AUDIÊNCIAS 2001


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 12 de setembro de 2001

Ontem foi um dia obscuro na história da humanidade mas o mal e a morte não são a última palavra


Não posso começar esta Audiência, sem expressar a minha profunda dor pelos ataques terroristas que no dia de ontem ensanguentaram a América, causando milhares de vítimas e numerosíssimos feridos. Apresento a expressão das minhas profundas condolências ao Presidente dos Estados Unidos e a todos os cidadãos americanos. Diante de acontecimentos de um horror tão inqualificável, não podemos deixar de ficar profundamente inquietos. Uno-me a quantos nestas horas expressaram a sua condenação indignada, afirmando de novo com vigor que os caminhos da violência nunca conduzem para as verdadeiras soluções dos problemas da humanidade.

Ontem foi um dia obscuro na história da humanidade, uma ofensa terrível contra a dignidade do homem. Logo que tomei conhecimento da notícia, acompanhei com intensa participação o desenvolvimento da situação, elevando ao Senhor a minha premente oração. Como podem verificar-se episódios de crueldade tão selvagem? O coração do homem é um abismo de que, às vezes, emergem desígnios de ferocidade inaudita, capazes de abalar de repente a vida serena e operosa de um povo. Todavia, nestes momentos em que todo o comentário parece ser inoportuno, a fé vem ao nosso encontro. A palavra de Cristo é a única que pode dar uma resposta às interrogações que se agitam na nossa alma. Mesmo quando a força das trevas parece prevalecer, o crente sabe que o mal e a morte não são a última palavra. A esperança cristã fundamenta-se nisto; e é aí que se alimenta, neste momento, a nossa confiança orante.

Com profundo afecto, dirijo-me ao povo dos Estados Unidos nesta hora de angústia e de terror, em que a coragem de muitos homens e mulheres de boa vontade é posta à dura prova. De maneira especial, abraço os familiares dos defuntos e dos feridos, enquanto lhes garanto a minha proximidade espiritual. Confio à misericórdia do Altíssimo as vítimas inermes desta tragédia, pelas quais hoje de manhã celebrei a Santa Missa, implorando para elas o descanso eterno. Deus dê coragem aos sobreviventes, assista com a sua ajuda a obra benemérita dos socorristas e dos inúmeros voluntários, que nestas horas dedicam toda a sua energia para fazer frente a uma emergência tão dramática. Convido-vos também a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, a unir-vos à minha oração.

Imploremos ao Senhor para que não prevaleça a espiral do ódio e da violência. A Virgem Santíssima, Mãe de misericórdia, suscite pensamentos de sabedoria e propósitos de paz nos corações de todos.

Rogo a Deus que conceda ao povo americano a força e a coragem de que precisa nesta hora de amargura e de provação.

Saudações

Saúdo com afecto especial a Família Carmelitana, que aqui acorreu em companhia de um numeroso grupo de peregrinos provenientes de vários países, por ocasião do encontro comemorativo do 750º aniversário da doação do Escapulário. Caríssimos, este feliz acontecimento envolve não apenas os devotos de Nossa Senhora do Carmo, mas toda a Igreja porque, ao longo dos tempos, graças também à difusão da devoção do Santo Escapulário, o rico património mariano do Carmelo se tornou um tesouro para todo o Povo de Deus. Deveis haurir constantemente deste admirável património espiritual, para ser, em cada dia, testemunhas credíveis de Cristo e do seu Evangelho.

Convidei-vos para este encontro especial, enviando no dia 25 do passado mês de Março uma Carta aos Superiores-Gerais da Ordem dos Carmelitas e da Ordem dos Carmelitas Descalços.

Nessa missiva escrevi, entre outras coisas, que o Escapulário é essencialmente um hábito que recorda, por um lado, a protecção contínua da Virgem Maria nesta vida e na passagem para a plenitude da glória eterna; por outro, a consciência de que a devoção a Ela deve constituir um "uniforme", ou seja, um estilo de vida cristã, imbuída de oração e de vida interior. Faço votos a fim de que esta comemoração seja para cada um de vós ocasião de conversão pessoal e de renovação comunitária, respondendo sempre à graça divina, que nos revigora no caminho para a santidade.

Oração dos fiéis

Irmãos e Irmãs,
com grande apreeensão
diante do horror
da violência destruidora,
mas fortalecidos pela fé
que sempre orientou os nossos pais
voltemo-nos para o Deus de Abraão
de Isaac e de Jacob,
salvação do seu povo,
e com confiança de filhos
supliquemos que venha
ao nosso encontro
nestes dias de luto
e de dor inocente.

O cantor: Dominum deprecemur: Te rogamus, audi nos.

1. Pelas Igrejas do Oriente e do Ocidente, e em particular pela Igreja que vive nos Estados Unidos da América, para que, embora tenha sido prostrada pela confusão e pelo luto, inspirando-se na Mãe do Senhor, mulher forte junto da Cruz do Filho, alimentem nos corações desejos de reconciliação e de paz, e se dediquem à construção da civilização do amor.

2. Por todos aqueles que têm o nome de cristãos, para que, nas tristes vicissitudes de uma humanidade cheia de incompreensão e de ódio, continuem a ser testemunhas da presença de Deus na história e da vitória de Cristo sobre a morte.

3. Pelos responsáveis das nações, para que não se deixem dominar pelo ódio e pelo espírito de vingança, façam tudo para evitar que as armas destruidoras voltem a semear o ódio e a morte, e se esforçem por iluminar com obras de paz a escuridão das vicissitudes humanas.

4. Por aqueles que choram e se encontram na dor pela morte violenta de parentes e de amigos, para que nesta hora de sofrimento não se deixem dominar pela amargura, pelo desespero e pela vingança, mas continuem a ter fé na vitória do bem sobre o mal, da vida sobre a morte, e se comprometam na construção de um mundo melhor.

5. Pelos feridos e pelos sofrem por causa dos actos terroristas insensatos, para que readquiram depressa a estabilidade e a saúde e, diante do dom da vida, alimentem nos seus corações desejos de edificação, de colaboração e de serviço em favor de todas as formas de vida, livres de rancores e de sentimentos de vingança, tornando-se operadores de justiça e construtores de paz.

6. Pelos irmãos e irmãs que encontraram a morte na loucura da violência, para que encontrem na paz do Senhor a sua alegria segura e a vida eterna, e a sua morte não seja vã, mas fermento para novos tempos de fraternidade e de colaboração entre os povos.

O Santo Padre:

Senhor Jesus,
recorda-te junto do Pai,
dos nossos irmãos defuntos,
e dos nossos irmãos que sofrem.
Recorda-te também de nós
e concede que rezemos
com as tuas palavras:

Pater noster.

O Santo Padre:

Deus omnipotente
e misericordioso,
quem semeia a discórdia
não te pode compreender,
quem ama a violência
não consegue receber-te:
olha para a nossa dolorosa
condição humana
provada por ferozes actos
de terror e de morte,
conforta os teus filhos
e abre os nossos corações
para a esperança,
para que o nosso tempo
volte a conhecer dias
de serenidade e de paz.
Por Cristo, nosso Senhor!

R/. Amen.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 19 de setembro de 2001

A prece matutina no sofrimento

Queridos irmãos e irmãs,


1. É uma noite tenebrosa, em que se sente a presença de feras vorazes nos arredores. O orante está à espera do despontar da aurora, para que a luz vença a obscuridade e os temores. Este é o contexto do Salmo 56, hoje proposto à nossa reflexão: um cântico nocturno que prepara o orante para a luz da aurora, esperada com ansiedade, para poder louvar ao Senhor na alegria (cf. vv. 9-11). Com efeito, o Salmo passa da lamentação dramática dirigida a Deus, à esperança serena e ao agradecimento jubiloso, expresso com as palavras que em seguida voltarão a ressoar, num outro Salmo (cf. 107, 2-6).

Em síntese, assiste-se à passagem do medo à alegria, da noite ao dia, do pesadelo à serenidade e da súplica ao louvor. Trata-se de uma experiência frequentemente descrita nos Salmos: "Convertestes o meu luto em júbilo, despistes-me do meu saco e cingistes-me de alegria. Por isso, o meu coração há-de cantar-vos sem cessar" (30 [29], 12-13).

2. Portanto, estamos a meditar sobre dois momentos do Salmo 56. O primeiro diz respeito à experiência do medo do assalto do mal, que procura atingir o justo (cf. vv. 2-7). No centro desta cena há leões em posição de ataque. Esta imagem transforma-se depressa num símbolo bélico, delineado com lanças, flechas e espadas. O orante sente-se atacado por uma espécie de esquadrão da morte. À sua volta, há um grupo de caçadores, que arma ciladas e escava fossas para capturar a presa. Mas esta atmosfera de tensão dissolve-se imediatamente. Com efeito, já no início (cf. v. 2) aparece o símbolo protector das asas divinas, que concretamente fazem pensar na arca da aliança com os querubins alados, ou seja, na presença de Deus ao lado dos fiéis no templo santo de Sião.

3. O orante pede instantemente que Deus mande do céu os seus mensageiros, a quem atribui os nomes emblemáticos de "Fidelidade" e de "Graça" (cf. v. 4), qualidades próprias do amor salvífico de Deus. Por isso, embora sinta arrepios pelo rugido terrível das feras e pela perfídia dos perseguidores, no seu íntimo o fiel permanece sereno e confiante, como Daniel na cova dos leões (cf. Dn Da 6,17-25).

A presença do Senhor não demora a mostrar a sua eficácia, mediante a autopunição dos adversários: eles caem na fossa que tinham cavado para o justo (cf. v. 7). Esta confiança na justiça divina, sempre viva nos Salmos, impede o desencorajamento e a rendição à prepotência do mal. Deus, que confunde as manobras dos ímpios, fazendo-os cair dos seus próprios projectos de maldade, mais cedo ou mais tarde põe-se ao lado do fiel.

4. Assim, chegamos ao segundo momento do Salmo, o da acção de graças (cf. vv. 8-11). Há um trecho que brilha de intensidade e beleza: "O meu coração, Senhor, está firme, o meu coração está firme: quero cantar-vos e louvar-vos! Despertai, minhas entranhas, despertai, harpa e cítara; quero despertar-me com a aurora" (vv. 8-9). As trevas já se dissiparam: o alvorecer da salvação aproxima-se com o cântico do orante.

Aplicando a si esta imagem, o Salmista talvez traduza nos termos da religiosidade bíblica, rigorosamente monoteísta, o uso dos sacerdotes egípcios ou fenícios que eram encarregados de "despertar a aurora", ou seja, de fazer voltar a nascer o sol, considerado como uma divindade benéfica. Ele alude também ao costume de suspender e de velar pelos instrumentos musicais no tempo do luto e da provação (cf. Sl Ps 137 [136], 2) e de os "despertar" ao som festivo no tempo da libertação e da alegria. Portanto, a liturgia faz nascer a esperança: dirige-se a Deus, convidando-o a aproximar-se de novo do seu povo e a escutar a sua súplica. Nos Salmos, a aurora é com frequência o momento da concessão divina, depois de uma noite de oração.

5. Assim, o Salmo termina com um cântico de louvor dirigido ao Senhor, que age com as suas grandes qualidades salvíficas, que já se manifestaram com termos diferentes na primeira parte da súplica (cf. v. 4). Agora entram em cena, de modo quase personificador, a Bondade e a Fidelidade. Elas inundam os céus com a sua presença e são como a luz que brilha na obscuridade das provas e das perseguições (cf. v. 11). É por este motivo que, na tradição cristã, o Salmo 56 se transformou em cântico do despertar para a luz e a alegria pascal, que se irradia no fiel, cancelando o medo da morte e alargando o horizonte da glória celeste.

6. Gregório de Nissa descobre nas palavras deste Salmo uma espécie de descrição típica daquilo que se verifica em cada experiência humana, aberta ao reconhecimento da sabedoria de Deus. "Efectivamente, salvou-me exclama fazendo-me sombra com a nuvem do Espírito, e aqueles que me espezinharam foram humilhados" (Sobre os títulos dos Salmos, Roma 1994, pág. 183).
Depois, referindo-se às expressões que concluem este Salmo, onde se diz: "O vosso amor chega até aos céus, sobre toda a terra (se estende) a vossa glória", ele conclui: "Na medida em que a glória de Deus se estende sobre a terra, enriquecida pela fé daqueles que são salvos, os poderes celestes entoam hinos de louvor a Deus, exultando pela nossa salvação" (Ibid., pág. 184).

Saudações

Saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os vários grupos de Portugal, as "Famílias Schoenstatt" da diocese de Santa Maria do Brasil, e o grupo de timorenses que se preparam em Roma, sob a égide do Ministério italiano dos Negócios Estrangeiros, para o serviço diplomático, desejando-lhes os melhores êxitos do seu e nosso bem-amado Timor Leste. Sobre todos e extensiva aos familiares e comunidades eclesiais, desça a minha Bênção apostólica.

Dou calorosas boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa, sobretudo aos que provêm da Inglaterra, Canadá, Malta, Japão, Indonésia e dos Estados Unidos da América. Convido-vos a rezar nestes dias ao Deus Todo-Poderoso para que guie as mentes e os corações dos responsáveis do mundo, para que escolham os caminhos da paz e da justiça. Sobre vós e sobre as vossas famílias invoco a abundância das Bênçãos divinas.

É com alegria que saúdo os peregrinos de língua francesa. Cristo vos manifeste a sua presença, sobretudo quando vos encontrais na dúvida e na prova! A sua luz vos dê paz e conforto! Concedo de bom grado a todos a minha Bênção apostólica.

Saúdo de coração os peregrinos e visitantes dos países de língua alemã. Dou as boas-vindas em particular ao grupo de Irmãs Professoras Escravas de Nossa Senhora, de Regensburgo. Tende também vós confiança no Senhor e superai com a vossa fé as noites escuras da vossa vida, para que possais, com alegria e esperança, agradecer a Deus a sua ajuda. Concedo de bom grado a vós e aos vossos familiares a Bênção apostólica.

Saúdo de coração os peregrinos provenientes de várias localidades da Eslováquia.
Queridos Irmãos e Irmãs, no sábado passado celebrou-se na Eslováquia a festa da vossa Padroeira, Nossa Senhora das Dores. O Salvador crucificado deu-a como Mãe não só ao apóstolo São João, mas a cada um de nós. Ela vos acompanhe maternalmente pelo Seu caminho, rumo à pátria celeste. Abençoo-vos de bom grado a vós e à vossa Pátria. Louvado Seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos vindos da Espanha e da América Latina, especialmente o grupo do Pontifício Colégio Mexicano de Roma, que estimulo a promover constantemente a formação sacerdotal dos alunos. Por ocasião desta visita a Roma, convido-vos a todos a renovar a vossa fé e a dar testemunho do Evangelho na vossa pátria.

Por fim, saúdo com afecto especial os jovens, os doentes e os novos casais.

A amizade com Jesus, queridos jovens, seja para vós fonte de alegria e motivo para fazer opções empenhativas.

Que ela vos conforte também a vós, queridos doentes, nos momentos difíceis e infunda alívio ao corpo e ao espírito.

Queridos novos casais, permanecei constantemente unidos a Cristo, para corresponder fielmente à vossa vocação no amor recíproco e no generoso serviço à vida.



                                                                           Outubro de 2001

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 3 de

Uma viagem que me deixou o coração cheio de impressões e emoções vivíssimas






Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Agradeço ao Senhor que me permitiu realizar nos últimos dias a viagem apostólica ao Cazaquistão e Arménia. Foi uma experiência que deixou no meu coração vivíssimas impressões e emoções.

Tratou-se de uma viagem de duplo carácter. No Cazaquistão, foi uma visita pastoral à Comunidade católica, que vive num País de população prevalentemente islâmica, saído mais ou menos há dez anos do duro e opressivo regime soviético. Dirigi-me à Arménia como peregrino, para prestar homenagem a uma Igreja de origem muito antiga: o povo arménio, de facto, celebra os 1700 anos desde que se tornou oficialmente cristão. E esta identidade, à custa do martírio, foi mantida até hoje.

Renovo a expressão do meu agradecimento aos Presidentes das Repúblicas do Cazaquistão e da Arménia, que com o seu convite me abriram as portas dos seus nobres Países. Estou-lhes grato pela amabilidade e pelo entusiasmo com que me acolheram.

Dirijo o meu reconhecido e afectuoso pensamento aos Bispos e aos Administradores Apostólicos, aos Sacerdotes e às Comunidades Católicas. O meu obrigado muito sincero a todos aqueles que colaboraram para o bom resultado desta peregrinação apostólica, por mim tão esperada e preparada na oração.

2. No Cazaquistão, o tema da visita pastoral foi o mandamento de Cristo: "amai-vos uns aos outros". Foi particularmente significativo levar esta mensagem àquele País, onde convivem mais de cem etnias diversas, que colaboram entre si para construir um futuro melhor. A própria cidade de Astana, onde se desenrolou a minha visita, tornou-se capital há menos de quatro anos e é o símbolo da reconstrução do País.

Verifiquei claramente nos meus encontros com as Autoridades e com a população a vontade de superar um duro passado, assinalado pela opressão da dignidade e dos direitos da pessoa humana. Quem poderá, efectivamente, esquecer que centenas de milhar de pessoas foram deportadas para o Cazaquistão?

Quem poderá deixar de recordar que as suas estepes foram utilizadas para experimentar engenhos nucleares? Por isso, apenas cheguei, quis visitar o Monumento às Vítimas do regime totalitário, como que a sublinhar o ponto de onde olhar em frente. O Cazaquistão, sociedade multiétnica, recusou o armamento atómico e deseja comprometer-se na edificação de uma sociedade solidária e pacífica. Lembra simbolicamente esta exigência o grande monumento à "Mãe Pátria", que serviu de fundo à Santa Missa do domingo, 23 de Setembro.

A Igreja, graças a Deus, está a renascer apoiada também por uma organização territorial renovada. Quis fazer-me próximo daquela Comunidade e dos seus Pastores, comprometidos num generoso e difícil trabalho missionário. Com viva comoção, prestei homenagem juntamente com eles à memória de quantos deram a vida no meio de privações e perseguições para levar Cristo às populações locais.

Na Catedral de Astana, com os Ordinários dos Países da Ásia central, com os sacerdotes, os religiosos, os seminaristas e os fiéis vindos também dos Estados limítrofes, confiei o Cazaquistão a Maria Santíssima, Rainha da Paz, título com que é venerada no santuário nacional.

3. "Amai-vos uns aos outros". Estas palavras de Cristo interpelam em primeiro lugar os cristãos. Dirigi-as sobretudo aos católicos, exortando-os à comunhão entre eles e com os irmãos ortodoxos, mais numerosos. Além disso, encorajei-os a colaborar com os muçulmanos para favorecer o autêntico progresso da sociedade. A partir daquele País, em que convivem pacificamente sequazes de diversas religiões, reafirmei com força que a religião não deve mais ser utlizada como motivo de conflito. Cristãos e muçulmanos, juntamente com os crentes de todas as religiões, são chamados a repudiar firmemente a violência, para construir uma humanidade amante da vida, que se desenvolva na justiça e na solidariedade.

Aos jovens cazaques dirigi uma mensagem de esperança, recordando-lhes que Deus os ama pessoalmente. Com grande alegria da minha parte, dei conta do eco forte e vibrante desta verdade fundamental nos seus corações. O encontro com eles desenrolou-se na Universidade, ambiente muito querido para mim, onde se desenvolve a cultura de um povo. E mesmo com os representantes do mundo da cultura, da arte e da ciência encontrei modos de lembrar o fundamento religioso da liberdade humana e a reciprocidade entre fé e razão, exortando-os a guardar os valores espirituais do Cazaquistão.

4. Deixado este grande País centro-asiático, cheguei como peregrino à Arménia, no Cáucaso, para prestar homenagem a um povo que há dezassete séculos ligou a sua história ao Cristianismo. Pela primeira vez, um Bispo de Roma pisou aquela amada terra, evangelizada, segundo a tradição, pelos apóstolos Bartolomeu e Tadeu, e tornada oficialmente cristã em 301 por obra de São Gregório, o Iluminador.

A Catedral de Etchmiadzin, Sede Apostólica da Igreja Arménia, remonta a 303. Ali me dirigi à minha chegada e antes de partir, segundo o costume dos peregrinos. Ali passei uns instantes em oração junto dos túmulos dos Catholicos de Todos os Arménios, entre os quais Vazken I e Karekin I, artífices das actuais relações cordiais entre a Igreja Arménia e a Católica. Em nome desta fraterna amizade, Sua Santidade Karekin II, com delicada cortesia, quis hospedar-me na sua residência e acompanhou-me em todos os momentos da peregrinação.

5. Na sua longa história, o povo arménio pagou por alto preço a fidelidade à sua própria identidade. Basta pensar no tremendo extermínio de massa sofrido nos inícios do século XX. Como recordação perene das vítimas cerca de um milhão e meio em três anos ergue-se junto da capital, Ierevan, um solene Memorial, onde, juntamente com o Catholicos de Todos os Arménios, elevámos uma oração intensa por todos os mortos e pela paz no mundo.

Na nova Catedral apostólica de Ierevan, dedicada a São Gregório, o Iluminador e consagrada há pouco, teve lugar a solene celebração ecuménica, com a veneração da Relíquia do Santo, que ofereci a Karekin II no ano passado, por ocasião da sua visita a Roma. Este rito sagrado, juntamente com a Declaração Comum, pôs um selo significativo sobre o vínculo de caridade que une a Igreja Católica e a Arménia. Num mundo dilacerado por conflitos e violências, é mais do que nunca necessário que os cristãos sejam testemunhas de unidade e artífices de reconciliação e de paz.

A Santa Missa no novo "Altar-Mor" ao ar livre, no jardim da Sede Apostólica de Etchmiadzin, mesmo seguindo o Rito latino, foi celebrada a "dois pulmões", com leituras, orações e cantos em língua arménia e com a presença do Catholicos de Todos os Arménios. Não temos palavras para exprimir a íntima alegria destes momentos, em que se sentia a presença espiritual de tantos mártires e confessores da fé, que deram testemunho do Evangelho com a sua vida. A sua memória foi profundamente honrada: devemos obedecer a Cristo, que pede aos seus discípulos que sejam uma só coisa, com total docilidade.

A última meta da minha viagem apostólica foi ao Mosteiro de Khor Virap, que significa "poço profundo". Ali, efectivamente, segundo a tradição, se encontra o poço de 40 metros em que o rei Tiridates III teve prisioneiro São Gregório, o Iluminador, por causa da sua fé em Cristo, até que o Santo, com as suas orações, lhe obteve uma prodigiosa cura, e o Rei se converteu e se fez baptizar com a família e todo o povo. Lá me foi entregue, como símbolo da fé com que São Gregório iluminou os Arménios, uma lâmpada, que coloquei solenemente na nova capela, inaugurada na Aula do Sínodo dos Bispos. Aquela luz arde há dezassete séculos! Arde no mundo há dois mil anos! A nós, cristãos, caríssimos Irmãos e Irmãs, é pedido que a não escondamos, antes a alimentemos, para que oriente o caminho da humanidade nos caminhos da verdade, do amor e da paz!

Notas

Saúdo com afecto os peregrinos de língua portuguesa, desejando a todos paz e graça no Senhor. De modo especial, saúdo o grupo dos "Amigos Missionários da Consolata", de Fátima Portugal, em peregrinação no centenário de fundação dos Missionários da Consolata; e um grupo de visitantes do Brasil. A todos concedo de bom grado, como penhor de abundantes dons divinos, a minha Bênção apostólica.

Apresento as minhas afectuosas boas-vindas aos estudantes e pedagogos do Ginásio greco-católico de São João Baptista de Trebisov, na Eslováquia.

Prezados jovens, há pouco teve início um novo ano escolar. No vosso estudo não deveis esquecer Jesus Cristo, supremo Mestre da nossa vida. A Mãe de Deus, a quem invocamos com o título de Sedes Sapientiae, vos acompanhe com o seu auxílio.

Dou as calorosas boas-vindas à classe de diáconos do Pontifício Colégio Norte-Americano, juntamente com os seus pais, familiares e amigos. Do mesmo modo, saúdo os novos seminários do Pontifício Colégia Beda. Sobre todos os peregrinos e visitantes de expressão inglesa, especialmente da Inglaterra, Irlanda, Escócia, Dinamarca, Austrália, Japão e E.U.A. invoco de coração a graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora o meu pensamento volta-se para os jovens, os doentes e os novos casais. O luminoso exemplo de São Francisco de Assis, de quem amanhã celebraremos e memória litúrgica, vos leve a vós caros jovens, a projectar o futuro em plena fidelidade ao Evangelho. Ele vos ajude a vós, queridos doentes, a enfrentar o sofrimento com coragem, encontrando em Cristo crucificado a serenidade e o alívio. E vos conduza a vós, estimados novos casais, para um profundo amor a Deus e entre vós, na experiência quotidiana da alegria que brota da entrega recíproca, aberta à vida.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 10 de outubro de 2001

Deus liberta e reúne o seu povo na alegria




Queridos irmãos e irmãs,

1. "Nações, ouvi a palavra do Senhor! Levai a notícia às ilhas longínquas" (Jr 31,10). Qual é a notícia que está para ser anunciada com estas solenes palavras de Jeremias, que ouvimos no cântico que há pouco proclamámos? Trata-se de uma notícia confortadora, e não é ocasional que os capítulos que a contêm (cf. 30-31), sejam qualificados como "Livro da consolação". O anúncio refere-se directamente ao antigo Israel, mas já deixa de alguma forma entrever a mensagem evangélica.

Eis o centro deste anúncio: "Porque o Senhor resgatou Jacob e o libertou das mãos do seu dominador" (Jr 31,11). O quadro histórico destas palavras é constituído por um momento de esperança experimentado pelo povo de Deus, a cerca um século desde quando o Norte do País, em 722, fora ocupado pelo poder assírio. Agora, no tempo do profeta, a reforma religiosa do rei Josias exprime a volta do povo à aliança com Deus a faz surgir a esperança de que o tempo do castigo tenha terminado. Começa a delinear-se a perspectiva de que o Norte possa voltar à liberdade e Israel e Judá se recomponham na unidade. Todos, também as "ilhas mais distantes", deverão ser testemunhas deste acontecimento religioso: Deus, pastor de Israel, está para intervir. Ele, que permitiu a dispersão do seu povo, agora vem reuni-lo.

2. O convite à alegria é desenvolvido com imagens que empenham profundamente. É um oráculo que faz sonhar! Delineia um futuro em que os exilados "virão e cantarão", e encontrarão não só o templo do Senhor, mas também todos os bens: o trigo, o vinho, o azeite, o pequeno rebanho e o gado. A Bíblia não conhece um espiritualismo abstracto. A alegria prometida não se refere apenas ao íntimo do homem, porque o Senhor cuida da vida humana em todas as suas dimensões. O próprio Jesus não deixará de realçar este aspecto, convidando os seus discípulos a terem confiança na Providência também para as necessidades materiais (cf. Mt Mt 6,25-34). O nosso Cântico insiste sobre esta perspectiva: Deus quer fazer com que todos os homens sejam felizes. A condição que ele prepara para os seus filhos é expressa pelo símbolo do "jardim bem regado" (Jr 31,12), imagem de vigor e fecundidade. O luto converte-se em festa, ficamos saciados de delícias (cf. v. 14) e repletos de bens, a ponto que é espontâneo cantar e dançar. Será uma alegria irreprimível, uma alegria do povo.

3. Os acontecimentos historicos dizem-nos que este sonho não se realizou naquela época. Mas, não certamente por Deus não ter cumprido a sua promessa: desta desilusão foi responsável mais uma vez o povo, com a sua infidelidade. O mesmo livro de Jeremias encarrega-se de o mostrar com o desenvolvimento de uma profecia que se torna difícil e dura, e leva progressivamente a algumas das fases mais tristes da história de Israel. Não só os exilados do Norte não voltarão, mas a própria Judeia será ocupada por Nabucodonosor em 587 a. C.. Então começarão dias amargos, quando, junto dos rios da Babilónia, se deverão suspender as harpas (cf. Sl Ps 136,2). Não poderá haver no coração qualquer disposição para cantar para satisfazer os algozes; não se pode rejubilar, se somos arrancados à força da pátria, a terra onde Deus estabeleceu a sua habitação.

4. Mas, todavia, a alegria que caracteriza este oráculo não perde o seu significado. De facto, permanece firme a motivação última sobre a qual se baseia, e que é expressa sobretudo por alguns versículos significativos, que precedem os que são propostos pela Liturgia das Horas. É necessário tê-los bem presentes, quando se lêem as expressões de alegria do nosso Cântico. Descrevem em termos vibrantes o amor de Deus pelo seu Povo. Indicando um pacto irrevogável:

"Amei-te com um amor eterno" (Jr 31,3). Cantam a alegria paterna de um Deus que chama a Efraim seu primogénito e o cobre de ternura: "Partiram em lágrimas, conduzi-los-ei em grande consolação, por caminhos direitos em que não tropeçarão; porque sou como um pai para Israel" (Jr 31,9). Mesmo se a promessa não pôde ser então realizada por falta de empenho da parte dos filhos, o amor do Pai permanece na sua total e comovedora ternura.

5. Este amor constitui o fio de ouro que relaciona as fases da história de Israel, com as suas alegrias e tristezas, com os seus êxitos e fracassos. Deus não deixa de ser amoroso, e o próprio castigo é a sua expressão, assumindo um significado pedagógico e salvífico.

Na rocha firme deste amor, o convite à alegria do nosso Cântico evoca um futuro de Deus que, mesmo se é adiado, virá mais cedo ou mais tarde, apesar de todas as fraquezas do homem. Este futuro realizou-se na Nova Aliança com a morte e ressurreição de Cristo e com o dom do Espírito. Contudo, ele terá a sua realização plena na volta escatológica do Senhor. À luz destas certezas, o "sonho" de Jeremias permanece uma oportunidade histórica real, condicionada pela fidelidade dos homens, e sobretudo uma meta final, garantida pela fidelidade de Deus e já inaugurada pelo seu amor em Cristo.

Por conseguinte, ao ler este oráculo de Jeremias, devemos deixar ressoar em nós o evangelho, a bonita notícia promulgada por Cristo, na sinagoga de Nazaré (Cf. Lc Lc 4,16-21). A vida cristã é chamada a ser uma verdadeira "alegria", que só pode ser ameaçada pelos nossos pecados. Ao fazer-nos recitar estas palavras de Jeremias, a Liturgia das Horas convida-nos a apoiar a nossa vida em Cristo, o nosso Redentor (cf. Jr Jr 31,11) e a procurar nele o segredo da verdadeira alegria na nossa vida pessoal e comunitária.

Saudações

Uma saudação afectuosa aos vários grupos vindos do Brasil e de Portugal, e aos demais peregrinos de língua portuguesa aqui presentes, a todos recordando a ternura com que Deus confessa a cada um: "Amei-te com um amor eterno". Agarra-te a este Amor eterno; o resto, fora d'Ele, é instável, precário e provisório. Como penhor de paz e alegria, desça sobre vós e os vossos familiares a minha Bênção.

Uma cordial saudação a todos os peregrinos holandeses e belgas.
Caríssimos peregrinos, rezai por aqueles que sofrem, suplicai a paz e a justiça na certeza de que, em Jesus Cristo, Deus derrotou o mal, o pecado e a morte.

É de coração que vos concedo a Bênção Apostólica.

Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os fiéis húngaros. Em primeiro lugar, o Eminentíssimo Primaz da Hungria, Cardeal Lászlo Paskai, que acompanha uma numerosa delegação, vinda a Roma por ocasião da abertura da Exposição "Hungariae Christianae Millennium".

Depois, saúdo o maestro e o coro "Iubilate", da Escola Musical "Zoltán Kodály". Por intercessão da Magna Domina Hungarorum, concedo de bom grado a todos vós a minha Bênção Apostólica.

Louvado seja Jesus Cristo!

Estendo a minha saudação especial aos grupos de jovens dos vários países, presentes nesta Audiência. Convido-vos a todos a rezar pela paz e a participar na construção de um mundo sem violência, fundado no respeito pela dignidade de cada ser humano. Sobre todos os peregrinos e visitantes de expressão inglesa, invoco as bênçãos de que fala o Cântico de Jeremias. Deus esteja com todos vós!

Agora, dirijo uma saudação cordial aos peregrinos de língua italiana, em particular aos fiéis da Diocese de Verona, que trazem consigo o artístico portal de bronze, destinado a ser colocado na igreja de Santa Catarina, em Belém. Enquanto agradeço ao escultor, aos realizadores e aos benfeitores desta obra, que daqui a pouco benzerei, faço votos a fim de que ela seja uma ulterior mensagem de paz para a terra da Palestina.

Enfim, dirijo um pensamento afectuoso aos jovens, aos doentes e aos novos casais.Outubro é o mês do Rosário, que nos convida a valorizar esta oração tão querida para a tradição do povo cristão.
Convido-vos a vós, dilectos jovens, a recitar todos os dias o santo Rosário. Encorajo-vos a vós, caros doentes, a entregar-vos com confiança nas mãos amorosas de Maria, invocando-a incessantemente. Exorto-vos a vós, queridos novos casais, a fazer do Rosário uma meditação orante sobre os mistérios de Jesus Cristo.




AUDIÊNCIAS 2001