Discursos João Paulo II 2001 - Etchmiadzin, 25 de Setembro de 2001

VIAGEM APOSTÓLICA À ARMÉNIA


ORAÇÃO DO SANTO PADRE NO


MEMORIAL ARMÉNIO DE TZITZERNAKABERD


26 de Setembro de 2001



Ó Juiz dos vivos e dos mortos,
tem piedade de nós!

Ouve, ó Senhor,
a lamentação que se eleva deste lugar,
a invocação dos mortos do abismo
de Metz Yeghérn,
o brado do sangue inocente
que implora como o sangue de Abel,
como Raquel que chora os seus filhos
que já não vivem.

Ouve, ó Senhor, a voz do Bispo de Roma,
que faz eco à súplica do seu Predecessor,
o Papa Bento XV,
quando em 1915 elevou a voz em defesa
"do povo arménio gravemente atormentado,
levado ao limiar da aniquilação".

Olha para o povo desta terra,
que desde há muito tempo
depôs em ti a sua confiança,
que passou através da grande tribulação
e jamais faltou à fidelidade para contigo.

Limpa todas as lágrimas dos seus olhos
e faz com que a sua agonia no século XX
dê o lugar a uma messe de vida
que dure para sempre.

Profundamente perturbados
pela terrível violência
infligida ao povo arménio,
perguntamo-nos indignados
como o mundo ainda pode conhecer
aberrações tão desumanas.

Mas renovando a nossa esperança
na tua promessa, ó Senhor,
imploramos repouso para os defuntos
na paz que não tem fim,
e a cura, mediante o poder do teu amor,
de feridas ainda abertas.

A nossa alma aspira por ti, Senhor,
mais do que a sentinela da manhã,
enquanto aguardamos o cumprimento
da redenção conquistada na Cruz,
a luz de Páscoa
que é a alvorada de uma vida invencível,
a glória da nova Jerusalém
onde não haverá mais morte.

Ó Juiz dos vivos e dos mortos,
tem piedade de nós!

Senhor piedade, Cristo piedade, Senhor piedade.



MENSAGEM À CONGREGAÇÃO


PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA


E AS E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA






Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio

1 "Aos santificados em Jesus Cristo, chamados à santidade, com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,2-3).

Dirijo-me, com a saudação do apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto, antes de tudo a Vossa Eminência, Senhor Cardeal Eduardo Martínez Somalo, que guia com tanta sabedoria e prudência o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Faço extensiva a minha saudação aos outros Senhores Cardeais, aos venerados Prelados e aos Oficiais da Congregação que participam na Assembleia Plenária, em que se reflecte sobre um tema denso e sugestivo: ""Partir de novo de Cristo", um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milénio".

Agradeço-vos a colaboração que ofereceis à Santa Sé no estudo e no discernimento das orientações que devem ser propostas às pessoas consagradas. A Igreja conta com a dedicação constante desta multidão eleita de filhos e filhas, com a sua aspiração à santidade e com o entusiasmo do seu serviço para "favorecer e apoiar a tensão de todo o cristão para a perfeição" e reforçar "o solidário acolhimento do próximo, especialmente do mais necessitado" (Vita consecrata, VC 39). Deste modo, é testemunhada a presença vivificante da caridade de Cristo entre os homens.

2. Está ainda viva a recordação do Grande Jubileu, no final do qual convidei toda a Igreja a prosseguir o itinerário espiritual empreendido, voltando a partir com renovado vigor da "contemplação do rosto de Cristo: considerando-O nos seus traços históricos e no seu mistério, acolhendo-O na sua multiforme presença na Igreja e no mundo, confessando-O como sentido da história e luz do nosso caminho" (Novo millennio ineunte, 15).

Neste caminho, que diz respeito à Comunidade eclesial no seu conjunto, as pessoas consagradas, chamadas "a colocarem a própria existência ao serviço da causa do Reino de Deus, deixando tudo e imitando mais de perto a forma de vida de Jesus Cristo" (Vita consecrata, VC 14), assumem um papel eminentemente pedagógico para todo o Povo de Deus. A escuta assídua da Palavra, o louvor frequente ao Pai, dador de qualquer bem, e o testemunho de uma caridade laboriosa a favor dos irmãos mais necessitados, mostra a todos "o abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus!" (Rm 11,33).

Para desempenhar este ministério pedagógico na Igreja, a vida consagrada deve desenvolver relações espirituais e apostólicas cada vez mais autênticas no âmbito do tecido ordinário das Comunidades cristãs, partilhando os bens espirituais: o caminho de fé e a experiência de Deus, o carisma e os dons do Espírito que a distinguem. Graças a esta comparticipação, amadurecerá em cada Comunidade eclesial um apoio recíproco mais intenso. Cada um se tornará responsável e, ao mesmo tempo, necessitado do outro, progredindo na vida de fé e de acordo com o carisma e o ministério próprio de cada um.

3. É um empenho importante, que requer um renovado impulso de santidade. "A vida espiritual deve ocupar o primeiro lugar no programa das Famílias de vida consagrada, de tal modo que cada Instituto e cada comunidade se apresentem como escolas de verdadeira espiritualidade evangélica" (Vita consecrata, VC 93). A vida quotidiana dos consagrados e das consagradas, tornada luminosa pelo contacto assíduo com o Senhor no silêncio e na oração, pela gratuidade do amor e do serviço especialmente aos mais pobres, testemunha que a liberdade é fruto de ter encontrado a pérola preciosa (cf. Mt Mt 13,45-46), Cristo, pelo qual estão dispostos a abandonar tudo, afeições e certezas terrenas, dizendo com alegria: Mestre, "seguir-te-ei para onde quer que fores" (Lc 9,57). É este o percurso de tantos consagrados e consagradas em muitas partes da terra, que muitas vezes chega à doação suprema da vida com o martírio.

Nesta profunda relação de amor por Cristo e de caminho espiritual no seguimento dos seus passos estão encerradas todas as esperanças de futuro para a vida consagrada, que exige um empenho pessoal, consciente, voluntário, livre e terno na santidade. Os consagrados e as consagradas são chamados a mostrar neste caminho uma autêntica e espiritual "profissionalidade", enfrentando com jubilosa esperança sacrifícios e deslocações, dificuldades e expectativas que este itinerário comporta e exige. Cristo abriu-nos o caminho e precedeu-nos na via do regresso à casa do Pai.

Ela é ao mesmo tempo deslocação e busca; une os aspectos cansativos da renúncia com os aspectos jubilosos do amor (cf. Lc Lc 9,23 ss.). Fiéis à sua vocação, os consagrados e as consagradas poderão um dia exultar com o Salmista: "Felizes os que habitam em vossa casa, sempre vos hão-de louvar. Felizes os que em vós têm a sua força, que têm a peito as peregrinações. Ao passarem pelo vale do pranto farão dele um lugar de manancial, e a primeira chuva reveste-o das suas dádivas. Prosseguem de bens em bens, e Deus lhes aparecerá em Sião" (Ps 83 [84], 5-8).

4. A oração da santidade exprime-se de maneira singular na atenção primária à comunhão que deve resplandecer na vida consagrada de todos os tempos. Cada comunidade religiosa está chamada a ser o lugar onde se aprende naturalmente a rezar, onde se educa para reconhecer e contemplar o rosto de Cristo, onde se cresce de dia para dia no seguimento radical do Senhor, procurando com sinceridade a verdade sobre si e orientando-se decididamente para o serviço do Reino de Deus e da sua justiça.

Da partilha da fé, humilde e laboriosa, nasce a comunhão autêntica. De facto, ela estimula a pôr em comum não só os dons de bondade e de graça, mas também as limitações e as pobrezas de cada pessoa. Os bens de graça e de bondade são partilhados para que alimentem a santidade de todos; tornamo-nos participantes das pobrezas humanas e espirituais de cada um, para as assumir como próprias e celebrar juntos a misericórdia do Pai.

A autêntica comunhão em Cristo promove assim um novo estilo de apostolado. O anúncio do Evangelho da vida consagrada, quando parte de uma fraternidade intensa e generosa, torna-se mais vivo e eficaz. Foi o que nos ensinou o apóstolo São João na sua primeira Carta: "o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos apalparam acerca do Verbo da vida... isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco" (1Jn 1,1-3).

Deste modo, também tudo o que é característico da vida consagrada, como por exemplo os votos ou a peculiar espiritualidade, torna-se um dom recebido que não se deve conservar ciosamente para si próprio, mas que se deve dispensar humilde e generosamente ao Povo de Deus com a palavra e o testemunho, para que todos, também quem se afastou ou parece hostil, possam conhecer e compreender a profunda novidade do cristianismo.

5. Na história da Igreja a vida consagrada ocupou sempre um lugar de relevo na obra da evangelização. Também hoje ela se faz peregrina, caminha ao lado de todas as pessoas, partilha as suas vicissitudes, anima o seu coração com o amor recebido na contemplação do rosto de Cristo, e condu-las à fonte da água viva da graça divina, partilhando com elas o pão da Eucaristia e da caridade. Neste itinerário misterioso, tecido de doação e de acolhimento, de renúncias e de conquistas, os consagrados aprendem a reconhecer as provocações e os desafios da sociedade de hoje.

Seguindo Cristo pobre, casto e obediente, de todo o coração e com todas as forças, eles oferecem o testemunho de uma existência capaz de dar sentido e esperança a cada empenho pessoal e, por conseguinte, de uma existência alternativa ao modo de viver do mundo.

Este testemunho torna-se o caminho mais eficaz para encorajar as vocações à vida consagrada. Sim, é preciso apresentar aos jovens o rosto de Cristo contemplado na oração e ternamente servido nos irmãos com amor gratuito. Devemos estar persuadidos de que "não será uma fórmula a salvar-nos, mas uma Pessoa" (Novo millennio ineunte, 29). Jesus garante-nos: "Eu estarei convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20). Não devemos apenas "falar" dele, mas devemos "mostrá-lo", com o testemunho destemido da fé e da caridade. Cristo deve tornar-se o ponto certo de referência; o seu Rosto deve ser a fonte da luz, forte e misericordiosa, que ilumina o mundo. Só n'Ele se encontra a energia sobrenatural que pode transformar o mundo segundo o desígnio divino.
Desejando a todos um sereno e fecundo trabalho sob a orientação luminosa do Espírito Santo, concedo-vos com afecto a cada um de vós e a todos os membros dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica a minha paternal Bênção apostólica.


Vaticano, 21 de Setembro de 2001.



VIAGEM APOSTÓLICA À ARMÊNIA


DECLARAÇÃO CONJUNTA DE


SUA SANTIDADE JOÃO PAULO II E


SUA SANTIDADE KAREKIN II




A celebração dos 1.700 anos desde a proclamação do Cristianismo como religião da Arménia reuniu-nos a nós João Paulo II, Bispo de Roma e Pastor da Igreja Católica, e Karekin II, Supremo Patriarca e Catholicos de todos os Arménios e estamos gratos a Deus por nos ter concedido esta alegra oportunidade de nos reunirmos em oração comum, para louvar o seu santíssimo Nome. Louvada seja a Santíssima Trindade o Pai, o Filho e o Espírito Santo agora e para toda a eternidade.

Ao comemorarmos este maravilhoso acontecimento, recordamos com reverência, gratidão e amor o grande confessor de nosso Senhor Jesus Cristo, São Gregório, o Iluminador, assim como os seus colaboradores e os seus sucessores. Eles iluminaram não apenas o povo da Arménia, mas inclusivamente outros povos nos países confinantes do Cáucaso. Graças ao seu testemunho, à sua dedicação e ao seu exemplo, no ano de 301 d.C., foi derramada a luz divina sobre o povo da Arménia, que se converteu sinceramente para Cristo como Verdade, Vida e Caminho para a salvação.

O povo louvava a Deus como seu Pai, professava a Cristo como seu Senhor e invocava o Espírito Santo como o seu Santificador; ele amava a Igreja universal como a sua Mãe. O mandamento supremo de Cristo, que consiste em amar a Deus sobre todas as coisas e o nosso próximo como a nós mesmos, tornou-se um estilo de vida para os Arménios dessa época. Dotados de uma grande fé, eles desejaram dar testemunho da Verdade e aceitar a morte, se tal fosse necessário, para participar da vida eterna. Desta maneira, o martírio por amor de Cristo tornou-se uma grandiosa herança de numerosas gerações de Arménios. O tesouro mais precioso que uma geração poderia transmitir à seguinte consistia na fidelidade ao Evangelho, de tal forma que, com a graça do Espírito Santo, a jovem geração pudesse tornar-se tão determinada como os seus antepassados no testemunho da Verdade. O extermínio de um milhão e meio de Arménios cristãos, naquilo que geralmente se considera como o primeiro genocídio do século XX, e o subsequente aniquilamento de outros milhares, sob o antigo regime totalitário, constituem tragédias que ainda vivem na memória da geração contemporânea. As pessoas inocentes que foram massacradas em vão não foram canonizadas, mas entre eles certamente havia muitos confessores e mártires pelo nome de Cristo. Rezamos pelo descanso das suas almas e exortamos os fiéis a nunca perderem de vista o significado do seu sacrifício. Damos graças a Deus pelo facto de que o Cristianismo na Arménia sobreviveu a todas as adversidades dos últimos dezassete séculos, e de que actualmente a Igreja da Arménia se sente livre para cumprir a sua missão de proclamação da Boa Nova na moderna República da Arménia e em muitas regiões, perto e ao longe, onde as comunidades arménias estão presentes.

A Arménia é novamente um País livre, como era antigamente, na época do Rei Tiridates e de São Gregório, o Iluminador. Ao longo dos últimos dez anos, foi reconhecido o direito que os cidadãos da florescente Arménia têm de prestar o seu culto e praticar a sua religião em liberdade. Tanto na Arménia como na diáspora, foram criadas novas Institutições arménias, edificadas outras igrejas e fundadas novas associações e escolas. Em tudo isto, reconhecemos a mão amorosa de Deus. Pois Ele tornou os seus milagres visíveis na continuação da história de uma pequena Nação, que preservou a sua identidade particular graças à sua fé cristã. Em virtude da sua fé e da sua Igreja, o povo arménio desenvolveu uma cultura cristã singular, que efectivamente constitui uma contribuição preciosa para o tesouro de toda a Cristandade no seu conjunto.

O exemplo da Arménia cristã dá testemunho do facto de que a fé em Cristo traz esperança a cada situação humana, independentemente da sua dificuldade. Rezamos a fim de que a luz da fé cristã possa brilhar tanto sobre os frágeis como sobre os fortes, sobre as nações abastadas e sobre os países em vias de desenvolvimento do mundo inteiro. De maneira particular hoje, as complexidades e os desafios da situação internacional exige que as pessoas escolham entre o bem e o mal, entre a obscuridade e a luz, entre a humanidade e desumanidade, entre a verdade e a falsidade. As actuais problemáticas nos campos da jurisprudência, da política, da ciência e da vida familiar dizem respeito ao verdadeiro significado da humanidade e da sua vocação. Elas interpelam os cristãos de hoje não menos do que os mártires de outrora a dar testemunho da Verdade, até mesmo quando há o risco de pagar um preço demasiado elevado.

Este testemunho será ainda mais convincente, se todos os discípulos de Cristo pudessem confessar em conjunto a única fé e curar as feridas da divisão existente entre eles. Oxalá o Espírito Santo oriente os cristãos e, na realidade, todas as pessoas de boa vontade, ao longo do caminho da reconciliação e da fraternidade. Aqui na Santa Etchmiadzin, renovamos o nosso solene compromisso de rezar e de trabalhar para apressar o dia da comunhão entre todos os membros do rebanho fiel de Cristo, com verdadeira consideração pelas nossas respectivas tradições sagradas.
Com a ajuda de Deus, nada faremos contra o amor mas, "rodeados por uma grande nuvem de testemunhas, deixaremos de lado tudo o que nos impede e o pecado se agarra a nós, e correremos com perseverança a corrida que se apresenta à nossa frente" (cf. Hb He 12,1).

Exortamos os nossos fiéis a rezarem incessantemente a fim de que o Espírito Santo nos cumule a todos, como aconteceu com os santos mártires de todos os tempos e lugares, com a sabedoria e a coragem de seguir Cristo, Caminho, Verdade e Vida.

Santa Etchmiadzin, 27 de Setembro de 2001.



VIAGEM APOSTÓLICA À ARMÉNIA


DISCURSO DE DESPEDIDA


NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE IEREVAN


27 de Setembro de 2001




Excelência
Senhor Presidente Kocharian
Santidade
Caríssimos amigos arménios

1. Chegou o momento de me retirar e de lhe agradecer, Senhor Presidente, bem como aos membros do Governo pela esplêndida hospitalidade que encontrei na Arménia. Estou grato a todos, às autoridades e aos colaboradores, civis e militares, aos homens e mulheres da comunicação, a quantos dedicaram o seu tempo e habilidade para que esta visita obtivesse bom êxito.

Com profunda emoção lhe exprimo a minha gratidão, Santidade, Patriarca Supremo e Catholicos, à Hierarquia e aos fiéis da Igreja Apostólica Arménia pelo espírito de amor fraternal e de comunhão que partilhámos estes dias.

2. Saúdo-vos com afecto, a vós, caríssimo Arcebispo Nerses, Arcebispo Vartan, Bispo José; e a vós, consagrados, consagradas e fiéis leigos da Igreja Católica: com alegria intensa celebrámos em conjunto o mistério da nossa fé, e experimentámos pessoalmente o vosso desejo de trabalhar em conjunto com os vossos compatriotas por uma maior justiça e por uma vida melhor dos cidadãos arménios. O Papa leva-vos no seu coração e o próprio Deus vos dará força para enfrentar os desafios que estão diante de vós.

Desejo manifestar ainda uma vez a minha estima nos encontros dos representantes de todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, que tomaram parte nos acontecimentos desta minha visita. Que todos os que seguem a Cristo cresçam na confiança e na amizade ecuménica, enquanto nos embrenhamos no terceiro Milénio e continuamos no caminho de uma cada vez mais estreita união e colaboração.

3. Obrigado a ti, povo da Arménia, pelo calor da tua amizade, pela oração que partilhámos, pelo teu ardente desejo da unidade dos cristãos. Obrigado sobretudo pelo testemunho da tua fé; uma fé que nunca abandonaste durante os tempos da obscuridade; uma fé que permanece profundamente radicada nas tuas famílias e na tua vida nacional.

Ao longo da história, o monte Ararat foi um símbolo de estabilidade e uma fonte de confiança para o povo arménio. Várias vezes tal estabilidade e confiança foram postas duramente à prova pela violência e pela perseguição. O povo arménio pagou por caro preço a sua existência de fronteira, assim como os termos "santidade" e "martírio" se tornaram quase sinónimos no vosso vocabulário. As terríveis experiências que no início do século passado conduziram o vosso povo "ao limiar do aniquilamento", os longos anos de opressão totalitária, a devastação de um desastroso terramoto: nenhum destes factos chegou ao ponto de impedir o ânimo arménio de reencontrar coragem e de recuperar a sua grande dignidade.

4. É verdade, estes são anos difíceis e o vosso coração está, talvez, cansado e perturbado. Muitos dos vossos jovens deixaram a terra onde nasceram; não há trabalho suficiente para vós e a pobreza continua; é difícil continuar a trabalhar para o bem comum. Mas, caríssimos amigos arménios, permanecei firmes na esperança! Recordai-vos de que pusestes a vossa confiança em Cristo e lhe dissestes "sim" para sempre.

Ajudados pelos vossos irmãos e irmãs arménios em todo o mundo, comprometei-vos na missão de reconstruir na liberdade o vosso país e a vossa sociedade.

Chegou o tempo para que a vossa Nação reúna os seus recursos culturais e as energias espirituais num grande esforço de todos para promover o seu desenvolvimento e a sua prosperidade sobre a base das verdades fundamentais da sua herança cristã: a dignidade de todo o ser humano, a centralidade da pessoa em cada relação e situação, o imperativo moral de igual justiça para todos e de solidariedade para com os fracos e os menos afortunados. Peço além disso ao Senhor a fim de que os chefes da Arménia e os outros Povos da região tenham a sabedoria e a perseverança de andar corajosamente no caminho da paz, pois que sem paz não podereis ter um autêntico desenvolvimento e prosperidade.

5. Ao deixar-vos, estou cheio de confiança, pois vi a vossa capacidade de recomeço e a nobreza das vossas aspirações. Ressoem sempre no coração dos Arménios as palavras do vosso grande poeta Hovannès Tumaniàn sobre a pátria:

"Tu permaneces viva,
erguida nas tuas praias
sob o misterioso caminho
do passado, do presente
de pé, sábia, dolorosa e triste,
com o teu Deus...

E chegará esta aurora
onde feliz é a vida,
esta luz até ao fim
em milhares e milhares de almas
e sob os lados sagrados
do teu monte Ararat
finalmente irradiará
o fogo do futuro.
Então, novos cantos
e novos poemas
estarão com a aurora
nos lábios dos poetas".

São Gregório, o Iluminador, e o grande número de Mártires e de Santos arménios velem sobre o vosso presente e sobre o vosso futuro! A Mãe de Cristo, Arca da Nova Aliança, guie a Arménia para a paz que está para além do dilúvio, a paz de Deus que pôs o seu arco-íris entre as nuvens, como sinal do seu amor que não tem fim (cf. Gn Gn 9,13).

Obrigado, Senhor Presidente! Obrigado, caríssimo Irmão Karekin! Obrigado a todos vós!



DISCURSO DO SANTO PADRE NA DESPEDIDA DO


PALÁCIO PONTIFÍCIO DE CASTELGANDOLFO


29 de Setembro de 2001





Ilustre Senhor Presidente da Câmara
Distintos Membros da Junta
e do Conselho Comunal de Castelgandolfo

Como já é costume, este encontro encerra a minha permanência estival em Castelgandolfo, onde pude, graças a Deus, repousar e recuperar as energias físicas para retomar a actividade ordinária no Vaticano.

Obrigado pela vossa proximidade espiritual e por tudo o que fizestes por mim e pelos meus colaboradores durante estes meses. Obrigado a si, Senhor Presidente da Câmara, pelas suas palavras tão simples e significativas e pelos sentimentos que me manifestou em nome de todos. Por meio de vós, caros Administradores públicos, agradeço e saúdo toda a população sempre tão hospitaleira e generosa. Castelgandolfo, também neste Verão, abriu as suas portas a muitos peregrinos e visitantes vindos para encontrar o Papa e rezar com Ele. Obrigado de todo o coração.

Ao despedir-me de vós, quero fazer chegar a todos os que aqui residem a minha saudação muito cordial. Dirijo um pensamento especial para as pessoas idosas e doentes, aos quais confirmo, com afecto, a minha solidariedade. Como referiu há pouco o Senhor Presidente da Câmara, não podemos deixar de recordar também as vítimas do grave ataque terrorista que, recentemente, perturbou a América e o mundo. Não cesso de rezar e de invocar para os defuntos a misericórdia do Senhor, força e conforto para os sobreviventes e o dom precioso da paz para toda a humanidade.

Volto agora ao Vaticano, mas asseguro-vos que continuareis presentes nas minhas orações, porque Castelgandolfo e seus habitantes ocupam um lugar importante no coração do Papa. O Senhor vos assista constantemente e proteja-vos a sua Mãe, Maria Santíssima.

Com tais sentimentos, concedo-vos a vós aqui presentes e a quantos representais, uma especial Bênção.



DISCURSO AOS MEMBROS DO


XXXI ESQUADRÃO DA AERONÁUTICA


MILITAR DA ITÁLIA


29 de Setembro de 2001

Senhor Comandante
Senhores Oficiais e Suboficiais
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Renova-se também neste ano, ao terminar a minha estadia em Castelgandolfo, o encontro convosco, caros componentes do XXXI Esquadrão da Aeronáutica Militar da Itália. Tenho, assim, a oportunidade de exprimir a cada um de vós os meus sentimentos de vivo reconhecimento.

Acolho-vos com alegria e saúdo-vos cordialmente. Obrigado pelo vosso serviço generoso, que me dá a possibilidade de vistar várias comunidades eclesiais, situadas no território italiano, encontrando tantas pessoas e partilhando com elas momentos de intensa humanidade e de fervor espiritual.

Obrigado pela vossa dedicação incessante e pelo vosso solícito empenho! Com um espírito agradecido desejo manifestar-vos, mais uma vez, o meu vivo apreço pelo trabalho que desenvolveis com um claro sentido do dever e com reconhecida profissionalidade.

Obrigado porque, assim, me facilitais o desempenho do minsitério pastoral que a Providência me confiou e colaborais, vós também, no anúncio e na difusão da Boa Nova.

2. Como é tradicional, é-me grato manifestar nesta ocasião com um sinal sensível a minha estima por todo o XXXI Esquadrão, conferindo a alguns dos seus representantes especiais distinções pontifícias. Trata-se de um acto que quer interpretar a minha gratidão e da Santa Sé pela dedicação com que trabalhais. Há pouco, o vosso Comandante, ao fazer-se porta-voz dos sentimentos de todos vós, sublinhou o espírito que vos anima no vosso trabalho de cada dia, que, com certeza, não é fácil.

Deus vos recompense por isso e vos abençoe, caríssimos irmãos, bem como às vossas famílias.

Resplandeça sempre na vossa vida a luz do Evangelho! Permiti que vos renove, também a vós, o convite a "fazer-vos ao largo", que desde o fim do Grande Jubileu não cesso de dirigir a todos os crentes.

São vastos os horizontes da nova evangelização e cada cristão é chamado a oferecer o seu próprio contributo. Numa linguagem que vos é muito familiar e simbólica, poderei dizer: "levantai voo", tendendo para ideais cada vez mais altos e sublimes na vossa vida.

O amor de Deus vos anime, ampare-vos a força do Espírito Santo, que reaviva a esperança e estimula a caridade. Vele sobre vós, como Mãe pressurosa, a Senhora que vós venerais com o título de "Virgem do Loreto". Protejam-vos os Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, cuja festa hoje celebramos.

Com tais sentimentos, enquanto invoco sobre vós e as vossas famílias a assistência divina, concedo a cada um de vós uma especial Bênção Apostólica.



                                                                             Outubre de 2001

MENSAGEM DO SANTO PADRE


AOS PARTICIPANTES NO


VI ENCONTRO NACIONAL DOS


PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS CATÓLICOS


: Ilustres Professores Universitários

1. Passou mais de um ano depois do encontro que tivemos por ocasião do Jubileu, mas não diminuiu o impulso que, naqueles dias singularmente preciosos, pudestes alcançar.
Foi a ocasião para um encontro pessoal com Ele, Jesus Senhor, em primeiro lugar, o nosso único Mestre. É Ele a fonte viva, o centro de irradiação, o alimento que na Palavra e na Eucaristia se faz sentir experiência interior.

Também foi uma ocasião para uma consciência cada vez mais aprofundada de Igreja, na reciprocidade da comunhão e no apoio fraterno entre todos os que se reconhecem em Cristo como membros da mesma grande família. Dele surgiu um renovado impulso de testemunho, que foi inserindo no dia-a-dia do trabalho universitário o dinamismo de uma presença significativa, generosa e autêntica.

Reunistes-vos de novo neste encontro, aceitando o convite a "fazer-vos ao largo", que indiquei como horizonte de esperança e de acção a toda a Igreja, e por conseguinte também a vós, para que reflictais sobre as implicações concretas que a perspectiva do novo humanismo acarreta para a vida das vossas Universidades.

2. Esta é uma época de grandes transformações, e também instituições antigas e veneráveis, como muitas das Universidades italianas, estão chamadas a renovar-se. Neste processo entrelaçam-se múltiplos factores, por vezes deveras nobres e dignos; outras vezes, ao contrário, mais instrumentais, correndo o risco de diminuir o saber por meio de afirmações de si mesmo, sacrificando a profissionalidade docente a uma aprendizagem de tipo utilitário e pragmático.

O Professor é um mestre. Ele não transmite o saber como se fosse um objecto de uso e consumo; mas, antes de tudo, estabelece uma relação sapiencial que, mesmo quando não pode chegar, devido ao número demasiado elevado dos estudantes, ao encontro pessoal, torna-se palavra de vida antes ainda de ser transmissão de noções. O Professor instrui no significado originário da palavra, isto é, oferece uma relação substancial à estruturação da personalidade; ele educa, segundo a antiga imagem socrática, ajudando a descobrir e a pôr em prática as capacidades e os dons de cada um; ele forma, segundo a compreensão humanística, que não limita esta palavra unicamente à necessária aquisição de competências profissionais, mas enquadra-as numa construção sólida e numa co-relação transparente de significados de vida.

3. Vós fostes chamados para o ensino. É uma vocação, uma vocação cristã. Por vezes ela é sentida como um projecto próprio desde a mais tenra idade; outras, revela-se através dos acontecimentos, aparentemente casuais, mas na realidade providenciais, que marcam a biografia de cada um. Ali, na Cátedra, Deus chamou-vos pelo nome, a um serviço insubstituível à verdade do homem.

É este o centro do novo humanismo. Ele concretiza-se na capacidade de mostrar que a palavra da fé é realmente uma força que ilumina o conhecimento, o liberta de qualquer servilismo, o torna capaz de fazer o bem. As jovens gerações esperam de vós novas sínteses do saber; não de tipo enciclopédico, mas humanista. É necessário superar a dispersão que desorienta e delinear perfis abertos, capazes de estimular o empenho da investigação e da comunicação do saber e, ao mesmo tempo, de formar pessoas que não acabem por usar contra o homem as enormes e tremendas possibilidades que o progresso científico e tecnológico alcançou no nosso tempo. Como no início da humanidade, também hoje quando o homem quer dispor a seu bel prazer dos frutos da árvore da sabedoria, acaba por se tornar um triste agente de medo, de conflito e de morte.

4. A reforma em acção na Itália, que envolve escola e universidade, põe em questão a pastoral eclesial, quer para superar formas de estagnação no diálogo cultural, quer para promover de maneira nova o encontro entre as inteligências humanas, incentivando a busca da verdade, a elaboração científica e a transmissão cultural. Dever-se-ia redescobrir também hoje uma renovada tendência para a unidade do saber precisamente o da uni-versitas com coragem inovadora, ao programar a organização dos estudos sobre um projecto cultural e formativo de elevado perfil, ao serviço do homem, de todo o homem.

Nesta obra a Igreja que olha com grande atenção para a Universidade, porque dela recebeu muito e ainda espera muito tem algo para oferecer. Em primeiro lugar, recordando incansavelmente que "o coração de todas as culturas é constituído pela sua aproximação ao maior dos mistérios: o mistério de Deus" (Discurso às Nações Unidas por ocasião do 50° de fundação, n. 9, Ensinamentos de João Paulo II, vol. XVIII/2, 1995, pág. 738). Além disso, recordando que só nesta verticalidade absoluta de quem crê, e por isso procura sempre aprofundar a verdade encontrada, mas também de quem procura, e por isso se encontra no caminho da fé a cultura e o saber iluminam de verdade e oferecem-se ao homem como dom de vida.

5. O humanismo cristão não é abstracto. A liberdade de investigação, tão preciosa, não pode significar neutralidade indiferente perante a verdade. A Universidade é chamada a tornar-se cada vez mais um laboratório, onde se cultiva e se desenvolve um humanismo universal, aberto à dimensão espiritual da verdade.

A diaconia da verdade representa a tarefa histórica da Universidade. Ela chama à dimensão contemplativa do saber que designa a característica humanista de cada disciplina nas diversas áreas tratadas pelo vosso Congresso. Desta atitude interior deriva a capacidade de perscrutar o sentido dos acontecimentos e de valorizar as descobertas mais audaciosas. A diaconia da verdade é a característica da inteligência livre e aberta. Só encarnando estas convicções no estilo quotidiano o professor universitário se torna portador de esperança para a vida pessoal e social. Os cristãos são chamados a dar testemunho da dignidade da razão humana, das suas exigências e da sua capacidade de investigar e conhecer a realidade, superando desta forma o cepticismo epistemológico, as reduções ideológicas do racionalismo e as oscilações niilistas do pensamento frágil.

A fé é capaz de gerar cultura; não teme o confronto cultural aberto e franco; a sua certeza em nada se parece com o entorpecimento ideológico preconcebido; é luz clara de verdade, que não se contrapõe às riquezas do engenho, mas apenas à obscuridão do erro. A fé cristã ilumina e esclarece a existência em todos os seus âmbitos. Animado por esta riqueza interior, o cristão difunde-a com coragem e testemunha-a com coerência.

6. A cultura não se pode limitar aos âmbitos do uso instrumental: no centro está e deve permanecer o homem, com a sua dignidade e a sua abertura ao Absoluto. A obra delicada e complexa de "evangelização da cultura" e de "inculturação da fé" não se contenta com simples ajustes, mas exige um pensamento fiel e uma re-expressão criativa do instrumento metodológico que a Igreja italiana se quis dar nestes últimos tempos: o "projecto cultural orientado em sentido cristão". Ele surge da consciência de que "a síntese entre cultura e fé não é só uma exigência da cultura mas também da fé... Uma fé que não se torna cultura é uma fé que não é plenamente aceite e totalmente pensada, nem fielmente vivida" (João Paulo II, Carta de instituição do Pontifício Conselho para a Cultura, 1982).

A esta profunda exigência corresponde o exercício da caridade intelectual. Este é o empenho específico que os universitários católicos estão chamados a realizar, na convicção de que a força do Evangelho é capaz de profunda renovação. Que o "Logos" de Deus se encontre com o "logos" humano e se torne o "dia-logos", é a expectativa e o desejo da Igreja para a Universidade e para o mundo da cultura.

Que o novo humanismo seja para vós perspectiva, projecto, empenho. Então ele tornar-se-á uma vocação à santidade para todos os que trabalham na Universidade. Vós sois chamados a esta "medida alta" no início do novo milénio.

Como confirmação destes meus votos para o vosso Encontro, sobre cujos trabalhos invoco abundantes luzes celestes, envio a cada um e às respectivas famílias uma especial Bênção apostólica.

Vaticano, 4 de Outubro de 2001.





Discursos João Paulo II 2001 - Etchmiadzin, 25 de Setembro de 2001