Discursos João Paulo II 2001

NA FESTA DAS FAMÍLIAS


Praça de S. Pedro 20 de Outubro de 2001



1. Prezadas famílias desta amada nação, que vos reunistes em Roma para confirmar a vossa fé e a vossa vocação, saúdo cada uma de vós, estreitando-vos num grande abraço. Saúdo também as famílias hóspedes, provenientes de vários países do centro-leste europeu, com as quais agora me encontro. Dirijo a minha saudação ao Cardeal Camillo Ruini, Presidente da Conferência Episcopal Italiana, aos outros Senhores Cardeais e Bispos aqui presentes, assim como às Autoridades políticas e civis.

É com grande afecto que vos recebo a todos nesta Praça, coração da Igreja universal. Nesta tarde, graças à alegre presença de muitas famílias cristãs, ela transforma-se numa grande Igreja doméstica. Agradeço-vos a vossa calorosa saudação e a alegria que me proporcionais fazendo-me sentir, por minha vez, acolhido no vosso coração.

Este encontro constitui uma nova etapa do caminho, que no ano passado nos viu reunidos aqui na Praça de São Pedro, juntamente com muitos de vós e com inúmeras famílias do mundo inteiro, para celebrar o grande Jubileu. Encontramo-nos aqui para confirmar este caminho e para voltar a fixar o olhar em Jesus Cristo, Luz que "vos chama a iluminar com o vosso testemunho o caminho da humanidade pelas vias do novo milénio!" (Discurso na Vigília de 14 de Outubro de 2000, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 21.10.2000, pág. 5, n. 9).

2. Para este encontro, escolhestes o tema: "Acreditar na família é construir o futuro". Trata-se de um tema comprometedor, que nos convida a reflectir sobre a verdade da família e, ao mesmo tempo, sobre o seu papel para o futuro da humanidade. Nesta reflexão, podemos ser orientados por algumas interrogações: "Por que acreditar na família?". Em seguida: "Em que família acreditar?". E finalmente: "Quem é que deve acreditar na família?".

Para responder à primeira pergunta, devemos partir de uma verdade originária e fundamental: Deus acredita firmemente na família. Desde o início, desde o "princípio", ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, homem e mulher, Ele quis colocar no centro do seu projecto a realidade do amor entre o homem e a mulher (cf. Gn Gn 1,27). Toda a história da salvação é um apaixonado diálogo entre o Deus fiel, que os profetas descrevem com frequência como o noivo e o esposo, e a comunidade eleita, a esposa, muitas vezes tentada pela infidelidade, mas sempre esperada, procurada e novamente amada pelo seu Senhor (cf. Is Is 62,4-5 Os 1-3). A confiança que o Pai tem em relação à família é tão forte que, pensando também nela, enviou o seu Filho, o Esposo, que veio para redimir a sua esposa, a Igreja e, nela, cada homem e cada família (cf. Carta às Famílias, LF 18).

Sim, queridas famílias: "O Esposo está convosco!". A partir desta presença, acolhida e correspondida, brota a particular e extraordinária força sacramental, que transforma a vossa íntima união de vida em sinal eficaz do amor entre Cristo e a Igreja e vos considera como sujeitos responsáveis e protagonistas da vida eclesial e social.

3. O facto de Deus ter criado a família como fundamento da convivência humana e como paradigma da vida eclesial exige, da parte de todos, uma resposta determinada e convicta. Na Familiaris consortio, da qual se celebra o vigésimo aniversário, tive a oportunidade de dizer: "Família, torna-te aquilo que tu és!" (cf. n. 17). E hoje, acrescento: "Família, acredita naquilo que tu és!"; acredita na vocação a ser um sinal luminoso do amor de Deus.

Este encontro permite-nos agradecer a Deus os dons concedidos à sua Igreja e às famílias que, durante estes anos, fizeram um tesouro dos ensinamentos conciliares e das instruções contidas na Familiaris consortio. Além disso, devemos dar graças à Igreja que está na Itália e aos seus Pastores, por terem contribuído de maneira determinante para a reflexão sobre o matrimónio e sobre a família, com a publicação de importantes documentos como Evangelização e sacramento do matrimónio que, a partir do ano de 1975, permitiu realizar uma verdadeira transformação na pastoral familiar, e sobretudo o Directório de pastoral familiar, publicado no mês de Julho de 1993.

4. A segunda interrogação leva-nos a reflectir sobre um aspecto de grande actualidade, porque nos dias de hoje, à volta da família, se manifestam opiniões tão diferentes a ponto de levar a pensar que já não existe qualquer critério que a qualifique e a defina. Ao lado da dimensão religiosa da família, há também a sua dimensão social. O valor e o papel da família são igualmente evidentes a partir deste ponto de vista. Hoje, infelizmente, assistimos à difusão de visões deturpadas e mais perigosas do que nunca, alimentadas por ideologias relativistas, maciçamente propagadas pelos mass media. Na realidade, para o bem do Estado e da sociedade, é de importância fundamental salvaguardar a família assente sobre o matrimónio, compreendido como acto que sanciona o compromisso recíproco, publicamente expresso e regulado, a plena assunção das responsabilidades mútuas e em relação aos filhos, e o título dos direitos e dos deveres como núcleo social primordial, sobre o qual se fundamenta a vida da nação.

Quando falta a convicção de que a família fundada sobre o matrimónio não pode, de maneira alguma, ser comparada a outras formas de agregação afectiva, está a ser ameçada a própria estrutura social e o seu fundamento jurídico. O desenvolvimento harmónico e o progresso de um povo dependem, em vasta medida, da sua capacidade de investir na família, garantindo a níveis legislativo, social e cultural a plena e efectiva realização das suas funções e das suas tarefas.

Estimadas famílias, num sistema democrático, torna-se fundamental dar voz às razões que motivam a defesa da família fundada sobre o matrimónio. Ela é a principal fonte de esperança para o futuro da humanidade, como está bem expresso na segunda parte do tema escolhido para este encontro. Por conseguinte, a nossa esperança é de que os indivíduos, as comunidades e os sujeitos sociais acreditem cada vez mais na família fundamentada sobre o matrimónio, lugar de amor e de solidariedade autêntica.

5. Na realidade, para olhar com confiança para o futuro, é necessário que todos acreditem na família, assumindo as responsabilidades correspondentes à sua própria missão. Assim, respondemos à terceira pergunta, da qual partimos: "Quem é que deve acreditar na família?". Em primeiro lugar, gostaria de realçar o facto de que os primeiros garantes do bem da família são os próprios cônjuges, tanto vivendo com responsabilidade, todos os dias, os compromissos, as alegrias e os cansaços, como dando voz, com formas associadas e iniciativas culturais, a instâncias sociais e legislativas idóneas para sustentar a vida familiar. É conhecido e estimado o trabalho realizado durante estes anos pelo Foro das Associações Familiares, a quem faço extensivo o meu apreço por tudo quanto leva a cabo e também pela iniciativa denominada Family for family, com a qual pretendeis revigorar os relacionamentos de solidariedade entre as famílias italianas e as dos países do Leste europeu.

Uma particular responsabilidade pesa sobre os políticos e sobre os governantes, a quem compete realizar as regras constitucionais e reconhecer as instâncias mais autênticas da população composta, na sua vastíssima maioria, por famílias que fundaram a sua união sobre o vínculo matrimonial. Por conseguinte, é justo que se esperem intervenções legislativas, centradas sobre a dignidade da pessoa humana e sobre a correcta aplicação do princípio de subsidiariedade entre o Estado e a família; intervenções estas que são capazes de dar uma solução a problemas importantes, e sob muitos aspectos decisivos, para o futuro do país.

6. É importante e urgente, de maneira particular, realizar plenamente um sistema escolar e educativo que tenha o seu centro na família e na sua liberdade de opção. Não se trata, como algumas pessoas erroneamente afirmam, de tirar à escola pública para conceder à escola privada, mas sobretudo de superar uma injustiça substancial que penaliza todas as famílias, impedindo uma efectiva liberdade de iniciativa e de escolha. Desta forma, impõem-se outras responsabilidades sobre os indivíduos que desejam exercer o direito fundamental de orientar a matéria educativa dos filhos, escolhendo escolas que prestem um serviço público, apesar de não serem estatais.

É para desejar também um decidido salto de qualidade na programação das políticas sociais, que deveriam ser consideradas cada vez mais como a centralidade da família para decidir em conformidade com as suas necessidades, as opções nos âmbitos do planeamento residencial, da organização do trabalho, da definição do salário e dos critérios de arrecadação dos impostos.

Além disso, deve reservar-se uma atenção especial à legítima preocupação de muitas famílias que denunciam uma crescente degradação nos instrumentos de comunicação que, transmitindo a violência, a banalidade e a pornografia, se revelam cada vez menos atentos à presença das crianças e dos seus direitos. As famílias não podem ser abandonadas a si mesmas pelas instituições e pelas forças sociais, no esforço de garantir aos filhos ambientes sadios, positivos e ricos de valores humanos e religiosos.

7. Dilectas famílias, ao enfrentardes estes grandes desafios, não vos desanimeis e não vos sintais isoladas: o Senhor acredita em vós; a Igreja caminha convosco; os homens de boa vontade olham para vós com confiança!

Sois chamadas a ser protagonistas do futuro da humanidade, delineando o rosto deste novo milénio. Nesta tarefa, sois assistidas e orientadas pela Virgem Maria, nossa Mãe, presente aqui no meio de nós numa sua imagem particularmente venerada. A Nossa Senhora de Loreto, Rainha da Família, que na casa de Nazaré, juntamente com o seu esposo José, experimentou as alegrias e os cansaços da vida familiar, confio todas as vossas esperanças, invocando a sua celeste protecção.

Caríssimos esposos, o Senhor vos confirme no compromisso assumido com as promessas conjugais no dia das núpcias. O Papa e a Igreja rezam por vós. É do íntimo do coração que vos abençoo a vós, juntamente com os vossos filhos!




AO PATRIARCA GRECO-ORTODOXO


DE ANTIOQUIA (SÍRIA)


SUA BEATITUDE INÁCIO IV HAZIM


: 22 de Outubro de 2001





Irmão, o teu amor trouxe-me graça, alegria e consolação (cf. Flm Phm 1,7).

Beatitude

Como são verdadeiras, ainde hoje, estas palavras de Paulo, enquanto conservo uma profunda lembrança da minha peregrinação à Síria, sobretudo da celebração ecuménica da Palavra, a que presidimos juntamente com os outros nossos irmãos na Catedral da Dormição da Virgem em Damasco, no dia 5 do passado mês de Maio! Eis que Vossa Beatitude vem a Roma para me visitar, no momento em que regressa à sua venerável Sede de Antioquia.

Através dos nossos encontros, o Senhor oferece-nos os sinais evidentes da fraternidade de que fala a Carta a Filémon. Os nossos intercâmbios mostram-nos que estamos a percorrer a via recta, o caminho que o Senhor não cessa de nos indicar, o caminho que conduz para a plena comunhão.

No mês de Maio de 1983, seguindo os passos dos Apóstolos Pedro e Paulo, que foram os primeiros a fazer ressoar a Palavra em Antioquia, oferecendo o seu significativo testemunho em Roma, Vossa Beatitude visitou-me pela primeira vez aqui em Roma, a fim de avançarmos, de maneira decidida e em conjunto, ao longo do caminho da unidade na fé e do conhecimento do Filho de Deus (cf. Ef Ep 4,13). Por minha vez, durante este ano, tive a oportunidade de visitá-lo na sua terra, percorrendo o caminho seguido pelos Apóstolos, comprometendo-me também eu, como Vossa Beatitude, dilecto Irmão, em obedecer à verdade, "para praticar um amor fraterno, sincero, sem hipocrisia", demonstrando que nos amamos uns aos outros "do fundo do coração e de modo constante", sustentados "pela Palavra de Deus vivo e eterno", mediante a qual crescemos em ordem à salvação (cf. 1P 1,22-24).

Sofremos quando, por vezes, somos impedidos no nosso caminho. Pode acontecer que, ao longo da estrada, o amor dócil e manso, compassivo e misericordioso que nos anima seja obscurecido pelo hábito do afrontamento, pela incapacidade de encontrar uma expressão conjunta e pelo esquecimento da oração de Cristo: "Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão-de crer em mim, para que todos sejam um só" (Jn 17,20-21).

Assim como eu, também Vossa Beatitude, que foi um dos primeiros artífices da paz nos esforços de aproximação entre o Oriente e o Ocidente, sabe quais são as exigências do longo caminho da unidade e da reconciliação entre os irmãos; Vossa Beatitude apoiou deste o início o diálogo teológico entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas no seu conjunto. Hoje, imploramos do Senhor a graça e a força para ultrapassarmos a estagnação do diálogo, devida às hesitações infecundas, dado que o Senhor já nos indicou o caminho, recordando-nos que neste mundo a experiência da adversidade é inseparável da nossa certeza completa, porque foi Ele que venceu o mundo (cf. Jo Jn 16,33)! Sei que, como eu, também Vossa Beatitude não cessa de rezar, de reflectir, de trabalhar e de convencer, a fim de que o caminho seja aplanado. O diálogo teológico não deve ser abandonado ao sabor do vento do desencorajamento, nem deixado à mercê da indiferença e da falta de esperança.

Beatitude, nesta perspectiva a sua visita constitui uma nova ocasião que nos é oferecida para renovar e confirmar, diante de Deus e em Cristo, os vínculos de fraternidade que já nos unem. Agradeço-lhe profundamente e estou grato também às pessoas que o acompanham, pois sei que todas elas participam no seu ministério de Pastor e secundam os seus esforços em ordem à reconciliação.

Irmãos, o vosso amor trouxe-me graça, alegria e consolação. Peço-vos que assegureis aos Bispos, aos sacerdotes e a todos os fiéis do Patriarcado de Antioquia que a peregrinação do Bispo de Roma aos lugares onde Pedro e Paulo pregaram a Palavra de Deus não se realizou em vão. Pelo contrário, constituiu a renovação da promessa que confirmei no início do meu Pontificado, de fazer do caminho para a unidade uma das minhas prioridades pastorais. Oxalá todos nós sejamos dóceis ao apelo do Espírito que nos orienta para a unidade plena e visível, sem jamais limitarmos o amor que Deus nutre por toda a humanidade em Jesus Cristo (cf. Discurso de João Paulo II aos Cardeais e aos membros da Cúria Romana, 28 de Junho de 1985; cf. também Carta Encíclica Ut unum sint, UUS 99)!

É com estes sentimentos que vos reitero o meu amor fraternal em Jesus Cristo.




POR OCASIÃO DO 20º ANIVERSÁRIO


DA "FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II"


23 de Outubro de 2001


Ilustres Senhores

Saúdo cordialmente cada um de vós, que viestes a Roma para celebrar solenemente o vigésimo aniversário da Fundação João Paulo II. Saúdo o Conselho da Fundação com o seu Presidente, D. Szczepan Wesoly, os directores das várias instituições da Fundação, assim como os presidentes e os membros dos Círculos dos Amigos da Fundação que vêm da Bélgica, Dinamarca, França, Indonésia, Espanha, Canadá, México, Alemanha, Polónia, Singapura, Estados Unidos da América, Suíça, Venezuela e Grã-Bretanha. Sinto-me feliz por me poder encontrar convosco e receber-vos hoje.

Quando, há vinte anos, instituí a Fundação, desejei que ela empreendesse uma ampla actividade: cultural, científica, social e pastoral. Queria que se formasse um ambiente que apoiasse e aprofundasse os vínculos entre a Sé Apostólica e a nação polaca, e que se ocupasse da difusão, no mundo, do património da cultura cristã e do magistério da Igreja. Daquele desejo surgiu o programa. Previa que a Fundação assumisse o esforço de reunir a documentação referente ao Pontificado e difundisse o ensinamento pontifício e o magistério da Igreja. A segunda tarefa devia ser a promoção da cultura cristã mediante o estabelecimento de relações e da colaboração com os centros científicos e artísticos polacos e internacionais, assim como através da ajuda oferecida aos jovens, sobretudo da Europa Centro-Oriental na consecução da instrução. A sede da Fundação devia ser a Casa Polaca na Via Cassia, em Roma. Ela devia tornar-se o "ponto de encontro com as culturas e com as tradições, com vários cursos da história no âmbito de uma grande cultura que é a cultura cristã, a história da Igreja, e também a história da humanidade" (Audiência, 7 de Novembro de 1981).

Se hoje, vinte anos depois, volto àquelas premissas, é porque me parece ser já possível, com uma referência a elas, procurar fazer uma avaliação da actividade da Fundação. Não é uma tarefa difícil. De facto, todos os anos, o Conselho da Fundação, me apresentava uma relação pormenorizada daquilo que era realizado. Portanto, estou a par do facto de que, graças às iniciativas de trinta e seis Círculos dos Amigos da Fundação em catorze países e graças à generosidade de milhares de homens de boa vontade em todo o mundo, foi instituído um fundo, que garante o funcionamento de quatro importantes instituições: da casa Polaca em Roma, do Centro de Documentação do Pontificado, do Instituto de Cultura Cristã e da Casa da Fundação João Paulo II em Lublim.

Também sei que a Casa de Roma oferece uma grande ajuda organizativa e pastoral aos peregrinos que chegam aos umbrais apostólicos. O Centro de Documentação do Pontificado está a tornar-se um autêntico centro de informação que diz respeito não só à actividade e ao ensino do Papa, mas também à vida da Igreja na complexa realidade do mundo de hoje, no espaço dos últimos vinte e três anos. A Casa Polaca e o Centro de Documentação formam a base material e espiritual para a actividade do Instituto de Cultura Cristã em Roma. Ele, estabelece os contactos com ambientes científicos e artísticos na Polónia e em todo o mundo. Por um lado procura alimentar a recordação das raízes cristãs da nossa cultura, por outro empreende o esforço de formar elites, que transmitirão este espírito cristão às gerações posteriores na Europa e nos outros Continentes. No âmbito da chamada "Universidade Estival" os jovens de todo o mundo têm a possibilidade de conhecer a história, da qual surge a tradição cristã e o presente da Igreja e do mundo, no qual esta tradição tem a sua continuação.

A iniciativa pela qual talvez nos devemos alegrar mais do que de qualquer outra é o fundo para as bolsas de estudo para os jovens da Europa central e oriental e de outros países da antiga União Soviética. Pelo que sei, mais de cento e setenta estudantes já formados deixaram os umbrais hospitaleiros da Casa da Fundação de Lublim. Depois de se terem formado em vários campos na Universidade católica de Lublim e nas outras universidades polacas, regressaram à própria pátria e tornaram-se zelosos promotores da ciência e da cultura baseadas no sólido fundamento dos valores perenes. Outros cento e cinquenta e cinco estudantes prosseguem os seus estudos. Recentemente pude visitá-los e conhecê-los pessoalmente. Como é preciosa esta obra! Quem investe no homem, no seu progresso total, nunca perde. Os frutos deste investimento nunca desaparecem.

Se a Fundação, depois de vinte anos, de actividade, pode dizer exegi monumentum, é precisamente pensando num monumento espiritual, que continuamente, mesmo sem clamor, é esculpido nos corações e nas mentes das pessoas, dos ambientes e de sociedades inteiras. Não existe um monumento para os nossos tempos, mais magnífico e duradouro, do que este que é forjado no bronze da ciência e da cultura.

Dirijo o meu obrigado de coração a todos os que no espaço de tempo destes vinte anos apoiaram de alguma forma a actividade da Fundação e aos que orientam esta actividade com sabedoria e dedicação. Peço-vos que não interrompais esta boa obra. Que ela continue a desenvolver-se. Que o esforço do todos, apoiado pela ajuda de Deus, continue a dar frutos magníficos.
Agradeço-vos a todos, ilustres senhores, por terdes vindo e por este encontro. Deus vos abençoe a todos!

Saúdo todos os que provêm das áreas anglófonas. A vós que estais empenhados em apoiar os ideais e a obra da Fundação João Paulo II exprimo o meu profundo apreço e a minha gratidão. Estais empenhados em transmitir a nossa herança cristã às gerações futuras, fazendo conhecer melhor os elementos importantes da cultura que alimentou e estimulou o espírito polaco na sua busca constante daquilo que é excelente. Durante os seus vinte anos de vida, a Fundação fez muito. Sinto-me particularmente feliz pelo que foi alcançado no sector vital da assistência à educação e à formação de homens e mulheres que levarão a marca de uma sabedoria e de uma experiência humana das quais o mundo tem urgente necessidade.

Vós, amigos da Fundação, provindes de muitos Países. Sois, como sempre, um sinal da universalidade da verdade e dos valores da nossa herança. São universais porque estão profundamente embebidos da mensagem evangélica e salvífica de Jesus Cristo. O Senhor Jesus vos ampare a vós e às vossas famílias no dom da fé recebida através desta herança! Obrigado.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


POR OCASIÃO DO IV CENTENÁRIO DA CHEGADA


DO PADRE MATTEO RICCI A PEQUIM





1. Dirijo-me a vós com profunda alegria, ilustres Senhores, por ocasião do Congresso Internacional, proclamado para comemorar o 400° aniversário da chegada a Pequim do grande missionário, literado e cientista italiano, Padre Matteo Ricci, célebre filho da Companhia de Jesus.

Dirijo a minha saudação especial ao Reitor Magnífico da Pontifícia Universidade Gregoriana e aos Responsáveis do Instituto Ítalo-Chinês, as duas instituições que promoveram e organizaram este Congresso. Acolhendo-vos com profunda cordialidade, é-me particularmente grato dirigir uma deferente saudação aos estudiosos que vieram da China, amada pátria adoptiva do Padre Ricci.

Sei que o vosso Congresso romano se situa, de certa forma, como continuação do importante Congresso Internacional, que foi celebrado nos últimos dias em Pequim (14-17 de Outubro) e tratou o tema Encounters and Dialogues (Encontros e Diálogos) sobretudo no horizonte dos intercâmbios culturais entre a China e o Ocidente na época do fim da dinastia Ming e no início da dinastia Qing. De facto, nessa assembleia a atenção dos estudiosos dedicou-se também à obra incomparável que o Padre Matteo Ricci desempenhou naquele País.

2. O encontro de hoje leva-nos a todos em espírito e com afecto a Pequim, a grande capital da China moderna, capital do "Reino do Meio" no tempo do Padre Ricci. Após 21 anos de longo, atento e apaixonado estudo da língua, da história e da cultura da China, ele entrava em Pequim, sede do Imperador, a 24 de Janeiro de 1601. Recebido com todas as honras, estimado e muitas vezes visitado por letrados, mandarins e pessoas desejosas de aprender novas ciências das quais era insigne cultor, viveu o resto dos seus dias na Capital imperial, onde faleceu santamente no dia 11 de Maio de 1610, com 57 anos de idade, dos quais quase 28 passados na China. Apraz-me recordar aqui que, quando chegou a Pequim, escreveu ao Imperador Wan-li um Memorial no qual, apresentando-se como religioso e solteiro, não pedia qualquer privilégio à corte, mas desejava apenas poder pôr ao serviço de Sua Majestade a própria pessoa e tudo o que pudera aprender sobre as ciências no "grande Ocidente" do qual provinha (cf. Obras Históricas do Pe. Ricci, S.I., pelo Pe. Tacchi Venturi S.I., Macerata 1913, 496 s.). A reacção do Imperador foi positiva, dando desta forma mais significado e importância à presença católica na China moderna.

A própria China, desde há quatro séculos, tem em grande consideração Li Madou, "o Sábio do Ocidente", como foi chamado e ainda é considerado o Padre Matteo Ricci. Histórica e culturalmente ele foi, como pioneiro, um precioso laço de união entre o Ocidente e o Oriente, entre a cultura europeia do Renascimento e a cultura da China, bem como, reciprocamente, entre a antiga civilização chinesa e o mundo europeu.

Como já tive ocasião de realçar, com profunda convicção, quando me dirigi aos participantes no Congresso Internacional de Estudos sobre Matteo Ricci organizado por ocasião do quarto centenário da chegada de Matteo Ricci à China (1582-1982), ele teve um mérito especial na obra de inculturação: elaborou a terminologia chinesa da teologia e da liturgia católica, criando assim as condições para dar a conhecer Cristo e encarnar a sua mensagem evangélica e a China no contexto da cultura chinesa (cf. Insegnamenti di Gionanni Paolo II, vol. V/3, 1982, Libreria Editrice Vaticana, 1982, 923-925). O Padre Matteo Ricci fez-se de tal forma "chinês com os chineses" que se tornou um verdadeiro sinólogo, no significado cultural e espiritual mais profundo da palavra, porque soube realizar na sua pessoa uma extraordinária harmonia entre o sacerdote e o estudioso, entre o católico e o orientalista, entre o italiano e o chinês.

3. A quatrocentos anos de distância da chegada de Matteo Ricci a Pequim, não podemos deixar de nos perguntar qual é a mensagem que ele pode oferecer tanto à grande Nação chinesa como à Igreja católica, às quais sempre se sentiu profundamente ligado e das quais foi e é sinceramente apreciado e amado.

Um dos aspectos que fazem com que a obra do Padre Ricci na China seja sempre original e actual, é a profunda simpatia, que ele sentiu desde o início pelo Povo chinês na sua totalidade de história, cultura e tradição. O pequeno Tratado sobre a Amizade (De Amicitia Jiaoyoulun), que teve grande êxito na China desde a primeira edição feita em Nanquim em 1595, e a longa e densa rede de amizades, que ele sempre cuidou e retribuiu durante os seus 28 anos de vida naquele País, permanecem um testemunho evidente da sua lealdade, sinceridade e fraternidade para com o Povo que o recebera. Estes sentimentos e atitudes de altíssimo respeito surgiam da estima que ele tinha pela cultura da China, a ponto de o levar a estudar, interpretar e explicar a antiga tradição confuciana, propondo assim uma reavaliação dos clássicos chineses.

Desde os primeiros contactos com os Chineses, o Padre Ricci baseou toda a sua metodologia científica e apostólica em duas colunas, às quais permaneceu sempre fiel até à morte, apesar das numerosas dificuldades e incompreensões, internas e externas: primeiro, os neófitos chineses, abraçando o cristianismo, não deveriam de modo algum faltar à lealdade ao seu País; segundo, a revelação cristã sobre o mistério de Deus não destruía de maneira alguma, pelo contrário, valorizava e completava o que havia de belo e bom, justo e santo, e que a antiga tradição chinesa intuíra e transmitira. E é com base nesta intuição que o Padre Ricci, de maneira análoga ao que tinham feito os Padres da Igreja havia quatro séculos no encontro entre a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo e a cultura greco-romana, orientou todo o seu paciente e clarividente trabalho de inculturação da fé na China, procurando constantemente um comum terreno de entendimento com os sábios daquele grande País.

4. O Povo chinês está projectado, de maneira particular nos últimos tempos, para a consecução de significativas metas de progresso social. A Igreja católica, por seu lado, olha com respeito para este surpreendente impulso e para esta clarividente projecção de iniciativas e oferece com discernimento o próprio contributo na promoção e na defesa da pessoa humana, dos seus valores, da sua espiritualidade e da sua vocação transcendente. A Igreja tem particularmente a peito valores e objectivos que são de primária importância também para a China moderna: a solidariedade, a paz, a justiça social, o governo inteligente do fenómeno da globalização, o progresso civil de todos os povos.

Como escreveu precisamente em Pequim o Padre Ricci, redigindo nos últimos dois anos de vida aquela obra pioneira e fundamental para o conhecimento da China por parte do resto do mundo, intitulada Della Entrata della Compagnia di Giesù e Christianità nella Cina (cf. Fonti Ricciane, a cura di Pasquale M. D'Elia S.I., vol. 2, Roma 1949, n. 617, pág. 152), também a Igreja católica de hoje não pede à China e às suas Autoridades políticas privilégio algum, mas unicamente para poder retomar o diálogo, a fim de chegar a uma relação tecida de respeito recíproco e de profundo conhecimento.

5. A exemplo deste insigne filho da Igreja católica, desejo reafirmar que a Santa Sé olha para o Povo chinês com profunda simpatia e com atenção partícipe. São conhecidos os passos relevantes, que nos tempos recentes ele realizou nos campos social, económico e educativo, como também no persistir de não poucas dificuldades. Que a China o saiba: a Igreja católica tem a profunda intenção de oferecer, mais uma vez, um humilde e abnegado serviço para o bem dos católicos chineses e para o de todos os habitantes do País. A este propósito, seja-me consentido recordar aqui o grande empenho evangelizador de uma longa série de generosos missionários e missionárias, juntamente com as obras de promoção humana por eles realizadas ao longo dos séculos: eles deram início a importantes e numerosas iniciativas sociais, sobretudo no campo da medicina e da educação, que encontraram uma ampla e grata aceitação por parte do Povo chinês.

Mas a história, infelizmente recorda-nos que a acção dos membros da Igreja na China nem sempre foi isenta de erros, fruto amargo dos limites próprios da alma e da acção humana, e foi também condicionada por situações difíceis, relacionadas com acontecimentos históricos complexos e por interesses políticos contrastantes. Não faltaram também controvérsias teológicas, que exarcerbaram os ânimos e deram origem a graves inconvenientes no processo de evangelização. Nalguns períodos da história moderna, uma certa "protecção" por parte de potências políticas europeias revelou-se muitas vezes limitativa para a própria liberdade de acção da Igreja e teve repercussões negativas para a China: situações e acontecimentos, que influenciaram o caminho da Igreja, impedindo-a de desempenhar plenamente a favor do Povo chinês a missão que lhe fora confiada pelo seu Fundador, Jesus Cristo.

Sinto uma profunda tristeza por estes erros e limitações do passado, e lamento que eles tenham gerado em muitas pessoas a impressão de uma falta de respeito e de estima da Igreja católica pelo Povo chinês, levando-os a pensar que ela fosse levada por sentimentos de hostilidade em relação à China. Por tudo isto peço perdão e compreensão a todos os que se sentiram, de alguma maneira, feridos por estas formas de acção dos cristãos.

A Igreja não deve ter receio da verdade histórica e está disposta mesmo com profundo sofrimento a admitir as responsabilidades dos seus filhos. Isto também é válido no que se refere às suas relações, passadas e recentes, com o Povo chinês. A verdade histórica deve ser procurada com serenidade e imparcialidade de forma exaustiva. É uma tarefa importante, da qual se devem encarregar os estudiosos e para cujo desenvolvimento também vós podeis contribuir, vós que estais particularmente ao corrente das realidades chinesas. Posso garantir que a Santa Sé está sempre pronta para oferecer a própria disponibilidade e colaboração neste trabalho de investigação.

6. Neste momento voltam a ser actuais e significativas aquelas palavras que o Padre Ricci escreveu no início do seu Tratado sobre a Amizade (nn. 1 e 3). Ele, ao levar ao coração da cultura e da civilização da China do final de 1500 a herança da reflexão clássica greco-romana e cristã sobre a própria amizade, definia o amigo como "metade de mim mesmo, aliás, outro eu"; por conseguinte, "a razão de ser da amizade é a necessidade recíproca e a ajuda mútua".

E é com este renovado e forte pensamento de amizade para com todo o Povo chinês que formulo os votos de ver depressa restabelecidos caminhos concretos de comunicação e de colaboração entre a Santa Sé e a República Popular da China. A amizade alimenta-se com contactos, partilha e sentimentos nas situações alegres e tristes, de solidariedade, de intercâmbio de ajuda. A Sé Apostólica procura com sinceridade ser amiga de todos os povos e colaborar com todas as pessoas de boa vontade a nível mundial.

A China e a Igreja católica, sob aspectos sem dúvida diferentes mas de modo algum contrapostos, são historicamente duas das mais antigas "instituições" vivas e activas no mundo: ambas, mesmo se em âmbitos diferentes político-social uma, e religioso-espiritual a outra contam mais de um bilião de filhos e filhas. Não é um mistério para ninguém que a Santa Sé, em nome de toda a Igreja católica e penso em benefício de toda a humanidade, deseja a abertura de um espaço de diálogo com as Autoridades da República Popular Chinesa, no qual, ultrapassadas as incompreensões do passado, se possa trabalhar em conjunto para o bem do Povo chinês e para a paz no mundo. O actual momento de profunda agitação da comunidade internacional exige da parte de todos um empenho apaixonado para favorecer a criação e o desenvolvimento de vínculos de simpatia, amizade e solidariedade entre os povos. Neste contexto, a normalização das relações entre a República Popular da China e a Santa Sé teria indubitavelmente repercussões positivas para o caminho da humanidade.

7. Ao renovar a todos vós, ilustres Senhores, a expressão do meu apreço pela oportuna celebração de um acontecimento histórico tão significativo, faço votos e rezo para que o caminho iniciado pelo Padre Matteo Ricci entre o Oriente e o Ocidente, entre o cristianismo e a cultura chinesa, possa encontrar caminhos sempre novos de diálogo e de enriquecimento recíproco humano e espiritual. Com estes votos é-me grato conceder a todos vós a Bênção apostólica, propiciadora, junto de Deus, de todo o bem, felicidade e progresso.

Vaticano, 24 de Outubro de 2001.




Discursos João Paulo II 2001