Discursos João Paulo II 2001 - Terça-feira 6 de Novembro 2001

ÀS PONTIFÍCIAS ACADEMIAS DE TEOLOGIA


E DE S. TOMÁS DE AQUINO


8 de novembro de 2001

: Senhores Cardeais
Senhores Embaixadores
Ilustres Académicos Pontifícios
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Estou feliz por dirigir a minha cordial saudação a cada um de vós, que nesta Assembleia Pública das Pontifícias Academias desejais renovar a vossa fidelidade ao Sucessor de Pedro e o vosso compromisso pela promoção do humanismo cristão na era da globalização.

Dirijo um pensamento afectuoso ao Senhor Cardeal Paul Poupard, Presidente do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, e agradeço-lhe as gratas palavras que quis dirigir-me em nome dos presentes. Além dele, saúdo os Cardeais, os Irmãos no Episcopado, os Embaixadores, os sacerdotes, os consagrados, as consagradas e os componentes do Coro Interuniversitário de Roma, que quiseram enriquecer o nosso encontro com a beleza da música.

2. Neste ano, a Pontifícia Academia de S. Tomás de Aquino e a Pontifícia Academia de Teologia organizaram a Assembleia Pública sob o interessante tema: As dimensões culturais da globalização: um desafio para o humanismo cristão. Como recordei várias vezes, os aspectos culturais e éticos da globalização constituem para a comunidade cristã motivo de especial interesse e de maior atenção, em relação aos efeitos económicos e financeiros do fenómeno.

A reflexão cristã sobre a globalização pode encontrar indicações úteis no acontecimento de Pentecostes. No Livro dos Actos, São Lucas narra que, cheios do Espírito Santo, os Apóstolos "começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem" e a numerosa multidão, proveniente de "todas as nações que há debaixo do céu", ouviram anunciar nas várias línguas do mundo "as maravilhas de Deus" (cf. Lc 2,4-11). A Igreja, enviada às nações para ser "sacramento universal de salvação" (Lumen gentium LG 48), no início de terceiro milénio - tertio millennio ineunte - continua a percorrer os mil caminhos do mundo para anunciar por toda a parte o Evangelho de Jesus, "Caminho, Verdade e Vida" (Jn 14,6). Ensinando todas as nações (cf. Mt Mt 28,19), isso introduz nas culturas do mundo o sal da verdade e o fogo da caridade com a novidade e a salvação trazidas por Cristo. Na sua missão quotidiana, a Igreja "fala todas as línguas, e todas as línguas entende e abraça na caridade, triunfando assim da dispersão de Babel" (Ad gentes AGD 4).

Perita em humanidade, é interpelada para distinguir e avaliar o novum cultural produzido pela globalização. É um novum que diz respeito a toda a comunidade dos homens, chamada por Deus, Criador e Pai, a formar uma só família em que sejam reconhecidos a todos os mesmos direitos e deveres, em virtude da igual e fundamental dignidade da pessoa humana.

3. O discernimento que, como discípulos de Cristo, somos chamados a realizar também no que se refere aos aspectos económico e financeiro da globalização, tem como objectivo primário os seus inevitáveis reflexos humanos, culturais e espirituais. Que imagem de homem é, assim, proposta e, num certo sentido, também imposta? Que cultura é favorecida? Que espaço é reservado à experiência de fé e à vida interior?

Tem-se a impressão de que os complexos dinamismos, suscitados pela globalização da economia e dos meios de comunicação, tendem a reduzir progressivamente o homem a um dos elementos do mercado, a uma mercadoria de permuta, a um factor totalmente irrelevante nas opções mais decisivas. De tal modo, o homem corre o risco de se sentir esmagado por mecanismos de dimensão mundial, sem rosto, e a perder cada vez mais a sua identidade e a sua dignidade de pessoa.

Por causa de tais dinamismos, também as culturas, se não forem acolhidas e respeitadas na sua originalidade e riqueza, mas adaptadas forçadamente às exigências do mercado e da moda, podem correr o perigo da sua homologação. Daí deriva um produto cultural conotado de um sincretismo superficial, em que se impõem novas escalas de valores, derivadas de critérios muitas vezes arbitrários, materialistas e consumistas, contrários a qualquer abertura ao Transcendente.

4. Este grande desafio, que no início do novo milénio põe em jogo a própria visão do homem, o seu destino e o futuro da humanidade, exige um atento e aprofundado discernimento intelectual e teológico do paradigma antropológico-cultural, produzido por estas mudanças históricas. Em tal contexto, as Pontifícias Academias podem oferecer um contributo precioso, orientando as opções culturais da comunidade cristã e de toda a sociedade e propondo ocasiões e instrumentos de confronto entre fé e cultura, entre revelação e problemáticas humanas. Elas são chamadas igualmente a sugerir percursos de conhecimento crítico e de diálogo autêntico, que ponham sempre o homem e a sua dignidade no centro de todo o projecto, a fim de promover o seu desenvolvimento integral e solidário.

É preciso vencer todos os temores e enfrentar tais desafios históricos, confiando na luz e na força do Espírito, que o Senhor ressuscitado continua a dar à sua Igreja. "Duc in altum! Faz-te ao largo!", repeti várias vezes na Carta Apostólica Novo millennio ineunte. Hoje confio-vos também a vós este convite de Cristo, para que possais enfrentar com coragem e competência os múltiplos e complexos problemas do nosso tempo, para defender um humanismo em que o homem possa voltar a encontrar a alegria de ser imagem cada vez mais viva e mais bela do Criador.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Como bem sabeis, já há seis anos que instituí o Prémio das Pontifícias Academias, a fim de suscitar novos talentos e encorajar o compromisso dos jovens estudantes, artistas e instituições que dedicam a sua actividade à promoção do humanismo cristão. Acolhendo a proposta do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, nesta solene ocasião, estou feliz por entregar esse Prémio à Dra. Pia Francesca de Solenni, pelo seu trabalho em teologia tomista, intitulado: A Hermeneutic of Aquina's Mens through a Sexually Differentiated Epistemology. Towards and Understanding of Woman as "Imago Dei", apresentado na Pontifícia Universidade da Santa Cruz.

Desejo também oferecer, como sinal de apreço, uma medalha do Pontificado ao Dr. Johannes Nebel, neolaureado, membro da Família espiritual "L'Opera", pela sua tese Die Entwicklung des römischen Messritus im ersten Jahrtausend anhand der Ordines Romani. Eine synoptische Darstellung, apresentada no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, em Roma.

No termo desta solene Assembleia, é-me grato manifestar a todos os Académicos, e especialmente aos Membros das Pontifícias Academias de Teologia e de S. Tomás, o profundo apreço pela actividade desenvolvida e exprimir os votos de um compromisso renovado nos campos filosófico e teológico, bem como na formação dos jovens estudantes.

Com estes sentimentos, confio cada um de vós, assim como a vossa preciosa obra de estudo e de pesquisa, à protecção maternal da Virgem Maria, Sede da Sabedoria e, de coração, concedo-vos a todos uma especial Bênção apostólica.




AOS PARTICIPANTES NA


ASSEMBLEIA DO


PONTIFÍCIO CONSELHO INTER-RELIGIOSO







Dilecto Senhor Cardeal Arinze
Irmãos e Irmãs no Senhor

1. É-me verdadeiramente grato saudar todos vós, que participais na Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso: "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,3).

A vossa Assembleia está a reflectir sobre o progresso do diálogo inter-religioso, num período em que toda a humanidade ainda sente o drama dos acontecimentos do dia 11 do passado mês de Setembro. Afirmou-se que estamos a testemunhar um verdadeiro conflito de religiões. Todavia, como eu já disse em numerosas ocasiões, isto significaria falsificar a própria religião. Os crentes sabem que, longe de praticar o mal, eles são obrigados a fazer o bem, a trabalhar para aliviar o sofrimento, para construir em conjunto um mundo justo e repleto de harmonia.

2. Se é urgente que a comunidade internacional promova bons relacionamentos entre as pessoas pertencentes a diferentes tradições étnicas e religiosas, é ainda mais urgente que os próprios crentes fomentem relações caracterizadas pela abertura e confiança, em ordem à solicitude conjunta pelo bem-estar de toda a família humana.

Na minha Carta Apostólica Novo millennio ineunte, escrevi que: "Na condição de um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, isso [o diálogo inter-religioso] é importante até para criar uma segura premissa de paz e afastar o espectro funesto das guerras de religião, que já cobriram de sangue muitos períodos na história da humanide. O nome do único Deus deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz, um imperativo de paz" (n. 55). Sabemos, e sentimos todos os dias, como é difícil alcançar este objectivo. Com efeito, compreendemos que a paz não será o resultado dos nossos esforços; não é algo que o mundo pode dar. É uma dádiva do Senhor. E para a receber, devemos preparar os nossos corações. Quando surgem conflitos, a paz só pode instaurar-se através da reconciliação, que exige humildade e generosidade.

3. No que se refere à Santa Sé, é o vosso Conselho desde o dia da sua instituição por parte do meu Predecessor o Papa Paulo VI, então como Secretariado para os Não-Cristãos que tem a especial tarefa de promover o diálogo inter-religioso. Ao longo dos anos, o Conselho comprometeu-se na promoção de ulteriores contactos com os representantes das várias religiões, num crescente espírito de compreensão e de cooperação, um espírito que se tornou claramente evidente, por exemplo, durante a Assembleia inter-religiosa, realizada no Vaticano na vigília do grande Jubileu. Na cerimónia de encerramento dessa Assembleia, recordei que uma das nossas tarefas fundamentais consiste em demonstrar que a religião inspira a paz, encoraja a solidariedade, promove a justiça e fomenta a liberdade (cf. Discurso aos participantes na Assembleia inter-religiosa, Praça de São Pedro, 28 de Outubro de 1999).

4. Faço estas breves observações, tendo em mente o tema que escolhestes para a vossa Assembleia Plenária: A espiritualidade do diálogo. Quisestes reflectir sobre a inspiração espiritual que deve sustentar as pessoas comprometidas no diálogo inter-religioso. Quando nós, cristãos, consideramos a natureza de Deus, assim como ela é revelada nas Escrituras e sobretudo em Jesus Cristo, compreendemos que a comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo é o modelo perfeito e eminente do diálogo entre os seres humanos. A Revelação ensina-nos que Deus sempre esteve em diálogo com a humanidade, um diálogo que penetra o Antigo Testamento e alcança o seu ápice nos últimos dias, quando Deus falou directamente através do seu Filho (cf. Hb He 1,2). Por conseguinte, no diálogo inter-religioso devemos ter a peito a exortação de São Paulo:

"Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus" (Ph 2,5). Depois, o Apóstolo realça a humildade de Jesus, a sua kenosis.É na medida em que, como Cristo, nos esvaziarmos a nós mesmos, que seremos verdadeiramente capazes de abrir os nossos corações para os outros e de caminhar juntamente com eles, como companheiros de peregrinação, rumo ao destino que Deus preparou para nós.

5. Esta referência à kenosis do Filho de Deus ajuda-nos a recordar que o diálogo nem sempre é fácil ou isento de sofrimento. Podem surgir mal-entendidos, o caminho do acordo conjunto pode ser impedido por preconceitos e a mão estendida da amizade pode ser rejeitada. Uma verdadeira espiritualidade do diálogo deve ter em consideração estas situações, oferecendo uma motivação de perseverança, mesmo diante das oposições ou quando os resultados parecem ser escassos. Sempre haverá necessidade de uma grande paciência, pois os frutos hão-de vir, mas no tempo que lhes é próprio (cf. Sl Ps 1,3), quando as pessoas que estão a semear com lágrimas entoarem cânticos no momento da colheita (cf. Sl Ps 126 [125], 5).

Ao mesmo tempo, o contacto com os seguidores das outras religiões é frequentemente uma fonte de grande alegria e encorajamento, pois leva-nos a descobrir como Deus actua nas mentes e nos corações dos homens e, com efeito, nos seus ritos e costumes. Aquilo que Deus semeou desta forma, pode ser purificado e aperfeiçoado através do diálogo (cf. Lumen gentium, LG 17). Portanto, a espiritualidade do diálogo procurará discernir atentamente as obras do Espírito Santo e dará graças pelos frutos do amor, da alegria e da paz, que provêm do Espírito.

6. Oxalá Maria, Mãe da Igreja, interceda por cada um de vós, que o nosso Pai celestial vos cumule a todos com a sua sabedoria e fortaleza a fim de seguirdes, e de encorajardes também os outros a seguir, o autêntico caminho do diálogo. É com gratidão que vos faço extensiva a todos a minha Bênção apostólica.




AOS BISPOS CATÓLICOS DA MALÁSIA,


SINGAPURA E BRUNEI EM


VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


10 de Novembro de 2001


Prezados Irmãos Bispos

1. "Tomei conhecimento da fé que tendes no Senhor Jesus e do vosso amor para com todos os cristãos. Por isso, não cesso de dar graças por vós, quando vos menciono nas minhas orações" (Ep 1,15-16). É no vínculo desta fé que vos saúdo a vós, Bispos da Malásia, Singapura e Brunei, no momento em que realizais a vossa visita "ad limina Apostolorum". Ao rezardes junto dos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, confirmais o vínculo de comunhão com o Sucessor de Pedro e com o Colégio episcopal no mundo inteiro, comprometendo-vos de maneira renovada na "solicitude por todas as Igrejas" (2Co 11,28), que está no coração do ministério apostólico. Voltais a dedicar-vos ao testemunho para o qual os Bispos são chamados como Sucessores dos Apóstolos, um testemunho de Cristo ressuscitado que dissipa as trevas mediante o poder da sua luz gloriosa. Juntamente com a Igreja, ao longo dos tempos, fazeis com que ressoe o cântico de Páscoa que desde há muito tempo se ouve neste lugar: Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat! Estas palavras, orientando as vossas mentes e os vossos corações para o Senhor Jesus - a quem pertencem "o louvor, a honra, a glória e o poder... pelos séculos dos séculos" (Ap 5,13) - recordam-vos que o Bispo é o administrador e não o proprietário dos mistérios. Vós sois os servidores do Evangelho do único Salvador Jesus Cristo: fonte, centro e finalidade de todo o ministério episcopal.

Provindes de lugares distantes, "mas não há distância entre aqueles que estão intimamente ligados pela única comunhão, a comunhão que cada dia é alimentada à mesa do Pão eucarístico e da Palavra de vida" (Novo millennio ineunte, 58). As Igrejas particulares confiadas ao vosso cuidado constituem uma parte preciosa da grande fraternidade de fé, representada pela Igreja universal. Queridos Irmãos, neste momento de comunhão, é necessário que nos unamos para dar graças por aquilo que a Igreja universal representa para as vossas Igrejas particulares e pelos maravilhosos dons que os fiéis da Malásia, de Singapura e de Brunei oferecem à Igreja una, santa, católica e apostólica.

2. Hoje, desejo encorajar-vos a orientar o vosso ministério e os vossos projectos pastorais cada vez mais para a formação cristã permanente, que é o apoio essencial de uma sólida vida cristã, uma formação que tem início no Baptismo, se desenvolve através da graça em cada uma das fases da caminhada da vida e só terminará quando os nossos olhos estiverem plenamente abertos na visão beatífica do céu. É esta formação cristã permanente que nos torna capazes de ouvir a voz de Cristo, nosso Mestre (cf. Mt Mt 23,10) e de aderir com o coração e a mente à causa do seu Reino. Os ensinamentos do Senhor chegam à comunidade cristã de muitas maneiras, entre as quais não se podem subestimar as grandes grandes áreas que eles revelam na vida da maioria dos fiéis: a família, a escola e a paróquia. Não se trata de sectores convencionais que, numa certa altura, podem ser consideradas antiquadas; com efeito, são instituições perenemente válidas, através das quais a graça de Jesus Cristo é transmitida às pessoas interessadas. Tais instituições exigem um cuidado pastoral sustentável e sensível da vossa parte, se a comunidade a que presidis quiser ser revigorada como organismo social visível.

3. Tanto nas vossas terras como noutras partes, a família está a sofrer pressões. O divórcio tornou-se mais comum e a sua prevalência pode levar para um menor sentido das especiais graça e compromisso presentes no matrimónio cristão. Entre os casais de diferentes confissões religiosas, o problema é sentido de maneira específica, dado que falta um único vínculo de fé. A vida familiar torna-se também mais difícil, quando os mass media difundem valores contrários ao Evangelho e se tornam instrumentos de uma visão da vida reduzida a um elemento efémero e secundário. Nesta situação, "a Igreja compreende de maneira mais urgente e premente a sua missão de proclamar a todos os povos o desígnio de Deus para o matrimónio e a família" (Familiaris consortio FC 3). Efectivamente, realizareis um excelente serviço em benefício de toda a sociedade, se proclamardes que o matrimónio entre um homem e uma mulher foi "desejado por Deus no próprio acto da criação" (Ibidem)e que ele constitui um lugar primário para a criatividade incessante de Deus, com quem os casais cooperam através do seu serviço à vida e ao amor. Isto significa que o matrimónio e a família não são instituições que podem mudar, com as tendências vulneráveis ou em conformidade com a decisão da opinião da maioria. Devem realizar-se todos os esforços em ordem a assegurar que a família seja reconhecida como elemento fundamental de uma nação verdadeiramente sadia e vigorosa sob o ponto de vista espiritual (cf. Carta às Famílias LF 2 Carta às Famílias, 2 de Fevereiro de 1994, n. 17).

No vínculo do matrimónio cristão, é o próprio Cristo que está sacramentalmente presente, atraindo os esposos e os filhos cada vez mais profundamente para o seu amor inexaurível, mostrando a glória da sua abnegação e revelando ao mundo a verdade segundo a qual o homem é criado através do amor e, ao mesmo tempo, para o amor (cf. ibidem, n. 11). Gostaria de recordar as palavras de Tertuliano: "Como é bonito o vínculo entre dois crentes, com uma única esperança, um só desejo, uma única observância e um só serviço! Ambos são irmãos e servidores; não existe separação entre eles, nem no espírito nem na carne; com efeito, eles são verdadeiramente dois numa única carne, e onde a carne é uma só, também o espírito é um só!" (Carta à sua esposa, II, VIII, 7-8). Em virtude desta vocação tão especial, é essencial que haja não apenas uma preparação completa para o Sacramento do Matrimónio, mas também o apoio infalível e a formação permanente dos esposos cristãos, de tal maneira que possam entender a dignidade e os deveres da sua condição.

4. No processo permanente de formação, as escolas católicas estão estritamente ligadas aos pais, no que diz respeito à educação dos filhos, para que conheçam e amem Deus e o homem. Em geral, nas vossas Igrejas particulares tendes realizado um maravilhoso trabalho no campo da educação católica, de maneira especial por parte de religiosos e de religiosas, que recebem os vossos apoios e encorajamentos constantes. Hoje em dia a presença dos religiosos nas escolas não é tão assegurada como era outrora, e assim os professores leigos começam a assumir maiores responsabilidades neste campo. Isto significa que se deve prestar atenção especial à sua formação, em ordem a assegurar que eles considerem o seu trabalho profissional como uma vocação genuína e a garantir que não se comprometa aquilo pelo que as escolas católicas mais se caracterizam.
Por vezes, as pressões culturais, políticas e financeiras dificultam a manutenção da independência exigida pelas escolas católicas. Numa situação como a vossa, as escolas geridas pela Igreja estão abertas para os estudantes de todas as tradições. Contudo, é essencial que se conserve e alimente o sentido da providência do Criador, da inviolabilidade da dignidade humana, da unicidade de Jesus Cristo e da Igreja como comunhão de santidade e de missão, que tornam as escolas católicas capazes de oferecer uma contribuição especial não apenas para as crianças que as frequentam, mas também para a sociedade que elas servem.

5. Exactamente como as escolas não podem separar-se da educação que tem lugar no seio da família, assim também elas estão estreitamente relacionadas com a formação oferecida na paróquia. Isto é verdadeiro de modo particular nas situações em que a fé não pode ser ensinada nas escolas, mas deve ser explicada no âmbito das paróquias. Como bem sabeis através da vossa experiência quotidiana, os catequistas desempenham um papel fundamental no ensino da fé nas vossas comunidades locais. Eles têm necessidade de uma especial experiência formal e informal que os torne capazes de transmitir as riquezas da doutrina católica na sua integridade, assim como precisam do apoio e do encorajamento da comunidade e do seu pastor.

Isto é ainda mais importante no caso dos sacerdotes, pois são eles que vivem em contacto quotidiano com o seu povo como mestres da fé. Eles não só devem ensinar, mas também ajudar os pais, os professores e os catequistas a assumir as suas particulares responsabilidades. Este é o motivo pelo qual os vossos sacerdotes precisam não apenas de uma excelente formação seminarística, mas inclusivamente da formação permanente, mencionada na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, que fala do ulterior processo de formação como de "um requisito da fidelidade do sacerdote ao seu próprio ministério, ao seu próprio ser" (n. 70). Permanecei particularmente próximos dos vossos sacerdotes, ajudando-os de forma constante a valorizarem no seu coração o tesouro da sua vocação sacerdotal. Encorajai-os a crescer no amor e no zelo, o que garantirá que as suas comunidades se sintam preparadas em todos os aspectos para o culto de Deus e o serviço aos irmãos.

O que é verdadeiro para os sacerdotes, é-o também, a fortiori, para os Bispos. Durante a recente X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, disseram-se muitas coisas maravilhosas e interessantes acerca da figura do Pastor como homem de Deus, mestre da fé que foi transmitida, santificador do povo de Deus e orientador do caminho da peregrinação da comunidade. Sob as inúmeras pressões do vosso ministério, nunca é fácil encontrar tempo para o estudo e a reflexão.

Contudo, trata-se de algo extremamente necessário. Caso contrário, sem dúvida será mais difícil que, como bispos, persevereis com verdade e humildade na vossa tarefa de ser fiéis administradores dos mistérios. Por conseguinte, dilectos Irmãos, exorto-vos a "reavivar o dom de Deus que está em vós" (cf. 2Tm 1,6). E fazei tudo o que puderdes a fim de ajudar os vossos sacerdotes a fazer a mesma coisa, de tal forma que nas paróquias das vossas dioceses a voz de Cristo, o Bom Pastor, seja sempre escutada pelo rebanho que Ele reivindicou como seu.

6. A família, escola e paróquia católicas, cada uma segundo a modalidade que lhe é própria, tornem-se cada vez mais uma escola de fé e de santidade, um santuário onde Deus é adorado e um serviço ao mundo dilacerado. Se o fizerem, promoverão aquela "verdadeira e própria pedagogia da santidade" (Novo millennio ineunte, 31) que hoje em dia é particularmente necessária se quisermos que a nova evangelização produza os frutos tão urgentemente necessários. Nesta altura, devemos ser claros: a santidade da vida é a finalidade de toda a formação cristã, assim como é o objectivo da programação pastoral em que nos encontramos comprometidos no início deste novo milénio. A santidade cristã deriva da contemplação do rosto de Cristo; depois, cresce através de um processo de formação permanente, que há-de conduzir para o seguimento cada vez mais perfeito de Jesus Cristo; enfim, alcança a sua maturidade quando damos um frutuoso testemunho de Cristo e proclamamos a sua verdade ao mundo.

Tudo isto dará resultados positivos também com o enfrentar de outra tarefa difícil que se apresenta à Igreja no terceiro milénio cristão: o dever de promover um fecundo diálogo inter-religioso e de trabalhar de maneira efectiva com os seguidores de todas as religiões em prol do revigoramenteo da compreensão recíproca e da paz no mundo. Este empreendimento é de particular importância para cada uma das vossas Igrejas particulares. Como desejei escrever na Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Asia, somente os cristãos com uma fé amadurecida e convicta, profundamente mergulhados no mistério de Jesus Cristo e felizes no seio da sua comunidade de fé, podem promover de maneira eficaz o autêntico diálogo inter-religioso (cf. n. 31). Este diálogo inclui intercâmbios escolares, acções conjuntas em favor do desenvolvimento humano integral e a salvaguarda dos valores humanos e religiosos. A missão da Igreja no novo milénio exige que ela se comprometa a "defender e fomentar, a todos os níveis, este espírito de encontro e de cooperação entre as religiões" (Ecclesia in Asia ); isto, por sua vez, há-de sustentar os valores sobre os quais é possível edificar uma sociedade justa e pacífica.

Estimados Bispos, rezo ardentemente para que sejais sempre homens de Deus, homens de oração e de intenso amor pastoral, a fim de ajudardes as vossas populações a viver na esperança autenticamente cristã: "Na esperança, nós já fomos salvos" (Rm 8,24). Neste período incerto dos acontecimentos mundiais, permiti que os vossos corações fiquem cada vez mais repletos da compaixão e da misericórdia que provêm do Coração de Jesus. Sede profetas do seu amor por cada uma das pessoas em necessidade!

Confio-vos, a vós, os vossos sacerdotes, as religiosas, os religiosos e os leigos da Malásia, de Singapura e de Brunei à protecção de Maria, Mãe do Redentor, que nunca falta, enquanto vos concedo a todos a minha Bênção apostólica como penhor de graça e de paz no seu divino Filho.




AOS VOLUNTÁRIOS DA DIOCESE DE ROMA


COMPROMETIDOS NO CAMPO DA SAÚDE


10 de Novembro de 2001






Caríssimos Voluntários

1. Saúdo-vos com afecto, na conclusão da Celebração eucarística com a qual desejastes iniciar este encontro promovido por ocasião do Ano internacional do voluntariado, estabelecido no corrente 2001 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Dirijo o meu cordial pensamento ao Cardeal Vigário e agradeço-lhe as palavras que houve por bem dirigir-me, fazendo-se intérprete dos sentimentos de todos. Com ele, saúdo D. Armando Brambilla, Bispo Delegado para a assistência religiosa nos hospitais de Roma, as Confrarias e as Pias Associações. Dirijo a minha reconhecida recordação, de igual modo, aos responsáveis da Caritas e da Migrantes desta Igreja de Roma, bem como aos participantes no Congresso promovido pela Universidade Católica do Sagrado Coração e pela Policlínica "Gemelli" de Roma.

Saúdo-vos a todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que desejais servir os irmãos seguindo o exemplo de Jesus, que na noite antes da Paixão, depois de ter lavado os pés aos seus discípulos, lhes disse: "Dei-vos o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também" (Jn 13,15).
De que exemplo fala Ele? A resposta é evidente no contexto em que estas palavras são pronunciadas. Ele, praticando em relação aos seus Apóstolos uma acção normalmente feita pelos escravos, prenuncia a sua morte, mediante a qual no dia seguinte se ofereceria a si mesmo no Calvário. Por conseguinte, Jesus fala de um amor total e incondicionado, no qual deseja que os seus discípulos aprendam a inspirar o seu comportamento.

As palavras do Senhor na Última Ceia devem constituir para vós um programa de vida: de facto, a vossa missão mais profunda consiste precisamente em imitar os gestos d'Aquele que, sendo de natureza divina, assume por amor a condição de servo (cf. Fl Ph 2,6-7).

2. Na Carta apostólica Novo millennio ineunte convidei toda a Igreja a "fazer-se ao largo", de forma a irradiar com força e com um entusiasmo renovado o Evangelho no novo milénio. Este apelo ressoa com particular vigor hoje para vós, que sois chamados a colaborar de modo singular na obra da nova evangelização.

Obrigado pelo testemunho generoso que ofereceis numa sociedade muitas vezes dominada pela cobiça do ter e do possuir! Como fiéis discípulos e imitadores de Cristo, sois estimulados a ir contra a corrente, fazendo uma escolha evangélica de servir os irmãos não só porque sois levados pelo desejo de obter objectivos legítimos de justiça social, mas também, e sobretudo, porque sois animados pela força irreprimível da caridade divina.

É vasto o campo de acção que se abre diante de vós todos os dias. De facto, são numerosos e graves os problemas que afligem a nossa sociedade. Olhando para a realidade da nossa Cidade, não podemos deixar de reconhecer que ainda existem, infelizmente, carências nos serviços sociais, serviços de base inadequados em várias zonas periféricas, graves formas de desigualdade na renda e na fruição dos bens primários como a escola, a casa, a assistência no campo da saúde. E que dizer, depois, da marginalização em que vivem os mendigos, os nómadas, os toxicodependentes e os doentes de Sida? Para não mencionar a desagregação familiar que penaliza as pessoas mais débeis, e as formas de violência física ou psicológica contra as mulheres e as crianças. Além disso, como não recordar os problemas relacionados com a imigração, com o aumento do número de idosos sozinhos, dos doentes e dos pobres.

Este preocupante cenário social, ao qual se unem muitas vezes uma lamentável falta de respeito pela vida e pela pessoa humana e um desconcertante vazio de valores morais e religiosos, interpela antes de mais as instituições, mas solicita sobretudo a Comunidade cristã, que desde sempre vê na caridade a via-mestra da evangelização e da promoção humana.

3. O voluntariado, tão difundido na Itália, constitui um autêntico "sinal dos tempos", e revela uma profunda tomada de consciência da solidariedade que une reciprocamente os seres humanos. Dando ocasião aos cidadãos de participar activamente na gestão dos serviços dos que são os destinatários e nas várias estruturas e instituições, o voluntariado contribui para imprimir aquele "suplemento de alma" que a torne mais humana e respeitadora da pessoa.

Para poder desempenhar o seu papel profético, a acção do voluntariado deve manter-se fiel a algumas características essenciais típicas: em primeiro lugar, a busca de uma autêntica promoção dos indivíduos e do bem comum, que vá além da necessária assistência, depois, o estilo de gratuidade genuína, que deve caracterizar sempre, a exemplo do Senhor Jesus, a acção dos crentes. Este estilo característico dos voluntários, que dão testemunho do Evangelho, deve ser guardado ciosamente também quando se beneficia daquelas formas de apoio económico previstas pelas leis para a realização das tarefas do voluntariado.

Caríssimos, cada um dos habitantes da nossa Cidade, seja qual for a raça ou a religião a que pertence, encontre em vós irmãos generosos e conscientes de exercer a caridade não como mera filantropia, mas em nome de Cristo. Para vos manterdes fiéis a esta vocação, perseverai na oração e na escuta da Palavra de Deus, bem como na participação na Eucaristia. Desta forma, sereis capazes de ver nos irmãos que sofrem o rosto do Senhor, contemplado na oração e na celebração dos Mistérios divinos. Desta forma, contribuireis para aquela obra de missão permanente para a qual chamei a atenção tantas vezes, nos últimos anos, da Comunidade diocesana de Roma.

Com estes votos, confio-vos à materna protecção da Salus Populi Romani e concedo-vos de coração a cada um de vós a Bênção apostólica, fazendo-a extensiva de bom grado aos vossos familiares e a todos os que beneficiam do vosso contínuo serviço.




Discursos João Paulo II 2001 - Terça-feira 6 de Novembro 2001