AUDIÊNCIAS 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 11 de abril de 2001

No coração do Tríduo sagrado o mistério de um amor sem limites




Queridos Irmãos e Irmãs,

1. Chegamos à vigília do Tríduo pascal, já imersos no clima espiritual da Semana Santa. De amanhã até domingo viveremos os dias centrais da liturgia, que nos propõem de novo o mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Nas suas homilias, os Padres fazem muitas vezes referência a estes dias que como observa Santo Atanásio nos introduzem naquele tempo que nos leva e nos faz conhecer um novo início, o dia da santa Páscoa, na qual o Senhor se imolou". Ele descreve assim o período que estamos a viver nas suas Cartas pascais (Carta 5, 1-2; ). No próximo domingo o Prefácio pascal far-nos-á cantar com grande vigor que "na ressurreição de Cristo ressuscitou a vida de todos".

No coração deste Tríduo sagrado está o "mistério de um amor sem limites", isto é, o mistério de Jesus que "depois de ter amado os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles" (Jn 13,1). Propus novamente este chocante e afectuoso mistério aos sacerdotes na Carta que, como todos os anos, lhes enviei por ocasião da Quinta-Feira Santa. Convido-vos também a vós a reflectir sobre este mesmo mistério a fim de vos predispordes dignamente para reviver as últimas etapas da vida terrena de Jesus. Amanhã entraremos no Cenáculo para acolher o dom extraordinário da Eucaristia, do Sacerdócio e do mandamento novo. Repercorreremos na Sexta-feira Santa o caminho doloroso que leva ao Calvário, onde Cristo consumará o seu sacrifício. No Sábado Santo esperaremos em silêncio a introdução na solene Vigília Pascal.

2. "Levou até ao extremo o Seu amor por eles". Estas palavras do Evangelista João exprimem e definem de maneira peculiar a liturgia de amanhã, Quinta-Feira Santa, que se concentra na celebração da Missa Crismal da manhã e da Missa vespertina em Cena Domini , que inicia o Tríduo Sagrado.

A Eucaristia é sinal eloquente deste amor total, livre e gratuito, e oferece a alegria da presença d'Aquele que também nos torna capazes de amar, como Ele, "até ao extremo". É um amor exigente, o que Jesus propõe aos seus discípulos.

Neste nosso encontro ouvimos de novo o seu eco nas palavras do Evangelista Mateus: "Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por Minha causa" (Mt 5,11-12). Também hoje amar "até ao extremo" significa estar preparados para aceitar canseiras e dificuldades em nome de Cristo. Tudo isto é dom de Cristo, que se ofereceu a Si mesmo como vítima sacrificial no altar da Cruz por cada homem.

3. "Levou até ao extremo o Seu amor por eles". Do Cenáculo ao Gólgota: a nossa reflexão conduz-nos ao Calvário, onde contemplamos um amor cujo cumprimento total é o dom da vida. A Cruz é um sinal claro deste mistério, mas ao mesmo tempo, precisamente por isto, torna-se um símbolo que interpela e inquieta as consciências. Quando, na próxima Sexta-Feira, celebrarmos a Paixão do Senhor e participarmos na Via Crucis, não nos podemos esquecer da força deste amor que se doa sem medidas.

Na Carta apostólica na conclusão do grande Jubileu do Ano 2000 escrevi: "a contemplação do rosto de Cristo trouxe-nos até ao aspecto mais paradoxal do seu mistério, que se manifesta na hora extrema a hora da Cruz. Mistério no mistério, diante do qual o ser humano pode apenas prostrar-se em adoração" (Novo millennio ineunte, NM 25). É esta a atitude interior mais apropriada para vivermos o dia comemorativo da paixão, da crucifixão e da morte de Cristo.

4. "Levou até ao extremo o seu amor por eles". Sacrificado por nós na Cruz, Jesus ressuscita e torna-se primícia da nova criação. Passaremos o Sábado Santo em silenciosa expectativa do encontro com o ressuscitado, meditando as palavras do apóstolo Paulo: "Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras" (1Co 15,3-4). Desta forma, poderemos preparar-nos melhor para a solene Vigília Pascal, quando surgirá no meio da noite a resplandecente luz de Cristo ressuscitado.
Nesta última fase do caminho penitencial acompanhe-nos Maria, a Virgem que permaneceu sempre fiel ao lado do Filho, sobretudo nos dias da Paixão. Que ela nos ensine a amar "até ao extremo" seguindo o exemplo de Jesus, que salvou o mundo com a sua morte e a sua ressurreição.

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo afectuosamente, com menção particular dos elementos da "Escola Superior de Enfermagem" e da "Santa Casa da Misericórdia" de Chaves e dos peregrinos de Leça da Palmeira. Seja vossa companheira e modelo de vida a Virgem Maria, que permaneceu ao pé da cruz de Jesus, amando, também Ela, "até ao fim". "Quem ama, passou da morte à vida", é o amor que faz a Páscoa.
Uma santa Páscoa para todos, com a minha Bênção Apostólica!

Estou feliz por acolher os que estão aqui presentes, nesta manhã, e falam a língua francesa, particularmente os alunos das escolas de Notre-Dame des Valenciennes e Mongré de Villefranche e seus acompanhantes, assim como os jovens que vêm celebrar a Semana Santa em Roma. Que a vossa estadia fortaleça a vossa fé e faça de vós testemunhas do Evangelho! Com a Bênção Apostólica.

Quero saudar agora os fiéis de língua espanhola, de modo particular os diversos grupos de estudantes da Espanha, o grupo de meninos de Caracas, bem como os outros peregrinos espanhóis e latino-americanos. Que a Virgem Maria vos ensine a amar "até ao extremo" e a seguir fielmente a Cristo, nosso Salvador. A todos vos desejo: Feliz Páscoa da Ressurreição!
Obrigado!

Saúdo, depois, cordialmente os jovens, os doentes e os novos casais. Amanhã entraremos no Tríduo Sagrado que nos fará reviver os mistérios centrais da nossa salvação. Convido-vos, caros jovens, a olhar para a Cruz e a tirar dela a luz para caminhar fielmente nas pegadas do Redentor. Desejo também para vós, queridos doentes, que a Paixão do Senhor, culminando no triunfo glorioso da Páscoa, constitua a fonte de esperança e de conforto nos momentos da provação. E vós, estimados novos casais, disponde os vossos corações para celebrar com profunda participação o Mistério pascal, para fazer da vossa existência um dom recíproco, aberto ao amor fecundo do bem.

Com estes sentimentos, concedo a todos uma especial Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 18 de abril de 2001


Contemplar o rosto do Ressuscitado




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. A habitual Audiência geral de quarta-feira hoje é inundada pela alegria luminosa da Páscoa. Nestes dias a Igreja celebra com regozijo o grande mistério da Ressurreição. É uma alegria profunda e inexaurível, fundada no dom por parte de Cristo ressuscitado da nova e eterna Aliança, que permanece porque Ele não voltará a morrer. Uma alegria que se prolonga não só na Oitava de Páscoa, considerada pela Liturgia como um único dia, mas que dura cinquenta dias até ao Pentecostes. Antes, já abraça todos os tempos e todos os lugares.

Durante este período, a Comunidade cristã é convidada a uma nova e mais profunda experiência de Cristo ressuscitado, vivo e operante na Igreja e no mundo.

2. Neste maravilhoso quadro de luz e de alegria características do tempo pascal, desejamos agora deter-nos a contemplar juntos o rosto do Ressuscitado, retomando e actualizando aquilo que não hesitei em indicar como "núcleo fundamental" da grande herança que o Jubileu do Ano 2000 nos deixou. De facto, como realcei na Carta apostólica Novo millennio ineunte, "se quiséssemos circunscrever o núcleo essencial do grande legado que ela nos deixa, não hesitaria em vê-lo na contemplação do rosto de Cristo... acolhendo-O com a sua multiforme presença na Igreja e no mundo, confessando-O como sentido da história e luz do nosso caminho" (n. 15).

Como contemplamos, na Sexta-Feira e no Sábado Santo, o rosto doloroso de Cristo, dirigimos agora o olhar repleto de fé e de amor reconhecido para o rosto do Ressuscitado. Para ele olha nestes dias a Igreja, seguindo as pegadas de Pedro, que confessa o seu amor a Cristo (cf. Jo Jn 21,15-17), e andando sobre os passos de Paulo, fulminado por Jesus ressuscitado no caminho de Damasco (cf. Act Ac 9,3-5).

A Liturgia pascal apresenta-nos vários encontros de Cristo ressuscitado, que constituem um convite a aprofundar a sua mensagem e nos estimulam a imitar o caminho de fé de quantos o reconheceram naquelas primeiras horas depois da ressurreição. Desta forma somos estimulados, pelas piedosas mulheres e por Maria Madalena, à solicitude em levar o anúncio do Ressuscitado aos discípulos (cf. Lc Lc 24,8-10 Jn 20,18). O Apóstolo predilecto testemunha a maneira singular como o amor consegue ver precisamente a realidade que os sinais da ressurreição significam: o túmulo vazio, a ausência do cadáver, as vestes fúnebres dobradas. O amor vê e crê, e estimula o caminha em direcção àquele que tem em si o pleno significado de todas as coisas: Jesus, vivo pelos séculos dos séculos.

3. Na Liturgia de hoje a Igreja contempla o rosto do Ressuscitado partilhando o caminho dos dois discípulos de Emaús. No início deste nosso encontro, ouvimos um trecho desta conhecida página do evangelista Lucas.

Mesmo sendo cansativo, o caminho de Emaús leva da sensação de desconforto e de desorientação à plenitude da fé pascal. Percorrendo novamente este itinerário, também nós somos atingidos pelo misterioso Companheiro de viagem. Jesus aproxima-se de nós ao longo do caminho, alcançando-nos no ponto no qual nos encontramos e fazendo as perguntas essenciais que abrem de novo o coração à esperança. Ele tem muitas coisas para explicar a respeito do seu e do nosso destino. Sobretudo, revela que cada existência humana deve passar através da sua Cruz para entrar na glória. Mas Cristo realiza algo mais: divide por nós o pão da partilha, oferecendo aquela Mesa eucarística na qual as Escrituras adquirem o seu pleno significado e revelam as características únicas e resplandecentes do rosto do Redentor.

4. Depois de ter reconhecido e contemplado o rosto de Cristo ressuscitado, também nós, como os dois discípulos, somos convidados a correr ao encontro dos nossos irmãos, para levar a todos o grande anúncio: "Vimos o Senhor!" (Jn 20,25).

"N'Ele, ressuscitado, ressurge toda a vida" (Prefácio pascal II): eis a Boa Nova que os discípulos de Cristo não se cansam de levar ao mundo, antes de mais, com o testemunho da própria vida. Este é o dom mais lindo que os nossos irmãos esperam de nós neste tempo pascal.

Por isso, deixemo-nos conquistar pelo fascínio da ressurreição de Cristo. A Virgem Maria nos ajude a saborear plenamente a alegria pascal: uma alegria que, segundo a promessa do Ressuscitado, ninguém jamais nos poderá tirar e nunca terá fim (cf. Jo Jn 16,23).

Apelo do Papa em favor do Médio Oriente


Enquanto a luz de Cristo Ressuscitado esclarece todo o universo, não podemos deixar de nos sentir solidários com todos os nossos irmãos que, no Médio Oriente, são vítimas de uma voragem de violência armada e de represálias.
O barulho das armas deve ser substituído pela voz da razão e da consciência: a sincera atenção às legítimas aspirações de todos os povos e a observância escrupulosa do direito internacional são os únicos meios capazes de reconduzir as partes em conflito à mesa das negociações e de delinear um caminho de fraternidade para aquelas populações.
Digne-se Deus falar ao coração de quem mata e ter piedade dos que socumbem a tanta violência! Tu nobis, Victor Rex, miserere!

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Com estes pensamentos, saúdo os visitantes da Escola "Jaime Moniz" do Funchal, na Ilha da Madeira: faço votos de que a vinda a Roma vos fortaleça na fé e avive no vosso ânimo a coragem de testemunhar a grandeza do amor de Cristo, nosso Salvador. Saúdo, também, os brasileiros da "Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho", convidando-os a inspirarem-se sempre nos nobres e elevados princípios da Doutrina Social da Igreja, na defesa dos direitos do trabalhador e de suas famílias. A todos desejo uma feliz e santa Páscoa.

Dou as cordiais boas-vindas aos fiéis de língua espanhola. De maneira particular aos seminaristas maiores de Barcelona e aos alunos do Colégio-Seminário de Barbastro. Deixai que Cristo nos fale, que grave o seu rosto no vosso coração e na vossa mente, a fim de o tornar presente ao homem de hoje. Convido todos a viver intensamente a alegria pascal para contagiardes com ela quantos vos rodeiam.

Muito obrigado pela vossa atenção e aos que cantaram: "a Igreja canta!".

Desejo saudar agora os peregrinos holandeses e belgas, sobretudo os peregrinos da Diocese de Roermond, acompanhados pelo Bispo Auxiliar, D. Everardus de Jong. Faço votos para que vivais sempre a alegria e a serenidade da presença do Ressuscitado no meio de vós.
Concedo-vos de coração a Bênção apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos provenientes de várias localidades da Croácia.

Caríssimos, o grande dom que Deus concedeu à humanidade no Mistério pascal de Cristo suscite sempre em vós a autêntica alegria e a esperança que não desilude. Concedo-vos de bom grado a Bênção apostólica a cada um de vós e aos vossos familiares.
Louvados sejam Jesus e Maria!

O meu pensamento dirige-se agora aos doentes, aos jovens e aos jovens casais aqui presentes, especialmente aos numerosos Crismandos, provenientes de diversas Dioceses e Paróquias da Itália. Queridos jovens, também a vós, como aos primeiros discípulos, Cristo ressuscitado repete: "Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós... Recebei o Espírito Santo" (Jn 20,21-22). Respondei com alegria e com amor a este grande dom!
A ressurreição de Cristo seja, para vós, queridos doentes, fonte inesgotável de conforto e de esperança. E vós, queridos jovens casais, sede testemunhas do Ressuscitado com o vosso amor conjugal.

A todos abençoo de coração.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 25 de abril de 2001

A alma sedenta do Senhor




1. O Salmo 62, no qual nos detemos para reflectir, é o Salmo do amor místico que celebra a adesão total a Deus, partindo de um anseio quase físico e chegando à sua plenitude num abraço íntimo e perene. A oração faz-se desejo, sede e fome, porque envolve a alma e o corpo.

Como escreve Santa Teresa de Ávila, "a sede exprime o desejo de algo, mas um desejo tão intenso que perecemos se dele nos privamos" (Caminho de perfeição, c. XIX). Deste Salmo, a liturgia propõe-nos as primeiras duas estrofes, que estão centradas precisamente nos símbolos da sede e da fome, enquanto a terceira estrofe faz oscilar um horizonte obscuro, do juízo divino sobre o mal, em contraste com a luminosidade e a candura do resto do Salmo.

2. Então, iniciemos a nossa meditação com o primeiro cântico, o da sede de Deus (cf. vv. 2-4). É a aurora, o sol que está a nascer no céu obscuro da Terra Santa, e o orante começa o seu dia, indo ao templo para buscar a luz de Deus. Ele tem necessidade daquele encontro com o Senhor de maneira quase instintiva, dir-se-ia "física". Assim como a terra árida é morta, enquanto não for irrigada pela chuva, e assim como nas fendas do terreno ela se parece com uma boca dessedentada e seca, assim o fiel aspira por Deus para ser por Ele saciado e poder assim existir em comunhão com Ele.

O profeta Jeremias já tinha proclamado: o Senhor é "fonte de águas vivas", reprovando o povo por ter cavado "cisternas rotas, que não podem reter as águas" (2, 13). O próprio Jesus exclamará em voz alta: "Se alguém tem sede venha a mim e beba... que acredite em mim" (Jn 7,37-38). Em plena tarde de um dia ensolarado e silencioso, Ele promete à mulher samaritana: "Quem beber da água que Eu lhe der, jamais terá sede, porque a água que Eu lhe der se tornará nele uma nascente de água a jorrar para a vida eterna" (Jn 4,14).

3. No que diz respeito a este tema, a oração do Salmo 62 relaciona-se com o cântico de outro Salmo maravilhoso: "Assim como a corça suspira pelas correntes de água, assim também a minha alma suspira por Vós, ó meu Deus. A minha alma tem sede do Senhor, do Deus vivo" (41, 2-3). Pois bem, na língua do Antigo Testamento o hebraico a "alma" é expressa com o termo nefesh, que nalguns textos designa a "garganta" e em muitos outros chega a indicar todo o ser da pessoa.

Compreendido nesta acepção, o vocábulo ajuda a entender como é essencial e profunda a necessidade de Deus; sem Ele faltam a respiração e a própria vida. Por isso, o Salmista chega a pôr em segundo plano a própria existência física, se vier a faltar a união com Deus: "O vosso amor é mais precioso do que a vida" (62, 4). Inclusivamente no Salmo 72, repetir-se-á ao Senhor: "Além de Vós, nada mais anseio sobre a terra. A minha carne e o meu coração já desfalecem, mas o Senhor é para sempre a rocha do meu coração e a minha herança... o meu bem é estar perto de Deus" (vv. 25-26 e 28).

4. Depois do cântico da sede, eis que se modula nas palavras do Salmista o cântico da fome (cf. Sl Ps 62,6-9). Provavelmente, com as imagens do "lauto banquete" e da saciedade, o orador remete para um dos sacrifícios que se celebravam no templo de Sião: o sacrifício chamado "de comunhão", ou seja, um banquete sagrado em que os fiéis comiam a carne das vítimas imoladas. Outra necessidade fundamental da vida é aqui utilizada como símbolo da comunhão com Deus: a fome é saciada quando se escuta a Palavra divina e se encontra o Senhor. Com efeito, "o homem não vive somente de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor" (Dt 8,3 cf. Mt Mt 4,4). E aqui o pensamento do cristão corre para aquele banquete que Cristo preparou na última noite da sua vida terrestre, e cujo profundo valor Ele já tinha explicado durante o discurso de Cafarnaum: "A minha carne é, em verdade, comida e o meu sangue é, em verdade, bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e eu nele" (Jn 6,55-56).

5. Através do alimento místico da comunhão com Deus, "a alma une-se a Ele", como declara o Salmista. Uma vez mais, a palavra "alma" refere-se a todo o ser humano. Não é sem motivo que se fala de um abraço, de um abraço quase físico: Deus e o homem já estão em plena comunhão, e dos lábios da criatura não pode brotar senão o louvor jubiloso e agradecido. Mesmo quando estamos na noite escura, sentimo-nos protegidos sob as asas de Deus, como a arca da aliança é coberta pelas asas dos querubins. E então floresce a expressão extática da alegria: "Exulto à sombra das vossas asas". O medo dissolve-se, o abraço não se aperta ao vazio, mas ao próprio Deus, enquanto a nossa mão se entrelaça com o poder da Sua direita (cf. Sl Ps 62,8-9).

6. A partir de uma leitura do Salmo à luz do mistério pascal, a sede e a fome que nos impelem para Deus encontram a sua satisfação em Cristo crucificado e ressuscitado, de Quem chega até nós, mediante o dom do Espírito e dos Sacramentos, a vida nova e o alimento que a sustém.

É o que nos recorda João Crisóstomo que, comentando a anotação joanina: do lado "saiu sangue e água" (cf. Jo Jn 19,34), afirma: "Aquele sangue e aquela água são símbolos do Baptismo e dos Mistérios", ou seja, da Eucaristia. E conclui: "Vedes como Cristo atraiu a si mesmo a esposa? Vedes com que alimento Ele nos nutre a todos nós? Fomos formados e somos nutridos pelo mesmo alimento. Com efeito, assim como a mulher nutre aquele que ela gerou com o próprio sangue e leite, assim também Cristo alimenta continuamente com o seu sangue aquele que Ele mesmo gerou" (Homilia III, destinada aos neófitos, 16-19 passim: SC 50 bis, 160-162).

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs

Amados peregrinos de língua portuguesa, humildes "Arautos do Evangelho", a todos saúdo e abençoo afectuosamente em Cristo ressuscitado, pedindo-lhe que derrame o seu Espírito sobre vós, as vossas famílias e comunidades cristãs, como fonte de água viva a jorrar até à eternidade. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos presentes nesta Audiência, de forma particular os jovens do Colégio de São José de Tivoli, de Bordéus, os jovens confirmandos da Diocese de Reims e os jovens dos Colégios de Santa Margarida Maria de Josselin e de São José, de Questembert. Cristo ressuscitado reavive em vós a sede e a fome para acolher a sua Palavra, pondo-vos ao serviço dos vossos irmãos.

Dou as cordiais boas-vindas aos peregrinos e visitantes de expressão inglesa aqui presentes, especialmente aos provenientes da Inglaterra, Finlândia, Gana, Coreia e Estados Unidos da América. Sobre vós e as vossas famílias, invoco a alegria e a paz do Senhor ressuscitado.
* * *
É com afecto que saúdo os peregrinos de língua espanhola, em especial o grupo de sacerdotes espanhóis que participam num curso de actualização no Pontifício Colégio de São José, e no "Els Amics del Corpus", de Valença, vindos para a bênção de uma "Roca" dedicada ao Santo Cálice, assim como os demais fiéis provenientes da Espanha, México e Argentina. Desejo-vos a todos que a vossa peregrinação a Roma neste tempo pascal vos cumule de alegria e vos torne corajosas testemunhas da Ressurreição do Senhor.

Agora, saúdo todos os peregrinos holandeses e belgas.
A vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos vos traz ao coração da Igreja, e constitui uma boa ocasião para uma renovação interior, segundo as palavras do Evangelho.
Concedo-vos de coração a Bênção Apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo com afecto os peregrinos húngaros, especialmente os arquivistas, a delegração da Rádio e da Televisão da Hungria, além do grupo dos seminaristas de Alba Iulia e os vencedores do concurso sobre temas da história eclesiástica.
Esta peregrinação vos revigore na união com a Cátedra de Pedro. Invoco de coração a Bênção Apostólica sobre todos vós.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo agora os peregrinos de língua italiana, entre os quais há muitos grupos de fiéis de paróquias e de outras associações. Em particular, dirijo um cordial pensamento aos representantes da Comissão Nacional para os "Monumentos ao Redentor" e aos Presidentes das Câmaras dos Municípios onde se encontram as 16 montanhas sobre cujos píncaros, no Ano Santo de 1900, o meu predecessor Leão XIII quis erguer outros tantos monumentos ao Redentor. Formulo cordiais votos a fim de que as iniciativas promovidas para comemorar este feliz acontecimento contribuam para suscitar em todos um renovado entusiasmo espiritual.

Além disso, saúdo os atletas e os familiares da Sociedade Desportiva Autolelli, de Áscoli Piceno, acompanhados pelo Bispo D. Silvano Montevecchi. Caríssimos, oxalá a vossa actividade contribua para fazer com que o desporto seja sempre um serviço à pessoa humana e favoreça o sereno desenvolvimento da juventude.

Enfim, dirijo um particular pensamento aos representantes da Dieci, que celebram o 60º aniversário de fundação, a qual teve lugar na localidade de Bassano del Grappa. Caríssimos, possa esta comemoração apoiar o vosso compromisso no anúncio da palavra de Deus, para a salvação das almas.

Agora, desejo dirigir um afectuoso pensamento aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Hoje, celebramos a Festa de São Marcos Evangelista, colaborador do Apóstolo Pedro e Mártir, que no Evangelho apresenta a vida do cristão como sequela de Jesus até à Cruz.

Transmito-vos a minha saudação a vós, queridos jovens, entre os quais há muitos estudantes e membros de grupos juvenis. Exorto todos vós a pordes-vos com generosidade na escola de Cristo, para aprender a seguir fielmente as suas pegadas. Exorto-vos, dilectos doentes, a acolher com fé as vossas provações, transformando-as em misteriosas, mas eloquentes manifestações do amor de Cristo. E a vós, estimados novos casais, faço votos para que vivais o dom do matrimónio como caminho de fé para ser generosos servidores do Evangelho da vida.



                                                                               Maio de 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 2 de maio de 2001

Toda a criatura louve ao Senhor


Queridos irmãos e irmãs,

1. "Obras do Senhor, bendizei todas o Senhor" (Da 3,57). Uma serenidade cósmica invade este Cântico tirado do livro de Daniel, que a Liturgia das Horas propõe para as Laudes do Domingo na primeira e terceira semanas. E esta maravilhosa oração de ladainha condiz bem com o Dies Domini, o Dia do Senhor, que em Cristo ressuscitado nos faz contemplar o ápice do desígnio de Deus sobre o cosmos e a história. Com efeito, n'Ele, Alfa e Ómega, Princípio e Fim da história (cf. Ap Ap 22,13), a própria criação adquire o sentido completo porque, como recorda João no prólogo do seu Evangelho "tudo começou a existir por meio d'Ele" (Jn 1,3). Na Ressurreição de Cristo encontra-se o vértice da história da salvação, abrindo a vicissitude humana para o dom do Espírito e da adopção filial, à espera do retorno do Esposo divino, que entregará o mundo a Deus Pai (cf. 1Co 15,24).

2. Neste trecho em forma de ladainha, são como que passadas em revista todas as coisas. O olhar volta-se para o sol, a lua e os astros; detém-se na imensidão das águas, eleva-se rumo às montanhas e contempla as várias situações atmosféricas; passa do calor ao frio, da luz às trevas; considera o mundo mineral e vegetal, analisando as diversas espécies animais. Depois, o apelo torna-se universal: chama ao princípio os anjos de Deus, atinge todos os "filhos do homem", mas empenha de forma especial o povo de Deus, Israel, os seus sacerdotes, os justos. É um coro imenso, uma sinfonia em que as várias vozes elevam o seu cântico a Deus, Criador do universo e Senhor da história. Recitado à luz da revelação cristã, ele dirige-se a Deus trinitário, como a liturgia nos convida a fazer, acrescentando ao Cântico uma fórmula trinitária: "Bendigamos ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo".

3. De certa forma, neste Cântico reflecte-se a alma religiosa universal, que no mundo vislumbra os vestígios de Deus, elevando-se à contemplação do Criador. Mas no contexto do livro de Daniel, o hino apresenta-se como acção de graças recitado por três jovens israelitas Ananias, Azarias e Misael condenados a morrer queimados numa fornalha, por se terem recusado a adorar a estátua de ouro de Nabucodonosor, mas milagrosamente preservados das chamas. Por detrás deste acontecimento há a singular história de salvação, em que Deus escolhe Israel como seu povo e com ele faz uma aliança. Os três jovens israelitas desejam ser fiéis precisamente a esta aliança, mesmo ao preço de irem ao encontro do martírio na fornalha ardente. A sua fidelidade encontra-se com a fidelidade de Deus, que envia um anjo para afastar deles as chamas (cf. Dn Da 3,49).

Desta forma, este Cântico coloca-se na linha dos cantos de louvor por um perigo evitado, contidos no Antigo Testamento. Entre eles, é famoso o cântico de vitória que aparece no capítulo 15 do Êxodo, onde os antigos hebreus exprimem o seu reconhecimento ao Senhor por aquela noite em que seriam inevitavelmente aniquilados pelo exército do faraó, se o Senhor não lhes tivesse aberto um caminho entre as águas, fazendo precipitar "no mar o cavalo e o cavaleiro" (v. 1).

4. Não é por acaso que, na solene vigília pascal, a liturgia nos faz repetir todos os anos o hino cantado pelos israelitas no Êxodo. Aquele caminho que lhes foi aberto anunciava profeticamente a nova senda que Cristo ressuscitado inaugurou para a humanidade na noite santa da sua Ressurreição dos mortos. A nossa passagem simbólica através das águas baptismais permite-nos reviver uma experiência análoga de passagem da morte para a vida, graças à vitória sobre a morte, que Jesus alcançou em favor de todos nós.

Ao repetirmos na liturgia dominical das Laudes o Cântico dos três jovens israelitas, nós discípulos de Cristo queremos colocar-nos na mesma onda de gratidão pelas grandes obras realizadas por Deus, tanto na criação como, sobretudo, no mistério pascal.

Com efeito, o cristão vislumbra aqui uma relação entre a libertação dos três jovens, de quem nos fala o Cântico, e a Ressurreição de Jesus. Nesta última, os Actos dos Apóstolos vêem realizada a oração dos fiéis que, como o Salmista, cantam com confiança: "Tu não abandonarás a minha alma na habitação dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça a decomposição" (Ac 2,27 Ps 15,10).

A relação deste Cântico com a Ressurreição é bastante tradicional. Existem antiquíssimos testemunhos da presença deste hino na oração do Dia do Senhor, que é a Páscoa semanal dos cristãos. Além disso, as catacumbas romanas conservam restos iconográficos em que se aparecem os três jovens que rezam incólumes no meio das chamas, testemunhando desta maneira a eficácia da oração e a certeza da intervenção do Senhor.

5. "Bendito sois Vós no firmamento dos céus, digno de louvor e glória eternos!" (Da 3,56). Ao entoar este hino na manhã de Domingo, o cristão sente-se grato não só pelo dom da criação, mas também porque é destinatário do cuidado paterno de Deus, que em Cristo o elevou à dignidade de filho.

Um cuidado paternal que nos faz considerar com um novo olhar a própria criação e apreciar a sua beleza, na qual se entrevê, como que em filigrana, o amor de Deus. É com estes sentimentos que Francisco de Assis contemplava a criação e elevava o seu louvor a Deus, nascente última de toda a beleza. Torna-se espontâneo imaginar que a exaltação deste texto bíblico ecoava na sua alma quando, em São Damião, depois de ter alcançado o vértice do sofrimento no corpo e no espírito, compôs o " Cântico do irmão sol" (cf. Fontes Franciscanas, 263).

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, dou as boas vindas a todos os presentes, de modo particular aos brasileiros do Círculo italiano do Espírito Santo, de Vitória, lembrando a cada um que foi criado para o louvor de Deus. Por isso, em tudo e sempre aprendei a dizer, como a Virgem Mãe, "a minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador". Sobre vós e os vossos, desça a minha Bênção.

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa presentes nesta audiência, em particular os membros da Faculdade de Direito canónico do Instituto católico de Paris, e todos os jovens. Que este tempo de Páscoa vos permita passar com Cristo da morte para a vida, para que sejais fervorosas testemunhas da esperança que Ele depôs em vós no dia do vosso baptismo! Com a minha Bênção apostólica.

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola. De modo especial a Peregrinação da Diocese de Valle de Pascua, Venezuela, presidida pelo seu Bispo, D. Joaquín Morón Hidalgo. Saúdo também o Coro da Catedral de Tarragona. Convido-vos a ser sempre fiéis ao Senhor, como os três jovens do Salmo que proclamámos.

Saúdo cordialmente os peregrinos croatas aqui presentes, e concedo de bom grado a Bênção apostólica a cada um deles e aos seus familiares.
Caríssimos, a celebração do Mistério pascal fortaleça em vós a esperança cristã e corrobore a vossa caridade para com Deus e para com o próximo.
Louvados sejam Jesus e Maria!

Saúdo calorosamente os peregrinos e visitantes de língua inglesa aqui presentes, sobretudo os que são provenientes da Inglaterra, Canadá e dos Estados Unidos da América. Ao dar graças ao Senhor neste tempo pascal pelas suas obras de salvação, invoco as suas abundantes bênçãos para vós e para as vossas famílias.

Saúdo de coração os peregrinos e visitantes de língua alemã. Dou as boas vindas em particular à associação de deficientes provenientes de Eroldsbach e aos fiéis da Diocese de Espira que festejam o seu aniversário de matrimónio. Alegro-me por ver hoje aqui na Praça de São Pedro numerosíssimos jovens e grupos de estudantes. Agradeço a presença da Orquestra da escola superior de Nuremberga e de Donau! O episódio evangélico dos três jovens homens na fornalha ardente são para nós um exemplo, uma prova de fé que nos nossos dias devemos superar. Concedo de coração a todos vós, bem como aos vossos queridos e a quantos nos ouvem através da Rádio Vaticana ou da televisão, a Bênção apostólica.


Desejo dirigir-me por fim, como é habitual, aos jovens, aos doentes e aos jovens casais.
Queridos jovens, iniciou-se ontem o mês de Maio, que o povo de Deus dedica a Maria Santíssima. Exorto-vos a pôr-vos todos os dias na sua escola para aprender dela a cumprir a vontade de Deus. Contemplando a Mãe de Cristo crucificado, vós, queridos doentes, sabei colher o valor salvífico de todas as cruzes, mesmo das mais pesadas. Confio-vos a vós, queridos jovens casais, à protecção materna da Virgem Santa, para que possais viver na vossa família o clima de oração e de amor da casa de Nazaré.



AUDIÊNCIAS 2001