Discursos João Paulo II 2001 - Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2001

AO CAPÍTULO GERAL DOS


FRADES MENORES CONVENTUAIS


Sábado, 17 de Fevereiro de 2001






Caríssimos
Frades Menores Conventuais

1. É uma grande alegria para mim encontrar-vos hoje, por ocasisão do vosso Capítulo Geral.

Dirijo uma saudação especial ao Frei Joachim Antonhy Giermek, novo Ministro-Geral, 118º sucessor de São Francisco, e estou-lhe grato pelas palavras que quis dirigir-me em nome de todos vós. Estendo a minha cordial saudação ao novo Conselho Geral, também a frei Agostino Gardin, que orientou a Ordem nos últimos seis anos: para ele vai o meu grato apreço por quanto fez nestes anos ao serviço da Igreja, quer como Ministro-Geral da sua Família religiosa, quer como Presidente da União dos Superiores-Gerais.

Através de vós, caros Irmãos, quero fazer chegar um pensamento repleto de estima e afecto por todas as vossas Comunidades espalhadas pelos diversos Continentes. Ao novo Ministro-Geral e ao seu Conselho desejo de todo o coração um generoso e fecundo serviço na orientação de toda a vossa Comunidade religiosa no início deste terceiro milénio cristão.

2. O Capítulo Geral, celebrado algumas semanas depois da conclusão do Grande Jubileu, faz-nos sentir de modo significativo o actual momento histórico. Na vida de um Instituto religioso, a Assembleia capitular constitui uma importante ocasião de reflexão e de programação, que leva os seus membros a dirigir o seu olhar, principalmente, para o futuro. Torna-se espontâneo, ao encontrar-vos, repetir o convite que na Carta apostólica Novo millennio ineunte dirigi a todas as Comunidades eclesiais: "É hora, pois, de cada Igreja reflectir sobre o que o Espírito disse ao Povo de Deus neste especial ano de graça e também no arco mais amplo de tempo desde o Concílio Vaticano II até ao Grande Jubileu, medindo o seu fervor e ganhando novo impulso para os seus compromissos espirituais e pastorais" (n. 3).

3. "Recomeçar a partir de Cristo" (cf. Novo millennio ineunte, cap. III): este deve ser o vosso primeiro compromisso, caros Irmãos Menores Conventuais. Só apoiando-vos solidamente sobre Cristo, vos será possível pôr em acção as várias indicações que escolhestes no decurso dos trabalhos capitulares, para responder aos urgentes desafios e prioridades apostólicas. Este amor por Cristo deverá exprimir-se, em primeiro lugar, com a fidelidade à oração pessoal e comunitária, sobretudo a litúrgica, que caracterizou a vossa Ordem desde os seus princípios. São Francisco, dirigindo-se ao Capítulo Geral e a todos os Irmãos, escreve: "Por isso suplico, como posso, ao Ministro-Geral, meu senhor, que faça observar inviolavelmente por todos a Regra, e que os clérigos recitem o ofício com devoção diante de Deus, não tomando atenção à melodia da voz, mas à correspondência da mente, para que a voz concorde com a mente e a mente, depois, concorde com Deus, a fim de que possam, mediante a pureza do coração, agradar a Deus" (Carta ao Capítulo Geral e a todos os Irmãos, 6, 51-53, em: Fontes Franciscanas 227). A vossa vida fraterna e a vossa missão evangelizadora darão frutos abundantes se brotarem de uma "comunidade orante", que descobre no encontro com Deus o sentido e as energias interiores para a fidelidade quotidiana aos próprios compromissos.

4. Da intensa relação com o Senhor tirareis o vigor espiritual para o cuidado pela vida fraterna. A este respeito, trata-se de ser fiéis ao vosso carisma específico franciscano conventual, que sempre viu na partilha do caminho comunitário uma caracterização peculiar no interior do vasto movimento franciscano. Sirva-vos de encorajamento quanto, a esse propósito, escrevi na Exortação apostólica pós-sinodal Vita consecrata, sublinhando a dimensão teológica da vida fraterna, vivida em espírito de autêntica comunhão: " A comunhão fraterna, antes de ser instrumento para uma determinada missão, é espaço teologal, onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado [cf. Mt 18, 20]" (n. 42).

Mesmo o primeiro biógrafo do Pobrezinho de Assis, Frei Tomás de Celano, apresenta o quadro de referências da Ordem, num certo sentido ideal, descrevendo o grupo dos primeiros companheiros de Francisco como repletos de um amor não só alegre mas também animado por um verdadeiro afecto fraternal (cf. Vida primeira de São Francisco de Assis, 38, em: Fontes Franciscanas, 387.393). Não esqueçais que "a Igreja tem urgente necessidade de tais comunidades fraternas, cuja propria existência constitui uma contribuição para a nova evangelização, porque mostram de modo concreto os frutos do "mandamento novo"" (Vita consecrata, VC 45 cf. Novo millennio ineunte, 43-45).

5. No vosso Capítulo é frequentemente manifestado o chamamento a uma espiritualidade simples e intensa; numa palavra, franciscana. Se fordes homens de profundo diálogo com Deus, sereis também testemunhas e mestres de autêntica espiritualidade. Salvaguardai e promovei, portanto, a vida espiritual, tornando-vos disponíveis para orientar neste caminho os fiéis que vos têm como ponto de referência. O nosso tempo mostra sinais cada vez mais evidentes de uma profunda sede de valores, de percursos e de metas do espírito. Na citada Carta apostólica Novo millennio ineunte, observei: "Não será porventura um "sinal dos tempos" que se verifique hoje, não obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime precisamente numa renovada carência de oração?" (n. 33).

Este renovado anseio pelo mundo do espírito deveria encontrar uma válida e fecunda resposta nas vossas comunidades franciscanas. Mediante a dócil escuta da palavra de Deus, acolhida pessoalmente e partilhada na tradicional prática da lectio divina, e mediante o exercício da oração pessoal e comunitária, tornar-vos-eis válidos companheiros de viagem para tanta gente desejosa de seguir a Cristo e o seu Evangelho "sine glossa". Assim, respondereis às interrogações que, de modo diversificado, vos chegam dos homens e das mulheres do nosso tempo e podereis eficazmente atrair as almas em caminhos de crescimento de espiritualidade e de reencontrada vitalidade interior.

6. São múltiplas as ocasiões que a Providência vos oferece. Basta recordar o ministério de acolhimento nos vários Santuários confiados ao cuidado da vossa Ordem. Penso, por exemplo, na Basílica de São Francisco de Assis, que tive a alegria de visitar várias vezes, onde se toca com a mão aquilo com que ainda hoje "o Pobrezinho" sabe encantar e atrair para Deus inumeráveis multidões de devotos.

Penso, depois, na Basílica de Santo António de Pádua, grande filho espiritual de Francisco de Assis. Nem posso esquecer o precioso serviço pastoral dos beneméritos Penitenciários da Basílica Vaticana, os quais, especialmente durante o Jubileu se gastaram com empenho e dedicação dignos dos maiores elogios no acolher de multidões de penitentes provenientes de todas as partes do mundo. Sei que numerosos religiosos da Ordem vieram a Roma de diversos Países, para apoiar os Confrades, que ordinariamente desenvolvem este ministério tão escondido como necessário para o bem das almas.

Caríssimos Frades Menores Conventuais, continuai na vossa acção com aquele estilo popular que vos distingue. O povo, a cujo serviço Deus vos envia, dirige-vos o pedido que os gregos vindos a Jerusalém para a Páscoa, fizeram ao apóstolo Filipe: "Queremos ver Jesus" (Jn 12,21).

Pertence-vos a vós tornar visível e direi quase palpável o amor misericordioso de Deus: amor que acolhe e reconcilia, que perdoa e renova o coração dos crentes, apertando num abraço consolador todo o homem e toda a mulher, filhos do único Pai celeste.

7. Sem dúvida, as indicações derivadas dos aprofundamentos destes dias não deixarão de ajudar a Ordem a prosseguir no seu caminho, nas pegadas do Fundador, secundando as suas intuições evangélicas. Com profético discernimento sabereis adoptar, à luz do Espírito, "as modalidades adequadas para proteger e renovar, nas diversas situações histórias e culturais", o vosso carisma e o vosso património cultural (Vita consecrata, VC 42), sem nunca vir a faltar à Regra de vida deixada por São Francisco.

Tendes diante de vós o exemplo heróico de vários dos vossos Confrades, que no século passado deram a vida por Cristo e pela sua Igreja. Refiro-me aos sete Confrades polacos, alguns dos quais colaboradores de São Maximiliano Maria Kolbe, vítimas da ideologia nazista. Tive a alegria de os proclamar Beatos durante os seis anos passados. Olhando a luminosa multidão de Santos e Beatos da vossa Ordem, não tenhais medo de seguir o Senhor com total dedicação. Proteja-vos a Virgem Maria, "Senhora Santa, Rainha Santíssima, Mãe de Deus" (Saudação à Virgem, 1, em: Fontes Franciscanas, 259), e vos ajude a levar até ao fim os propósitos do Capítulo Geral.

Com estes votos, concedo de boa vontade a cada um de vós aqui presentes, às vossas Comunidades de proveniência e a todos os Frades Menores Conventuais espalhados pelo mundo, assim como aos leigos que colaboram convosco nas vossas várias actividades, uma especial Bênção apostólica.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


À DIOCESE DE ROMA


NO FINAL DO GRANDE JUBILEU






Caríssimos Irmãos e Irmãs

No final do Grande Jubileu desejo dirigir-me a vós com esta mensagem na qual, como que num diálogo familiar, vivo novamente algumas das emoções suscitadas por esta extraordinária experiência de fé, de amor e de conversão que vivemos juntos.

Roma jamais poderá esquecer as numerosas multidões de peregrinos, provenientes de todas as partes da terra, que percorreram as suas estradas, rezaram nas Basílicas e nas Igrejas, professando a única fé em Cristo Senhor e Salvador junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e dos túmulos dos Mártires.

Por sua vez, os peregrinos não poderão esquecer o calor e o acolhimento jubiloso e fraterno das famílias, das comunidades religiosas e das paróquias desta maravilhosa cidade, que demonstrou mais uma vez ao mundo a sua vocação universal e testemunhou que "preside à caridade de todas as Igrejas".

1. Gratidão

Convosco, dou graças ao Senhor por todas estas experiências. Em particular, voltam à minha mente alguns acontecimentos que marcaram a vida da Diocese e foram preparados e celebrados com grande intensidade espiritual e generoso espírito de serviço: o Jubileu diocesano, a semana do Congresso Eucarístico Internacional, com a sugestiva procissão eucarística da Basílica de São João de Latrão até Santa Maria Maior, o Jubileu das Famílias e, sobretudo, o alegre e entusiasmante Jubileu dos Jovens, que permanecerá gravado profundamente na memória de todos os que tiveram a graça de participar nele. Como escrevi na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, não será fácil para os próprios jovens e os voluntários, nem sequer para as famílias, paróquias e comunidades religiosas que os receberam com amizade e simpatia, cancelar da memória este acontecimento em que Roma se fez "jovem com os jovens" (cf. n. 9).

Os grandes acontecimentos jubilares, mas também e não menos importante o quotidiano desenvolvimento do Ano Santo, puderam realizar-se da melhor forma devido à dedicação e ao empenho dos sacerdotes, dos religiosos e das religiosas e de tantos fiéis da Diocese. Por conseguinte, obrigado, Igreja de Roma, por te teres aberto à graça do Jubileu e por lhe teres correspondido com total abertura de coração!

Dirijo um pensamento especial aos voluntários, às famílias, às paróquias e às comunidades religiosas, que se prodigalizaram com entusiasmo e sacrifício na hospitalidade aos peregrinos e no serviço aos mais pobres, aos portadores de deficiência e aos que sofrem. Penso sobretudo em todos os que receberam com alegria e responsável empenho os numerosíssimos jovens do Dia Mundial da Juventude.

2. Um olhar ao passado...

Desde a já distante Vigília de Pentecostes do ano de 1986, o caminho da Igreja de Roma foi caracterizado e alimentado por uma série de grandes empenhos e encontros. Em primeiro lugar, o Sínodo pastoral, para o pleno acolhimento e valorização na nossa Diocese dos ensinamentos do Concílio Vaticano II: a comunhão e a missão foram as ideias-força em redor das quais se desenvolveram os trabalhos do Sínodo, que no seu próprio desenvolvimento representou uma grande experiência de comunhão. O Livro do Sínodo permanece o ponto de referência e o "vade-mécum" da nossa pastoral.

Depois, na Solenidade da Imaculada Conceição de 1995, convoquei a Igreja de Roma para a grande "Missão da Cidade", em preparação para o Ano Santo e para tornar concreto o empenho missionário tomado no Sínodo. Aqui, a ideia-força foi a do "povo de Deus em missão" e na realidade todos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e, sobretudo, muitíssimos leigos fizeram-se, com fé, coragem e dedicação, missionários junto das famílias, nas escolas e nos ambientes de trabalho e um pouco em todas as partes na Cidade.

Seguiu-se a maravilhosa experiência espiritual do Jubileu, que fez crescer a comunhão e a colaboração entre todas as realidades, as vocações e os carismas de que a nossa Diocese é rica e que nos deu ulterior confirmação de como são tantas as pessoas e as famílias, também para lá de quantos habitualmente participam na vida das nossas comunidades, nas quais ainda estão presentes as raízes da fé e o desejo do contacto com Deus e de uma vida que não seja prisioneira unicamente das ambições e interesses terrestres.

3. ... para projectar o futuro

Portanto, podemos olhar em frente com uma atitude de fé e de esperança cristã e, como escrevi na Carta Apostólica Novo millennio ineunte (cf. n. 1), "fazer-se ao largo" (cf. Lc Lc 5,4), para "viver com paixão o presente" e "se abrir com confiança ao futuro", na certeza de que "Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre!" (He 13,8): de facto, espera-nos uma nova e fecunda estação de evangelização da nossa cidade e do mundo inteiro.

Enquanto agradecemos ao Senhor os dons recebidos, interrogamo-nos acerca das melhores maneiras de os fazer frutificar e, sobretudo, procuramos os caminhos possíveis e eficazes para renovar a nossa pastoral ordinária, de forma a torná-la estável e concretamente missionária. É esta a finalidade do grande "Congresso diocesano" que, aceitando o meu convite, programastes para o próximo mês de Junho e que já estais a preparar nas paróquias, nas prefeituras e nos outros âmbitos eclesiais.

A Carta apostólica Novo millennio ineunte oferece as indicações fundamentais para a preparação e as orientações deste Congresso, indicando os conteúdos decisivos para a vida e o testemunho da comunidade cristã, tanto em Roma como em todas as outras partes do mundo:

cada Igreja local, e também a Igreja de Roma, é chamada a "estabelecer as linhas programáticas concretas objectivos e métodos de trabalho, formação e valorização dos agentes, busca dos meios necessários que permitam levar o anúncio de Cristo às pessoas, plasmar as comunidades, penetrar em profundidade a sociedade e a cultura através do testemunho dos valores evangélicos" (n. 29).

Mas existe algo que é ainda mais importante que a reflexão e a projecção pastorais e sozinha lhes pode dar, bem como a toda a actividade apostólica, a justa direcção, fecundidade e eficácia. Refiro-me, como já compreendestes, à contemplação do rosto de Cristo (cf. Novo millennio ineunte, cap. II) que se torna oração, anseio de santidade, participação na vida litúrgica e sacramental, da qual brota a ""medida alta" da vida cristã ordinária" (Ibid., 31).

Irmãos e Irmãs da Igreja de Roma, recomendo-vos, especialmente a vós, sempre mas de maneira particular neste tempo em que fazemos o discernimento comunitário com vista aos compromissos futuros, que deis grande espaço à oração e à escuta da palavra de Deus e que valorizeis ao máximo a Eucaristia, sobretudo dominical. As nossas comunidades "devem tornar-se autênticas "escolas" de oração, onde o encontro com Cristo não se exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em acção de graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, afectos de alma, até chegar a um coração verdadeiramente "apaixonado"" (Ibid., n. 33). A redescoberta do sacramento da reconciliação, que experimentamos ao longo do Ano Santo, continue agora e seja apoiada por oportunas catequeses como também pela generosa disponibilidade dos sacerdotes no confessionário.

4. Comunhão eclesial

Já realcei como o discernimento pastoral se deva fazer em espírito de comunhão. Com efeito, a comunhão "encarna e manifesta a própria essência do mistério da Igreja" (Ibid., n. 42). Portanto, é preciso "fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão" (Ibid., n. 43): eis o desafio que nos espera, "se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo" (Ibidem).

Trata-se, sobretudo, de fazer crescer a "espiritualidade da comunhão", que nos ajuda a superar qualquer procura vã de afirmação pessoal e a valorizar todos os carismas com os quais o Senhor enriquece a Igreja, conferindo "uma alma ao dado institucional, ao aconselhar confiança e abertura que corresponde plenamente à dignidade e responsabilidade de cada membro do povo de Deus" (Ibid., n. 45).

Podem ser muitos os caminhos e as formas concretas para, através deles, fazer crescer a comunhão na nossa Diocese, tão rica de multiformes experiências espirituais e pastorais, mas para esta finalidade é decisivo que cada paróquia, comunidade religiosa, realidade eclesial e baptizado e, em particular, todos os que têm maiores responsabilidades pastorais, se perguntem com sinceridade: que contributo ofereço para o crescimento da plena comunhão na Igreja? Como posso colaborar para que ela se torne casa e escola de comunhão?

5. Formação missionária

Com base na comunhão recíproca, será mais fácil desenvolver aquele empenho de formação cristã com conotação especificamente missionária, que o passar dos anos torna cada vez mais claramente necessária. No contexto social e cultural de hoje, e na presença de tantas famílias que não estão em condições de garantir a primeira formação cristã aos seus filhos, são de facto as nossas comunidades eclesiais, a começar pelas paróquias, que se devem encarregar de todo o itinerário formativo, iniciando nos anos da infância e depois, sem interrupção, até à juventude, à maturidade e à velhice.

Trata-se de formar cristãos autênticos e isto não se pode verificar sem um profundo envolvimento pessoal, tanto por parte dos formadores como dos que estão a ser formados. Mas trata-se também de dar a todo este itinerário uma característica prioritariamente missionária, ou seja, que torne o cristão desejoso e capaz de oferecer um claro testemunho da própria fé, em cada um dos âmbitos em que vive a sua vida. Só desta forma aquela "missão permanente" que é o nosso grande objectivo pastoral, poderá realizar-se concretamente, tanto através de iniciativas especiais, como também e sobretudo dentro do tecido quotidiano da vida da nossa diocese, com as suas múltiplas articulações.

6. Pastoral vocacional

Se cada cristão recebe do Senhor a vocação que lhe é própria e tem necessidade de uma formação adequada para lhe poder corresponder, mantêm contudo todo o seu valor peculiar as vocações de especial consagração, sobretudo ao sacerdócio e à vida consagrada. Também a Igreja de Roma, que foi abençoada por Deus nos últimos anos com o dom de muitas ordenações sacerdotais, sente hoje a necessidade de "orientar uma vasta e pormenorizada pastoral vocacional, que envolva as paróquias, os centros educativos e as famílias, suscitando uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, cuja síntese decisiva está na resposta que cada um é convidado a dar ao chamamento de Deus, especialmente quando este pede a total doação de si mesmo e das próprias forças à causa do Reino" (Novo millennio ineunte, 46).

Peço a cada crente e a cada instância eclesial, sobretudo às comunidades de vida contemplativa, que intensifiquem a oração pelas vocações. É o primeiro empenho e o mais necessário. A ele, dever-se-á depois fazer seguir um solícito cuidado na promoção, acompanhamento e maturação de cada uma das vocações. É uma tarefa de toda a Diocese, na qual se insere a responsabilidade específica que compete aos nossos Seminários diocesanos, aos quais desejo garantir o meu constante pensamento e a minha especial recordação na oração.

7. Os caminhos da missão permanente

A coragem de ousar e a sagacidade do discernimento deverão exprimir-se especialmente na projecção e desenvolvimento daquelas formas de missionariedade que já experimentámos durante a Missão da Cidade e que agora devem ser oportunamente integradas na pastoral ordinária e também enriquecidas de novas atenções. Penso sobretudo naquelas opções e iniciativas básicas, tais como as visitas às famílias às quais se seguiu a formação de centros de escuta do Evangelho nas casas o testemunho missionário nos ambientes de vida e de trabalho, o diálogo à luz da fé com as instâncias culturais presentes na nossa cidade. Para que estas opções encontrem uma adequada base e apoio, é preciso contudo que a catequese, a acção litúrgica, as várias iniciativas das nossas comunidades assumam uma fisionomia mais claramente missionária, pondo sempre no centro o anúncio de Jesus Cristo, único Salvador, e fazendo passar entre todos este testemunho com as interrogações, as preocupações e as expectativas com que é entretecida a vida quotidiana do nosso povo.

No próprio momento em que o compromisso missionário estimula as nossas paróquias e os vários ambientes eclesiais a sair de si mesmas para propor a todos o encontro com Cristo, somos postos em contacto com numerosos sofrimentos e pobrezas, antigas e novas, presentes nas casas e nos bairros de Roma. Chegou também para nós a "hora de uma nova "fantasia da caridade", que se manifeste não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna" (Novo millennio ineunte, 50). Nesta fronteira da caridade, na qual a Igreja de Roma se empenhou ao longo de toda a sua história, peço uma presença comum e generosa que envolva todas as componentes eclesiais.

Não menos necessária é uma constante atenção ao vasto mundo da cultura, nas suas multiformes expressões. Aquele "projecto cultural orientado em sentido cristão", que constitui uma das grandes prioridades da Igreja na Itália, deve encontrar também e sobretudo em Roma progressos cada vez mais concretos. Não se trata apenas de estar presentes nos lugares mais especificamente dedicados à elaboração e comunicação da cultura, mas também de conseguir influir a mentalidade e a cultura através da actividade pastoral quotidiana. Também será necessário suscitar em cada fiel a consciência da contribuição que, através do seu trabalho, das suas convicções e do seu estilo de vida, ele pode dar à formação de um ambiente social mais cristão na Cidade.

Não é preciso que eu realce como é importante, para um empenho missionário "a todos os níveis", a pastoral da família, neste momento histórico em que a própria família, também em Roma, está a atravessar uma crise profunda e difundida. Precisamente por isto não nos podemos contentar com uma atenção às famílias que seja episódica, ou limitada aos núcleos mais próximos e disponíveis. O rosto materno da Igreja deve, ao contrário, na medida do possível, tonar-se presente em cada unidade familiar através do trabalho dos pastores, mas também através do testemunho e da solicitude de famílias cristãs capazes de oferecer "um exemplo persuasivo da possibilidade de um matrimónio vivido de forma plenamente congruente com o desígnio de Deus e com as verdadeiras exigências da pessoa humana a pessoa dos esposos, e sobretudo a pessoa mais frágil dos filhos" (Novo millennio ineunte, 47).

No seu desenvolvimento e em todo o trabalho de preparação em que se distinguiu a Diocese de Roma, o Dia Mundial da Juventude confirmou-nos que seria um erro imperdoável não ter confiança naquele "dom especial do espírito de Deus", que são os jovens, para Roma e para a Igreja (cf. ibid., n. 9). Pudemos ver directamente que muitos jovens estão apaixonados por Cristo e que sabem vencer a tentação insidiosa de dividir Cristo da Igreja. Estes jovens podem e devem tornar-se os primeiros missionários para os seus amigos e coetâneos: o novo impulso apostólico que desejamos imprimir a toda a vida da nossa Igreja exige que cultivemos e façamos crescer, através de uma atitude de confiança e de uma adequada formação, as suas capacidades de serem autênticas e credíveis testemunhas do Senhor.

8. "O amor de Cristo nos impele" (2Co 5,14)

Queridos Irmãos e Irmãs, os meses que nos separam do Congresso de Junho dar-vos-ão a ocasião de vos pordes à escuta do Espírito que fala à sua Igreja e de vos escutardes uns aos outros, de forma a descobrirdes juntos os caminhos mais eficazes para tornar permanente o compromisso da nova evangelização.

Contudo, sabemos bem que qualquer impulso, energia e dedicação dos evangelizadores provêm da fonte que é o amor de Deus, infundido nos nossos corações com o dom do Espírito Santo. Este amor abraça, em Cristo, todos os nossos irmãos em humanidade, chamados como nós à fé e à salvação. E em particular, abraça cada um daqueles que vivem nesta grande cidade, pobres e ricos, jovens e idosos, italianos e estrangeiros. E com eles, abraça toda a cidade, a cujo autêntico progresso humano e civil, como crentes em Cristo, desejamos dar o mais sincero contributo. Por conseguinte, disponhamo-nos a viver a preparação para o Congresso e tudo o que acontecer a seguir, antes de mais como um acto de amor.

Maria Santíssima, Salus Populi Romani, os Apóstolos Pedro e Paulo e todos os Santos e Santas da Igreja de Roma nos apoiem com a sua intercessão para podermos, todos juntos, realizar com fidelidade e confiança a missão que o Senhor nos confia.

Como sinal do meu grande afecto, a todos concedo de coração a Bênção apostólica, propiciadora da graça e da alegria que provêm do Espírito Santo.

Vaticano, 14 de Fevereiro de 2001.



DISCURSO DO SANTO PADRE AOS BISPOS DA


CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA TURQUIA


POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2001




Estimados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio

1. É com alegria que vos recebo neste dia, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. Agradeço a D. Louis Pelâtre, Vigário Apostólico de Istambul para os Latinos e Presidente da vossa Conferência Episcopal, as suas cordiais palavras que oferecem um panorama da situação da Igreja que está no vosso País, manifestando desta forma as vossas solicitudes de pastores, assim como as dificuldades e as esperanças das vossas Comunidades.

Para mim, é impossível falar sobre a vossa Igreja sem remontar às fontes da nossa fé, aos primeiros tempos da evangelização, que os Apóstolos do Senhor levaram a cabo na Ásia Menor. Com efeito, a vossa terra testemunhou o nascimento dos primeiros rebentos do Evangelho: foi ali que a Igreja se desenvolveu, que se constituiu e se organizou em redor de Bispos ilustres como São Policarpo de Esmirna e Santo Inácio de Antioquia; foi ali que, em seguida, a fé da Igreja se consolidou durante os primeiros sete Concílios Ecuménicos, em Niceia, Éfeso, Calcedónia e Constantinopla. Além disso, como deixar de evocar todo o trabalho de inteligência da fé, realizado pelos Padres capadócios, Basílio, Gregório de Nazianzo, Gregório de Nissa e João Crisóstomo!

Neles existe uma riqueza e uma herança conjuntas que pertencem a todas as vossas Dioceses, indepedentemente do rito a que elas pertencem, as quais constituem uma exortação, até mesmo nas modestas realidades dos dias de hoje, a caminhardes no seguimento das pegadas desta grande tradição de recepção e de meditação da Palavra de Deus, bem como de santificação das pessoas, para a glória de Deus e o anúncio da salvação em Jesus Cristo.

2. Sinto-me muito feliz por me associar, através da oração, à vossa alegria de pastores e à de todo o povo cristão por ocasião das recentes festividades que tiveram lugar em Istambul, em honra do Beato João XXIII. Apreciei o gesto das Autoridades turcas, que desta forma quiseram prestar homenagem à memória do "Papa amigo dos Turcos", atribuindo o seu nome à rua onde se encontra o histórico edifício da antiga Delegação Apostólica na Turquia, e organizando um vasto programa de manifestações culturais, tendo como seu fulcro este acontecimento. Estas solenidades foram assinaladas também por importantes celebrações religiosas; a este propósito, desejo recordar a participação fraterna de Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca Ecuménico de Constantinopla, de Sua Beatitude Mesrob II, Patriarca Arménio de Istambul e do Metropolita Celtin, Vigário Patriarcal dos Sírios Ortodoxos, dos Representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, assim como a presença dos Representantes da Comunidade judaica e das Autoridades muçulmanas; esta participação das diversas componentes da Sociedade turca manifesta a grande influência da personalidade do Beato e o cordial entendimento entre todos os habitantes do País, no respeito dos diferentes credos e práticas religiosas. A Comunidade católica da Turquia alegrou-se também pela importante participação nestas festividades de Bispos representantes das Conferências Episcopais dos países da Europa, recordando desta forma os estreitos vínculos da Turquia com a Europa e o papel positivo que podem desempenhar os católicos no Continente. Possam o exemplo e a oração do Beato João, Papa Bom, iluminar e estimular o vosso ministério pastoral nos dias de hoje!

3. Para cumprir a sua missão, a Igreja que está na Turquia tem necessidade de confirmar os vínculos de comunhão com a Igreja universal: este é o profundo sentido do empreendimento que realizais neste dia, mediante esta visita ad Limina, que é também uma experiência de comunhão fraterna entre vós, com vista a continuardes o trabalho de colaboração no seio da vossa Conferência Episcopal. Tendes a solicitude de estabelecer e desenvolver relações de bom entendimento com todos os habitantes do País, manifestando a vossa atenção a todas as pessoas com quem vos encontrais. Da mesma forma, continuais com paciência e determinação o diálogo com os poderes públicos; é assim que a Igreja, como instituição e conjunto de comunidades de fiéis, há-de encontrar cada vez mais o seu lugar na vida da Nação. Com efeito, a liberdade de religião e de culto, que é inseparável da liberdade de consciência, constitui o elemento essencial para uma boa convivência a nível local. Todo o Estado, assistido por cada um dos seus habitantes, é chamado a ser vigilante neste campo, para consolidar as relações no interior do País e para confirmar o seu lugar no concerto das nações e nas relações multilaterais. Vós sabeis que é neste espírito que a Santa Sé, por sua vez, trabalha em benefício da aproximação entre os povos.

4. Há dois anos, a vossa Conferência Episcopal lançou o projecto de um Encontro eclesial, que deverá realizar-se proximamente, mediante alguns congressos a níveis tanto diocesano como nacional. Alegro-me por este fruto da concertação pastoral entre os Bispos e encorajo-vos a prosseguir nesta direcção: trata-se de uma manifestação concreta do affectus collegialis, revalorizado pelo Concílio Vaticano II, que permite assumir em conjunto a solicitude pela missão, mediante a assistência recíproca. Após o Ano de gaça e de misericórdia do grande Jubileu, estes encontros oferecerão um novo impulso às vossas comunidades cristãs, não raro frágeis e dispersas, a fim de que a Igreja que está na Turquia progrida no novo milénio com confiança e coragem, animando os cristãos "a estarem sempre prontos a responder, para sua defesa, a todos os que lhes perguntarem a razão da esperança que os alimenta" (cf. 1P 3,15). Encorajo-vos sentidamente a levar a bom termo este grandioso projecto, vigiando a fim de que todos os membros da comunidade eclesial se sintam comprometidos: os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e sobretudo os leigos que devem assumir uma parte cada vez mais activa e responsável na vida e na missão da Igreja.

5. É importante que a Igreja de Cristo esteja verdadeiramente inserida na vida da sociedade turca em geral. Isto exige um trabalho de adaptação, já amplamente empreendido a níveis da liturgia, da tradução da Palavra de Deus e dos instrumentos catequéticos; isto implica inclusivamente um importante investimento, no qual já estais comprometidos, para que os sacerdotes, os religiosos e as religiosas que chegam à Turquia aprendam a língua do País, a sua história, os seus costumes e enfim a sua cultura.

Não é, por acaso, necessário ir mais além e trabalhar, com paciência e sem desânimo, para fazer nascer junto dos jovens católicos da Turquia, vocações para o sacerdócio e a vida consagrada? Na sociedade contemporânea, tão ávida de satisfações imediatas, não é fácil fazer ouvir o chamamento de Cristo a abandonar tudo para O seguir no dom de si mesmo, no celibato e na castidade oferecidas por amor a Deus e aos seus irmãos. Como vós mesmos podeis observar, à juventude não faltam generosidade nem aspirações a um ideal; ela poderá ouvir este apelo, se encontrar junto de si testemunhas disponíveis e atentas. Por conseguinte, encorajo-vos a duplicar os esforços para sustentar a pastoral das vocações, encontrando juntos os meios mais oportunos para formar os futuros presbíteros das vossas Igrejas, tanto no vosso próprio País como recorrendo à ajuda das outras Dioceses, nomeadamente da Europa à qual a vossa Nação está unida. As estruturas locais para o discernimento das vocações e para a primeira etapa da formação sacerdotal poderão certamente dar um renovado impulso à pastoral das vocações. Em todo o caso, é essencial que os jovens que pensam no sacerdócio possam reunir-se de maneira significativa, para pôr em comum a sua investigação, as suas aspirações e a sua descoberta de Cristo, com o acompanhamento de formadores disponíveis. Por outro lado, a vida comunitária, no seminário, é essencial para que eles possam aprender a crescer humanamente e na fé, a fim de unirem as suas pesoas e a sua vida na intimidade com Cristo e para aprenderem a tornar-se pastores da Igreja, conscientes de que são membros do único presbitério.

6. O futuro da Igreja e também de toda a sociedade depende, de certa maneira, dos jovens de hoje. Conheço a atenção que dedicais, juntamente com os adultos, às realidades que a juventude vive. No Encontro eclesial que estais a preparar, os jovens desejarão expressar as suas esperanças e as suas expectativas. Vós já contribuís para a educação da juventude turca, na qual participam as escolas católicas, graças à competência e ao devotamento das congregações religiosas que as animam. Transmiti a todas elas as saudações e o encorajamento do Papa. A formação dos jovens cristãos é também o objecto de todas as vossas solicitudes e alegro-me pelos frutos de colaboração entre as comunidades de diferentes ritos, chamando as famílias a comprometer-se cada vez mais ao lado dos pastores, para que os jovens recebam o ensinamento necessário a uma vida cristã sólida. Possam todas as famílias tomar maior consciência da importância da transmissão da fé às gerações mais jovens, o que exige que os próprios pais adquiram uma excelente formação cristã e possam eventualmente participar de maneira activa na catequese!

7. O esforço de aprofundamento e de renovação que vós desejais empreender com toda a Igreja passa por uma verdadeira formação dos leigos, porque para eles é com frequência uma ocasião de profundo despertar da sua vida espiritual e do sentido da sua responsabilidade eclesial. Esta formação reveste uma importância totalmente particular para as vossas comunidades minoritárias: para que elas possam viver o diálogo da vida com as componentes da Nação, sem complexos nem tentações de se concentrarem em si mesmas, é necessário que os fiéis sejam bem formados, não só para conhecer a doutrina cristã, mas também para dar testemunho, mediante a sua vida de oração, através dos seus compromissos e da sua participação na reflexão sobre os problemas da sociedade, de uma espiritualidade e de uma fé vivas.

8. Os vossos relatórios quinquenais põem com frequência em realce as dificuldades concernentes ao matrimónio, numa sociedade em que o ideal cristão da fidelidade e da indissolubilidade é mal compreendido. Cabe aos pastores sustentar as famílias cristãs na sua vida quotidiana porque, "dando exemplo de matrimónio cristão, apresentam ao mundo um preciosíssimo testemunho de Cristo" (Concílio Ecuménico Vaticano II, Apostolicam actuositatem, AA 11). Os encontros entre casais, como já se pôde realizar no passado, constituem ocasiões de assistência recíproca para a sua vida conjugal e familiar. Assim, as famílias conseguirão ser verdadeiros lugares de educação humana, moral e espiritual dos jovens.


9. Vós falastes-me dos bons relacionamentos que existem entre os irmãos cristãos das diferentes confissões e isto é motivo de alegria para mim. Não tenhais medo de vos comprometer com decisão na tarefa ecuménica: é aprofundando ainda mais o conhecimento mútuo e aprendendo a trabalhar em conjunto, sempre que isto for possível, que se pode progredir na unidade, cujo caminho é necessariamente longo. Todos os sinais já manifestados durante o Ano jubilar constituem um encorajamento para novos progressos na caminhada conjunta rumo à verdadeira unidade. Durante o ano de 2001, ser-nos-á concedido celebrar na mesma data a solenidade da Ressurreição do Senhor. Que isto seja um apelo a fim de que, como já tive a ocasião de escrever recentemente, "aquela permuta de dons que enriqueceu a Igreja do primeiro milénio" possa restabelecer-se plenamente. "A lembrança do tempo em que a Igreja respirava com "dois pulmões" estimule os cristãos do Oriente e do Ocidente a caminharem juntos, na unidade da fé e no respeito das diferenças legítimas, aceitando-se e ajudando-se uns aos outros como membros do único Corpo de Cristo!" (Novo millennio ineunte, 48).

10. Vós viveis todos os dias em contacto com o Islão, através da cultura do País e mediante encontros com as pessoas individualmente. A partir desta situação específica, adquiristes uma tradição e uma experiência do diálogo inter-religioso e conheceis as suas exigências. Dai continuidade aos vossos esforços para criar e favorecer ocasiões de diálogo, em primeiro lugar na vida de todos os dias, nos diversos sectores do encontro com os homens que ela proporciona: na escola, que congrega crianças e jovens de todos os credos, nos compromissos da vida profissional e da vida social, no serviço da solidariedade e da entreajuda. É ali que os crentes podem conhecer-se melhor e estimar-se num trabalho conjunto em benefício da justiça e da paz, para que nasçam os germes de uma sociedade verdadeiramente fraterna e respeitadora das iniciativas individuais. Mas isto requer também diálogos mais institucionais, os quais já se têm realizado. É com interesse que observo as fecundas relações estabelecidas entre a Universidade Estatal de Ancara e a Pontifícia Universidade Gregoriana, ou ainda as colaborações suscitadas pela preparação das festividades em homenagem ao Papa João XXIII.

No momento em que a Turquia se prepara para estabelecer renovados vínculos com a Europa, a vocação da comunidade católica desse País manifesta-se ainda mais claramente. O testemunho da Boa Nova de Jesus Salvador permite o encontro entre homens e culturas, e demonstra que novas pontes podem ser edificadas, para além das hostilidades do passado e dos equívocos ou mal-entendidos que possam subsistir. Esta vontade de acolhimento e de reconciliação apela ao diálogo (cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Gaudium et spes, GS 92). Hoje mais do que nunca, adquire forma o diálogo entre as culturas, o que constitui uma exigência para todas as nações. As diferentes religiões podem e devem, também elas, oferecer uma contribuição decisiva neste sentido. A abertura recíproca daqueles que pertencem a religiões diversas pode produzir grandes benefícios para o serviço da causa da paz e do bem comum da humanidade (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2001, 16).

11. A vossa missão exigirá muitos recursos apostólicos, tanto em termos de pessoas como de matérias; conheço a pobreza das vossas Dioceses e a escassez de sacerdotes que vos preocupa a todos. Nesta situação, desejaria convidar-vos em primeiro lugar a encontrar a força de ânimo e o encorajamento na meditação das Cartas de São Paulo, que conheceu dificuldades bastante semelhantes às vossas e percorreu muitas vezes os vossos caminhos para assistir as comunidades por ele visitadas. Possais também vós haurir um novo impulso do apelo que dirigi a toda a Igreja no encerramento do Grande Jubileu do Ano 2000 e que constitui como que um programa para os anos vindouros. Devemos antes de mais nada empenhar-nos com maior confiança numa pastoral que reserve o máximo espaço à oração pessoal e comunitária. Isto "significa respeitar um princípio essencial da visão cristã da vida: o primado da graça. Há uma tentação que sempre dificulta qualquer caminho espiritual e também a acção pastoral: pensar que os resultados dependem da nossa capacidade de agir e programar... Repete-se então connosco aquela experiência dos discípulos, narrada no episódio evangélico da pesca miraculosa: "Trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos" (Lc 5,5). Esse é o momento da fé, da oração, do diálogo com Deus, para abrir o coração à onda da graça e deixar a palavra de Cristo passar por nós com toda a sua força: Duc in altum! Na pesca de então, foi Pedro que disse a palavra de fé: "À tua palavra, lançarei as redes" (Ibidem)" (Novo millennio ineunte, 38).

Queridos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, permiti-me reiterar-vos toda a minha confiança com as palavras do próprio Senhor: Duc in altum! Faz-te ao largo! Vai mais além, para construir uma Igreja viva, aberta e confiante no seu porvir, na esperança e na expectativa da messe abundante que o Senhor saberá conceder-nos.

Comunicai o meu reconhecimento e a minha saudação afectuosa aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, tão devotados ao serviço apostólico, assim como aos leigos das vossas comunidades, especialmente aos jovens. O futuro da Igreja que vive na Turquia depende em grande medida da fidelidade do seu testemunho quotidiano: que eles saibam como a Igreja os encoraja e conta com eles! Confio cada um deles, bem como as vossas pessoas e o vosso trabalho conjunto, à salvaguarda da Virgem Maria, a Bem-Aventurada Mãe de Deus e nossa Mãe.

Concedo-vos de todo o coração a Bênção apostólica.







Discursos João Paulo II 2001 - Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2001