Discursos João Paulo II 2001

DURANTE O ENCONTRO COM OS PEREGRINOS


VINDOS A ROMA PARA A BEATIFICAÇÃO DE 7 DE OUTUBRO


Segunda-feira, 8 de Outubro de 2001

: Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Caríssimos Religiosos e Religiosas
Irmãos e Irmãs

1. Ainda está vivo em todos nós o eco da solene celebração litúrgica do dia de ontem, durante a qual foram elevados à glória dos altares sete novos Beatos. A todos vós, amados peregrinos vindos a Roma para este feliz acontecimento, dirijo a minha mais cordial saudação.

Em primeiro lugar desejo compartilhar convosco, e confiar ao Senhor, a angústia e a preocupação que suscita em nós este delicado momento da vida internacional.

No clima familiar do encontro de hoje, temos a oportunidade de juntos dar graças ao Senhor pelos novos Beatos e deter-nos para reflectir uma vez mais acerca do seu testemunho evangélico e da rica herança espiritual que eles nos deixaram.

Sede bem-vindos, caros peregrinos que vos encontrais em Roma para participar na Beatificação de D. Inácio Maloyan. Saúdo todos os Bispos da Igreja arménio-católica aqui presentes, bem como os representantes das autoridades civis da Arménia. Dirijo uma saudação especial aos jovens, pedindo ao Senhor que eles sejam testemunhas corajosas do Evangelho. Durante a minha recente visita à Arménia, pude dar-me conta do apego do povo à fé cristã, cujo testemunho está presente em numerosos episódios da sua história! Este é o bonito testemunho que nos deixa também o Beato Inácio. Homem corajoso e cheio de fé, pôs o amor a Cristo no centro da sua vida e do seu ministério. Quando a ameaça contra o povo arménio se tornou mais grave e prenunciou a iminência da perseguição, ele escolheu, a exemplo de Santo Inácio de Antioquia, seguir Jesus até às últimas consequências, derramando o seu sangue pelos irmãos. O seu exemplo convida todos os baptizados a recordar que foram mergulhados na morte e na ressurreição de Cristo, e que devem segui-lo todos os dias.

Saúdo o Senhor Cardeal Jean-Claude Turcotte e os peregrinos vindos do Canadá para a Beatificação de Emília Gamelin, em particular as Religiosas da Providência. A figura da nova Beata constitui um paradigma para os homens e as mulheres de hoje. Surpreende sempre a fecundidade de uma vida que se abandona nas mãos de Deus, haurindo da contemplação a força e a audácia para a vida quotidiana e para a missão. À imagem de Maria aos pés da Cruz, ela recebeu Jesus para viver exclusivamente dele e para Ele. A sua vida espiritual deu-lhe a força para a sua missão de caridade, despojando-se de tudo e encontrando a energia para confortar todas as pessoas. A exemplo da Beata Emília, encorajo-vos a pôr-vos ao serviço dos pobres e dos membros mais necessitados da sociedade, que são os amados de Deus, para aliviar os seus sofrimentos, fazendo assim resplandecer a sua dignidade.

3. Saúdo afectuosamente os peregrinos alemães, sobretudo os fiéis das Dioceses de Essen e de Monastério, acompanhados dos seus Pastores, D. Hubert Luthe e Reinhard Lettman. Queridas Irmãs e Irmãos, nos mártires Nicolau Gross e na religiosa clementina Eutímia as vossas Igrejas locais receberam como dádiva dois novos Beatos. Para as vossas Dioceses, estes cristãos exemplares são como um cartaz publicitário. Deveis orgulhar-vos deles! Nestes dias de festa passados em Roma, não chegastes a uma meta. Com efeito, a Beatificação é um início, dado que os novos Beatos convidam as pessoas a seguir os seus passos na sua própria terra.

O Beato Nicolau Gross ensina-nos a obedecer mais a Deus do que aos homens. O nosso tempo tem grande necessidade de cristãos verdadeiramente convictos, que escutem a voz da consciência e tenham a coragem de falar, quando se trata da dignidade do homem. Também a Beata Irmã Eutímia nos transmite uma mensagem actual. A sua vida demonstra-nos que coisas aparentemente insignificantes podem ser grandíssimas aos olhos de Deus. Do ponto de vista humano, esta religiosa não foi uma "estrela" sob as luzes da ribalta, mas a sua obra silenciosa foi para muitos uma consolação que ainda hoje persiste.

O exemplo de ambos os novos Beatos deveria estimular-vos e a sua intercessão acompanhar-vos durante a vossa vida. É de bom grado que vos concedo a Bênção Apostólica.

4. Neste clima de íntima alegria, sinto-me feliz por expressar as minhas mais cordiais felicitações à Comunidade diocesana de Nocera Inferiore-Sarno, que viu serem elevados às honras dos altares dois dos seus filhos presbíteros: Afonso Maria Fusco e Tomás Maria Fusco. Não eram parentes, mas Irmãos no Sacerdócio, e a Providência associou-os agora também na glória dos Beatos no Céu. Saúdo o Bispo, D. Gioacchino Illiano, e todos vós, que viestes dessa Diocese em grande número. É com especial afecto que me dirijo às filhas espirituais dos dois novos Beatos: as Irmãs de São João Baptista e as Filhas da Caridade do Preciosíssimo Sangue.

Caríssimas, a vossa alegria é também minha e da Igreja inteira. Agradeço-vos a fidelidade devota e concreta com que honrastes a memória dos vossos Fundadores, cuja exemplaridade encontrou agora o solene reconhecimento eclesial.

Em Angri, a sua cidade natal, o cónego Afonso Maria Fusco era venerado pelo seu espírito de humildade e simplicidade, que inspirava simpatia e confiança. Com a calma interior típica dos Santos, devida à fé absoluta em Deus e na sua Providência, ele conseguiu realizar o "sonho" da sua vida: instituir uma Congregação feminina para a assistência e a educação da juventude necessitada. Hoje, as Religiosas Baptistinas levam a sua mensagem a muitas regiões do mundo.

Um apóstolo da caridade foi também o Beato Tomás Maria Fusco. À infinita caridade do Pai, que se tornou visível no Preciossíssimo Sangue de Jesus Cristo, derramado como demonstração de "amor terníssimo", ele respondeu com a dedicação incondicional de si mesmo no ministério sacerdotal e no serviço aos mais pequeninos e aos pobres em geral. Hoje, o seu programa de vida continua graças a vós, amadas Filhas da Caridade do Preciosíssimo Sangue, que o tornais presente e actual na vossa actividade quotidiana.

5. Agora, dirijo-me a vós, Irmãos e Irmãs que exultais com a Beatificação de Eugénia Picco, originária da Igreja ambrosiana e filha adoptiva da Igreja de Parma. Saúdo com carinho os Pastores das vossas Comunidades eclesiais, juntamente com as Pequenas Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria e com todos vós, dilectos peregrinos vindos para prestar homenagem à nova Beata. Na Congregação fundada pelo venerável Agostinho Chieppi, ela foi animadora sábia e prudente das suas Irmãs, em conformidade com a inspiração recebida do Fundador. Plenamente inserida na Igreja local, fez-se mãe de todos, de maneira particular dos pobres, de quem soube compartilhar os dramas, as lutas e as esperanças. A experiência da enfermidade, especialmente nos últimos anos de vida, temperou a sua alma. Hoje, ela é capaz de ensinar a todos o modo de enfrentar as situações de dificuldade com a ajuda da graça, de servir a Igreja com a força da contemplação e de aproximar os irmãos com o ardor da caridade.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Enquanto agradeço ao Senhor os luminosos exemplos de santidade oferecidos pelos novos Beatos, renovemos-lhe a oração pela paz: "Da pacem Domine in diebus nostris! Concedei-nos, Senhor, a paz nos nossos dias!".

Acompanhe-nos e sustente-nos sempre a Virgem Maria, afectuosamente amada pelos novos Beatos. Confio-vos a todos à sua materna protecção enquanto, de coração, vos abençoo, juntamente com as vossas Comunidades eclesiais, religiosas e familiares.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


ÀS PARTICIPANTES NO


XIX CAPÍTULO GERAL DAS


IRMÃS AGOSTINIANAS MISSIONÁRIAS






Queridas Irmãs Agostinianas Missionárias

1. Fui informado da celebração em Roma do vosso XIX Capítulo Geral e desejo dirigir-vos uma afectuosa saudação, a vós que, em representação das vossas Irmãs presentes em 15 países de quatro continentes, tendes a responsabilidade de traçar as novas perspectivas da Congregação no início do novo milénio. Animo-vos a buscar, com fidelidade criativa ao carisma da vossa fundação, as respostas mais adequadas que o vosso Instituto pode dar às expectativas e exigências da Igreja e da humanidade contemporânea, conscientes de que "na causa do Reino não há tempo a olhar atrás, menos ainda para se dar à preguiça. Há muito trabalho que nos espera" (Novo millennio ineunte, 15). Por isso, enquanto exprimo o meu agradecimento sincero por todo o bem que a vossa Congregação fez nos seus mais de cem anos de existência, e que actualmente continua a realizar, exorto-vos a participar com generosidade na apaixonante tarefa de abrir, com o testemunho de vida e o anúncio de Cristo, novos horizontes de esperança para a humanidade.

Bem sabeis que esta tarefa exige, antes de mais nada, uma vida de consagração religiosa profundamente radicada em Cristo, pois somente quem permanece unido a Ele, como o sarmento à videira, dará muitos frutos (cf. Jo Jn 15,5). Deste modo, podereis ser testemunhas autênticas da sua presença nas diferentes culturas, como diz o vosso lema capitular.

2. Para isso, contais com a inspiração da venerável e fecunda espiritualidade augustiniana que tendes como herança, desde o momento da fundação e em virtude do vosso vínculo espiritual à Ordem de Santo Agostinho. É uma tradição que tem muito a dizer ao homem de hoje, precisamente porque se centra no seu ser mais íntimo e na sua excelsa dignidade de ser imagem de Deus e seu interlocutor pessoal em Cristo.

É para Ele que deveis abrir as portas sem medo, a fim de que vos fale na oração assídua e vos revele no mais recôndito o seu amor infinito, a sua compaixão pelo faminto de pão e de esperança (cf. Mt Mt 14, 14 ss.), os seus anseios de libertar a humanidade do pecado e de toda a escravidão que a deturpa, para cuja missão pede a vossa colaboração. Deixai-vos orientar pelos ensinamentos do Mestre interior, o único que nunca vos abandona porque, ao contrário dele, "mesmo que alguém esteja ao teu lado, ninguém está no teu coração" (Santo Agostinho, In 1 Jo, III, 13).

3. Como Instituto de vida apostólica e com um acentuado carácter missionário, também sabeis que o verdadeiro evangelizador não precisa de muita bagagem (cf. Mt Mt 10,9-10), mas de Cristo no seu interior, para O poder proclamar abertamente como o "anúncio jubiloso de um dom, que se destina para todos e, por conseguinte, há-de de ser proposto a todos, com o maior respeito pela liberdade de cada um" (Novo millennio ineunte, 56).

Efectivamente, com Cristo impresso em cada fibra do vosso ser, podereis falar esta linguagem "de coração a coração", capaz de comover os sentimentos mais profundos, despertar os valores mais nobres e responder aos anseios mais genuínos do ser humano, para além das diferenças ou dos dissentimentos sobre os aspectos secundários ou efémeros. Trata-se de uma linguagem universal que abre as portas de toda a condição humana e que se compreende em todas as culturas, sendo portanto fonte de concórdia e de paz.

Além disso, animará a partir de dentro o espírito de serviço que estimula a vossa verdadeira alma missionária, pois "quanto mais se vive de Cristo, tanto melhor se pode servi-lo nos outros, aventurando-se até aos postos de vanguarda da missão e enfrentando os maiores riscos" (Vita consecrata, VC 76).

4. Roma, onde celebrais o vosso Capítulo, é um lugar privilegiado para revitalizar o espírito eclesial e a firme adesão ao Sucessor de Pedro, a quem Cristo confiou a tarefa de confirmar os seus irmãos na fé (cf. Lc Lc 22,32). É também uma ocasião para viver intensamente a dimensão universal da Igreja, a rede de mentalidades e tradições diferentes na comunhão de fé e de caridade, como se realçou de maneira especial durante o recente grande Jubileu, no ano passado.

Desta memorável experiência eclesial, desejo mencionar de forma particular a comemoração das testemunhas da fé do século XX, realizada no Coliseu. Através dela, a Igreja quis homenagear as pessoas que deram testemunho das exigências, às vezes extremas, que comporta a confissão da fé, mas também da força heróica que infunde em quem a acolhe sem reservas. Participastes nesta celebração com a comovedora experiência de poder contar com duas das vossas irmãs nesta "pintura do evangelho das bem-aventuranças, vivido até ao derramamento do sangue" (Homilia no Coliseu, em Roma, 7 de Maio de 2000, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 13.5.2000, pág. 6, n. 3). Se nessa altura recebestes as notícias com lágrimas pela dor humana, agora sabeis que Deus olhou para estas vossas Religiosas com uma graça muito especial, que dará um novo vigor ao espírito missionário que vos anima, mostrando-vos em toda a sua amplitude e radicalidade o mandato de Jesus: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura" (Mc 16,15). Peço ao Senhor para que também este sangue derramado seja fonte de fecundidade de novas vocações e frutos de santidade para a vossa Congregação.

5. Quero terminar, depositando nas mãos da Virgem Maria os frutos do Capítulo e o futuro do vosso Instituto. A Ela, a quem invocais sobretudo como Mãe da Consolação e Senhora do Bom Conselho, confio as suas filhas comprometidas em reconhecer em todo o lugar a presença de Cristo, seu divino Filho e Rei do Universo, para O seguir com fidelidade e O anunciar até aos confins da terra.

Com estes sentimentos, implorando a intercessão de Santo Agostinho e de Santa Mónica, concedo-vos com carinho a minha Bênção apostólica que, de bom grado, faço extensivas a todas as vossas Irmãs Agostinianas Missionárias.

Vaticano, 10 de Outubro de 2001.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


AO PRIOR-GERAL DA ORDEM DOS


FRADES SERVOS DE MARIA







Ao Reverendo Padre

HUBERT M. MOONS

Prior-Geral da Ordem dos Frades
Servos de Maria

"A graça do Senhor Jesus seja convosco. Eu amo-vos a todos em Cristo Jesus" (1Co 16,23-24). Com estas palavras do apóstolo Paulo, saúdo-te cordialmente a ti e a toda a Ordem dos Frades Servos de Maria por ocasião do Capítulo Geral, programado para Ariccia (Itália), de 8 a 30 de Outubro de 2001. O tema dos trabalhos é: "Com Santa Maria, da escuta de Deus ao serviço da vida". Ele chama a vossa reflexão sobre a necessidade de dar um testemunho cada vez mais fiel do Instituto ao carisma das origens e, ao mesmo tempo, do homem contemporâneo.

Dirijo-te a ti, Reverendo Padre, a minha cordial saudação e agradeço-Te sinceramente o serviço de Prior-Geral, que prestaste à Ordem durante 12 anos. Saúdo os Capitulares e, através deles, todos os membros desta Família religiosa. Desejaria fazer chegar a cada um a minha palavra de encorajamento, corroborada pela certeza de uma constante recordação na oração. Sei que a Assembleia capitular, sobre a qual desde há muito tempo implorais a luz do Espírito, foi preparada com solicitude, definindo bem as prioridades nos temas tratados e aprofundados. Ela representa a ocasião propícia para realçar melhor um aspecto particular da participação da Virgem no mistério de Cristo e da Igreja, para disto obter a inspiração para as escolhas e decisões em vigor na Ordem. Desde o início, para os Frades Servos de Maria, é a Virgem a Estrela que ilumina o seu caminho e a referência certa de todas os seus programas apostólicos.

1. Com Santa Maria em busca de Deus. A busca de Deus é a componente essencial da vida consagrada. Nossa Senhora é a orientação certa neste itinerário. Procurar o Senhor! Destes prioridade à reflexão sobre este tema, centro da vossa vocação, nos trabalhos do Capítulo. Sim! Procurai Cristo; procurai o seu rosto (cf. Sl Ps 27,8). Procurai-O todos os dias, desde o alvorecer (cf. Sl Ps 63,2), com todo o coração (cf. Dt Dt 4,29 Ps 119,2). Procurai-O com a tenacidade da Sunamita (cf. Ct Ct 3,1-3), com a admiração do apóstolo André (cf. Jo Jn 1,35-39), com o impulso de Maria de Magdala (cf. Jo Jn 20,1-8).

No ritual para a celebração do Capítulo, invocais os sete Santos fundadores como "os que procuram Deus". De facto, eles fizeram isso: procuraram o Reino de Deus e a sua justiça (cf. Mt Mt 6,33), procuraram assiduamente a sabedoria evangélica. Seguindo o exemplo deles, procurai também vós o Senhor nos momentos da alegria e no tempo da desolação; imitai Maria que vai a Jerusalém procurar o seu Filho, que tinha doze anos, cheia de ansiedade (cf. Lc Lc 2,44-49), e mais tarde, no início da vida pública de Jesus, corre receosa à sua procura (cf. Mc Mc 3,32), preocupada com o que tinha ouvido a seu respeito (cf. ibid., 3, 20, 21).

Sentir a necessidade de procurar Deus já é um dom que se deve receber com o coração grato. Na realidade, é sempre Deus o primeiro a vir ao nosso encontro, porque nos amou primeiro (cf. 1Jn 4,10). É confortador procurar Deus, mas é ao mesmo tempo exigente; requer renúncias e escolhas radicais. Que significa isso para vós, no actual contexto histórico? Certamente uma acentuação da dimensão contemplativa, uma intensificação da oração pessoal, uma nova avaliação do silêncio do coração, sem nunca contrapor a contemplação à acção, a oração na cela às celebrações litúrgicas, a necessária "fuga do mundo" à presença que se deve aos que sofrem: tudo isto faz parte da tradição da Ordem e das vossas Constituições (cf. Const. OSM [1987], 16 a., 31 a-b, 116). A experiência demonstra que só da contemplação intensa surge uma fervorosa e eficaz acção apostólica.

2. Com Santa Maria à escuta de Deus. Em estreita ligação com a busca de Deus está a escuta da sua Palavra de salvação. Também neste itinerário vos serve de exemplo e de orientação Maria, da qual a Igreja evidencia a singular relação com a Palavra. Nossa Senhora é a "Virgem da escuta", pronta a fazer sua, com uma atitude humilde e sábia, as palavras que lhe foram dirigidas pelo Anjo. Com o seu fiat Maria recebe o Filho de Deus, Palavra subsistente, que nela se faz homem para a redenção do mundo.

Uma forma adequada como nunca de escuta da Palavra é a lectio divina, que tendes em grande consideração. Fazeis uma alusão explícita a ela na própria fórmula da profissão solene, porque nela vos empenhais a viver "na escuta da Palavra de Deus" (cf. Ritual da profissão religiosa dos Frades Servos de Santa Maria, Segunda edição típica, 211, Roma, Cúria Geral OSM, 1993, págs. 128-148). Maria escuta e nela a Palavra, antes ainda de o ser no seio virginal, é aceite no coração. Imitando o seu fiat (cf. Lc Lc 1,38), também vós pronunciais o vosso sim total a Deus que se revela (cf. Rm Rm 16,26). Na palavra da Sagrada Escritura Deus manifesta as riquezas do seu amor, revela o seu projecto salvífico e confia a cada um a missão específica no seu Reino.

O amor à Palavra estimular-vos-á a tomar novamente em consideração a oração comunitária, a privilegiar a vida litúrgica, a fazer com que ela seja mais participada e sentida. A vossa oração comunitária faça com que a oração pessoal prepare e prolongue a celebração litúrgica.

Tornar-se-á então realidade na Ordem o desejo do Apóstolo: "A Palavra de Cristo permaneça em vós abundantemente" (Col 3,16).

Com Maria numa vida de serviço. O Capítulo Geral é chamado a tratar pormenorizadamente outro assunto, também prioritário: as múltiplas formas do vosso serviço apostólico. Com efeito, servir a Igreja e a humanidade é uma parte essencial do carisma dos Frades Servos de Maria.

Olhando para a Virgem, sempre em humilde atitude de serviço, fazeis com que, em cada membro do Instituto, sobressaia um estilo de jubilosa solicitude para com os irmãos, de fervor e de estímulo, de valorização das relações humanas e de atenção às necessidades da pessoa.

Um estilo que não procura, em primeiro lugar, a eficiência das estruturas e os progressos da tecnologia, mas conta com a eficácia da graça do Senhor (cf. 1Co 3,6-7). Sempre atentos aos sinais dos tempos, meditai atenciosamente a perspectiva de interromper algumas actividades a fim de responder às novas exigências missionárias na Ásia, na África e na Europa do Leste. Salvaguardai a fidelidade ao espírito originário da vossa Família religiosa, que surgiu para dar testemunho "dos valores humanos e evangélicos que Maria encarna" (Const. OSM, 7). Segundo a inspiração mendicante da Ordem, vivei a dimensão evangélica da instabilidade, da insegurança e da disponibilidade para ir onde as necessidades são urgentes (cf. ibid., 3).

Entre as muitas formas de serviço, no tema principal do Capítulo, é mencionado o "serviço à vida". Num mundo em que, por vezes, parece que a cultura da morte prevalece, sois servidores da vida, fiéis a Deus "não dos mortos, mas dos vivos..." (Mt 22,32), arautos do Evangelho da esperança sob a protecção de Santa Maria, "Mãe da vida".

4. Com Santa Maria ao serviço da animação vocacional. Por fim, o Capítulo deverá reflectir sobre a animação vocacional, tema de grande interesse e de particular urgência. As vocações são um dom para a Ordem e para a Igreja que as devem implorar, antes de mais, com a oração incessante. O ícone da Virgem do Pentecostes ilumine a vossa reflexão. No Cenáculo Maria apresenta-se como a Orante; juntamente com os Apóstolos implora a vinda do Espírito, que suscita todas as vocações. Maria é Mãe da Igreja: no Cenáculo a Virgem começa a exercer para com a comunidade dos discípulos a maternidade que lhe foi confiada pelo seu Filho agonizante na Cruz.

Além da oração (cf. Lc Lc 10,2), as vocações são favorecidas pelo testemunho coerente e fiel de todos os que são chamados a viver com radicalidade o seguimento evangélico. Olham para vós as jovens gerações, atraídas não por uma vida consagrada "facilitada", mas pela proposta de viver o Evangelho sine glossa.

A 7 de Outubro de 2001 celebra-se o 750º aniversário do "acto de pobreza" da primeira comunidade do Senário. Com este gesto generoso, os frades empenhavam-se a não possuir nada, como o seu Mestre que não tinha "onde reclinar a cabeça" (Lc 9,58). A memória deste acontecimento vos estimule a dar um testemunho de pobreza ainda mais rigoroso, que se traduza num sóbrio estilo de vida (cf. Const. OSM, 75) e numa prática fiel da comunhão dos bens.

Confio os trabalhos do Capítulo à solicitude materna de Santa Maria, Rainha dos seus servos e, ao garantir-vos a recordação na oração, concedo de coração a ti, aos Capitulares e a toda a Família dos Servos de Maria a Bênção apostólica, penhor da misericórdia infinita do Senhor.

Vaticano, 29 de Setembro de 2001.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


AO CARDEAL CAMILLO RUINI NA


CELEBRAÇÃO DOS 20 ANOS DA


"FAMILIARIS CONSORTIO"




1. Foi com profunda estima que tomei conhecimento de que a Igreja que está na Itália se prepara para celebrar o 20º aniversário da Familiaris consortio com uma série de iniciativas: elas serão de grande ajuda para o Povo de Deus, para todos aqueles que se encontram em busca da verdade e para a própria sociedade civil. Trata-se de iniciativas importantes que desejo acompanhar com a oração e com afecto sincero, à espera do encontro com as famílias italianas, na vigília que terá lugar na Praça de São Pedro, sábado 19 de Outubro, e na Santa Missa, que terei a alegria de celebrar no dia seguinte, por ocasião da Beatificação dos cônjuges Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi.

Quando, nos primeiros tempos do meu Pontificado, inaugurei os trabalhos do Sínodo sobre a Família, a 26 de Setembro de 1980, disse que "a família é o objecto fundamental da evangelização e da catequese da Igreja, ela é também o seu sujeito indispensável e insubstituível: o sujeito criativo", e acrescentei que, por esta sua força criativa, "é precisamente a família que dá vida à sociedade". Depois, concluí o discurso aos Padres sinodais, recordando que todas as tarefas da família se resumem numa, que é fundamental: "guardar e conservar simplesmente o homem!".

2. Muitos se perguntam: por que motivo a família é tão importante? Porque insiste tanto a Igreja sobre o tema do matrimónio e da família? O motivo é simples, embora nem todos consigam compreendê-lo: é da família que depende o destino do homem, a sua felicidade, a capacidade de dar sentido à sua existência. O destino do homem depende do destino da família, e é por isso que não me canso de afirmar que o futuro da humanidade está estreitamente ligado ao da família (cf. Familiaris consortio, FC 86). Esta verdade é tão evidente que parece paradoxal a atitude, infelizmente demasiado difundida, de quem descuida, ofende e torna relativo o valor do matrimónio e da família.

A visão do homem, a interpretação da sua unidade pessoal, em que se exprimem as dimensões corpórea, intelectual e espiritual, o significado dos afectos e da geração da vida estão no centro de um debate histórico, que influi profundamente sobre a condição da família. Diante desta situação, a primeira tarefa da Igreja consiste em fazer emergir os motivos que tornam urgente e necessário o compromisso de todos os cristãos em favor da família. Ao mesmo tempo, é tarefa das próprias famílias e de todas as pessoas de boa vontade fazer todo o esforço para que sejam reconhecidos os direitos desta instituição social fundamental, em benefício dos indivíduos e de toda a sociedade.

3. O Sínodo das Famílias assinalou a vida da Igreja no seu caminho de actuação do Concílio Vaticano II, e a Familiaris consortio, que resumiu o seu precioso trabalho, representa uma etapa decisiva na identificação das responsabilidades da família e daquilo que é necessário fazer para a ajudar na realização das suas funções insubstituíveis. A vinte anos desta Exortação Apostólica, devemos agradecer a Deus os copiosos frutos que dela derivaram para a Igreja e para a sociedade, e devemos recolher os rebentos de bem que brotaram no coração das famílias, que à luz dos ensinamentos nela propostos estão a inaugurar uma nova estação de profundo protagonismo. Estes vinte anos serviram para fazer amadurecer uma difundida consciência da vocação e da missão da família e, como acontece no normal decurso da vida humana, nesta altura tem início a estação da maturidade, a estação da plena assunção das responsabilidades.

É necessário que a Igreja acompanhe de maneira adequada este caminho oferecendo, a partir dos recursos espirituais que mergulham as suas raízes na graça sacramental do matrimónio, também todas as contribuições humanas, culturais e sociais que podem ajudar a família a apresentar-se como centro e encruzilhada da vida eclesial e social. É preciso ultrapassar todo o dualismo ingénuo e impróprio entre vida espiritual e vida social. O bem da família é um bem integral, e as várias dimensões da sua existência não são separáveis. A sua vida, enquanto célula fundamental da Igreja e da sociedade, tem sempre um valor social e público, que deve ser reconhecido, tutelado e promovido.

4. A família está no princípio da história da salvação, mas encontra-se também no início da história da humanidade e podemos dizer que é a sua essência, porque a história do homem é substancialmente história de amor. Nunca podemos esquecer que "o homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e se não o torna algo próprio, se nele não participa vivamente" (cf. Redemptor hominis, RH 10, citado pela Familiaris consortio, FC 18).

À volta deste núcleo central da existência humana gira a família e dele tira a sociedade a sua origem. Ainda hoje, com muita frequência esta verdade é esquecida, falsificada e espezinhada. Portanto, devem multiplicar-se as ocasiões de estudo e de reflexão, as formas de mobilização das famílias, as iniciativas culturais, sociais e políticas que contudo, no respeito das funções e das competências, sejam capazes de ajudar os responsáveis pelo bem comum a agir em coerência com a verdade do homem, que comporta sempre e em primeiro lugar a salvaguarda da vida humana do matrimónio e da família. Desde há muito tempo, a Igreja que está na Itália trabalha em benefício da família também nesta direcção, unindo na óptica do projecto cultural a acção pastoral com uma incisiva presença nos campos da cultura e da comunicação.

5. É de grande relevância para a comunidade eclesial e para a amada Nação italiana, este Congresso promovido pela Comissão Episcopal para a Família e a Vida, pelo Foro das Associações Familiares e pelo Serviço Nacional para o Projecto Cultural, sobre o tema "A família como sujeito social. Raízes, desafios e projectos", que se realizará em Roma nos dias 18-20 de Outubro e contará com a participação de mais de mil delegados das dioceses e das associações familiares. Desejo fazer chegar aos participantes os meus mais ardentes votos para o bom êxito dos trabalhos e uma bênção especial, a fim de que esta preciosa ocasião de estudo e de diálogo revigore as convicções sobre o valor do matrimónio e da família, e suscite um renovado entusiasmo no compromisso de serviço à família. O tema escolhido indica com clarividência a direcção que é necessário tomar para transformar a situação social que, inclusivamente na Itália, ainda não vê a realização integral de um projecto coerente no sector das políticas familiares, com frequência mencionadas mas nem sempre praticadas.

É necessário, sobretudo, passar de uma consideração da família como sector, para uma visão da família como critério de medida de toda a acção política porque, para o bem da família, concorrem todas as dimensões da vida humana e social: a salvaguarda da vida humana, o cuidado da saúde e do meio ambiente; os planos reguladores das cidades, que devem oferecer condições de habitação, de serviços e de espaço verde à medida das famílias; o sistema escolar, que deve garantir uma pluralidade de intervenções, de iniciativa tanto governamental como de outros sujeitos sociais, a partir do direito de escolha dos pais; a revisão dos processos de trabalho e dos critérios fiscais, que não se podem basear apenas na consideração de cada um dos sujeitos descuidando ou, pior ainda, penalizando o núcleo familiar.

6. O trabalho que espera os participantes no Congresso é mais vasto e comprometedor do que nunca, mas hoje existem as condições para uma significativa inversão de tendência, a partir de uma coerente assunção do princípio de subsidiariedade nas relações entre Estado e família, e de um vigoroso impulso cultural que volte a pôr no centro da estima e da atenção de todos o valor do matrimónio e da família. Com efeito, a relação correcta entre o Estado e a família está assente na instituição jurídica do matrimónio que é, e deve permanecer, como afirma a Constituição da República italiana, o elemento de garantia para o reconhecimento social das famílias. O matrimónio é também a condição que permite ao Estado pôr em prática um correcto e necessário discernimento entre a família autêntica com os seus direitos inalienáveis e outras formas de convivência.

Um fundamental ponto de referência permanece aquilo que tive a ocasião de escrever na Familiaris consortio: "A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador" (n. 11).

Sem dúvida, a contribuição qualificada dos relatores, dos peritos e de todos os participantes no Congresso serão úteis para encontrar os caminhos mais idóneos em ordem à afirmação e ao desenvolvimento de tudo isto nesta nova estação. Com efeito, por um lado as famílias esperam legitimamente a realização de condições sociais que correspondam às suas exigências e, por outro, devem contribuir para edificar um novo modelo social através do seu compromisso directo e graças à ajuda das associações familiares que as representam. Desejo expressar a mais profunda estima por quanto realiza na Itália o Foro das Associações familiares, que possui o mérito de ter favorecido um debate de elevado nível sobre as problemáticas do sector social, dando voz às instâncias mais autênticas da família e contribuindo assim para o bem de toda a sociedade italiana.

7. Aguardo com alegria o encontro de sábado 20 de Outubro, para invocar o Senhor juntamente com um grande número de famílias. Será um momento importante, para reflectir sobre os desafios que dizem respeito à família e às responsabilidades dos vários sujeitos, no contexto da vida eclesial e social. Este complexo caminho, que vê as famílias italianas comprometidas tanto na reflexão como na participação na Vigília promovida pela Conferência Episcopal Italiana, terá o seu ápice na manhã de domingo, na Beatificação dos cônjuges Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi. À espera de poder celebrar as maravilhas do Senhor, que se tornaram visíveis no caminho de santidade deste casal, dirijo o meu pensamento grato para todas as famílias comprometidas na construção da civilização do amor, enquanto acompanho com a oração estes dias de reflexão e de diálogo, invocando sobre todos a protecção e a proximidade de Maria, Rainha da Família.


Vaticano, 15 de Outubro de 2001.





Discursos João Paulo II 2001