Discursos João Paulo II 2001 - Atenas, 4 de Maio de 2001

PALAVRAS DO SANTO PADRE


NA VISITA À CATEDRAL CATÓLICA DE


SÃO DIONÍSIO


Atenas, 4 de Maio de 2001




Queridos Irmãos no Episcopado
Estimados Irmãos e Irmãs

Agradeço em primeiro lugar a D. Foscolos, Arcebispo dos católicos de Atenas e Presidente da Conferência Episcopal, as suas calorosas boas-vindas e os seus esforços com vista à realização da minha Peregrinação, seguindo os passos de São Paulo.

Alegro-me com a presença dos Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos nesta Catedral de São Dionísio. Como recordava o Concílio Vaticano II, estas assembleias são particularmente significativas; com efeito, "todos devem dar a maior importância à vida litúrgica da Diocese que gravita em redor do Bispo, sobretudo na igreja catedral, convencidos de que a principal manifestação da Igreja se faz na participação perfeita e activa de todo o santo povo de Deus na mesma celebração litúrgica" (Sacrosanctum concilium, SC 41), presidida pelo Bispo rodeado pelo seu presbitério que, à sua volta, forma "uma preciosa coroa espiritual" (Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Magnésios, 13, 1).

Esta Catedral encontra-se sob a salvaguarda de São Dionísio; ele foi um dos primeiros gregos que se converteu, ouvindo a pregação de Paulo sobre a ressurreição. Que todos vós compreendais este mistério da salvação, para o viver e ser suas testemunhas com os vossos irmãos, num espírito de aceitação recíproca, de solidariedade e de caridade cristã! A tradição também considera Dionísio uma grande figura espiritual. Recordai-vos sempre que a vida em intimidade com Cristo confirma a fé e dá a coragem para a missão! Não tenhais medo de transmitir de novo aos jovens a Boa Nova de Cristo, para permitir que eles edifiquem a sua vida pessoal e se comprometam na Igreja e no mundo. Em particular, as vossas comunidades têm necessidade de que os jovens aceitem seguir a Cristo de maneira radical no sacerdócio e na vida consagrada. Sede promotores de vocações!

O Senhor vos oriente ao longo do caminho! A Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, seja para vós um exemplo de vida cristã, na humilde disponibilidade à chamada de Deus e numa grande solicitude pelo serviço ao próximo! A todos vós, às vossas famílias e comunidades, concedo uma afectuosa Bênção apostólica!



DECLARAÇÃO CONJUNTA DO SANTO PADRE


E DO ARCEBISPO DE ATENAS E DE TODA A GRÉCIA





Nós, Papa João Paulo II, Bispo de Roma, e Christódoulos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, diante do bema (pódio) do Areópago, do qual São Paulo, o Grande Apóstolo das Gentes, "Apóstolo por vocação, escolhido para anunciar o Evangelho de Deus" (Rm 1,1) pregou aos Atenienses o único Deus verdadeiro, Pai, Filho e Espírito Santo e os chamou à fé e à conversão, queremos declarar em conjunto

1. Damos graças a Deus pelo nosso encontro e pela comunicação recíproca, nesta ilustre Cidade de Atenas, Sede Primacial da Igreja Apostólica Ortodoxa da Grécia.

2. Repetimos a uma só voz e um só coração as palavras do Apóstolo das Gentes: "Rogo-vos, irmãos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos o mesmo, e que entre vós não haja divisões; sede perfeitos no mesmo espírito e no mesmo parecer" (1Co 1,10). Elevamos a nossa oração para que o mundo inteiro acolha esta exortação e, assim, possa haver paz entre "aqueles que, em qualquer lugar, invocam o nome de Jesus Cristo Senhor deles e nosso" (1Co 1,2). Condenamos todo o recurso à violência, ao proselitismo, ao fanatismo em nome da religião. Acreditamos firmemente que as relações entre os cristãos, em todas as suas manifestações, devem ser caracterizadas pela honestidade, pela prudência e pelo conhecimento dos problemas em questão.

3. Damo-nos conta de que a evolução social e científica do homem não foi acompanhada por uma mais profunda investigação do significado e do valor da vida, que em todos os instantes é dom de Deus, nem de um análogo apreço da única dignidade do homem, feito à imagem e semelhança do Criador. Além disso, o desenvolvimento económico e tecnológico não pertence em medida igual a toda a humanidade, mas é concedido apenas a uma sua pequeníssima parte. A melhoria do modo de vida, pois, não foi acompanhada da abertura do coração dos homens aos seus semelhantes que sofrem fome e vivem com privações. Somos chamados a trabalhar em conjunto a fim de que prevaleça a justiça, seja dado conforto a quantos estão em necessidade e seja prestada uma atenção solícita a quantos sofrem, tendo sempre presente as palavras de São Paulo: "o Reino de Deus não consiste em comer e beber, mas em justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14,17).

4. Vivemos angustiados ao ver que as guerras, massacres, torturas e martírio constituem para milhões de irmãos nossos uma terrível realidade quotidiana e comprometemos-nos a agir para que a paz prevaleça em toda a parte, a vida e a dignidade do homem sejam respeitadas e haja solidariedade em relação a quantos estão em necessidade. Estamos contentes por juntar a nossa voz à de tantos que no mundo inteiro expressaram a esperança de que, por ocasião dos Jogos Olímpicos programados na Grécia para 2004, possa fazer-se reviver a antiga tradição grega da Trégua Olímpica, segundo a qual qualquer guerra deve ser interrompida e devem cessar o terrorismo e a violência.

5. Seguimos atentamente e com dificuldade a chamada globalização e é nosso voto que ela traga bons frutos. Todavia, desejamos sublinhar que haverá consequências perniciosas se ela não tiver o que se poderia definir como "globalização da fraternidade" em Cristo, com plena sinceridade e eficácia.

6. Alegramo-nos pelo sucesso e progresso da União Europeia. A unidade do Continente europeu numa única entidade civil, sem que, todavia, os povos que a compõem percam a sua auto-consciência nacional, as suas tradições e a sua identidade, foi uma intuição dos seus pioneiros. A tendência que daí deriva para transformar alguns Países europeus em Estados secularizados sem referência alguma à religião constitui um retrocesso e uma negação da sua herança espiritual. Somos chamdos a intensificar os nossos esforços a fim de que a unificação da Europa chegue a ser realizada. Será nosso dever fazer o que for possível, para que sejam conservadas as raízes e a alma cristã da Europa.

Com esta Declaração Conjunta, nós, Papa João Paulo II, Bispo de Roma, e Christódoulos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, fazemos votos para que "o próprio Deus, nosso Pai, e Nosso Senhor Jesus Cristo dirijam os nossos caminhos a fim de podermos crescer e abundar em caridade uns para com os outros e para com todos, para tornar mais sólidos e irreprensíveis o corações de todos em santidade, diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os Seus santos" (cf. 1Th 3,11-13). Amen.


Do Areópago de Atenas, 4 de Maio de 2001.




NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS,


NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE DAMASCO


Damasco, 5 de Maio 2001





Senhor Presidente
Membros do Governo
Irmãos Patriarcas e Bispos
Ilustres Senhoras e Senhores

1. Ao chegar a Damasco, a esta "pérola do Oriente", estou profundamente consciente de estar a visitar uma terra antiquíssima, que desempenhou um papel vital na história desta região do mundo. A contribuição literária, artística e social da Síria para o florescimento da cultura e da civilização é famosa. Estou-lhe profundamente grato, Senhor Presidente, bem como aos Membros do Governo, por ter tornado possível esta minha visita à Síria, e agradeço-lhe as suas amáveis palavras de boas-vindas. Saúdo as Autoridades civis, políticas e militares que quiseram gentilmente estar aqui presentes, bem como os ilustres membros do Corpo Diplomático.

Venho como peregrino da fé, dando continuidade à minha Peregrinação jubilar a alguns lugares especialmente ligados à auto-revelação de Deus e às suas obras de salvação (cf. Carta de João Paulo II sobre a Peregrinação aos Lugares relacionados com a História da Salvação, 1).

Hoje, Ele permite-me continuar esta peregrinação aqui, na Síria, em Damasco, e saudar-vos a todos vós com amizade e fraternidade. Cumprimento os Patriarcas e os Bispos que estão aqui presentes, representando a comunidade cristã da Síria. Depois, a minha calorosa saudação dirige-se a todos os seguidores do Islão que vivem nesta nobre Terra. A paz esteja com todos vós!

2. A minha Peregrinação jubilar que celebra os dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo já começou no ano passado, com a comemoração de Abraão, a quem a chamada de Deus chegou não distante daqui, na região de Haram. Sucessivamente, pude viajar ao Monte Sinai, onde Moisés recebeu os Dez Mandamentos. E depois foi a vez da minha inesquecível visita à Terra Santa, onde Jesus levou a cabo a sua missão salvífica e fundou a sua Igreja. Agora, a minha mente e o meu coração contemplam a figura de Saulo de Tarso, o grande Apóstolo Paulo, cuja vida mudou para sempre no caminho que o levava a Damasco. O meu ministério como Bispo de Roma está vinculado de forma especial ao testemunho de São Paulo, um testemunho que foi coroado com o seu martírio em Roma.

3. Como posso esquecer a magnífica contribuição da Síria e da região circunvizinha para a história da cristandade? É desde o próprio início do cristianismo que aqui já existem comunidades florescentes. No deserto da Síria nasceu o monaquismo cristão; e os nomes de Sírios como Santo Efrém e São João Damasceno fazem parte da memória cristã para sempre. Inclusivamente alguns dos meus Predecessores nasceram nesta região.

Penso de igual modo na enorme influência cultural do Islão sírio que, sob o reinado dos Califas Umayyad, chegaram às mais longínquas margens do Mediterrâneo. Hoje em dia, num mundo que é cada vez mais complicado e interdependente, há necessidade de um renovado espírito de diálogo e de cooperação entre cristãos e muçulmanos. Em conjunto, reconhecemos o único Deus indivisível, Criador de tudo o que existe. Juntos, devemos proclamar ao mundo que o nome do único Deus é "um nome de paz, um imperativo de paz" (Novo millennio ineunte, 55)!

4. Enquanto a palavra "paz" ressoa no nosso coração, como podemos deixar de pensar nas tensões e nos conflitos que já há muito tempo dilaceram a região do Médio Oriente? A esperança de paz manifestou-se com frequência, para depois ser destruída por novas ondas de violência.

Senhor Presidente, Vossa Excelência afirmou com sabedoria que à Síria só interessa uma paz global. Estou persuadido de que, sob a sua orientação, a Síria não poupará qualquer esforço para trabalhar a fim de obter benefícios duradouros não só para a sua própria terra, mas também para os outros países árabes e para toda a comunidade internacional. Como afirmei publicamente noutras ocasiões, chegou a hora de "voltar aos princípios de legalidade internacional: proibição de adquirir territórios pela força, direito dos povos a dispor de si mesmos, respeito pelas resoluções da Organização das Nações Unidas e das Convenções de Genebra, para citar apenas os mais importantes" (Discurso de João Paulo II ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 13 de Janeiro de 2001, em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 20/1/2001, pág. 4, n. 3).

Todos nós sabemos que a paz genuína só poderá ser alcançada se houver uma nova atitude de compreensão e de respeito entre os povos desta região, entre os seguidores das três religiões que derivam de Abraão. Passo a passo, com clarividência e coragem, os líderes políticos e religiosos desta região devem criar as condições necessárias para o desenvolvimento a que os seus povos têm direito, depois de tanto conflito e sofrimento. Entre estas condições, é importante que haja uma evolução no modo de os povos desta região se considerarem uns aos outros, e que a todos os níveis da sociedade sejam ensinados e promovidos os princípios da coexistência pacífica. Neste sentido, a minha peregrinação é também uma ardente prece de esperança: esperança de que entre os povos desta região o medo se transforme em confiança; e as contendas, em estima recíproca; que a força ceda o lugar ao diálogo; e que prevaleça o desejo genuíno de servir o bem comum.

5. Senhor Presidente, o amável convite que Vossa Excelência, o Governo e Povo da Síria me dirigistes, e as vossas calorosas boas-vindas hoje aqui constituem sinais da nossa comum convicção de que a paz e a cooperação são, com efeito, a nossa aspiração conjunta. Estimo profundamente a vossa hospitalidade, tão característica desta Terra antiga e abençoada. Deus Todo-Poderoso vos conceda felicidade e longa vida! Oxalá Ele abençoe a Síria com a prosperidade e a paz!

As-salamu 'alaikum!



DISCURSO DE JOÃO PAULO II


NA CATEDRAL GRECO-ORTODOXA DA


DORMIÇÃO DA VIRGEM MARIA


Damasco, 5 de Maio de 2001





Beatitude Inácio
Santidade Zlkka
Beatitude Gregório III
Estimados Bispos e dignitários
das Igrejas
e Comunidades eclesiais da Síria

1. "Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso e exortou-os a todos a que se conservassem unidos ao Senhor" (Ac 11,23). Eis a admiração jubilosa do Apóstolo em Antioquia, onde tinha sido enviado pela Igreja de Jerusalém. Esta é também a minha alegria e a minha mensagem, hoje! Esta visita à Siria leva-me, de facto, ao alvorecer da Igreja, ao tempo dos Apóstolos e das primeiras comunidades cristãs. Ela completa as peregrinações em terras bíblicas que pude realizar no início do ano 2000. Oferece-me também a oportunidade de me encontrar convosco na Síria e de vos retribuir as visitas que fizestes à Igreja e ao Bispo de Roma.

Nesta catedral, dedicada à Dormição da Virgem Maria, desejaria saudar de maneira particular o Patriarca Inácio IV Hlzim. Beatitude, agradeço-lhe de coração o acolhimento fraterno que me oferece hoje e esta Liturgia da Palavra que temos a alegria de celebrar juntos. O interesse e a actividade que Sua Beatitude desempenha, desde há muitos anos, pela causa da unidade do povo de Deus, são conhecidos por todos. Estimo profundamente estes esforços e por eles dou graças a Deus. Querido Irmão, imploro a benção do Senhor para o seu ministério, bem como para a Igreja da qual Vossa Beatitude é Pastor.

2. Construída sobre o fundamento dos Apóstolos Pedro e Paulo, a Igreja que está na Síria não tardou a manifestar um extraordinário florescimento de vida cristã. Nao foi sem motivos que o Concílio de Nicéia reconheceu a primazia de Antioquia sobre as Igrejas metropolitanas desta região. Ao mencionar aqui de maneira particular Inácio de Antioquia, João Damasceno e Simeão, não podemos deixar de nos recordar dos numerosos confessores e mártires que fizeram resplandecer, nesta região, o início da Igreja mediante a sua fidelidade à graça, até à efusão do sangue! Quantos monges e monjas se retiraram na solidão, povoando os desertos e as montanhas da Síria de eremitérios e de mosteiros, a fim de levar neles uma vida de oração e de sacrifício, no louvor a Deus para, como dizia Teodoro de Edessa, "adquirir o estado de bondade" (Discurso sobre a contemplação)! Quantos teólogos sirios contribuíram para o desenvolvimento das Escolas teológicas de Antioquia e de Edessa! Quantos missionários partiram da Síria em direcção ao Oriente, dando assim continuidade ao grande movimento de evangelização que teve início na Mesopotâmia e indo mais além, até ao Querala, na Índia. Não é porventura a Igreja no Ocidente devedora, em grande medida, aos numerosos pastores de origem síria que aqui assumiram o ministério episcopal, até mesmo o múnus de Bispo de Roma? Louvado seja Deus pelo testemunho e pelo esplendor do antigo Patriarcado de Antioquia!

Infelizmente, ao longo dos séculos o ilustre Patriarcado de Antioquia perdeu a sua unidade, e fazemos votos para que os diferentes Patriarcados que actualmente existem reencontrem os caminhos mais adequados que os conduzam à plena comunhão.

3. Entre o Patriarcado greco-ortodoxo e o Patriarcado greco-católico de Antioquia, foi iniciado um processo de aproximação ecuménica, pelo qual dou de coração graças ao Senhor. Ele deriva, ao mesmo tempo, do desejo do povo cristão, do diálogo entre teólogos, e da colaboração fraterna entre bispos e pastores dos dois Patriarcados. Exorto todas as pessoas empenhadas a prosseguir esta busca da unidade, com coragem e prudência, com respeito mas sem confusão, haurindo da divina Liturgia a força sacramental e o estímulo teológico necessários para este processo. A busca da unidade entre o Patriarcado greco-ortodoxo e o Patriarcado greco-católico de Antioquia inscreve-se evidentemente no âmbito mais amplo do processo de união entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas. Eis por que desejo exprimir de novo os meus sinceros votos a fim de que proximamente a Comissão mista internacional para o diálogo teológico entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas possa continuar as suas actividades, da maneira mais apropriada.

Quanto mais este diálogo abordar as questões fundamentais, tanto mais será comprometedor. Isto não deve causar admiração, e muito menos fazer desanimar. Quem nos pode impedir de depositar a nossa esperança no Espírito de Deus, que não cessa de despertar a santidade entre os discípulos da Igreja de Cristo? Desejo agradecer sentidamente ao Patriarca Inácio IV, o positivo e eficaz contributo que o Patriarcado de Antioquia e os seus representantes deram incansavelmente ao progresso deste diálogo teológico. Estou de igual modo grato ao Patriarca Gregório III e ao seu predecessor, o Patriarca Máximo V, pelo constante contributo que ofereceram para um clima de fraternidade e de compreensão, necessário para o bom desenvolvimento deste diálogo.

4. Desejaria mencionar com a mesma gratidão e esperança o aprofundamento das relações fraternas entre o Patriacado sirio ortodoxo e o Patriarcado sirio-católico. Saúdo de maneira particular o Patriarca Zlkka I, no qual a Igreja católica, depois do Concílio Vaticano II, ao qual ele assistiu como observador, encontrou sempre um fiel promotor da unidade dos cristãos. Santidade, por ocasião da sua visita a Roma em 1984, tivemos a alegria de poder realizar um real progresso no caminho da unidade, tendo professado juntos Jesus Cristo como nosso Senhor, Ele que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Nessa mesma ocasião, pudemos de igual modo autorizar um projecto de colaboração pastoral, sobretudo ao nível da vida sacramental, quando os fiéis não podem ter acesso a um sacerdote da própria Igreja. Com a Igreja sírio-malancar na Índia, que depende da sua autoridade patriarcal, a Igreja católica mantém também boas relações. Imploro ao Senhor para que não esteja distante o dia em que desaparecerão os obstáculos que ainda impedem a plena comunhão entre a Igreja católica e a Igreja sírio-ortodoxa.

5. Ao longo dos tempos, e sobretudo no início do século XX, as comunidades arménias, caldeias e sirias, obrigadas a abandonar as suas cidades e aldeias de origem devido à violência e às perseguições, refugiaram-se nos bairros cristãos de Damasco, de Alepo, de Homs e de outras localidades desta região. Por conseguinte, foi na Síria que elas encontraram um refúgio, um lugar de paz e de segurança. Agradeço ao Senhor Deus a hospitalidade que a população síria ofereceu, em várias ocasiões, aos cristãos da região que eram perseguidos. Superando qualquer tipo de divisao eclesial, esta hospitalidade era a garantia de uma aproximação ecuménica. No irmão perseguido, reconhecia-se e desejava-se acolher o Cristo da Sexta-Feira Santa.

Desde então, tanto por convicção como por necessidade, os cristãos da Siria aprenderam a arte da partilha, da sociabilidade e da amizade. A aproximação ecuménica a nivel das famílias, das crianças, dos jovens e dos responsáveis sociais, é promissora para o futuro do anúncio do Evangelho neste País. Compete-vos a vós, Bispos e pastores, acompanhar com sabedoria e coragem esta feliz dinâmica de aproximação e partilha. A cooperação de todos os cristãos, quer seja a nível da vida social e cultural, da promoção do bem da paz ou da educação dos jovens, manifesta claramente o grau de comunhão já existente entre eles (cf. Ut unum sint, UUS 75).

Em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio e a Eucaristia unem de facto, pelos vínculos mais estreitos, as nossas Igrejas particulares que se chamam, e gostam de se chamar, Igrejas irmãs (cf. Unitatis redintegratio, UR 14 "Esta vida, de Igrejas irmãs, vivemo-la nós durante séculos, celebrando juntos os Concílios ecuménicos, que defenderam o depósito da fé de qualquer alteração. Agora, após um longo período de divisão e incompreensão recíproca, o Senhor concede redescobrirmo-nos como Igrejas irmãs, apesar dos obstáculos que no passado se colocaram entre nós. Se hoje, às portas do terceiro milénio, procuramos o restabelecimento da plena comunhão, é para a actuação desta realidade que devemos tender, como é a tal realidade que havemos de fazer referência" (Ut unum sint, UUS 57).

6. Há apenas algumas semanas, tivemos a grande alegria de poder celebrar no mesmo dia a festa da Páscoa. Vivi esta feliz coincidência do ano 2001 como um premente convite da Providência, dirigido a todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, a que restabeleçam depressa a celebração comum da festa pascal, a principal de todas as festas, mistério central da nossa fé. Os nossos fiéis insistem, justamente, para que a celebração da Páscoa deixe de ser um factor de divisão. Depois do Concilio Vaticano II, a Igreja católica declarou ser favorável a qualquer tentativa capaz de restabelecer a celebraçao comum da festa pascal. Sem dùvida, este processo parece ser mais laborioso do que se previa. Talvez seja preciso enfrentar etapas intermediárias ou diferenciadas, a fim de preparar os espiritos e os corações para a aplicaçao de um cálculo aceitável para todos os cristaos do Oriente e do Ocidente? Cabe aos Patriarcas e aos Bispos do Médio Oriente assumir juntos esta responsabilidade em relaçao às comunidades que lhes estao confiadas, nos diferentes paises desta região. No Médio Oriente poderiam surgir e difundir-se um novo impulso e uma nova inspiraçao a este respeito.

7. Daqui a algumas semanas, celebraremos juntos a solenidade do Pentecostes. Oremos a fim de que o Espírito Santo suscite "em todos os discípulos de Cristo o desejo e as iniciativas para que todos, no modo estabelecido por Cristo, cheguem à união pacifica num só rebanho, sob um único Pastor" (Lumen gentium, LG 15). Imploremos o Espírito para que nos faça crescer em santidade, pois a unidade só é duradoura se for construida sobre a humildade, a conversão, o perdao e, por conseguinte, sobre o sacríficio.

Quando o Espírito do Pentecostes desceu sobre os Apóstolos, a Virgem Maria estava presente no meio deles. O seu exemplo e a sua protecção nos ajudem a escutar juntos aquilo que, ainda hoje, Ele diz às Igrejas e a acolher as suas palavras com alegria e confiança!




DURANTE O ENCONTRO COM OS


PATRIARCAS E OS BISPOS DA SÍRIA


Damasco, 6 de Maio de 2001






Santidade
Beatitudes
Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado

1. A minha peregrinação seguindo os passos de São Paulo, estimados Irmãos, traz-me hoje à Síria, a Damasco, e é com grande alegria que me encontro entre vós. Agradeço-vos o vosso caloroso acolhimento e exprimo em particular a minha gratidão a Sua Beatitude o Patriarca Gregório III, pelas amáveis palavras de boas-vindas à sua residência patriarcal.

Todas as peregrinações são uma ocasião para voltar às fontes da nossa fé, confirmar o nosso amor a Cristo e à Igreja, e para nos lançarmos de novo na missão que Jesus nos confiou. Aqui, nesta terra abençoada por Deus devido à presença, no decurso dos séculos, de testemunhas eminentes que, na sua vida e nos seus escritos, são figuras da tradição de toda a Igreja, a história sagrada lê-se como um livro aberto na paisagem, nos lugares bíblicos e nos santuários cristãos. Mas esta peregrinação quer ser evidentemente também um encontro com os homens e as mulheres que habitam nesta terra, sobretudo com os nossos irmãos e irmãs na fé no único Senhor, que viveu, também Ele, no Médio Oriente e que nos revela o rosto do Pai todo misericordioso. Não foi nesta terra, na cidade de Antioquia, que é um dos faróis do Oriente, que os discípulos de Jesus de Nazaré foram chamados pela primeira vez "cristãos" (Ac 11,26), isto é, os que professam que Cristo é o Senhor, o Messias de Deus, e que são membros do seu corpo? Por conseguinte, é com profunda alegria que vos dirijo a mesma saudação feita por Cristo depois da ressurreição: "A paz esteja convosco" (Jn 20,19).

2. A situação da Igreja católica na Síria é de uma grande diversidade, devido à presença simultânea de várias Igrejas sui iuris, que representam um igual número de grandes e ricas tradições do Oriente cristão. Com paciência, superando progressivamente uma secular interrupção devida a acontecimentos históricos, as vossas comunidades e os vossos fiéis abriram-se uns aos outros. Permanecendo contudo firmemente enraizados no vosso património eclesial próprio, e até valorizando-o, aprendestes a juntar os vossos esforços. A Assembleia da Hierarquia católica na Síria, ou ainda mais amplamente o Conselho dos Patriarcas do Médio Oriente, simbolizam esta coordenação indispensável, que eu vos convido a prosseguir, a alargar e a intensificar ainda mais, não obstante as dificuldades que surgirão, para um melhor serviço pastoral aos fiéis que vos estão confiados e para uma real partilha dos tesouros espirituais das vossas respectivas tradições. De facto, se é verdade que a comunhão é em primeiro lugar um dom de Deus à sua Igreja, não há dúvida de que a este dom devem corresponder da nossa parte o discernimento, o respeito, a estima recíproca e a paciência. Estes diferentes elementos fazem com que a diversidade concorra para a unidade; eles dão testemunho da catolicidade da Igreja, e sobretudo glorificam o Nome de Deus e servem o anúncio do Evangelho, tornando cada vez mais credível a palavra dos irmãos unidos na fé e no amor.

Esta comunhão entre as instâncias das vossas diferentes Igrejas nada tira, antes pelo contrário, à comunhão episcopal que reina no seio dos vossos respectivos Sínodos. Ela é uma expressão da mais ampla comunhão católica, que deve ser sempre praticada e reavivada.

3. Ao considerar as realidades concretas que marcam a vida das vossas comunidades, desejaria convidar-vos a partir de novo de Cristo, a fundar nele toda a vossa existência. Voltando de novo a ele, indo beber todos os dias à fonte viva da sua Palavra e dos seus sacramentos, a Igreja encontra a força que a faz viver e que a ampara no seu testemunho. O exemplo de São Paulo, na carta aos Gálatas: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Ga 2,20), faz-nos compreender cada vez mais este mistério da presença de Cristo na nossa vida: "E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20). Presença confortadora que nos apazigua e nos tranquiliza nos nossos caminhos, porque Cristo está connosco, presença exigente que nos obriga a não guardar para nós o tesouro que recebemos: "Ai de mim, se não evangelizar!" (1Co 9,16).

Estimados Irmãos, encontramos aqui um caminho de vida espiritual forte, um caminho de santidade, que devemos propor a todos os baptizados das nossas comunidades. Fiéis à alegria de celebrar a Eucaristia, que constitui e reúne a comunidade cristã desde a Ressurreição do Senhor, os crentes encontram nela o alimento para a sua fé: ao reunirem-se à volta da mesa da Palavra e do Pão da vida, eles superam a dispersão da vida quotidiana e fortificam-se, descobrem cada vez mais a sua identidade de filhos de Deus e consolidam-na, a fim de serem verdadeiras testemunhas na Igreja e no mundo. Na medida em que se enraizam na oração, na escuta atenta da Palavra e no gosto pela liturgia, as nossas vidas abrem-se amplamente às chamadas do Espírito, que nos envia ao largo para anunciar sem receio o Evangelho da paz (cf. Ef Ep 6,15) e testemunhá-lo em todas as realidades familiares, culturais e sociais da vida da cidade humana. São Paulo, arrebatado pela graça da chamada de Cristo, deu testemunho mais do que qualquer outra pessoa da novidade cristã, e ensinou-a abundantemente. Ele próprio foi seduzido por uma vida totalmente nova, consagrada a Cristo e ao anúncio do Evangelho de modo total.

4. Desejo mais uma vez exprimir toda minha admiração ao ver a concórdia que reina entre os cristãos da Síria. A presença de Sua Santidade Mar Inácio Zlkka I e de Sua Beatitude o Patriarca Inácio IV é disto um sinal eloquente. Beatitude Inácio IV, comoveram-me as suas recentes declarações sobre a profundidade da comunhao fraterna que existe neste Pais entre as Igrejas cristas e que Vossa Beatitude deseja reforçar cada vez mais. Aproveito esta ocasiao para saudar fraternalmente também Sua Beatitude o Cardeal Inácio Moussa Daoud, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, que recentemente chamei para Roma, a fim de ser o digno representante de todo o Oriente católico. Saúdo de igual modo Sua Beatitude o Patriarca sirio-católico Inácio Pierre VIII, bem como os outros Patriarcas, Cardeais e Bispos presentes. O verdadeiro entendimento que existe entre Patriarcas, Bispos e dignitários das Igrejas e Comunidades eclesiais do vosso Pais é um bom testemunho do amor cristao, num País em que a maioria dos cidadãos pertence à religiao muçulmana.

De facto, recordamo-nos de que foi na Síria que a Igreja de Cristo descobriu o seu verdadeiro carácter católico e assumiu a sua missão universal. Os Apóstolos Pedro e Paulo, cada um segundo a sua própria graça, trabalharam aqui para reunir a ùnica familia de Cristo, acolhendo fiéis que provinham de diversas culturas e de diferentes nações. É com satisfação que podemos ver desenvolver-se a colaboração entre as Igrejas e Comunidades eclesiais. Ela não pode deixar de contribuir para servir a reconciliação e a busca da unidade. Que esta aproximação vos ajude a testemunhar sempre mais a credibilidade de Jesus Cristo, morto e ressuscitado para "trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos" (Jn 11,52). Oxalá esta colaboração também contribua para tornar mais bonita e mais autêntica a Igreja de Cristo, aos olhos dos fiéis das outras religiões.

Por seu lado, os fiéis apreciam em grande medida as ocasiões que lhes são oferecidas de participar numa oração ecuménica comum. Esta abertura deverá prevalecer cada vez mais e promover todas as iniciativas nas quais a Igreja pode cooperar em todos os campos.

De facto, a divisão dos cristãos é um obstáculo para o Evangelho. Além disso, "o ecumenismo não é apenas uma questão interna das Comunidades cristãs, mas diz respeito ao amor que Deus, em Cristo Jesus, destina ao conjunto da humanidade; e dificultar este amor é uma ofensa a Ele e ao seu designio de reunir todos em Cristo" (Ut unum sint, UUS 99). Por terem vivido tao próximos dos crentes muçulmanos durante séculos, os cristãos da Síria descobrem imediatamente o vínculo íntimo entre a unidade da comunidade e o testemunho que surge da comunhão fraterna.

Também neste âmbito, encorajo-vos a manter um diálogo autêntico na vida quotidiana, impregnado de respeito recíproco e de hospitalidade. Não receberam Abraão e Sara o dom do filho prometido, por terem comido, segundo a tradição repleta de poesia referida por Santo Efrém, o Sírio, os restos da refeição oferecida aos tres Anjos?

5. Sem dúvida, as preocupações não faltam aos Pastores. A mais lancinante, sem dúvida alguma, é a emigração de tantas familias cristãs, e de numerosos jovens. Todos esperam encontrar noutras partes um futuro melhor. Tenho a certeza de que cada um de vós se fez muitas vezes a pergunta angustiante: que posso fazer? Vós podeis fazer muito. Em primeiro lugar, o vosso contributo para a construção de uma pátria próspera economicamente, na qual cada cidadão tem os mesmos direitos e deveres perante a lei, todo o povo se preocupa por viver uma paz equitativa tanto no interior das suas fronteiras como com todos os seus vizinhos. Contribuir para aumentar a confiança no futuro da vossa pátria é um dos maiores serviços que a Igreja pode prestar à sociedade.

Encorajar os cristãos à solidariedade, partilhando as dificuldades e os sofrimentos do vosso povo, constitui outro meio de acção. A vossa influência sobre a juventude é grande: falai ao seu coração generoso explicando, corrigindo, encorajando, e principalmente inculcando-lhe, mediante o vosso exemplo pessoal, a convicção de que os valores cristãos do coração e do espírito podem dar mais felicidade ao homem do que todos os bens materiais. Transmiti aos jovens um ideal humano e cristão, e fazei com que descubram que, como já dizia o autor da epístola a Diogneto, "o lugar que Deus lhe destinou é tão nobre, que nao lhe é consentido desertar" (VI, 10).

Neste espírito, o diálogo inter-religioso e a colaboração recíproca, particularmente entre cristãos e muçulmanos, é um importante contributo para a paz e para o entendimento entre os homens e entre as comunidades. Ele também deve conduzir a dar um testemunho comum em favor de um pleno reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

6. Queridos Irmãos em Cristo! Não posso concluir melhor estas palavras de conforto fraterno do que fazendo minhas as recomendações de São Paulo aos anciãos da Igreja de Éfeso: "Tomai cuidado convosco e com todo o rebanho de que o Espirito Santo vos constitui administradores para apascentardes a Igreja de Deus, adquirida por Ele com o Seu sangue" (Ac 20,28).

Que este mesmo Espírito vos de a força, mediante a Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus e filho do homem, à glória de Deus, nosso Pai! Confio-vos à Virgem Maria, a Theotokos que a vossa linda liturgia nao se cansa de cantar, ela que é "a nossa irmã cheia de prudência [...] o tesouro da nossa felicidade" (Santo Efrém, o Sirio, Opera II, 318) e que, a partir da Última Ceia, vigia maternalmente sobre a Igreja.





Discursos João Paulo II 2001 - Atenas, 4 de Maio de 2001