha oração ao Senhor e à Mae da unidade, a fim de que vos sustentem no vosso ministério pastoral de cada dia.

Além disso, saúdo os membros da Fundação internacional "Irina Alberti", que promove várias iniciativas destinadas a tornar conhecidos a fé e o compromisso desta ilustre estudiosa, recentemente falecida, no mundo da cultura e do diálogo ecuménico entre o cristianismo do Oriente e do Ocidente. Caríssimos, ao agradecer-vos esta visita, formulo votos para que a vossa actividade de copiosos frutos de bem.

Saúdo também os participantes no Curso do "Sudium" para futuros Postuladores e Colaboradores da Congregação para as Causas dos Santos, aos quais faço votos para que recebam benefícios espirituais pessoais, haurindo no grande património de santidade que a Igreja possui, e de o enriquecer com o seu testemunho cristão pessoal.

Depois, dirijo um pensamento às crianças bielo-russas, hóspedes do Convento dos Frades Menores Capuchinhos de Fiuggi. O Senhor vos proteja, queridas crianças, e quantos vos receberam com generosidade.

Por fim, saúdo cada um de vós, dilectos jovens, doentes e novos casais. Hoje, celebramos a solenidade dos Santos Cirilo e Metódio, apóstolos e primeiros difusores da fé no meio dos povos eslavos. O seu testemunho vos ajude, caros jovens, a seguir com generosidade o Salvador do mundo; seja de encorajamento para vós, prezados doentes, na união dos vossos sofrimentos à cruz de Cristo; vos sirva de exemplo, estimados novos casais, para estabelecer o Evangelho como regra fundamental da vossa vida familiar.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 28 de fevereiro de 2001

No ambiente secularizado que nos rodeia

o caminho quaresmal exige um esforço de vontade cada vez mais forte




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. "Hoje não endureçais o vosso coração, mas escutai a voz do Senhor".

Este convite da Liturgia ressoa na nossa alma, pois hoje, Quarta-Feira de Cinzas, tem início o itinerário quaresmal. Ele levar-nos-á até ao Tríduo pascal, memória viva da Paixão, da Morte e da Ressurreição do Senhor, âmago do mistério da nossa salvação.

O santo período da Quaresma, desde sempre muito sentido pelo povo cristão, evoca antigos acontecimentos bíblicos, como os quarenta dias do dilúvio universal, prelúdio do pacto da aliança feita por Deus com Noé; os quarenta anos de peregrinação de Israel no deserto, rumo à Terra prometida; e os quarenta dias de permanência de Moisés no Monte Sinai, onde recebeu de Javé as Tábuas da Lei. O tempo quaresmal convida-nos sobretudo a reviver com Jesus os quarenta dias que Ele passou no deserto, rezando e jejuando, antes de dar início à sua missão pública, que culminará no Calvário com o sacrifício da Cruz, vitória definitiva sobre o pecado e a morte.

2. "Recorda-te que tu és pó e em pó te hás-de tornar". É sempre bastante eloquente o tradicional rito da imposição das cinzas, que hoje se repete, e são sugestivas as palavras que o acompanham. Na sua simplicidade, ele recorda a caducidade da vida terrena: tudo passa e é destinado a morrer. Somos peregrinos neste mundo, transeuntes que não se devem esquecer da sua meta verdadeira e definitiva: o Céu. Com efeito, embora sejamos pó, destinados a tornar-nos pó, todavia nem tudo termina. Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem é destinado para a vida eterna. Morrendo na Cruz, Jesus abriu a cada ser humano o caminho para ela.

Toda a Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas nos ajuda a evidenciar esta fundamental verdade de fé e nos estimula a começar um decidido itinerário de renovação pessoal. Devemos mudar o nosso modo de pensar e de agir, fixando o olhar no rosto de Cristo crucificado e fazendo do seu Evangelho a regra de vida do nosso dia-a-dia. "Convertei-vos e acreditai no Evangelho!": seja este o nosso programa quaresmal, enquanto entramos num clima de piedosa escuta do Espírito.

3. "Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca" (Mt 26,41). Deixemo-nos orientar por estas palavras do Senhor, num persuadido esforço de conversão e de renovação espiritual. Na vida de cada dia, corremos o risco de nos deixarmos absorver por preocupações e interesses materiais. A Quaresma é a ocasião favorável para despertar para a fé autêntica, para a saudável recuperação da relação com Deus e para um compromisso evangélico mais generoso. Os instrumentos à nossa disposição são os de sempre, mas nestas semanas devemos recorrer a eles de forma mais intensa: a oração, o jejum, a penitência e a esmola, ou seja, a partilha com os necessitados, daquilo que possuímos. Trata-se de um caminho ascético pessoal e comunitário, que às vezes é particularmente árduo, devido ao ambiente secularizado que nos rodeia. Mas é precisamente por isso que o esforço se deve tornar mais forte e convicto.

"Vigiai e orai!". Se este mandato de Cristo vale para todos os tempos, ele manifesta-se de forma mais eloquente e incisiva durante a Quaresma. Aceitemo-lo com humilde docilidade. Disponhamo-nos a traduzi-lo em gestos práticos de conversão e de reconciliação com os irmãos. É unicamente desta maneira que a fé se fortalece, a esperança se consolida e o amor se torna um estilo de vida que distingue o fiel.

4. O fruto de tão corajoso itinerário ascético não poderá deixar de ser uma maior abertura às necessidades do próximo. Quem ama o Senhor não pode fechar os seus olhos para as pessoas e os povos provados pelo sofrimento e pela miséria. Depois de ter contemplado o rosto de Cristo crucificado, como deixar de o reconhecer e servir nas pessoas que vivem na dor e no sofrimento? O próprio Jesus, que nos convida a permanecer com Ele para vigiar e rezar, nos pede também que O amemos nos nossos irmãos, recordando-nos que "sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40). Por conseguinte, o fruto de uma Quaresma vivida intensamente será um amor maior e universal.

Maria, exemplo de dócil escuta da voz do Espírito, nos oriente ao longo do caminho penitencial a que hoje damos início. Ajude-nos a valorizar as oportunidades que a Igreja nos oferece para podermos preparar-nos dignamente para a celebração do Mistério pascal.

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Saúdo os que me escutam em língua portuguesa, com votos de bem, e de modo especial o numeroso grupo da Associação internacional de fiéis de direito pontifício "Arautos do Evangelho" para que, sendo fiéis à Igreja e ao seu Magistério, permaneçam unidos aos seus Pastores e anunciem corajosamente pelo mundo inteiro a Cristo Nosso Senhor. Sede mensageiros do Evangelho pela intercessão do Coração Imaculado de Maria. Para todos faço votos de que a Quaresma seja portadora de um "espírito novo" diante de Deus. Com a minha Bênção apostólica.

Dilectos Irmãos e Irmãs de expressão inglesa

Faço extensiva a minha saudação às peregrinações paroquiais e aos grupos de estudantes presentes nesta audiência. Sobre todos vós e as vossas famílias, invoco as abundantes dádivas do Espírito Santo.

É com prazer que recebo os peregrinos de língua francesa, nomeadamente os jovens de Senlis e de Pau, os estudantes da Escola da Fé de Friburgo, os peregrinos da Arquidiocese de Reims e da Diocese de Langres. Faço votos para que todos vós entreis com ardor no espírito da Quaresma. Com a Bênção apostólica.

Desejo saudar os fiéis de língua espanhola, em particular a Escola internacional de Protocolo de Madrid e outros grupos de estudantes; saúdo igualmente os peregrinos de Málaga e de Chile. A Virgem Maria seja para todos exemplo de escuta da voz do Espírito e nos orienten o nosso caminho rumo à Páscoa.
Muito obrigado!

Saúdo de coração os peregrinos belgas e holandeses. Formulo votos para que a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos vos renove interiormente, em particular durante o período quaresmal, que tem início hoje, Quarta-Feira de Cinzas.

Concedo de coração a Bênção Apostólica.

Louvado seja Jesus Cristo!

Dou cordiais boas-vindas aos peregrinos de Praga!

Hoje, com a imposição das cinzas, estamos a entrar na Quaresma, precioso tempo de oração e de penitência, que nos leva à conversão e ao aprofundamento do amor a Deus e ao próximo. Aproveitemos este tempo de graça!

Abençoo todos vós!
Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo uma calorosa saudação aos peregrinos de língua italiana e agradeço a todos a sua presença. Além disso, estendo a minha saudação aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

O convite à conversão, que hoje a Igreja nos dirige de maneira singular, constitui um comprometedor programa de vida cristã.

Caros jovens, acolhei-o com prontidão e realizai-o com perseverança abnegada.
Vós, queridos doentes, sustentados pela oração e pelo Pão eucarístico, empenhai-vos em percorrer o itinerário quaresmal em profunda comunhão com Cristo.

E vós, estimados novos casais, vivei este tempo de extraordinária graça espiritual na assídua escuta da palavra de Deus para estardes prontos a testemunhar com fidelidade o Evangelho na vossa família e na sociedade.





                                                                              março de 2001


AUDIÊNCIAS 2001