Discursos João Paulo II 2001

3. A vossa União existe para vos ajudar a conhecer de modo mais profundo a vossa missão e vivê-la plenamente. Está presente como voz nos encontros internacionais, para recordar que qualquer vida é um dom de Deus e merece ser respeitada. Trabalhando juntas, deveis procurar oferecer um apoio material e moral cada vez maior às mulheres em dificuldade, vítimas de pobreza e de violência. Nunca vos esqueçais de que este trabalho importante está radicado no amor de Deus e dará frutos na medida em que o vosso testemunho revelará o Seu amor infinito por cada pessoa humana.

A santidade feminina, à qual cada uma de vós está chamada, é indispensável para a vida da Igreja. "O Concílio Vaticano II, confirmando o ensinamento de toda a tradição, recordou que, na hierarquia da santidade, precisamente "a mulher", Maria de Nazaré, é "figura" da Igreja. Ela "precede" todos no caminho rumo à santidade" (Mulieris dignitatem, MD 27). As mulheres que vivem na santidade são "um modelo de "sequela Christi", um exemplo de como a Esposa deve responder com amor ao amor do Esposo" (Ibid.).

4. O tema da vossa Assembleia, A missão profética das mulheres, deveria ser para vós uma ocasião para vos dedicardes a uma ampla reflexão acerca do vosso empenho. A Igreja e o mundo precisam do vosso testemunho específico. O ministério profético é partilhado por todo o povo de Deus e consiste sobretudo em ouvir e compreender a Palavra de Deus (cf. Lumen gentium, LG 12).

As mulheres católicas que vivem com fé e caridade e honram o nome de Deus na oração e no serviço (cf. Ibid) tiveram sempre um papel muito fecundo e indispensável na transmissão do sentido autêntico da fé e na sua aplicação em todas as circunstâncias da vida. Hoje, numa época de profunda crise espiritual e cultural, esta tarefa assumiu uma urgência que nunca é suficientemente recordada. A presença e a acção da Igreja do novo milénio passam pela capacidade que as mulheres têm de receber e guardar a Palavra de Deus. Em virtude dos seus carismas específicos, a mulher tem um dom único ao transmitir a mensagem e o mistério cristão à família e ao mundo do trabalho, do estudo e do tempo livre.

5. O recente Jubileu dos Leigos foi a ocasião para renovar a chamada feita pelo Concílio a todos os fiéis leigos, de proclamar a Boa Nova de Cristo com as palavras e o testemunho. Na família e na sociedade, vós contribuís "a partir de dentro... para a santificação do mundo" (Lumen gentium, LG 31). Cada tarefa, até a mais comum, se for desempenhada com amor, contribui para a santificação do mundo. É uma verdade importante que é preciso recordar hoje, num mundo atraído pelo sucesso e pela eficiência, no qual, contudo, muitas pessoas não participam dos benefícios do progresso global e são cada vez mais pobres e abandonadas.

O Jubileu deu novas energias a toda a Igreja. Prossigamos com esperança! (cf. Novo millennio ineunte, 58). Hoje, enquanto recomeça o seu caminho para proclamar Cristo ao mundo, a Igreja precisa de mulheres que contemplem o rosto de Cristo, que fixem o seu olhar n'Ele e O reconheçam nos membros mais débeis do Seu Corpo. "Em verdade vos digo: sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40). Vigiai, sede uma presença atenta e forte, nunca vos esqueçais de olhar para Cristo, de conservar no coração as Suas palavras. Desta forma, a vossa esperança não faltará; difundir-se-á no mundo este tempo prometedor e cheio de desafios.

Garanto-vos mais uma vez a minha proximidade na oração, confiante de que esta Assembleia será para vós uma ocasião para encontrar novas energias para a vossa missão. Ao confiar-vos a todas vós à protecção de Maria, Mãe do Redentor, concedo-vos do coração a minha Bênção apostólica.

Vaticano, 7 de Março de 2001.




A UMA DELEGAÇÃO DA


IGREJA PRESBITERIANA DOS ESTADOS UNIDOS


Quinta-feira, 22 de março de 2001






Queridos Amigos em Cristo

A visita de uma delegação da "Presbyterian Church USA" é sem dúvida motivo de alegria. Saúdo-vos a todos com afecto no Senhor.

A vossa visita a esta cidade, onde os Apóstolos Pedro e Paulo derramaram o próprio sangue em nome de Cristo, tem lugar depois da celebração do Grande Jubileu da Encarnação, que durou um ano, no alvorecer do Terceiro Milénio Cristão. A participação de numerosas Igrejas e Comunidades eclesiais em muitos dos acontecimentos jubilares testemunha a nossa comum acção de graças pelas abundantes bênçãos que acompanharam a primeira vinda do Senhor. Confirma o nosso empenho em trabalhar pela plena unidade dos cristãos enquanto esperamos o Sua vinda na glória.

Não obstante os significativos passos para o objectivo da unidade visível dados nos últimos decénios, devemos reconhecer que, "os tristes legados do passado vão acompanhar-nos ainda para além do limiar do novo milénio" e sabemos que "há ainda tanto caminho a percorrer" (Novo millennio ineunte, 48). Oxalá possamos ver o futuro que se abre diante de nós como uma chamada do Senhor a sermos cada vez mais "renovados no espírito da nossa mente e revestidos do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeira" (cf. Ef Ep 4,24). De facto, esta é uma condição para que possamos superar as barreiras que ainda separam os cristãos.

Possam a vossa estadia e os vossos encontros com o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos dar abundantes frutos para o empenho ecuménico ainda a ser enfrentado. Sobre vós e sobre as vossas famílias invoco de coração a alegria e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.



DISCURSO AOS PARTICIPANTES NA


ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA


PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA A AMÉRICA LATINA


Sexta-feira, 23 de Março de 2001






Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado

1. Sinto-me feliz por vos receber esta manhã, Conselheiros e Membros da Pontifícia Comissão para a América Latina, que celebrais a vossa Assembleia Plenária com a finalidade de oferecer orientações pastorais para dar continuidade à nova evangelização do Continente que chamamos "da esperança", precisamente devido ao que ele representa para a Igreja. De facto, essas terras que receberam a luz de Cristo há mais de cinco séculos e agora acolhem cerca de metade do orbe católico, distinguem-se por uma identidade cultural profundamente marcada pelo Evangelho e contam com uma Igreja viva e cheia de dinamismo evangelizador.

Agradeço cordialmente as expressivas palavras de saudação que, em nome de todos, me dirigiu o vosso Presidente, o Cardeal Giovanni Battista Re, apresentando-me as orientações dos vossos trabalhos e os propósitos que animam a vossa tarefa.

2. Partindo da minha recente Carta apostólica Novo millennio ineunte, aprofundastes a Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in America, e procurastes avaliar a sua aplicação nestes dois primeiros anos transcorridos desde a sua publicação naquela memorável celebração no Santuário de Guadalupe, no México.

Reflectistes acerca dos principais conteúdos da Exortação, estudando-os a fim de examinar, à luz das realidades actuais, os problemas e traçar propostas pastorais com vista a tornar mais intensa a tarefa evangelizadora nas queridas nações latino-americanas.

Desejaria animar-vos e estimular-vos nos vossos cuidados pastorais, porque são muitos os desafios que se nos apresentam e faz falta uma aguda intuição eclesial e uma audácia apostólica para os enfrentar de maneira adequada.

3. Um deles é conservar, defender e incrementar a integridade da fé. Situa-se nesta linha a Declaração Dominus Iesus sobre a unicidade e universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, que com a minha confirmação e ratificação, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou no ano passado. Com esta declaração os cristãos são convidados "a renovar a sua adesão ao Senhor Jesus na alegria da fé, testemunhando unicamente que Ele é, também hoje e amanhã, "o caminho, a verdade e a vida" (Jn 14,6)" (Angelus, 1 de Outubro de 2000).

Neste sentido, é necessário prestar especial atenção ao problema das seitas, que constituem "um grave obstáculo ao esforço evangelizador" (Ecclesia in America, ). Sobre elas estudou-se e falou-se muito, porque se trata de um fenómeno que não pode ser contemplado com indiferença. É necessária uma acção pastoral decidida para enfrentar esta grave questão, revendo os métodos pastorais empregados, fortalecendo as estruturas de comunhão e de missão e aproveitando "as possibilidades evangelizadoras que uma religiosidade popular purificada oferece" (Ecclesia in America, ). A respeito disto, sabeis bem como é importante a presença dos evangelizadores, pois onde actuam sacerdotes, religiosos, religiosas ou leigos dedicados ao apostolado, as seitas não prosperam. A fé, mesmo sendo um dom de Deus, não surge nem se mantém sem a mediação dos evangelizadores.

No processo de fortalecimento da fé, a Eucaristia é o lugar privilegiado para o encontro com Jesus Cristo vivo. A Missa dominical deve ser um compromisso e uma prática constante de todos os fiéis. Não deixeis de vos empenhar e, ao mesmo tempo, de comprometer pastoralmente os vossos sacerdotes na tarefa de favorecer este aspecto tão importante da vida eclesial, que já recomendei na Carta apostólica Dies Domini (cf. cap. II). Por isso, como recordei recentemente, deve dar-se "particular relevo à Eucaristia dominical e ao próprio domingo, considerado um dia especial de festa, dia do Senhor ressuscitado e do dom do Espírito, verdadeira Páscoa da semana" (Carta apostólica Novo millennio ineunte, 35).

4. Outro desafio, de importância fundamental, é o fomento e o cuidado das vocações. A América Latina precisa ainda de muitos mais sacerdotes. Vejo com satisfação como surgem em numerosas dioceses novos seminários, também seminários menores. É de igual modo muito oportuna a organização de cursos para a preparação de formadores, que devem ser sacerdotes exemplares, em perfeita sintonia com o Magistério da Igreja, de maneira que o seu empenho nos seminários seja eficaz e esperançoso.

Recomendo aos Bispos que sejam uma presença assídua e constante entre os seus seminaristas e sobretudo entre os seus sacerdotes, para os acompanhar, animar e estimular num trabalho generoso.

5. Entre os numerosos temas que, como os anteriores, já tratei amplamente na Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in America e sobre os que não é necessário falar de novo agora aqui, quero recordar particularmente o que se refere à evangelização dos jovens. Funda-se neles a esperança e as expectativas de um futuro de maior comunhão e solidariedade para a Igreja e as sociedades da América (cf. Ecclesia in America, ).

O último Dia Mundial da Juventude, celebrado no mês de Agosto do ano jubilar, pôs em evidência que os jovens são uma poderosa força evangelizadora para o mundo de hoje. É preciso evangelizá-los profundamente, partindo dos seus recursos de generosidade, abertura e intuição.
Espero que o próximo Dia da Juventude, que será celebrado na América e mais precisamente em Toronto, no Canadá, seja uma nova e decisiva meta na evangelização dos jovens nesse amado Continente.

6. Iniciastes esta Assembleia da Pontifícia Comissão, que "tem como tarefa primordial examinar de maneira unitária as questões doutrinais e pastorais que dizem respeito à vida e ao desenvolvimento da Igreja na América Latina" (Motu proprio Decessores nostri, I), apresentando a figura de Jesus Cristo Evangelizador, pondo desta forma em realce a centralidade do Salvador na Igreja e na sua acção evangelizadora. Efectivamente "tudo o que se projecta no âmbito eclesial deve partir de Cristo e do seu Evangelho" (Ecclesia in America, ). Desenvolvi esta ideia fundamental mais amplamente na Carta apostólica Novo millennio ineunte, na qual "tracei as linhas-mestras para a vida da Igreja e para a sua missão evangelizadora no terceiro milénio" (Homilia, 4 de Fevereiro de 2001, n. 1).

7. O Jubileu, que há pouco encerrámos, deixou-nos em herança um premente convite a ir ao encontro do futuro partindo novamente de Cristo, tendo o Senhor como centro da vida pessoal e social dos povos.

O estilo de generosa renovação e de coerência com a própria fé, que surgiu ao longo do Ano Jubilar, é uma chamada a "fazer-se ao largo", com decisão, no vasto oceano do novo milénio contando com a ajuda divina.

"Duc in altum" (Lc 5,4) disse Cristo ao apóstolo Pedro no mar da Galileia. Duc in altum repete-vos o Papa a vós, pescadores de homens, na conclusão da vossa Reunião Plenária. Abri de par em par as portas da América a Cristo e ao seu Evangelho!

As vossas nações necessitam, hoje como ontem, de grandes evangelizadores com a índole e o talento de São Toríbio de Mogrovejo, cuja festa celebramos hoje. Ele, por mim declarado em 1983 Padroeiro de todos os Bispos da América Latina, é um autêntico paradigma de Pastor que podemos e devemos imitar na tarefa da Nova Evangelização, que mais uma vez confio à protecção e orientação de Santa Maria de Guadalupe, "caminho certo para encontrar Cristo" (Ecclesia in America, ).

Em nome de Cristo, nossa vida e nossa esperança, abençoo-vos a todos.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


POR OCASIÃO DO


IV CONGRESSO DAS IGREJAS DA SICÍLIA






Ao Venerado Irmão
Cardeal SALVATORE DE GIORGI
Arcebispo de Palermo e Presidente
da Conferência Episcopal Siciliana

1. É com grande alegria que me uno espiritualmente a Vossa Eminência, bem como aos Senhores Cardeais, aos Bispos, aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos leigos que participam, em Acireale, no IV Congresso das Igrejas da Sicília. A todos e a cada um chegue o meu fraterno abraço e a saudação mais cordial: "A paz, a caridade e a fé de Deus Pai e de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós".

Este importante encontro, que tem como mote "Na história fermento para o Reino" e como tema "Os leigos para a missão da Igreja na Sicília no terceiro milénio", realiza-se a poucos meses de distância da conclusão do Grande Jubileu do Ano 2000. Ele constitui um dos frutos maduros do Ano Santo, porque a preparação e a celebração do acontecimento jubilar foram como que uma providencial preparação próxima e imediata para ele. Ele marca, além disso, a quarta etapa do caminho comunitário das Igrejas da Sicília; itinerário espiritual e pastoral que deu os primeiros passos desde o Concílio Vaticano II, do qual tirou inspiração, motivações e objectivos para se projectar consciente e deliberadamente no novo milénio.

Na realidade, desde o primeiro Congresso celebrado em 1985, que teve como mote "Uma presença para servir" e como tema "As Igrejas da Sicília 20 anos depois do Concílio Vaticano II", as dioceses sicilianas deram início a um comum percurso eclesial, dilatando, nos dois Congressos seguintes, a própria perspectiva missionária. Desejaria aqui mencionar também os três Congressos presbiterais dos anos 1982, 1988 e 1998 que levaram à constituição do Centro Regional "Mãe do Bom Pastor" para a formação permanente dos presbíteros e dos diáconos, com sede em Palermo.

2. Estes múltiplos encontros regionais, como os dos jovens, realizados em 1991, em 1998 e no passado mês de Outubro depois do Dia Mundial da Juventude, testemunham a vivacidade pastoral e a vontade que as Igrejas da Sicília têm de caminhar juntas. Nas visitas pastorais que pude realizar a quase todas as vossas dioceses, queridos Irmãos e Irmãs da Sicília, tive a ocasião de manifestar várias vezes a minha atenção pelos problemas e pelas esperanças que se vivem na vossa terra. Aproveito a presente ocasião para vos agradecer a fidelidade com que vos empenhastes em aderir às directrizes do Magistério nas numerosas iniciativas pastorais por vós promovidas, a nível local e regional, ao longo destes anos.

E fidelidade ao Magistério da Sé Apostólica deseja manifestar também este vosso IV Congresso, que se detém a reflectir sobre o papel dos leigos na missão da Igreja. A Carta apostólica Tertio millennio adveniente, de 10 de Novembro de 1994, acompanhou nos anos passados a sua preparação. A pós-jubilar Novo millennio ineunte, de 6 de Janeiro passado, orienta agora a sua celebração como símbolo do convite de Cristo: "Duc in altum!", "Faz-te ao largo!".

"Duc in altum!" repito hoje às dioceses sicilianas, empenhadas em reflectir sobre a melhor maneira de realizar o mandato missionário de Cristo. "Fazei-vos ao largo", caríssimos Irmãos e Irmãs, conscientes de que o Deus da esperança vos pede que sejais os arautos do evangelho no nosso tempo. Mas para realizar esta missão é preciso partir de novo de Cristo e tirar proveito da rica experiência eclesial que distinguiu os últimos decénios do século passado, sobretudo depois do Concílio Vaticano II. Esta é uma tarefa que o vosso Congresso quer realçar bem, evidenciando a vocação dos "leigos para a missão da Igreja na Sicília no terceiro milénio".

Por ocasião do Jubileu do apostolado dos leigos quis entregar simbolicamente a toda a Igreja os documentos conciliares, recordando como, não obstante o passar do tempo, aqueles textos não perderam nada do seu valor e da sua actualidade. Por conseguinte, é necessário como nunca que eles sejam acolhidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, que devem ser lidos no âmbito da Tradição da Igreja, que eles confirmam e aplicam às circunstâncias actuais. Encorajo sobretudo os leigos a voltarem ao Concílio, que é "a grande graça da qual a Igreja beneficiou no século XX". Que eles se ponham na escola do Concílio, convictos de que "nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa" (Novo millennio ineunte, 57). Sinto-me feliz por saber que os trabalhos do Congresso desejam oferecer a oportunidade de aprofundar especialmente a Constituição dogmática Lumen gentium, e o Decreto Apostolicam actuositatem, unindo também uma oportuna leitura da Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici.

O Congresso estabelece como seu objectivo primário uma profunda renovação da vida eclesial e da acção pastoral na Sicília. Sirva-vos de ajuda quanto eu próprio tive a ocasião de dizer no Congresso das Igrejas italianas, realizado em Palermo em 1995: "O nosso tempo... não é o tempo da simples conservação da existência, mas da missão". Retomei estas consideraçes na Carta apostólica Novo millennio ineunte, esclarecendo a condição fundamental desta renovação: "O horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade" (n. 30), "esta medida alta da vida cristã" (n. 31).

A perspectiva da santidade é a que as Igrejas da Sicília, e disto tenho a certeza, partilham com particular favor, porque desde o alvorecer do cristianismo até ao século XX elas geraram maravilhosas figuras de mártires e santos sacerdotes, religiosos e leigos, homens e mulheres que souberam aceitar o "dom" do chamamento à vida de graça para o transformar em "tarefa" nas condições ordinárias da vida quotidiana. As suas figuras serão sem dúvida por vós recordadas para edificação e exemplo de todos.

Na vocação à santidade, entendida como perfeição da caridade, revela-se em plenitude a dignidade dos fiéis leigos: "O santo é o testemunho mais esplêndido da dignidade conferida ao discípulo de Cristo" (Christifideles laici, CL 16). O fiel leigo, discípulo de Cristo, santifica-se "no mundo" e "para o mundo": ele insere-se nas realidades temporais, nas actividades terrenas, na vida profissional e social ordinária, para as ordenar segundo Deus, tornando-se desta forma na história e no tempo fermento para o Reino e para a eternidade.

4. "Ser na história fermento para o Reino". Eis o mote do Congresso, que traduz e interpreta "uma presença para servir". É esta a missão específica dos fiéis leigos num contexto social, por vezes marcado por um secularismo que tende para afastar os crentes de Cristo e do Evangelho, com prejuízo para a própria convivência humana, tornada cada vez mais frágil e incerta.

É válido também para a Sicília o risco que indiquei na citada Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici: "a fé cristã, mesmo sobrevivendo em algumas manifestações tradicionais e ritualistas, tende a desaparecer dos momentos mais significativos da existência, como são os momentos do nascer, do sofrer e do morrer. Daí que se levantem interrogações e enigmas tremendos que, ao ficarem sem resposta, expõem o homem contemporâneo à desilusão desconfortante ou à tentação de eliminar a mesma vida humana que levante esses problemas" (n. 34). Por isso, "só uma nova evangelização pode garantir o crescimento de uma fé límpida e profunda, capaz de converter tais tradições numa força de liberdade autêntica" (Ibid.). Permanece uma verdade que também na Sicília "é urgente refazer o tecido cristão da sociedade humana. Mas a condição é que seja refeito o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais" (Ibid.).

5. Eis a dupla tarefa, de grande relevo pastoral, que hoje compete aos leigos na Igreja. Ter-se-ão comunidades cristãs maduras, se houver leigos maduros, capazes de incidir de modo eficaz como fermento evangélico na sociedade, empenhando-se nela com um renovado e corajoso impulso missionário. "Pesa ainda sobre todos os leigos o encargo glorioso de trabalhar para que o plano divino de salvação atinja cada vez mais todos os homens, em quaisquer tempos e lugares" (Lumen gentium LG 33). Como não sentir a actualidade e a urgência desta admoestação do Concílio?

Oxalá o Evangelho imprima uma esperança mais firme à amada terra siciliana, que recebeu o Evangelho desde o primeiro século do cristianismo e que hoje tem ainda mais necessidade de Cristo para se libertar dos males que a afligem. São males incessantemente recordados pelos Pastores das Igrejas locais, começando pelo mais grave, a máfia, que eu próprio várias vezes senti o dever de condenar. Só derrotando estas forças negativas, será possível realizar plenamente as numerosas potencialidades de bem e os não poucos valores humanos que caracterizam a laboriosa gente da Sicília.

6. Por conseguinte, os fiéis leigos não devem limitar a sua acção no âmbito da comunidade cristã permanecendo, por assim dizer, dentro das paredes do "templo". Depois de terem haurido a luz da Palavra e a força dos Sacramentos, eles devem anunciar e testemunhar Cristo, único Redentor do homem, na sociedade da qual fazem parte. Como "sal" e "luz", são chamados a empenharem-se profeticamente na família e na escola, no âmbito da cultura e das comunicações sociais, na economia e no mundo do trabalho, na política e na arte, no campo da saúde e onde existe doença e sofrimento, no desporto e no turismo, ao lado dos marginalizados e entre os numerosos imigrados. Nem pode faltar a sua corajosa iniciativa nas sedes onde se decide o destino da vida e da dignidade da pessoa, da família e da própria sociedade.

Na realidade, se cada membro da Igreja é partícipe da dimensão secular, os leigos são-no devido a uma "modalidade de actuação" que, segundo o Concílio, lhes é "própria e peculiar". Esta modalidade é designada com a expressão "índole secular", como "lugar no qual lhes é feita a chamada de Deus" e por isso como lugar privilegiado da sua missão, na lógica da Encarnação e "à luz do acto criativo e redentor de Deus" (Christifideles laici, CL 15).

7. Em todos os âmbitos da existência humana os leigos têm a tarefa de levar o Evangelho e de dar o seu contributo original e sempre actual da Doutrina social da Igreja. A sua preocupação constante será não ceder à tentação de reduzir as comunidades cristãs a agências sociais e, ao mesmo tempo, de rejeitar decididamente a tentação não menos insidiosa de praticar uma espiritualidade intimidatória, que não estaria em sintonia com as exigências da caridade nem com a lógica da Encarnação e, em última análise, com a própria tendência escatológica do cristianismo.

De facto, se ela nos torna conscientes da acção da Providência na história, não nos liberta de modo algum do dever de actuar activamente no mundo para nele favorecer a afirmação de todos os valores autenticamente humanos. Permanece muito actual, a este propósito, o ensinamento do Concílio Vaticano II: "A mensagem cristã não afasta os homens da construção do mundo nem os incita a desinteressar-se da sorte dos seus semelhantes: impõe-lhes, ao contrário, um dever mais rigoroso" (Gaudium et spes, GS 34).

8. Isto será possível se "os fiéis leigos souberem ultrapassar em si mesmos a ruptura entre o Evangelho e a vida, refazendo na sua actividade quotidiana em família, no trabalho e na sociedade, a unidade de uma vida que no Evangelho encontra inspiração e força" (Christifideles laici, CL 34). Por isso é necessário um empenho convicto de formação permanente e integral nos diversos aspectos do humano, que os ajude a viver "aquela unidade pela qual está marcado o próprio ser membros da Igreja e cidadãos da sociedade humana", dado que "o divórcio entre a fé que professam e a vida diária de muitos deve ser apontado entre os erros mais graves do nosso tempo" (Gaudium et spes, GS 43).

Isto exige que eles actuem na mais firme comunhão eclesial, alimentada continuamente por aquela "espiritualidade da comunhão", que deve estar na base de qualquer programação pastoral, se quisermos ser "fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo" (Novo millennio ineunte, 43).

É a Igreja no seu mistério de comunhão o sujeito da pastoral e da missão, e todos clero, religiosos e leigos são chamados a reconhecer e respeitar este carácter de sujeito comunitário. Na mencionada Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, eu escrevi que "os fiéis leigos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, formam o único povo de Deus e Corpo de Cristo" (n. 25), e portanto devem cultivar constantemente o sentido da diocese, da qual a paróquia é como que a célula, permanecendo sempre prontos para aceitar o convite do seu Pastor e para unir as próprias forças para as iniciativas da diocese.

Isto é válido de maneira particular para as numerosas agregações leigas, associações, grupos, comunidades e movimentos que, na Sicília, graças ao Senhor, são particularmente activas. Elas é bom recordá-lo nunca são fim em si próprias. A finalidade que constantemente as anima só pode ser "a de participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade" (Christifideles laici, CL 29).

9. Uma comunhão cada vez mais sólida no âmbito de cada comunidade e entre as diversas dioceses da Sicília, além de serem um exemplo e um estímulo para uma convivência humana mais serena e concorde, representa uma oportuna condição para promover activamente o caminho para a plena unidade de todos os crentes em Cristo. A comunhão plena e visível dos cristãos, sobretudo através do ecumenismo da santidade, da oração e da caridade na verdade, é uma tarefa de todas as comunidades eclesiais, dentro das quais ressoa incessantemente a oração e o anseio do nosso único Salvador: "Ut unum sint". É preciso fazer todos os esforços possíveis para apressar a total realização da unidade dos crentes em Cristo. Neste sentido, será significativo no final do Congresso o encontro de oração com o Patriarca Ortodoxo Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I, ao qual envio a minha respeitosa saudação e o abraço de paz em Cristo Jesus, nosso comum Mestre e Senhor.

Ao lado do esforço ecuménico, como não recordar depois o grande desafio do diálogo inter-religioso e intercultural? É um empenho que interessa bastante a vossa Região, situada no coração do Mediterrâneo e que se tornou, ao longo dos séculos, encruzilhada de povos, culturas, civilizações e religiões diferentes. Sem cair no indiferentismo religioso, seja vossa preocupação, queridos Irmãos e Irmãs, oferecer o testemunho da esperança que deve habitar o coração de cada crente, na convicção de que não é uma ofensa à identidade do próximo o anúncio jubiloso do Evangelho, mensagem de salvação destinada a todos os povos e culturas.

Sei que, a respeito disto, destes início a algumas iniciativas oportunas: prossegui com coragem e prudência, sustentados sempre por uma firme adesão a Cristo e pelo constante recurso à oração.

10. Caminhai em frente com esperança! Eis o convite que vos faço com afecto, caríssimos Irmãos e Irmãs. Aceitai, veneradas Igrejas da Sicília, esta minha fraterna exortação. Os passos de todos nós, crentes, no início deste novo século, devem ser mais rápidos. Guie-vos e acompanhe-vos Maria, a Mãe da Esperança, que vós sicilianos venerais e invocais como a vossa "Odigitria". À Virgem Santa e ao seu Esposo José, neste dia a Ele solenemente dedicado, confio os projectos, os propósitos, o desenvolvimento do Congresso eclesial e os seus desejados frutos apostólicos e missionários.

Ao invocar sobre os trabalhos também a protecção dos numerosos Santos e Santas das várias dioceses da terra da Sicília, concedo de bom grado a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, e a todos os participantes no Congresso a Bênção apostólica, propiciadora de abundantes favores celestes.

Vaticano, 19 de Março de 2001.



JOÃO PAULO II





AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL COREANA


POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 24 de março de 2001



Queridos Irmãos no Episcopado

1. É com grande afecto no Senhor que vos dou as boas-vindas a vós, Bispos da Coreia, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum.Viestes mais uma vez em peregrinação aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo para professar a fé apostólica e para rezar pelo vosso ministério episcopal e pelas necessidades da Igreja no vosso País. Neste encontro celebramos juntos os vínculos de verdade e de comunhão que unem as vossas Igrejas locais à Sede de Pedro. Enquanto contemplais o testemunho oferecido pelos apóstolos usque ad effusionem sanguinis, podeis reflectir sobre o vosso ministério à luz do seu ensinamento e do seu exemplo, e tirar uma inspiração nova para o vosso trabalho ao serviço do Evangelho e para a edificação do Corpo de Cristo, a Igreja.

O meu pensamento volta às duas visitas que realizei ao vosso País, quando pude verificar pessoalmente como a Igreja cresceu e floresceu desde o tempo em que foi lançada pela primeira vez a semente do Evangelho há mais de dois séculos. De facto, este ano comemorais o bicentenário da primeira grande vaga de perseguições na Coreia, que levou ao martírio mais de trezentos fiéis. Estes homens e mulheres santos tinham a peito as palavras do Apóstolo das Nações: "Na verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com o supremo conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por Ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo" (Ph 3,8). O primeiro sacerdote indígena coreano, S. André Kim Tae-gon, que tive a alegria de canonizar em 1984, exortou os fiéis a aceitar a perseguiçao, pois a Igreja na Coreia nao podia permanecer alheia aos sofrimentos de Cristo e dos Apóstolos. O sacrificio dos vossos mártires, aceitado de bom grado por Jesus Cristo que os havia conquistado, como fizera com S. Paulo (cf. Fil Ph 3,12), deu sem dùvida uma abundante colheita e devemos rezar para que continue a ser fonte de orgulho, esperança, força e inspiraçao para todos os cristaos em toda a peninsula.

2. Dois acontecimentos importantes estao na base da vossa actual visita ad Limina": a Assembleia especial do Sinodo dos Bispos para a Ásia e a experiencia, rica de graças, do Grande Jubileu do Ano 2000. Alguns de vós participaram nessa Assembleia, que foi realizada em Abril e Maio de 1998 e foi uma ocasiao para reflectir de maneira fecunda e edificante acerca dos desafios apresentados pela evangelizaçao num continente em que os cristaos sao uma pequenissima minoria. Inspirado pelo tema: Jesus Cristo Salvador e a sua missao de amor e serviço na Ásia: "... para que tenham vida e a tenham em abundância" (Jn 10,10), o Sinodo examinou as maneiras de "ilustrar e aprofundar a verdade sobre Cristo, como ùnico Mediador entre Deus e os homens" (Tertio millennio adveniente, TMA 38). Com base na Exortaçao Apostólica Ecclesia in Asia e após a experiencia do Grande Jubileu do Ano 2000, a tarefa que se vos depara é recolher os frutos destas celebrações e lançar bases sólidas para uma nova primavera do cristianismo no vosso Pais e em todo o continente.

No final do "ano de graça" que foi o Jubileu para toda a Igreja, na Carta Apostólica Novo millennio ineunte ofereci algumas reflexões sobre a maneira de podermos aproveitar das numerosas bençaos, traduzindo as graças recebidas em prática, resoluções e linhas operacionais (cf. n. 3). O sucesso de todas as nossas iniciativas dependerá, em ùltima análise, do facto de estarem baseadas no róprio Cristo, que continua a acompanhar a Igreja na sua peregrinaçao "até ao fim do mundo!" (Mt 28,20). Num certo sentido, o programa a ser posto em prática já existe: encontramo-lo no Evangelho e na Tradiçao viva da Igreja. Está centrado em Cristo, "que temos de conhecer, amar, imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste" (Novo millennio ineunte, 29). Mesmo tendo em consideraçao as circunstâncias de tempo e de espaço para um diálogo verdadeiro e para uma comunicaçao eficaz, este programa nao muda com a variaçao das atitudes predominantes. Sois vós quem tem a responsabilidade de detectar as linhas de um plano de pastoral adequado para as exigencias e aspirações do povo de Deus, um plano que permita a todos ouvir de maneira cada vez mais clara a Boa Nova de Cristo e que faça com que a verdade do Evangelho seja cada vez mais incisiva sobre a familia, a cultura e sobre a própria sociedade. Os sucessores dos apóstolos nunca devem recear proclamar a verdade total acerca de Jesus Cristo, em toda a sua realidade e exigencias ricas de desafios, porque a verdade tem o poder intrinseco de atrair o coraçao humano para tudo o que é bom, nobre e belo.

3. A respeito disto, alegro-me de maneira particular ao tomar conhecimento dos esforços realizados a fim de promover o apostolado biblico. A disponibilidade de uma traduçao coreana moderna da Biblia, projecto que vós empreendestes para o bicentenário da chegada da fé ao vosso Pais, faz com que todos os fiéis possam ter acesso directamente à Palavra salvifica de Deus.

De maneira particular é preciso recomendar a antiga prática da lectio divina como poderoso instrumento de evangelizaçao, porque a leitura devota das Sagradas Escrituras faz-nos colher "a palavra viva que interpela, orienta, plasma a existencia" (Novo millennio ineunte, 39). É necessário particularmente iniciar os jovens nas Sagradas Escrituras a "escola de fé" desde a sua tenra idade, para que descubram a figura autentica de Jesus que os ama, corresponde aos seus desejos mais profundos e os chama a segui-lo com um coraçao generoso e indiviso.

Por mandato de Cristo, o Bispo é chamado a ensinar em todas as ocasiões "oportuna e inoportunamente" (2Tm 4,2) a fé invariável da Igreja, da maneira como deve ser aplicada e vivida hoje. Na sua Diocese, o Bispo ensina a fé com a autoridade que lhe vem da ordenaçao episcopal e da comunhao com o Colégio Episcopal sob a sua Cabeça (cf. Lumen gentium, LG 22). Ele ensina de maneira pastoral, procurando pur a luz do Evangelho sobre os problemas actuais e ajudando os fiéis a viver uma vida plenamente crista entre os desafios da sociedade contemporânea. A respeito disto, é importante que apoieis e encorageis o trabalho dos teólogos, porque eles reflectem no âmbito da fé a maneira de comunicar a mensagem crista de forma sempre mais eficaz e apropriada à situaçao local. Ao mesmo tempo, deveis preocupar-vos por salvaguardar a interpretaçao autentica da doutrina da Igreja e, por conseguinte, por garantir que a Igreja local persista na fé, a ùnica que salva e liberta. É necessário um discernimento sobrenatural para defender "o bom depósito pela virtude do Espirito Santo que habita em nós" (2Tm 1,14).


Discursos João Paulo II 2001