AUDIÊNCIAS 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 1° de agosto de 2001


Segui o caminho que os jovens do mundo começaram no Ano do grande Jubileu!



Prezados Irmãos e Irmãs
Queridos Jovens

1. Hoje a Praça de São Pedro é a praça da juventude. Há cerca de um ano, no centro do Grande Jubileu do Ano 2000, encontraram aqui um afectuoso acolhimento os jovens provenientes de todo o mundo para a celebração da Jornada Mundial da Juventude. Hoje esta Praça, que hospeda a milésima Audiência geral desde quando a Providência divina me chamou para ser Sucessor do Apóstolo Pedro, abre-se aos milhares de jovens, vindos de toda a Europa em peregrinação ao túmulo do Príncipe dos Apóstolos.

Caríssimos ministrantes! Ontem atravessastes em longa procissão a Praça de São Pedro para vos aproximardes do altar da Confissão da Basílica. Prolongastes assim, de certa forma, o caminho que os jovens do mundo iniciaram no Ano Santo. O lema da vossa peregrinação à Cidade Eterna: "Rumo ao mundo novo" é um sinal da vossa vontade de tomar a sério a vocação cristã.

2. Saúdo-vos com afecto, a vós amados jovens, e sinto-me feliz por este encontro ter sido realizado. Agradeço em particular ao Bispo Auxiliar de Basileia, D. Martin Gächter, Presidente do Coetus Internationalis Ministrantium que, em vosso nome, me dirigiu palavras muito cordiais.

Dirijo-me com particular alegria aos ministrantes de língua alemã, que compõem o grupo mais numeroso. É bom que tantos jovens cristãos tenham vindo da Alemanha!

O vosso compromisso no altar não é só um dever, mas uma grande honra, um autêntico serviço santo. A propósito deste serviço, desejo propor-vos algumas reflexões.

A veste do ministrante é particular. Ela recorda um hábito que cada qual veste quando é acolhido em Jesus Cristo na comunidade. Refiro-me à veste baptismal, de que São Paulo esclarece o significado profundo: "Todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo" (Ga 3,27).

Embora vós, queridos ministrantes, já não tenhais as vestes baptismais, vestistes a dos ministrantes. Sim, o baptismo é o ponto de partida do vosso "autêntico serviço litúrgico", que vos coloca ao lado dos vossos Bispos, sacerdotes e diáconos (cf. Sacrosanctum concilium, 29).

3. O ministrante ocupa um lugar privilegiado nas celebrações litúrgicas. Quem serve na Missa, apresenta-se a uma comunidade. Experimenta de perto que em cada acto litúrgico Jesus Cristo está presente e operante. Jesus está presente quando a comunidade se reúne para rezar e louvar a Deus. Jesus está presente na Palavra das Sagradas Escrituras. Jesus está presente sobretudo na Eucaristia nas espécies do pão e do vinho. Ele age por meio do sacerdote que in persona Christi celebra a Santa Missa e administra os Sacramentos.

Desta forma, na liturgia, sois muito mais do que simples "ajudantes do pároco". Sois sobretudo servidores de Jesus Cristo, do eterno Sumo Sacerdote. Assim vós, ministrantes, sois chamados em particular a ser jovens amigos de Jesus. Empenhai-vos em aprofundar e cultivar esta amizade com Ele. Descobrireis que encontrastes em Jesus um verdadeiro amigo para a vida.

4. Muitas vezes o ministrante tem na mão uma vela. Não podemos deixar de pensar no que disse Jesus no Sermão da Montanha: "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,14). O vosso serviço não se pode limitar ao interior de uma igreja. Ele deve irradiar-se na vida de todos os dias: na escola, na família e nos vários âmbitos da sociedade. Pois quem deseja servir Jesus Cristo dentro de uma igreja deve ser sua testemunha em toda a parte.

Queridos jovens! Os vossos contemporâneos esperam a verdadeira "luz do mundo" (cf. Jo Jn 1,9).

Não tenhais o vosso castiçal só dentro da igreja, mas levai a chama do Evangelho a quantos se encontram nas trevas e vivem um momento difícil da sua existência.

5. Falei da amizade com Jesus. Como ficaria contente se desta amizade brotasse algo mais! Como seria bom se alguns de vós pudessem descobrir a vocação para o sacerdócio! Jesus Cristo tem urgente necessidade de jovens que se ponham à sua disposição com generosidade e sem reservas.

Além disso, não poderia o Senhor chamar também algumas de vós, moças, a abraçar a vida consagrada para servir a Igreja e os irmãos? Também para quantos desejam unir-se em matrimónio, o serviço de ministrante ensina que uma autêntica união deve incluir sempre a disponibilidade ao serviço recíproco e gratuito.
*****


Saúdo ao Presidente da União Internacional de Acólitos e a todos os coroinhas aqui presentes. Faço votos de que todos possam, através da posição privilegiada nas celebrações litúrgicas, servir a Eucaristia com humildade e devoção e colaborar com generosidade pela dignidade do culto. A todos dou minha Bênção que de bom grado estendo aos peregrinos portugueses aqui presentes de Viseu e da Paróquia de Tires de Lisboa.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 8 de agosto de 2001




Salmo 32
Hino à providência de Deus

1. Distribuído em 22 versículos, tantos quanto é o número de letras do alfabeto hebraico, o Salmo 32 é um cântico de louvor ao Senhor do universo e da história. Um frémito de alegria invade-o desde as primeiras expressões: "Exultai, ó justos, no Senhor, aos rectos de coração pertence o louvor. Louvai o Senhor com a cítara: cantai-lhe salmos com a harpa decacorde. Cantai-lhe um cântico novo, tocai os instrumentos com arte, entre orações" (vv. 1-3). Por conseguinte, esta aclamação (tern'ah) é acompanhada pela música e é expressão de uma voz interior de fé e de esperança, de felicidade e de confiança. O cântico é "novo", não só porque renova a certeza da presença divina no âmbito da criação e das vicissitudes humanas, mas também porque antecipa o louvor perfeito que se entoará no dia da salvação definitiva, quando o Reino de Deus chegar à sua actuação gloriosa.

É precisamente para a realização final em Cristo que olha São Basílio, o qual explica este trecho da seguinte forma: "Habitualmente, chama-se "novo" o que é inusitado ou o que acaba de nascer. Se pensas no modo maravilhoso e superior a qualquer imaginação da encarnação do Senhor, cantas necessariamente um cântico novo e extraordinário. E se percorres com a mente a regeneração e a renovação de toda a humanidade, envelhecida pelo pecado, e anuncias os mistérios da ressurreição, também cantas um cântico novo e extraordinário" (Homilia sobre o Ps 32,2, PG 29, 327). Em síntese, segundo São Basílio o convite do salmista que diz: "Cantai-lhe um cântico novo", para os crentes em Cristo significa: "Honrai a Deus, não segundo o antigo costume da "letra", mas na novidade do "espírito". De facto, quem não compreende a Lei sob o aspecto exterior, e todavia reconhece o seu "espírito", canta um "cântico novo"" (ibid.).

2. No seu corpo central, o hino divide-se em três partes que se compõem como uma trilogia de louvor. Na primeira (cf. vv. 6-9) celebra-se a palavra criadora de Deus. A admirável arquitectura do universo, semelhante a um templo cósmico, desabrochou e cresceu não através de uma luta entre deuses, como sugeriam algumas cosmogonias do antigo Próximo Oriente, mas apenas com base na eficaz palavra divina. Precisamente como ensina a primeira página do Génesis (cf. cap. 1): "Deus disse... e tudo foi feito". De facto, o Salmista repete: "Porque Ele falou e as coisas existiram. Ele mandou e as coisas subsistiram" (v. 9).

O orante reserva um relevo especial ao controle das águas do mar porque, na Bíblia, elas são o sinal do caos e do mal. Apesar dos seus limites, o mundo é contudo mantido no seu ser pelo Criador que, como recorda o livro de Job, ordena que o mar se detenha no litoral: "Chegarás até aqui, mas não irás mais além; aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas" (38, 11).

3. O Senhor também é o soberano da história humana, como está escrito na segunda parte do Salmo 32, nos versículos 10-15. Com uma vigorosa antítese, opõem-se os projectos dos poderes terrenos e o desígnio admirável que Deus está a traçar na história. Quando querem ser alternativos, os programas humanos introduzem a injustiça, o mal e a violência, pondo-se contra o projecto divino de justiça e salvação. E apesar dos êxitos transitórios ou aparentes, limitam-se a simples conjuras, que se destinam a dissolver-se e a falir. No livro bíblico dos Provérbios declara-se sinteticamente: "Há muitos projectos no coração do homem, mas é a vontade do Senhor que prevalece" (19, 21). De maneira análoga, o Salmista recorda-nos que, do céu, sua habitação transcendente, Deus acompanha todos os itinerários da humanidade, mesmo os que são insensatos e absurdos, e intui todos os segredos do coração humano.

"Onde quer que tu vás, tudo o que tu realizas, quer nas trevas, quer à luz do dia, o olhar de Deus observa-te", comenta São Basílio (Homilia sobre o Ps 32,8, PG 29, 343). Feliz será o povo que, acolhendo a revelação divina, seguir as suas indicações de vida, percorrendo as suas veredas nos caminhos da história. No final só permanece uma coisa: "Somente o plano do Senhor subsiste para sempre, os desígnios do Seu coração, por todas as idades" (v. 11).

4. A terceira e última parte do Salmo (cf. vv. 16-22) retoma de dois pontos de vistas novos o tema do senhorio único de Deus sobre as vicissitudes humanas. Em primeiro lugar, por parte dos poderosos, convidados a não se iludirem no que se refere à força militar dos exércitos e das cavalarias. Depois, por parte dos fiéis, muitas vezes oprimidos, famintos e à beira da morte: são convidados a ter esperança no Senhor que não os deixará precipitar no abismo da destruição.

Revela-se, desta forma, também a função "catequética" deste Salmo. Ele transforma-se num apelo à fé num Deus que não é indiferente à arrogância dos poderosos e que está próximo das debilidades da humanidade, elevando-a e apoiando-a se tem esperança, se n'Ele confia, se a Ele eleva a súplica e o louvor.

"A humildade dos que servem a Deus explica ainda São Basílio mostra que eles esperam na sua misericórdia. De facto, quem não tem confiança nos seus grandes empreendimentos, nem espera ser justificado pelas suas obras, tem como única esperança de salvação a misericórdia de Deus" (Homilia sobre o Ps 32,10, PG 29, 347).

5. O Salmo termina com uma antífona que foi inserida no final do conhecido hino Te Deum: "Venha sobre nós, Senhor, o Vosso amor, pois esperamos em Vós" (v. 22). Graça divina e esperança humana encontram-se e abraçam-se. Aliás, a fidelidade amorosa de Deus (segundo o valor da palavra hebraica original usada aqui, hésed), semelhante a um manto, envolve-nos, aquece-nos e protege-nos, oferecendo-nos serenidade e dando um fundamento certo à nossa fé e esperança.
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Amados peregrinos de língua portuguesa, com uma afectuosa saudação dou-vos a minha Bênção, penhor de graça e misericórdia sobre vós e vossos entes queridos que possam, como um manto, resguardar- -vos de todo o mal, dando-vos serenidade e servindo-vos de apoio na vossa fé, esperança e caridade. Assim Deus vos guarde!





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 22 de agosto de 2001


Malícia do pecador, bondade do Senhor

1. Cada vez que tem início um dia de trabalho e de relacionamentos humanos, duas são as atitudes fundamentais que cada homem pode assumir: escolher o bem, ou então ceder ao mal. O Salmo 35, que acabamos de ouvir, apresenta precisamente estes dois perfis antitéticos. Por um lado, há quem desde o seu "leito", de onde está para se levantar, medita projectos iníquos; por outro, ao contrário, há quem procura a luz de Deus, "fonte da vida" (v. 10). O abismo da malícia do ímpio opõe-se ao abismo da bondade de Deus, nascente viva que sacia e luz que ilumina o fiel.

Por isso, dois são os tipos de homem descritos pela oração salmista, que acaba de ser proclamada, e que a Liturgia das Horas nos propõe para as Laudes de quarta-feira da primeira Semana.

2. O primeiro retrato que o Salmista nos apresenta é o do pecador (cf. vv. 2-5). No seu interior como diz o original hebraico encontra-se o "oráculo do pecado" (cf. v. 2). A expressão é forte. Faz pensar numa palavra satânica que, em contraste com a palavra divina, ressoe no coração e na linguagem do ímpio.

Nele o mal parece conatural com a sua íntima realidade, de maneira a manifestar-se em palavras e actos (cf. vv. 3-4). Ele passa os seus dias a escolher "maus caminhos", desde muito cedo, quando ainda está "no seu leito" (v. 5), até à noite, quando está prestes a adormecer. Esta escolha constante do pecador deriva de uma opção que empenha toda a sua existência e gera a morte.

3. Mas o Salmista está totalmente orientado para o outro retrato em que ele deseja reflectir-se: o do homem que procura o rosto de Deus (cf. vv. 6-13). Ele eleva um verdadeiro e próprio cântico ao amor divino (cf. vv. 6-11) al qual faz seguir, no final, uma suplicante invocação para ser libertado do fascínio obscuro do mal e imbuído para sempre pela luz da graça.

Neste cântico desenvolve-se uma verdadeira e própria ladainha de termos, que celebram os lineamentos do Deus de amor: graça, fidelidade, justiça, juízo, salvação, sobra protectora, abundância, delícia, vida e luz. Salientem-se, em particular, quatro destes traços divinos, expressos com vocábulos hebraicos que têm um valor mais intenso do que é demonstrado pela tradução nas línguas modernas.

4. Em primeiro lugar há o termo hésed, "graça", que é fidelidade e, ao mesmo tempo, amor, lealdade e ternura. Constitui um dos termos fundamentais para exaltar a aliança entre o Senhor e o seu povo. E é significativo que ele ressoe por 127 nos Salmos, mais de metade de todas as vezes que esta palavra aparece no restante do Antigo Testamento. Além disso, há o termo 'emunáh, que deriva da mesma raiz do amen, a palavra da fé, e significa estabilidade, segurança e fidelidade inabalável. A seguir, vem a palavra sedaqáh, a "justiça", que tem um significado sobretudo salvífico: é a atitude santa e providencial de Deus que, através da sua intervenção na história, liberta do mal e da injustiça os seus fiéis. Enfim, eis a mishpát, o "juízo" com que Deus governa as suas criaturas, debruçando-se sobre os pobres e os oprimidos, e derrubando os arrogantes e os prepotentes.

Quatro palavras teológicas, que o orante repete na sua profissão de fé, enquanto se encaminha pelas sendas do mundo, convicto de ter ao seu lado o Deus amoroso, fiel, justo e salvador.

5. Aos vários títulos com que exalta a Deus, o Salmista acrescenta duas imagens sugestivas. Por um lado, a abundância de alimentos: ela faz pensar, em primeiro lugar, no banquete sagrado, que se celebrava no templo de Sião, com a carne das vítimas sacrificais. Há também a fonte e a torrente, cujas águas saciam não apenas a garganta sedenta, mas também a alma (cf. vv. 9-10; Ps 41,2-3 Ps 62,2-6). O Senhor sacia e dessedenta o orante, tornando-o partícipe da sua vida plena e imortal.

A outra imagem é representada pelo símbolo da luz: "Na vossa Luz é que vemos a luz" (v. 10).

Trata-se de uma luminosidade que se irradia como que "a cântaros" e é um sinal da revelação de Deus ao seu fiel. Assim aconteceu com Moisés no Sinai (cf. Êx Ex 34,29-30) e assim acontece com o cristão, na medida em que, "com o rosto descoberto, com o rosto reflectindo a glória do Senhor, como um espelho, é transformado nessa mesma imagem" (cf. 2Co 3,18).

Na linguagem dos Salmos, "ver a luz do rosto de Deus" significa concretamente encontrar o Senhor no templo, onde se celebra a oração litúrgica e se escuta a palavra divina. Também o cristão vive esta experiência, quando celebra os louvores do Senhor na aurora do dia, antes de se encaminhar pelas sendas nem sempre lineares da vida quotidiana.
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Saúdo cordialmente os ouvintes de língua portuguesa, em especial os peregrinos anunciados de Portugal: os Arautos do Evangelho, e um grupo de visitantes do Porto. Do Brasil, um grupo de visitantes do Rio de Janeiro. Grato pela vossa presença, desejo-vos todo o bem. Que a festa de hoje, dedicada à realeza de Nossa Senhora, aumente a confiança na sua poderosa intercessão, a fim de proteger vossos lares e vossas comunidades. Com a minha Bênção Apostólica.








JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 29 de agosto de 2001

O Senhor é criador do mundo e protege o seu povo




Queridos irmãos e irmãs,

1. O Cântico de louvor que acabamos de proclamar (cf. Jdt Jdt 16,1-17) é atribuído a Judite, uma heroína que se tornou o orgulho de todas as mulheres de Israel, porque a ela coube exprimir o poder libertador de Deus num momento dramático da vida do seu povo. Deste seu cântico, a liturgia das Laudes faz-nos recitar apenas alguns versículos. Eles convidam a fazer festa, cantando em sintonia de vozes, tocando timbales e címbalos, para louvar o Senhor que "põe fim às guerras" (v. 2).

Esta última expressão, que define o verdadeiro rosto de Deus que ama a paz, introduz-nos no contexto em que nasceu o hino. Trata-se de uma vitória alcançada pelos Israelitas de maneira totalmente surpreendente, por obra de Deus que intervém para os subtrair à perspectiva de uma derrota iminente e total.

2. O Autor sagrado reconstrói este acontecimento alguns séculos mais tarde, a fim de oferecer aos irmãos e irmãs na fé, tentados pelo desencorajamento numa situação difícil, um exemplo que os possa animar. Desta forma, recorre ao que acontecera em Israel quando Nabucodonosor, irritado com a indisponibilidade deste povo perante os seus projectos de expansão e as suas pretensões idolátricas, enviara o general Holofernes com a tarefa bem definida de o dominar e aniquilar. Ninguém devia resistir a ele, que reivindicava as honras de um deus. E o seu general, compartilhando a sua presunção, desprezara a admoestação, que também ele recebera, de não atacar Israel, porque seria como ofender o próprio Deus.

Em última análise, o Autor sagrado deseja recordar precisamente este princípio, para confirmar os crentes do seu tempo na fidelidade ao Deus da Aliança: é preciso ter confiança em Deus. O verdadeiro inimigo que Israel deve temer não são os poderosos desta terra, mas a infidelidade ao Senhor. Ela priva-o da protecção de Deus e torna-o vulnerável. Ao contrário, quando é fiel o povo pode contar com a própria força de Deus, "magnífico no seu poder e invencível" (cf. v. 13).

3. Este princípio é maravilhosamente ilustrado por toda a história de Judite. O cenário é o da terra de Israel já invadida pelos inimigos. Do cântico emerge a dramaticidade deste momento: "O assírio veio das montanhas do norte com a multidão dos seus guerreiros. A sua multidão secava as torrentes, e a sua cavalaria cobria os vales" (v. 5). A arrogância efémera do inimigo é realçada com sarcasmo: "Ele jurara incendiar o meu país, e passar ao fio de espada a minha juventude, e roubar os meus filhos, e levar as minhas filhas para o cativeiro" (v. 6).

A situação descrita pelas palavras de Judite é parecida com outras vividas por Israel, nas quais a salvação chegara quando parecia que já não havia caminhos de salvação. Não acontecera assim também a salvação do Êxodo, na passagem prodigiosa através do Mar Vermelho? Também agora o assédio por parte de um exército numeroso e poderoso tira qualquer esperança. Mas tudo isto só evidencia o poder de Deus, que se manifesta como um protector invencível do seu povo.

4. A obra de Deus é muito mais luminosa, porque Ele não recorre a um guerreiro ou a um exército. Como outrora, no tempo de Débora, eliminara o general cananeu Sísera por meio de Jael, uma mulher (cf. Jz Jg 4,17-21), agora serve-se de novo de uma mulher inerme para ajudar o povo que se encontra em dificuldade. Firme na sua fé, Judite aventura-se até ao acampamento inimigo, seduz com a sua beleza o comandante e executa-o de maneira humilhante. O Cântico põe em grande evidência este facto: "O Senhor Todo Poderoso feriu-o, e entregou-o nas mãos de uma mulher que lhe cortou a cabeça. O seu chefe não caiu diante de jovens, nem foram heróis nem gigantes corpulentos que se lhe opuseram, mas foi Judite, filha de Merari, que o perdeu com a formosura do seu rosto" (Jdt 16,5-6).

A figura de Judite tornar-se-á depois o arquétipo que permitirá não só à tradição hebraica, mas também à cristã, realçar a predilecção de Deus por tudo o que é considerado frágil e débil, mas que precisamente por isso é escolhido para manifestar o poder divino. Ela é uma figura exemplar também para exprimir a vocação e a missão da mulher, chamada à igualdade com o homem, de acordo com as suas características específicas, a desempenhar um papel significativo no desígnio de Deus. Algumas expressões do livro de Judite serão adoptadas, de modo mais ou menos integral, pela tradição cristã, que verá na heroína hebraica uma das prefigurações de Maria. Não se sente talvez um eco dos tons de Judite quando, no Magnificat, Maria canta: "Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes" (Lc 1,52)? Por conseguinte, compreende-se como a tradição litúrgica, familiar aos cristãos quer do Oriente quer do Ocidente, gosta de atribuir à Mãe de Jesus expressões que se referem a Judite, como as seguintes: "Tu és a glória de Jerusalém, tu és a alegria de Israel, tu és a honra do nosso povo" (Jdt 15,9).

5. Partindo da experiência da vitória, o cântico de Judite concluiu-se com um convite a elevar a Deus um cântico novo, reconhecendo-o "grande e glorioso". Ao mesmo tempo, admoestam-se todas as criaturas a permanecerem submetidas Àquele que com a sua palavra fez todas as coisas e as plasmou com o seu espírito. Quem pode resistir à voz de Deus? Judite recorda-o com grande ênfase: perante o Criador e Senhor da história, os fundamentos dos montes serão abalados e as rochas derreter-se-ão como a cera (cf. Jdt Jdt 16,15). São metáforas eficazes para recordar que todas as coisas são "nada", face ao poder de Deus. E contudo este cântico de vitória não quer amedrontar, mas confortar. De facto, Deus oferece o seu poder invencível em apoio de quantos lhe são fiéis: "Aqueles que Vos temem serão verdadeiramente grandes aos vossos olhos" (ibid.).

Saudações

Saúdo de coração todos os peregrinos do Brasil e de Portugal, com menção particular para os paroquianos da Sé Patriarcal de Lisboa, confiando à Virgem Maria (invocada como Auxílio dos Cristãos) as várias frentes de batalha, que tendes de travar na vida para permanecer fiéis a Deus nos compromissos assumidos. A infidelidade a Deus é que vos priva da sua protecção, e vos deixa vulneráveis; mas, quando sois fiéis, podeis contar com a força de Deus, "admirável no seu poder e invencível". Ela desça sobre todos vós, com a minha Bênção

Saúdo com alegria os peregrinos de língua francesa, sobretudo a peregrinação ecuménica de Atenas. Que a vossa caminhada de fé, que se realiza após a minha recente viagem à Grécia, produza frutos de unidade e de reconciliação, ao serviço da plena comunhão entre todos os discípulos de Cristo! Saúdo também os peregrinos franceses do Serviço interdiocesano das jovens Equipas litúrgicas, fazendo votos por que a sua disponibilidade em servir Cristo na liturgia os estimule a levar o Evangelho a todo o mundo. Concedo de bom grado a todos a Bênção apostólica.

Dou as cordiais boas-vindas aos peregrinos eslovacos de Presov, Kosice e Prasice.
Queridos peregrinos, a vossa visita à sé do sucessor de Sao Pedro seja para vós a ocasião para aprofundar o sentido da catolicidade da Igreja da qual sois membros.
Concedo com afecto a minha Benção apostólica a vós e a quantos vos são queridos na Pátria.
Louvado seja Jesus Cristo!

Caríssimos irmãos e irmãs, com o louvor e o agradecimento elevados de todas as partes do mundo a Deus, a Igreja une-se à liturgia celebrada no céu, consagrando no tempo as vicissitudes da vida quotidiana do homem. E o seu profundo desejo é que deste louvor e agradecimento participem todos os seus membros, sobretudo quando se trata da celebração dos Sacramentos, em primeiro lugar da Eucaristia.
Louvados sejam Jesus e Maria!

Dou as minhas cordiais boas-vindas a todos os peregrinos de língua espanhola. Saúdo de maneira especial os grupos paroquiais da Espanha, bem como os demais peregrinos vindos do México e de outros países da América Latina. Reconhecei sempre Deus, como no Cântico de Judite, "grande e glorioso".
Muito obrigado.

Saúdo agora todos os peregrinos holandeses e belgas.
A vossa peregrinaçao aos túmulos dos Apóstolos leva-vos ao coraçao da Igreja, e é uma boa ocasiao para poder experimentar a graça de Deus na vossa vida.
Concedo-vos de coraçao a Bençao apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo!

O meu pensamento dirige-se por fim aos jovens, aos doentes e aos novos casais. O heróico exemplo de Sao Joao Baptista, do qual celebramos hoje o martírio, vos solicite, queridos jovens, a projectar o futuro em plena fidelidade ao Evangelho.

Vos ajude a vós, estimados doentes, a enfrentar o sofrimento com coragem, encontrando em Cristo crucificado serenidade e conforto.

Vos conduza a vós, queridos novos casais, a um amor profundo para com Deus e entre vós, experimentando todos os dias a alegria confortadora que brota da recíproca doação aberta à vida.









                                                                           Setembro de 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 5 de setembro de 2001

O Senhor é o rei do universo




Queridos irmãos e irmãs,

1. "O Senhor, o Altíssimo, é Grande Rei sobre toda a terra"!

Esta aclamação inicial é repetida em diversas tonalidades em todo o Salmo 46, que agora ouvimos. Ele configura-se como um hino ao Senhor soberano do universo e da história: "Ele é o rei da terra inteira... Reina o Senhor sobre as nações" (vv. 8-9).

Este hino ao Senhor, rei do mundo e da humanidade, como outras composições semelhantes presentes no Saltério (cf. Ps 92 Ps 95-98), supõe uma atmosfera celebrativa litúrgica. Por isso, estamos no coração espiritual do louvor de Israel, que sobe ao céu partindo do templo, o lugar no qual o Deus infinito e eterno se revela e encontra o seu povo.

2. Seguiremos este cântico de louvor glorioso nos seus momentos fundamentais, semelhantes a duas ondas que progridem rumo à beira-mar. Diferem na maneira de considerar a relação entre Israel e as nações. Na primeira parte do Salmo, a relação é de domínio: Deus "submete as nações debaixo do nosso jugo, põe os povos sob os nossos pés" (v. 4); na segunda parte, ao contrário, a relação é de associação: "Reuniram-se os príncipes dos povos ao povo do Deus de Abraão" (v. 10). Por conseguinte, verifica-se um grande progresso.

Na primeira parte (vv. 2-6) diz-se: "Povos todos, batei as palmas, aclamai ao Senhor, com vozes de alegria!" (v. 2). O centro deste aplauso festivo é a figura grandiosa do Senhor supremo, ao qual se atribuem três títulos gloriosos: "altíssimo, grande e temível" (v. 3). Eles exaltam a transcendência divina, a primazia absoluta no ser, a omnipotência. Também Cristo ressuscitado exclamará: "Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt 28,18).

3. No âmbito da senhoria universal de Deus sobre todas as nações da terra (cf. v. 4) o orante evidencia a sua presença particular em Israel, o povo da eleição divina, "o predilecto", a herança mais preciosa e querida ao Senhor (cf. v. 5). Por conseguinte, Israel sente-se objecto de um amor particular de Deus, que se manifestou com a vitória sobre as nações inimigas. Durante a batalha, a presença da arca da aliança junto das tropas de Israel garantia-lhes a ajuda de Deus; depois da vitória, a arca voltou a ser posta no monte Sião (cf. Sl Ps 67,19) e todos proclamavam: "Deus se eleva entre aclamações, o Senhor entre clamores de trombeta" (Ps 46,6).

4. O segundo momento do Salmo (cf. vv. 7-10) abre-se com outra onda de louvor e de cântico festivo: "Cantai ao Senhor, cantai! Cantai ao nosso rei, cantai... Cantai salmos a Deus com toda a arte!" (vv. 7-8). Também agora se entoam hinos ao Senhor sentado no trono na plenitude da sua realeza (cf. v. 9). Este trono real é chamado "santo", porque dele não se pode aproximar o homem limitado e pecador. Mas trono celeste é também a arca da aliança presente na área mais sagrada do templo de Sião. Deste modo, o Deus distante e transcendente, santo e infinito, aproxima-se das suas criaturas, adaptando-se ao espaço e ao tempo (cf. 1R 8,27 1R 8,30).

5. O salmo termina com uma nota surpreendente devido à sua abertura universal: "Reuniram-se os príncipes dos povos ao povo de Deus de Abraão" (v. 10). Remonta-se a Abraão, o patriarca que está na base não só de Israel mas também de outras nações. Ao povo eleito que dele descende, é confiada a missão de fazer convergir para o Senhor todas as nações e todas as culturas, porque Ele é Deus de toda a humanidade. Do oriente ao ocidente reunir-se-ão então em Sião para encontrar este rei de paz e de amor, de unidade e de fraternidade (cf. Mt Mt 8,11). Como esperava o profeta Isaías, os povos inimigos entre si foram convidados a lançar à terra as armas e a viver juntos sob a única soberania divina, sob um governo regido pela justiça e pela paz (Is 2,2-5). O olhar de todos estará fixo na nova Jerusalém onde o Senhor "sobe" para se revelar na glória da sua divindade. Será "uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas... clamavam em alta voz, dizendo: a salvação pertence ao nosso Deus que está sentado no trono e ao Cordeiro" (Ap 7,9 Ap 7,10).

6. A Carta aos Efésios vê a realização desta profecia no mistério de Cristo redentor quando afirma, dirigida aos cristãos não provenientes do judaísmo: "vós éreis gentios pela carne... lembrai-vos que nesse tempo estáveis sem Cristo, privados do direito de cidade em Israel e alheios às alianças da Promessa sem esperança e sem Deus no mundo. Agora, porém, vós, que outrora estáveis longe, pelo sangue de Cristo, vos aproximastes. Ele é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava" (Ep 2,11-14).

Por conseguinte, em Cristo, a realeza de Deus, cantada pelo nosso Salmo, realizou-se na terra para todos os povos. Uma homilia anónima do século VIII comenta do seguinte modo este mistério: "Até à vinda do Messias, esperança das nações, os povos gentios não adoraram Deus e não conheceram quem Ele é. E enquanto o Messias não os resgatou, Deus não reinou sobre as nações por meio da sua obediência e do seu culto. Pelo contrário, agora Deus, com a sua Palavra e com o seu espírito, reina sobre eles, porque os salvou do engano e fez com que se tornassem amigos" (Palestino anónimo, Homilia árabe-cristã do século VIII, Roma, 1994, pág. 100).

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, é com grande alegria e deferência que dou as boas-vindas a todos os presentes, e de modo especial ao meu venerado Irmão D. Osvino José Both, Bispo de Novo Hamburgo, com os Prefeitos das várias cidades que compõem esta cara Diocese brasileira. A vossa presença aqui faz-me exclamar, com o salmista, "reuniram-se os príncipes dos povos ao povo do Deus de Abraão". Possam conhecer muitos dias felizes, sob o governo sábio e pacífico de Autoridades que se regem pelos Mandamentos do nosso Deus e Senhor de toda a terra!

Desejo saudar agora cordialmente os fiéis de língua espanhola, em particular os peregrinos de várias paróquias de Valência e de outros povos, bem como a Associação de viúvas de Placência. Saúdo também os estudantes da Universidade de Salvador de Buenos Aires, bem como os peregrinos mexicanos e de outros países da América Latina. Cristo, nossa paz, nos ajude a reconciliar as pessoas e os povos que têm inimizades entre si.

Saúdo cordialmente os peregrinos checos provenientes de Brno e da paróquia de Bolatice.
Como preparação para a próxima Festa da Natividade da Bem-aventurada Virgem Maria, convido-vos a intensificar a oração e a devoção à Mãe de Deus. Confiai aos seus cuidados maternos o caminho da Igreja na vossa Pátria. Abençoo-vos de coração!

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo com afecto os peregrinos eslovacos provenientes de Presov e arredores, de Kosice e de Smolinské.

Dou especiais boas-vindas aos jovens peregrinos da organizaçao humanitária eslovaca Sociedade dos amigos das crianças no orfanato SORRISO COMO DOM. Abençoo o seu trabalho em benefício das crianças abandonadas na vossa Pátria com o qual os ajudam a encontrar uma nova família.

Queridos peregrinos, concedo-vos de bom grado a minha bençao apostólica a vós e aos vossos entes queridos na Pátria.

Louvado seja Jesus Cristo!

Queridos peregrinos eslovenos!

Saúdo os participantes no simpósio científico, organizado pela Academia teológica eslovena sobre o apostolado sacerdotal de Lambert Ehrlih, educador dos estudantes universitários e fiel r própria terra, zeloso na actividade missionária e vítima do comunismo.
Concedo a todos a minha Bençao apostólica!

Queridos Irmaos e Irmas da Croácia, ao anunciar e celebrar o Mistério de Cristo na Liturgia, a Igreja abençoa o Pai pelo "seu dom inefável" (2Co 9,15) e torna presente e actualiza a obra de salvaçao. Mediante a Liturgia, acto de Cristo e da sua Igreja, os homens pelo poder do Espírito Santo recebem em abundância a graça e tornam-se participantes da santidade e da vida de Deus.
Saúdo de coraçao os grupos de peregrinos de Sracinec, Espálato, Trogir e Kastel Luksic, concedendo a todos a Bençao apostólica.

Louvados sejam Jesus e Maria!

Saúdo os peregrinos de língua inglesa, sobretudo os que provem de Inglaterra, Irlanda, Malta, Japao, Coreia, Uganda e dos Estados Unidos da América. Invoco sobre vós e sobre as vossas famílias a alegria e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.


Sinto-me feliz por saudar os peregrinos de língua francesa, presentes nesta audiencia. Saúdo de maneira particular os fiéis vindos do Senegal, acompanhados por D. Théodore-Adrien Sarr, Arcebispo de Dacar. A vossa permanencia em Roma seja a ocasiao de um aprofundamento da vossa fé em Cristo e da vossa fidelidade r sua Igreja! A todos concedo de coraçao a Bençao apostólica.

Por fim, saúdo os jovens, os doentes, e os novos casais.

Queridos Jovens, ao voltardes, depois das férias, às vossas actividades quotidianas, retomai também o ritmo regular do vosso diálogo íntimo com Deus, difundindo a Sua luz e paz à vossa volta.

Vós, queridos doentes, encontrai amparo e conforto no Senhor Jesus, que continua a sua obra de redençao na vida de todos os dias.

E vós novos casais, esforçai-vos por manter um contacto vivo com Deus que se doa para a salvaçao de todos, a fim de que o vosso amor seja sempre mais verdadeiro, duradouro e solidário.
Concedo a todos a minha bênção!



AUDIÊNCIAS 2001