AUDIÊNCIAS 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 13 de junho de 2001

O Senhor proclama solenemente a sua palavra




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Alguns estudiosos consideram o Salmo 28, que acabamos de recitar, como um dos textos mais antigos do Saltério. É poderosa a imagem que o sustém no seu desenvolvimento poético e orante: de facto, estamos perante o desencadear progressivo de uma tempestade. Ela é marcada no original hebraico por uma palavras, qol, que significa ao mesmo tempo "voz" e "trovão". Por isso alguns comentadores deram ao nosso texto o título de "Salmo dos sete trovões", devido ao número de vezes que essa palavra nele é repetida. Pode dizer-se, com efeito, que o Salmista concebe o trovão como um símbolo da voz divina que, com o seu mistério transcendente e inatingível, irrompe na realidade criada chegando ao ponto de a perturbar e amedrontar, mas que no seu significado mais profundo é palavra de paz e de harmonia. Aqui o pensamento vai para o capítulo 12 do IV Evangelho, onde a voz que, do céu, responde a Jesus, é entendida pela multidão como um trovão (cf. Jo Jn 12,28-29).

Ao propor o Salmo 28 para a oração das Laudes, a Liturgia das Horas convida-nos a assumir uma atitude de profunda e confiante adoração da Majestade divina.

2. São dois os momentos e os lugares aos quais o cantor bíblico nos conduz. No centro (cf. vv. 3-9) encontra-se a representação da tempestade que se desencadeia a partir da "extensão das águas" do Mediterrâneo. As águas marinhas, aos olhos do homem da Bíblia, encarnam a desordem que atenta contra a beleza e o esplendor da criação, chegando a corrompê-la, a destruí-la e a abatê-la. Por conseguinte, temos na observação da tempestade que se enfurece, a descoberta do poder imenso de Deus. Quem reza vê o furacão que se desloca para norte e cai na terra firme. Os cedros altíssimos do monte Líbano e do monte Sirion, chamado outras vezes Hermon, são arrancados pelos raios e parecem saltar sob os trovões como animais amedrontados. Os estrondos aproximam-se, atravessam toda a Terra Santa e descem para sul, nas estepes desérticas de Kades.

3. Após esta visão de grande movimento e tensão somos convidados a contemplar, por contraste, outro cenário que é representado no início e no final do Salmo (cf. vv. 1-2.9-11). Ao assombro e ao medo contrapõe-se agora a glorificação adorante de Deus no templo de Sião.

Há quase um canal de comunicação que une o santuário de Jerusalém com o santuário celeste: nestes dois âmbitos sagrados há paz e eleva-se o louvor à glória divina. O barulho ensurdecedor dos trovões é substituído pela harmonia do cântico litúrgico, o terror pela certeza da protecção divina. Agora Deus aparece "dominante sobre a tempestade" como "rei para sempre" (v. 10), isto é, como o Senhor e o Soberano de toda a criação.

4. Diante destes dois quadros antitéticos o orante é convidado a realizar uma dupla experiência. Em primeiro lugar, deve descobrir que o mistério de Deus, expresso no símbolo da tempestade, não pode ser apreendido e dominado pelo homem. Como canta o profeta Isaías, o Senhor, semelhante ao esplendor ou à tempestade, irrompe na história semeando pânico em relação aos perversos e aos opressores. Sob a intervenção do seu juízo, os adversários soberbos são destronados como árvores atingidas por um furacão ou como cedros despedaçados pelas flechas divinas (cf. Is Is 14,7-8).

Nesta luz é evidenciado aquilo que o pensador moderno (Rudolph Otto) qualificou como o tremendum de Deus, ou seja, a sua transcendência inefável e a sua presença de juíz justo na história da humanidade. Ela ilude-se em vão ao pensar que pode opor-se ao seu poder soberano. Também Maria exaltará no Magnificat este aspecto do agir de Deus: "Exerceu a força com o Seu braço e aniquilou os que se elevavam no seu próprio conceito. Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes" (Lc 1,51-52).

5. Mas o Salmo apresenta-nos outro aspecto do rosto de Deus, o que se descobre na intimidade da oração e na celebração da liturgia. Segundo o pensador mencionado, é o fascinosum de Deus, ou seja, o fascínio que provém da sua graça, o mistério do amor que se propaga no fiel, a segurança serena da bênção reservada para o justo. Até perante a confusão do mal, das tempestades da história, e da própria cólera da justiça divina, o orante se sente em paz, envolvido pelo manto de protecção que a Providência oferece a quem louva a Deus e segue os seus caminhos. Através da oração chega-se à consciência de que o verdadeiro desejo do Senhor consiste em conceder a paz.

No templo é restabelecida a nossa apreensão e cancelado o nosso terror; nós participamos na liturgia celeste com todos "os filhos de Deus", anjos e santos. E sobre a tempestade, semelhante ao dilúvio destruidor da maldade humana, curva-se então o arco-íris da bênção divina, que recorda "a aliança eterna concluída entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na terra" (Gn 9,16).

É esta, principalmente, a mensagem que se realça na leitura "cristã" do Salmo. Se os sete "trovões" do nosso Salmo representam a voz de Deus no universo, a expressão mais nobre desta voz é aquela com que o Pai, na teofania do Baptismo de Jesus, revelou a Sua identidade mais profunda como "Filho muito amado" ( par.). São Basílio escreve: "Talvez, e de maneira mais mística, "a voz do Senhor sobre as águas" ecoou quando veio uma voz do alto ao baptismo de Jesus e disse: Este é o Meu Filho muito amado. Então, de facto, o Senhor pairava sobre muitas águas, santificando-as com o baptismo. O Deus da glória ecoou do alto com a voz poderosa do seu testemunho... E podes também entender como "trovão" aquela mudança que, depois do baptismo, se realiza através da grande "voz" do Evangelho" (Homilias sobre os Salmos: ).

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Saúdo os ouvintes de língua portuguesa. Desejo a todos felicidades, paz e graça no Senhor. Faço votos para que a vossa visita a Roma traga frutos espirituais a cada um de vós e às vossas famílias.

Saúdo cordialmente os fiéis húngaros, sobretudo os que provêm de Nagykovácsi.
A recitação devota dos Salmos seja para todos nós alimento espiritual da vida cristã. Concedo-vos de coração a Bênção apostólica.

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo de coração os peregrinos da Lituânia, sobretudo os novos presbíteros de Telsiai!
A vós, ministros do amor infinito de Deus, nunca falte a coragem e a dedicaçao ao Senhor, para que possais continuar com proveito a pesca milagrosa dos Apóstolos segundo a palavra de Cristo. Acompanhe-vos a minha Bençao.

Louvado seja Jesus Cristo!

Queridos peregrinos da República Checa!

Dou as boas-vindas aos peregrinos da Associação de Deficientes de Praga e aos fiéis de Plzen.
A piedade dos católicos dedica o mês de Junho a uma devoção especial ao Sagrado Coração de Jesus. Confiemo-nos a Ele: Jesus, manso e humilde de coração, transforma os nossos corações e ensina-nos a amar Deus e o próximo com generosidade.

A Bençao de Deus desça sobre vós e sobre os vossos familiares.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo com afecto os fiéis eslovacos.

Queridos irmãos e irmãs, amanhã celebramos a Solenidade do Corpus Domini. Ela oferece-nos a ocasião para aprofundar a nossa fé e o nosso amor à Eucaristia.
Concedo-vos de coração a minha Bençao apostólica a vós e a todos as pessoas que vos são queridas.

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa presentes nesta audiência, sobretudo os jovens. O Deus-Trindade torne os vossos corações acolhedores à sua vida de comunhão presente em vós a partir do vosso Baptismo, para que anuncieis corajosamente a esperança do reino que há-de vir! Concedo a todos de coração a Bençao apostólica.

Por fim, dirijo uma cordial saudação aos jovens, aos doentes, e aos jovens casais. Caríssimos, a Solenidade iminente do Corpus Domini convida-nos a aprofundar a fé e o amor à Eucaristia.

Queridos jovens, o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo seja o vosso alimento espiritual de todos os dias, para progredir cada vez mais pelo caminho da santidade.

A Eucaristia seja para vós, queridos doentes, o amparo, a luz e o conforto na prova e no sofrimento.

E vós, jovens casais, sabei fundir na vossa união matrimonial o grande amor do qual Cristo nos deu provas, dando-nos o seu Corpo e o seu Sangue.

Maria vos proteja a todos.

Abençoo-vos de coração.





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 20 de junho de 2001

O Senhor entra no seu templo




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. O antigo cântico do Povo de Deus, que agora acabamos de ouvir, ressoava no fundo do templo de Jerusalém. Para poder captar com clareza a ideia-base que atravessa este hino, é necessário ter bem presentes três dos seus pressupostos fundamentais. O primeiro diz respeito à verdade da criação: Deus criou o mundo e é o seu Senhor. O segundo refere-se ao juízo ao qual Ele submete as suas criaturas: devemos apresentar-nos a Ele para sermos interrogados sobre o que realizamos. O terceiro é o mistério da vinda de Deus: Ele vem ao mundo e à história, e deseja ter livre acesso, para estabelecer com os homens uma relação de profunda comunhão. Um comentador moderno escreveu: "Estas são três formas elementares da experiência de Deus e da relação com Deus; nós vivemos por obra de Deus, perante Deus e podemos viver com Deus" (G. Ebeling, Sobre os Salmos, Bréscia 1973, pág. 97).

2. A estes três pressupostos correspondem as três partes do Salmo 23, que agora procuraremos aprofundar, considerando-as como três partes de um tríptico poético e orante. A primeira é uma breve aclamação ao Criador, ao qual pertence a terra com os seus habitantes (vv. 1-2). É uma espécie de profissão de fé no Senhor da criação e da história. A criação, segundo a antiga visão do mundo, é concebida como uma obra arquitectónica: Deus lança as bases da terra sobre o mar, símbolo das águas desordenadas e destruidoras, sinal do limite das criaturas, condicionadas pelo nada e pelo mal. A realidade está suspensa sobre este abismo e é a obra criadora e providencial de Deus que a conserva no ser e na vida.

3. Do horizonte cósmico a perspectiva do Salmista limita-se ao microcosmo de Sião, "o monte do Senhor". Estamos agora na segunda parte do Salmo (vv. 3-6). Estamos diante do templo de Jerusalém. A procissão dos fiéis dirige aos guardas da porta santa uma pergunta inicial: "Quem será digno de subir ao monte do Senhor? Quem poderá permanecer em seu lugar santo?". Os sacerdotes como se verifica também em alguns textos bíblicos chamados pelos estudiosos "liturgia de entrada" (cf. Sl Ps 14 Is 33,14-16 Mi 6,6-8) respondem fazendo o elenco das condições para poder ter acesso à comunhão com o Senhor no culto. Não se trata de normas meramente rituais e exteriores que devem ser cumpridas, mas de empenhos morais e existenciais a serem praticados. É quase como um exame de consciência ou um acto penitencial que precede a celebração litúrgica.

4. São três as exigências apresentadas pelos sacerdotes. Em primeiro lugar é preciso ter "mãos inocentes e um coração puro". "Mãos" e "coração" recordam a acção e a intenção, isto é, todo o ser do homem que deve estar radicalmente orientado para Deus e para a sua lei. A segunda exigência é a de "não dizer mentiras" que, na linguagem bíblica, não remete apenas para a sinceridade mas sobretudo para a luta contra a idolatria, sendo os ídolos falsos deuses, ou seja, "mentira". Desta forma, recorda-se o primeiro mandamento do Decálogo, a pureza da religião e do culto. Por fim, eis a terceira condição que diz respeito às relações com o próximo: "não jurar com perfídia contra o próximo". A palavra, como sabemos, numa civilização oral como era a do antigo Israel, não podia ser instrumento de engano, mas ao contrário, símbolo de relações sociais inspiradas na justiça e na rectidão.

5. Desta forma, chegamos à terceira parte que descreve indirectamente a entrada jubilosa dos fiéis no templo para se encontrarem com o Senhor (vv. 7-10). Num sugestivo jogo de apelos, perguntas e respostas, apresenta-se a revelação progressiva de Deus, marcada por três dos seus títulos solenes: "Rei da glória, Senhor forte e poderoso, Senhor dos exércitos". As portas do templo de Sião são personificadas e convidadas a levantar os seus dintéis para deixar entrar o Senhor que toma posse da sua casa.

O cenário triunfal, descrito pelo Salmo nesta terceira parte poética foi utilizada pela liturgia cristã do Oriente e do Ocidente para recordar tanto a vitoriosa descida de Cristo ao inferno, da qual fala a Primeira Carta de Pedro (cf. 3, 19), como a gloriosa ascensão ao céu do Senhor ressuscitado (cf. Act Ac 1,9-10). O mesmo Salmo ainda é cantado em coros alternados pela liturgia bizantina na noite pascal, da mesma forma como era utilizado pela liturgia romana, no final da procissão dos ramos, no segundo Domingo da Paixão. A solene liturgia da abertura da Porta Santa, durante a inauguração do Ano Jubilar, permitiu-nos reviver com intensa comoção interior os mesmos sentimentos vividos pelo Salmista quando atravessou a porta do antigo Templo de Sião.

6. O último título, "Senhor dos exércitos", não tem como poderia parecer à primeira vista um carácter marcial, mesmo se não exclui uma referência às tropas de Israel. Ao contrário, está dotado de um valor cósmico: o Senhor, que agora está para vir ao encontro da humanidade dentro do espaço limitado do santuário de Sião, é o Criador que tem por exército todas as estrelas do céu, ou seja, todas as criaturas do universo que lhe obedecem. No livro do profeta Baruc lê-se: "As estrelas brilham nos seus postos e alegram-se. Ele chama-as e elas respondem: "Aqui estamos". E, jubilosas, dão luz ao Seu criador" (Ba 3,34-35). O Deus infinito, omnipotente e eterno adapta-se às criaturas humanas, aproxima-se delas para as encontrar, ouvir e entrar em comunhão com elas. E a liturgia é a expressão deste encontro na fé, no diálogo e no amor.

Saudações

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, com votos de paz e graça no Senhor! Na perspectiva da Festa do Sagrado Coração, faço votos para que vos orienteis com tudo o que sois: alma, sentimentos, pensamentos, palavras e acções, trabalhos e alegrias para Jesus todo. E que, da visita a Roma, leveis avivada a própria fé e a consciência de serdes Igreja missionária, acolhendo o mandato de contribuir para a unidade de todos os homens, na verdade e no amor! Com a minha Bênção, extensiva aos que vos são queridos.

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola, em especial os grupos de Guadalajara e os grupos vindos da Espanha, México e outros países latino-americanos. Animo-vos a fazer dos salmos um instrumento para a oração pessoal e comunitária, pois neles descobrimos inspiração para encontrar o Senhor, na fé, no diálogo e no amor.

Dirijo uma cordial saudação a um grupo de peregrinos provenientes da República Checa, em particular de Brno.

No mês de Junho, nas igrejas da Boémia e da Morávia, canta-se muitas vezes: " Sim, ao Coração de Jesus prometemos fidelidade!". Permanecei fiéis ao seu amor e a vossa alegria será perfeita.

Com estes pensamentos, invoco de todo o coração sobre vós e os que vos são caros na vossa pátria, abundantes bênçãos do céu. Seja louvado Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos eslovacos vindos de Nitra e de Bratislava.

Queridos Irmãos e Irmãs, neste mês celebram-se na Eslováquia as Ordenações sacerdotais. Agradeçamos ao Senhor da messe por este dom de cento e dez novos sacerdotes e rezemos por eles, a fim de que sejam sacerdotes segundo o Coração de Jesus.

De boa vontade abençoo todos os novos sacerdotes, a vós e às vossas famílias. Seja louvado Jesus Cristo!

Saúdo os peregrinos de língua italiana. Em particular saúdo os associados da Congregação mariana das Casas de Caridade de Reggio Emilia e os membros da Associação Filhos do céu de Parma e os participantes no concurso Sobre as asas da fantasia, que se realiza nestes dias em Roma.

Caríssimos, ao dar a cada um de vós as minhas cordiais saudações, convido-vos a todos a perseverar nos respectivos compromissos, espalhando à volta de vós a serenidade e consolação cristãs, especialmente nas famílias provadas pela dor e as que sofrem no corpo ou no espírito. Que a oração seja a vossa força e o vosso amparo quotidiano.

Dia Mundial do Refugiado

Dirijo, depois, um afectuoso pensamento ao grupo de refugiados, acompanhados dos membros do Serviço dos Jesuítas para os Refugiados de Roma. Neste dia, declarado pelas Nações Unidas Dia Mundial do Refugiado, a vossa presença recorda-nos os 50 milhões de refugiados e de prófugos concentrados em algumas das regiões mais pobres do mundo. Desejo vivamente que os responsáveis das Nações saibam procurar soluções diligentes e eficazes, garantindo a ajuda necessária a fim de que as pessoas em exílio tenham condições de vida dignas de seres humanos.

A minha saudação vai, finalmente e como de costume, para os jovens, os doentes e os jovens casais. Está ainda vivo o eco da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, que celebrámos recentemente. Caros jovens, encontrai sempre na Eucaristia o alimento da vossa vida espiritual e deixai-vos modelar por Cristo, para serdes os seus arautos de esperança no mundo.
Vós, caros doentes, oferecei o vosso sofrimento ao Senhor, para continuar a espalhar o seu amor no coração dos homens, graças também à vossa misteriosa cooperação para os seus padecimentos salvíficos.

E vós, caros jovens casais, no caminho que iniciastes, aproximai-vos da Eucaristia com fé cada vez mais viva e renovada, para que, alimentados por Cristo, sejais famílias animadas de intensa vida espiritual e de concreto testemunho cristão.



                                                                     Julho de 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 4 de julho de 2001

A Peregrinação à Ucrânia




1. Desejo, hoje, percorrer convosco as etapas da viagem apostólica que consegui realizar nos últimos dias à Ucrânia. Agradeço a Deus que me tornou possível esta viagem, que me estava muito no coração. Ela pretendeu ser um acto de homenagem a um Povo, e à sua longa e gloriosa história de fé, de testemunho e de martírio.

Com um intenso afecto, penso de novo nos Irmãos Bispos da Ucrânia, orientais e latinos, que tive a alegria de abraçar na sua terra. Nessa ocasião, estavam presentes numerosos Cardeais e Bispos de outros Países, vindos para testemunhar a sua proximidade espiritual àquele Povo tão provado. Em conjunto com todos estes Irmãos no Episcopado agradeci ao Senhor pela fidelidade da Igreja ucraniana, que encorajei a crescer na comunhão e na colaboração, sem as quais não é possível haver autêntica e eficaz evangelização.

Daqui, junto do túmulo do Apóstolo Pedro, desejo ainda enviar uma saudação respeitosa e fraterna à Igreja Ortodoxa, que tem na Ucrânia um grande número de fiéis e que no decurso dos séculos enriqueceu a Igreja universal com o testemunho de fidelidade a Cristo da parte de tantos dos seus filhos.

Renovo a expressão do meu vivo reconhecimento ao Presidente da República, Senhor Leonid Kucma e às outras Autoridades do Estado, que me acolheram com grande cordialidade e orientaram todas as coisas para o pleno exito desta viagem. Pude manifestar-lhes estes sentimentos também no decurso do encontro com os representantes do mundo politico, cultural, cientifico e económico, realizado no Palácio Presidencial na própria tarde da minha chegada a Kiev. Nessa ocasiao, pus em evidencia, ainda, o caminho de liberdade e de esperança empreendido pela Ucrânia que, depois de um século de durissimas provas, é agora chamada a consolidar melhor a sua identidade nacional e europeia, permanecendo firme nas suas raizes cristas.

2. Kiev é o berço do cristianismo na Europa oriental. A Ucrânia, de onde há mais de mil anos irradiaram a fé e a civilizaçao crista no Oriente europeu, constitui um significativo "laboratório", onde coexistem as tradições cristas oriental e latina.

Foi para mim uma experiencia inesquecivel presidir em Kiev e Lviv às solenes celebrações eucaristicas em rito latino e em rito bisantino-ucraniano. Foi como viver a liturgia "a dois pulmões". Assim era no fim do primeiro milénio, depois do Baptismo da Rus' e antes da infausta divisao entre o Oriente e o Ocidente. Rezámos em comum para que a diversidade das tradições nao impeça a comunhao na fé e na vida eclesial. "Ut unum sint": as palavras da angustiosa oraçao de Cristo ressoaram de modo eloquente naquela "terra de limites", cuja história leva escrita no sangue a chamada a ser "ponte" entre irmaos divididos. Senti esta peculiar vocaçao ecuménica da Ucrânia ao encontrar o Conselho Pan-ucraniano das Igrejas e das Organizações religiosas.

Dele fazem parte representantes das Igrejas cristas, da Comunidade muçulmana e hebraica e de outras Confissões religiosas. Trata-se de uma instituiçao que promove os valores espirituais, favorecendo um clima de entendimento entre Comunidades religiosas diversas. E isto é tanto mais importante num Pais que suportou de maneira muito pesada a coacçao da liberdade religiosa.

Como nao recordar que, ao lado de muitos cristaos, também um grande nùmero de hebreus foi vitima do fanatismo nazista e muitos muçulmanos foram duramente perseguidos pelo regime soviético? Todos os que acreditam em Deus, rejeitando toda a forma de violencia, sao chamados a alimentar as imprescindiveis raizes religiosas de todo o humanismo autentico.

3. A minha peregrinaçao quis ser uma homenagem à santidade naquela terra regada pelo sangue dos mártires. Em Leopoli, capital cultural e espiritual da regiao ocidental do Pais e sede dos dois Arcebispos, o Cardeal Lubomyr Husar, para os greco-católicos e Marian Jaworski para os latinos, tive a alegria de proclamar beatos trinta filhos da Ucrânia, quer latinos quer greco-católicos.

Sao: o Bispo Mykola Carneckj e vinte e quatro Companheiros, mártires, entre os quais sete Bispos, treze sacerdotes, tres religiosas e um leigo, heróicas testemunhas da fé durante o regime comunista; Omeljan Kovc, sacerdote e mártir sob a ocupaçao nazista; o Bispo Teodor Romza, zeloso Pastor, que pagou com a vida a fidelidade sem hesitações à Sé de Pedro; José Bilczewski, estimado professor de teologia e exemplar Arcebispo de Leopoli dos Latinos; Zygmunt Gorazdowski, sacerdote, incansável apóstolo da caridade e da misericórdia; Josaphata Hordashevska, religiosa, fundadora das Irmas Servas de Maria Imaculada.

Possa a Ucrânia encontrar um renovado entusiasmo apostólico através do património de santidade deixado por estes exemplares discipulos de Cristo e por tantos outros que eles, de algum modo, representam. A sua herança, de modo particular a dos mártires, pede que seja solidamente guardada e comunicada às novas gerações.

Tal dever diz respeito em primeiro lugar aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, activamente empenhados no apostolado. Os meus votos sao os de que um rico florescimento de vocações assegure a necessária substituiçao para um eficaz serviço pastoral ao Povo de Deus.
4. Nesta perspectiva, é significativo que, entre as duas cerimónias de beatificaçao em Leopoli, se tenha realizado o esperado encontro com os jovens. A eles, esperança da Igreja e da sociedade civil, indiquei Cristo: só Ele tem "palavras de vida eterna" (Jn 6,68) e conduz à verdadeira liberdade. Confiei simbolicamente à Ucrânia "jovem" a Lei divina do Decálogo, como bùssola indispensável para o seu caminho, pondo-a a resguardo dos idolos de um falso bem-estar material e da tentaçao de fugir às próprias responsabilidades.

Enquanto tenho fixas na mente e no coraçao as imagens desta visita e das suas várias etapas, peço ao Senhor que abençoe os esforços de quantos, naquela amada Naçao, se dedicam ao serviço do Evangelho e à procura do verdadeiro bem do homem, de todos os homens. Neste momento, penso em tantas situações de sofrimento e de dificuldade, entre as quais a dos encarcerados, a quem envio a minha saudaçao afectuosa, assegurando-lhes uma especial lembrança na minha oraçao.
Confio os bons propósitos de cada um à intercessao de Maria Santissima, venerada com terna devoçao em numerosos Santuários do Pais.

Ao Povo ucraniano renovo os meus votos de prosperidade e de paz, abraçando-os a todos com simpatia e afecto. Deus sare todas as feridas daquele grande Povo e o guie para um novo futuro de esperança.

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Saúdo todos os peregrinos e visitantes de língua portuguesa. Em particular, o grupo da Paróquia de Cantanhede, de Portugal, e outro da Paróquia de São Pedro, do Rio de Janeiro. Sede bem-vindos! O Deus da paz e da misericórdia ajude a reconciliar os corações contritos, unindo as famílias e as comunidades com os laços da caridade e da partilha fraterna. Com a minha Bênção apostólica.

Dirijo a minha cordial saudação aos peregrinos lituanos!
Faço votos para que o Senhor vos cumule de graças abundantes a fim de que, através da oração, possais encontrar sempre a paz e a alegria que Deus nos quer conceder. Por isso, abençoo-vos com afecto a todos vós e aos vossos entes queridos.
Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os fiéis húngaros, de maneira especial os alunos das escolas católicas de Budapeste e de Székesfehérvár.
O Verão seja para vós um período de descanso e de recuperação das forças.
Concedo-vos a todos a minha cordial Bênção apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

Enfim, dirijo uma saudação especial aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

Hoje celebramos a memória litúrgica do Beato Piergiorgio Frassati. O tenaz exemplo de fidelidade a Cristo, oferecido por este jovem Beato vos revigore, queridos rapazes e queridas jovens, no generoso propósito de dar testemunho do Evangelho em cada circunstância da vida. O Beato Piergiorgio Frassati vos ajude, estimados doentes, a oferecer os vossos sofrimentos quotidianos em comunhão com toda a Igreja, para que no mundo se realize a civilização do amor; e vos sustente, dilectos novos casais, na edificação da vossa família sobre o sólido fundamento da união íntima com Deus.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 25 de julho de 2001




Deus castiga e salva

1. "De toda a minha alma louvarei o meu Deus, Rei do céu" (Tb 13,9). Quem pronuncia estas palavras, no cântico agora proclamado, é o velho Tobi, do qual o Antigo Testamento traça uma breve história edificante, no livro que toma o nome do filho, Tobias.

Para compreender plenamente o sentido deste hino, é preciso considerar as páginas narrativas que o precedem. A história passa-se entre os israelitas exilados em Nínive. O autor sagrado olha para eles, escrevendo muitos séculos depois, para os apontar aos irmãos e irmãs de fé, dispersos no meio de um povo estrangeiro e tentados a abandonar as tradições de seus pais. O retrato de Tobi e da sua família é oferecido como um programa de vida. Ele é o homem que, apesar de tudo, permanece fiel à lei e, em particular, à prática da esmola. Sobre ele se abate a infelicidade com a chegada inesperada da pobreza e da cegueira, mas não lhe falta a fé. E a resposta de Deus não tarda a chegar, através do anjo Rafael, que guia o jovem Tobias numa viagem perigosa, preparando-o para um matrimónio feliz e, enfim, curando o pai Tobi da cegueira.

A mensagem é clara: quem faz o bem, sobretudo abrindo o coração à necessidade do próximo, agradará ao Senhor e, ainda que seja posto à prova, experimentará, por fim, a Sua benevolência.

2. É sobre este fundo que tomam todo o seu realce as palavras do nosso hino. Ele convida a olhar para o alto, para "Deus que vive eternamente", para o seu reino que "dura por todos os séculos". A partir deste olhar voltado para Deus se desenvolve um breve esboço de teologia da história, em que o Autor sagrado procura responder à interrogação que o Povo de Deus, disperso e provado, apresenta a si mesmo: porque é que Deus nos trata assim? A resposta faz um apelo conjunto à justiça e à misericórdia divina: "castiga-vos por causa das vossas iniquidades, mas a seguir, compadece-se de vós" (cf v. 5). O castigo aparece assim como uma espécie de pedagogia divina, onde, todavia, a última palavra é sempre reservada à misericórdia: "Ele castiga e compadece-se, conduz ao sepulcro e dele faz sair; nada existe que escape à sua mão" (v. 2 ).

Podemos, pois, confiar de modo absoluto em Deus, que nunca abandona a sua criatura. Aliás, as palavras do hino conduzem-nos a uma perspectiva, que atribui um significado salvífico à própria situação de sofrimento, fazendo do exílio uma ocasião para testemunhar as obras de Deus: " louvai-O, filhos de Israel, diante dos gentios, porque Ele dispersou-vos no meio deles, para proclamar a sua grandeza" (vv. 3-4).

3. Deste convite a ler o exílio como chave providencial, a nossa meditação pode alargar-se na consideração do sentido misteriosamente positivo que assume a condição de sofrimento, quando é vivida no abandono à vontade de Deus. Algumas passagens no Antigo Testamento, esboçam já este tema. Basta pensar na história narrada pelo livro do Génesis, sobre José vendido pelos irmãos (cf. Gn Gn 37,2-36) e destinado a ser, no futuro, o seu salvador. E como esquecer o livro de Job? Aqui, é verdadeiramente o homem inocente que sofre e não encontra explicação para o seu drama, senão confiando na grandeza e sabedoria de Deus (cf. Job Jb 42,1-6).

Para nós, que lemos cristãmente estas passagens do Antigo Testamento, o ponto de referência não pode deixar de ser a Cruz de Cristo, na qual se encontra uma resposta profunda para o mistério da dor no mundo.

4. Aos pecadores que são julgados pelas suas injustiças (cf. v. 5), o hino de Tobi dirige um apelo à conversão e abre a perspectiva maravilhosa de uma "recíproca" conversão de Deus e do homem: "Convertei-vos a Ele, com todo o vosso coração e com toda a vossa alma, para praticar a verdade na sua presença. Ele voltar-Se-á para vós e não vos ocultará a Sua face" (v. 6). É muito eloquente este uso da mesma palavra "conversão" para a criatura e para Deus, embora com significado diverso.

Se o autor do Cântico pensa, porventura, nos benefícios que acompanham o "regresso" de Deus, ou seja, o seu renovado favor para com o povo, nós devemos pensar sobretudo, à luz do mistério de Cristo, no dom que consiste no próprio Deus. O homem tem necessidade dele, mesmo mais do que dos seus dons. O pecado é uma tragédia não tanto porque nos atrai os castigos de Deus, mas porque O repele do nosso coração.

5. Por isso, é para o rosto de Deus considerado como Pai que o Cântico dirige o nosso olhar, convidando-nos à bênção e ao louvor: "Ele é o nosso Senhor e o nosso Deus, é o nosso Pai" (v. 4). Descobre-se que o sentido desta especial "filiação" que Israel experimenta como dom de aliança e que prepara o mistério da encarnação do Filho de Deus. Então, em Jesus, resplandecerá o rosto do Pai e será revelada a sua misericórdia sem limites.

Bastaria pensar na parábola do Pai misericordioso narrada pelo evangelista Lucas. À conversão do filho pródigo não corresponde só o perdão do Pai, mas um abraço de infinita ternura, acompanhado da alegria e da festa: "Ainda estava longe quando o pai o viu e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos" (Lc 15,20). As expressões do nosso Cântico estão na linha desta comovente imagem evangélica. E dela nasce a necessidade de louvar e agradecer a Deus: "Contemplai, agora, o que fez por nós, rendei-lhe graças com a vossa boca: bendizei o Senhor da justiça e exaltai o Rei dos séculos" (v. 7).
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Saúdo afectuosamente os grupos citados de Portugal e do Brasil e demais peregrinos de língua portuguesa. Os passos da vossa romagem detiveram-se nesta Cidade banhada pelo sangue de tantos mártires; como sabeis, foi-lhes concedido subir até Deus a partir das maiores tribulações. A mesma graça vos será dada, se procurardes ver Deus em todas as horas da vida. Sobre vós, vossas famílias e comunidades cristãs, desça a minha Bênção Apostólica.





                                                                            Agosto de 2001


AUDIÊNCIAS 2001