Discursos João Paulo II 2001 - Damasco, 6 de Maio de 2001

COM O CLERO, RELIGIOSOS E LEIGOS


CATÓLICOS E ORTODOXOS


Damasco, 6 de Maio de 2001



Santidade
Beatitudes
Eminências e Excelências
Irmãos e Irmãs em Cristo

1. Ao cair da noite no Dia do Senhor, encontramo-nos reunidos neste lugar sagrado a Catedral sírio-ortodoxa de São Jorge para celebrar a luz inextinguível da Santíssima Trindade. A plenitude da luz do "Senhor Deus, O que é, que era e que há-de vir, o Todo-Poderoso" (Ap 1,8) brilha no rosto de Jesus Cristo (cf. 2Co 4,6). Através dele, no Espírito Santo, damos glória a Deus pela sublime herança de fé que é nossa, e pela chamada ao ministério da verdade e da caridade que faz de nós servidores do Evangelho.

O meu coração está repleto de gratidão a Deus porque pude vir a Damasco como peregrino, seguindo os passos de São Paulo. Foi no caminho de Damasco que Jesus Cristo chamou a Si o Apóstolo das Nações; e foi aqui que ele recebeu a luz do Espírito Santo e depois o baptismo.

Agora, o Espírito Santo reuniu-nos aqui para esta oração conjunta para ouvirmos a palavra de Deus, implorarmos o seu perdão pelos nossos pecados e divisões, e louvarmos a sua misericórdia infinita. Na paz de Cristo ressuscitado, oremos com uma só alma e um só coração, desejosos de prestar atenção à exortação do grande teólogo e místico sírio Abu al-Faraj, que nos convida a "destruir nas profundezas do nosso coração as raízes de inimizade entre os cristãos" (Livro da Pomba, IV).

2. É com afecto fraternal que saúdo Sua Santidade Moran Mor Inácio Zakka I Iwas, de quem nós somos hóspedes nesta magífica Catedral. É-me particularmente grato poder retribuir as visitas realizadas a Roma por Vossa Santidade e pelo seu Predecessor Moran Mor Inácio Jacob III.

Contactos recíprocos desta natureza ajudam a alimentar e aprofundar o nosso amor fraternal; corroboram o acordo entre as nossas Igrejas, no que diz respeito à comum profissão de fé no mistério do Verbo encarnado, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; e encorajam-nos a dar ulterior continuidade à cooperação pastoral que iniciámos há 17 anos, mediante a nossa Declaração Conjunta. Santidade, a acentuada abertura ecuménica da vossa Igreja constitui uma fonte de profunda alegria para muitos, assim como um encorajamento a continuar a percorrer com constância o caminho rumo à plena comunhão (cf. Ut unum sint, UUS 62-63). Trata-se de um sinal da vitalidade espiritual e pastoral da sua Igreja, da qual as inúmeras vocações ao sacerdócio e à vida monástica também dão testemunho.

No mesmo vínculo fraternal, saúdo Sua Beatitude o Patriarca Inácio IV e Sua Beatitude o Patriarca Gregório III, bem como os Metropolitas e os Bispos que os acompanham. Dou as boas-vindas aos Patriarcas e Bispos que aqui vieram dos Países vizinhos e agradeço-lhes por terem desejado honrar-nos com a sua presença. Com amor fraterno, saúdo Sua Beatitude o Patriarca Emérito Inácio Moussa Daoud I. Quando o nomeei Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais e o criei Cardeal, desejei não só poder contar com a sua experiência e sabedoria, mas também homenagear as Igrejas do Oriente e, em particular, a Igreja da Síria.

Faço extensivas as minhas saudações aos sacerdotes, monges e monjas, religiosos e religiosas, mas também aos fiéis leigos aqui presentes: sinto-me verdadeiramente feliz por me encontrar no meio de vós!

3. A alegria da Páscoa floresceu no madeiro da Cruz. Aqui em Damasco, numa visão foi dito ao discípulo Ananias que fosse ter com Saulo, perseguidor da Igreja. Apesar das suas dúvidas e temores, Ananias obedeceu ao Senhor e, sem hesitar, dirigiu-se ao inimigo dos cristãos como a um "irmão" (cf. Act Ac 9,17). Nisto distinguimos duas características essenciais da missão da Igreja: a corajosa obediência à palavra de Deus e o desejo de perdoar e se reconciliar. Quando Deus age, até o impossível se torna possível. A nossa tarefa consiste em dizer "sim" à vontade salvífica de Deus e em aceitar o seu plano misterioso com todo o nosso ser.

Quando Ananias foi ter com ele, Paulo estava a rezar (cf. Act Ac 9,11). Num certo sentido, estava a preparar-se para receber a missão que o haveria de vincular para sempre à Cruz: "Eu mesmo lhe hei-de mostrar quanto ele tem de sofrer pelo meu nome" (Ac 9,16). Eis mais duas características da nossa chamada ao discipulado: oração e perseverança perante as provações. Talvez hoje mais do que nunca, estas sejam as características distintivas da nossa fidelidade a Deus: rezar, carregar a Cruz, obedecer à vontade de Deus e honrar a todos como irmãos ou irmãs. No seguimento desta vereda, caminharemos nos passos de uma "nuvem de testemunhas" (He 12,1), inclusivamente dos inumeráveis monges e monjas que vos precederam nestas terras. Pela Providência divina, todo o Oriente Médio está profundamente assinalado pela cultura do monaquismo sírio e pelo seu testemunho ardente.

4. Aqui em Damasco desejo prestar homenagem a toda a tradição síria, com a sua rica unidade na diversidade. Os Santos Paulo, Inácio de Antioquia, Efrém, João Crisóstomo, Simeão o Estilita, João Damasceno e muitos outros são luminosos mestres para todos nós. Neles, compreendemos que a obediência da fé e do sofrimento da Cruz nunca deixam de dar frutos de salvação.

A maravilhosa criatividade da vossa tradição manifesta-se numa figura como Santo Efrém de Nissa, a "harpa do Espírito Santo", cujas obras foram rapidamente traduzidas em todas as línguas da antiguidade cristã. Oxalá este intercâmbio de dons jamais tenha fim! A minha ardente esperança é a de que os cristãos de toda a parte voltem a abrir os seus corações aos tesouros espirituais e às doutrinais das Igrejas da tradição síria.

No meio da grandiosa plêiade daqueles que seguiram o Cordeiro, encontrava-se um Santo incomparável do vosso País: Simeão o Estilita, que no seu tempo era um ícone vivo de santidade e agora é venerado pela Igreja do mundo inteiro. A sua oração era incessante e a sua caridade universal, pois ele recebia quem quer que viesse ter com ele, de perto e de longe, o maior de todos e o mais insignificante. Ele também trazia no seu corpo as feridas do Senhor crucificado (cf. Teodoreto de Ciro, História Religiosa, 26). Na narração da sua vida, escrita pelos seus discípulos 15 anos após a sua morte, a extraordinária vocação de São Simeão é descrita com os seguintes termos: "Através dos sofrimentos do seu servo, Deus desejava despertar o mundo do seu profundo sono". O mundo contemporâneo tem necessidade de despertar para o amor de Deus e o seu plano salvífico. A leitura do Evangelho exortou-nos: "Erguei os olhos e vede: os campos estão brancos para a ceifa" (Jn 4,35). A colheita está pronta para a ceifa, porque o coração humano tem sempre fome do "Caminho, da Verdade e da Vida" (cf. Jo Jn 14,6). Um testemunho mais unido da parte dos cristãos é essencial, se o mundo do terceiro milénio quiser acreditar (cf. Jo Jn 17,21). Que o Espírito Santo apresse o dia da nossa união completa!

5. No final do nosso breve encontro, faço minhas as palavras pronunciadas pelo Bispo ou sacerdote no fim da divina Liturgia no Rito sírio-ocidental: "Ide em paz, meus amados, enquanto vos confiamos à graça e à misericórdia da santa e gloriosa Trindade... Salvos pela Cruz vitoriosa do Senhor e corroborados pelo selo do santo Baptismo, que a Santíssima Trindade perdoe os vossos pecados, redima as vossas dívidas e conceda a paz às almas dos defuntos". Que todas estas bênçãos desçam sobre vós através da poderosa intercessão dos piedosos Santos e Mártires, e da Santíssima Mãe de Deus, a Theotokos Yoldat Aloho. Amen.




POR OCASIÃO DA VISITA À


MESQUITA "OMAYYLDE"


Damasco, 6 de Maio de 2001






Queridos Amigos Muçulmanos
As-salamû 'aláikum!

1. É com sinceridade que presto culto ao Deus Todo-Poderoso pela graça deste encontro. Estou grato pelas vossas calorosas boas-vindas, em conformidade com a tradição da hospitalidade, tão valorizada pelo povo desta região. Agradeço de forma especial ao Ministro do Waqf e ao Grao-Mufti as suas amáveis saudações, que traduzem com palavras o grande desejo de paz que enche o coração de todas as pessoas de boa vontade. A minha Peregrinação jubilar tem sido caracterizada por importantes encontros com os chefes muçulmanos no Cairo e em Jerusalém, e agora estou profundamente emocionado por ser vosso hóspede aqui na grande Mesquita "Omlyyade", riquíssima de história religiosa. A vossa terra é querida aos cristãos: aqui a nossa religião conheceu momentos vitais do seu crescimento e desenvolvimento doutrinais, e aqui existem comunidades cristãs que tem vivido em paz e harmonia com os seus vizinhos muçulmanos desde há muitos séculos.

2. O nosso encontro está a realizar-se nas proximidades daquele que tanto os cristãos como os muçulmanos consideram ser o túmulo de João Baptista, conhecido como Yahya na tradição muçulmana. O filho de Zacarias é uma figura de primeira importância na história da cristandade, pois foi o Precursor que preparou o caminho para Cristo. A vida de João, totalmente consagrada a Deus, foi coroada com o martírio. Que o seu testemunho ilumine todos aqueles que veneram a sua memória aqui, de tal forma que eles e também nós possam compreender que a grande tarefa da vida consiste em buscar a verdade e a justiça de Deus.

O facto de nos encontrarmos neste famoso lugar de oração recorda-nos que o homem é um ser espiritual, chamado a reconhecer e respeitar a absoluta prioridade de Deus em todas as coisas. Tanto os cristãos como os muçulmanos concordam que o encontro com Deus na oração é o alimento necessário para a nossa alma, sem o qual o nosso coração esmorece e a nossa vontade deixa de buscar o bem e sucumbe ao mal.

3. Tanto os muçulmanos como os cristãos consideram o seu lugar de oração como um oásis onde se encontram com o Deus repleto de misericórdia, enquanto peregrinam rumo à vida eterna, e também onde se encontram com os seus irmãos e irmãs no vínculo da oração. Quando, por ocasião de matrimónios, de funerais ou ainda de outras celebrações, os cristãos e os muçulmanos permanecem em silêncio, respeitam a oração do próximo e dao testemunho daquilo que os une, sem dissimular nem negar as coisas que os separam.

É nas mesquitas e nas igrejas que as comunidades de muçulmanos e de cristãos forjam a sua identidade religiosa, e é ali que os jovens recebem uma significativa parte da sua educação religiosa. Que sentido de identidade é incutido nos jovens cristãos e muçulmanos nas nossas igrejas e mesquitas? A minha ardente esperança é de que os chefes religiosos e os mestres muçulmanos e cristãos apresentem as nossas duas grandes comunidades religiosas como grupos que vivem em diálogo respeitador, e nunca mais como comunidades em conflito. É fundamental que aos jovens sejam ensinados os modos de respeitar e compreender, de maneira a não serem orientados para fazer mau uso da sua própria religiao, promovendo ou justificando o ódio e a violência. A violência destrói a imagem do Criador nas suas criaturas e jamais deveria ser considerada como fruto das convicções religiosas.

4. Verdadeiramente, faço votos para que o nosso encontro de hoje na Mesquita "Omlyyade" assinale a nossa determinação em progredir no diálogo inter-religioso entre a Igreja católica e o Islão. A este diálogo foi dado um grande impulso nas últimas décadas; e hoje podemos dar graças pelo caminho que juntos percorremos até aqui. Ao nível mais elevado, é o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso que representa a Igreja católica nesta tarefa. Durante mais de trinta anos, o Conselho enviou mensagens aos muçulmanos por ocasião do Id al-Fitr, no encerramento do Ramadão, e estou muito feliz porque este gesto é apreciado por muitos muçulmanos como sinal de amizade crescente entre nós. Nos últimos anos, o Conselho criou uma Comissão conjunta com as Organizações islâmicas internacionais e inclusivamente com o al-Azhar no Egipto, que eu mesmo tive o prazer de visitar no ano passado.

É importante que os muçulmanos e os cristãos continuem a explorar em conjunto as questões filosóficas e teológicas, a fim de alcançar uma compreensão mais objectiva e exaustiva dos recíprocos credos religiosos. Sem dúvida, a nível prático, o melhor entendimento mútuo há-de levar a uma nova forma de apresentar as nossas duas religiões, nao em oposição, como aconteceu com demasiada frequência no passado, mas em boa parceria, para o bem da família humana.

O diálogo inter-religioso é mais eficaz quando nasce da experiência de "vida conjunta", dias após dia, no contexto das mesmas comunidades e culturas. Na Síria, os cristãos e os muçulmanos vivem lado a lado desde há séculos, enquanto um rico diálogo de vida continua sem cessar. Cada indivíduo e cada familia conhece horas de harmonia e outros momentos em que o diálogo é interrompido. As experiências positivas hão-de fortalecer as nossas comunidades na esperança da paz; e as experiências negativas não deveriam debilitar esta esperança. Por todas as vezes que os muçulmanos e os cristãos se ofenderam uns aos outros, devemos pedir perdão ao Omnipotente e oferecer o perdão uns aos outros. Jesus ensina-nos que devemos perdoar as ofensas do próximo, se quisermos que Deus perdoe os nossos pecados (cf. Mt Mt 6,14).

Como membros da única familia humana e como crentes, temos obrigações em relação ao bem comum, à justiça e à solidariedade. O diálogo inter-religioso levará a várias formas de cooperação, de maneira especial ao cumprimento do dever de cuidar dos pobres e dos mais frágeis. Estes são os sinais de que o nosso culto a Deus é genuino.

5. Enquanto levam a sua vida a caminho do destino celestial, os cristãos sentem que são acompanhados por Maria, a Mãe de Jesus; e também o Islão presta homenagem a Maria e a venera como a "escolhida acima de todas as mulheres do mundo" (Alcorao, III, 42). A Virgem de Nazaré, a Senhora de Saydnâya, ensinou-nos que Deus protege os humildes e "aniquila os que se elevaram no seu próprio conceito" (cf. Lc Lc 1,51). Oxalá os corações dos cristãos e dos muçulmanos se voltem uns para os outros com sentimentos de fraternidade e amizade, de maneira que o Omnipotente nos possa abençoar com a paz que só o céu pode dar. Ao único e misericordioso Deus, sejam dados louvor e glória para sempre. Amen.




NO MEMORIAL DE SÃO PAULO


Damasco, 7 de Maio de 2001



Queridos Irmãos e Irmãs

Saúdo os Religiosos Franciscanos da Custódia da Terra Santa, que são encarregados de gerir esta Casa, bem como os Religiosos e leigos que hoje se encontram presentes. Sinto-me feliz por estar aqui convosco para prestar tributo ao Apóstolo Paulo, nesta Casa que o meu Predecessor o Papa Paulo VI quis construir para conservar o tesouro da fé, da espiritualidade e do ardor missionário do Apóstolo das Nações que, no caminho de Damasco, aceitou receber a luz de Cristo. Depois de descobrir toda a verdade, o Apóstolo Paulo viveu primeiro três dias no silêncio e nas trevas da fé, antes de ser baptizado, de descobrir a comunidade cristã local e de partir para anunciar o Evangelho. Este Centro tem como vocação propor a espiritualidade paulina aos homens e às mulheres que desejam fazer uma pausa na sua existência cristã, para viver mais plenamente a vida baptismal e a vocação no seio da Igreja.

O Apóstolo Paulo recorda-nos que a missão nasce da recepção da luz de Cristo, através de Quem chega toda a Revelação, na contemplação silenciosa e amorosa dos mistérios divinos e na aceitação humilde e confiante da missão transmitida pela Igreja. Possam as pessoas que beneficiam da assistência espiritual oferecida por esta Casa, caminhar todos os dias nos passos do Apóstolo das Nações!

Com a minha Bênção apostólica!



ORAÇÃO PELA PAZ


NA CIDADE DE QUNEITRA


DEVASTADA PELA GUERRA


7 de Maio de 2001






"Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5,9). A partir deste lugar, tão desfigurado pela guerra, desejo elevar o meu coração e a minha voz em oração pela paz na Terra Santa e no mundo inteiro. A paz genuína é uma dádiva de Deus. A nossa abertura a este dom exige a conversão do coração e uma consciência obediente à sua Lei. A minha oração faz-se mais intensa, quando penso nas tristes notícias dos conflitos e das mortes que mesmo hoje chegam de Gaza.

Deus de infinita misericórdia
e bondade,
hoje rezamo-vos
com o coração agradecido
nesta terra que outrora
foi pisada por São Paulo.

Às nações ele proclamou a verdade,
de que Deus vive em Cristo,
fazendo o mundo reconciliar-se
com Ele (cf. 2Co 5,19).

Que a vossa voz ressoe no coração
de todos os homens e mulheres,
enquanto os convidais a seguir
o caminho da reconciliação
e da paz
e a ser misericordiosos
como Vós sois misericordioso.

Senhor, Vós dirigis palavras de paz
ao vosso povo
e a todos os que se convertem
a Vós no seu coração (cf. Sl Ps 85,9).
Rezamo-vos pelos povos
do Médio Oriente.

Ajudai-os a derrubar os muros
da hostilidade e da divisão
e a edificar juntos um mundo
de justiça e de solidariedade.

Senhor, Vós criais novos céus
e uma nova terra (cf. Is Is 65,17).
A Vós confiamos os jovens
destas regiões.

Nos seus corações eles aspiram
a um futuro mais luminoso;
revigorai a sua determinação
em ser homens
e mulheres pacificadores
e arautos da nova esperança
para os seus povos.

Pai, Vós fazeis a justiça germinar
na terra (cf. Is Is 45,8).
Rezamos pelos líderes civis
desta região
para que possam procurar
satisfazer as justas aspirações
dos seus povos
e educar os jovens pelos caminhos
da justiça e da paz.

Inspirai-os a trabalhar
com generosidade
pelo bem comum,
a respeitar a dignidade inalienável
de cada pessoa
e os direitos fundamentais
que encontram a sua origem
na imagem e semelhança
do Criador,
impressa em todos
e em cada ser humano.
Rezamos de maneira especial
pelos responsáveis
desta nobre terra da Síria.

Concedei-lhes sabedoria,
clarividência e perseverança;
que eles nunca cedam ao desânimo
na sua tarefa comprometedora
de construir uma paz duradoura
a que os seus povos aspiram.

Pai celestial,
neste lugar que testemunhou
a conversão do Apóstolo Paulo,
rezamos por todos
os que acreditam
no Evangelho de Jesus Cristo.
Orientai os seus passos
na verdade e no amor.

Que eles sejam um só,
como Vós sois um,
com o Filho e o Espírito Santo.
Oxalá eles dêem testemunho
da paz que ultrapassa toda
a compreensão (cf. Fl Ph 4,7),
e da luz que triunfa sobre
a escuridão da hostilidade,
do pecado e da morte.

Senhor do céu e da terra,
Criador da única família humana,
rezamos pelos seguidores
de todas as religiões.

Que eles procurem a vossa vontade,
na oração e na pureza do coração;
oxalá eles vos adorem
e louvem o vosso santo nome.

Orientai-os a fim de que encontrem
em Vós a fortaleza para ultrapassar
o medo e a desconfiança,
cresçam na amizade
e vivam juntos em harmonia.

Pai misericordioso,
que todos os crentes encontrem
a coragem de perdoar
uns aos outros,
de tal forma que as feridas
do passado possam ser curadas,
e não constituam um pretexto para
ulteriores sofrimentos no presente.

Que isto se verifique
sobretudo na Terra Santa,
nesta Terra que Vós abençoastes
com tantos sinais
da vossa Providência,
e onde vos revelastes
como Deus de Amor.

À Mãe de Jesus,
a Santíssima Virgem Maria,
confiamos os homens
e as mulheres
que vivem na Terra
em que outrora
o próprio Jesus viveu.

Seguindo o seu exemplo, que eles
escutem a palavra de Deus,
se respeitem e tenham compaixão
uns dos outros,
especialmente daqueles
que são diferentes.

Que eles se inspirem na unidade
do coração e da mente,
enquanto trabalham por um mundo
que seja verdadeira casa para todos
os seus povos!

Salam! Salam! Salam!

Amen!

Concluindo, desejo dirigir uma palavra de apreço às Forças Internacionais, aqui estacionadas. A vossa presença constitui um sinal da determinação com que a comunidade internacional quer contribuir para o advento do dia da harmonia entre os povos, as culturas e as religiões desta região. Deus Omnipotente vos proteja e sustente todos os vossos esforços!




AOS JOVENS SIRIANOS


Damasco, 7 de Maio de 2001





Queridos amigos

Quando os Cardeais me elegeram para a Cátedra de São Pedro, falei aos jovens e disse-lhes: vós sois a minha esperança, vós sois a esperança da Igreja. Depois de vinte e três anos, repito-vos com maior convicção: vós sois a esperança da Igreja! Hoje desejo acrescentar: vós sois a esperança da Síria! Esperança da paz, da unidade e da civilização do amor. Vós sois a esperança.

Queridos jovens

1. "A paz esteja convosco!". Dirijo-vos nesta tarde a saudação pascal que o Senhor ressuscitado transmitiu aos seus discípulos. Sinto-me feliz por vos encontrar no final da minha peregrinação seguindo os passos do Apóstolo Paulo na Síria. Agradeço aos jovens que me saudaram em nome de todos. Pertenceis a confissões cristãs diferentes, mas, todos juntos, desejais pôr-vos à escuta do único Senhor e caminhar para Ele: a vossa presença aqui seja o sinal do vosso empenho comum a participar, com a graça de Cristo, na promoção da plena unidade visível entre todos os cristãos!

Saúdo cordialmente Sua Beatitude o Patriarca Gregório III, e agradeço-lhe as palavras de boas-vindas que houve por bem dirigir-me, em nome dos Bispos do Patriarcado de Antioquia dos greco-melquitas. Nesta catedral, o meu pensamento fraterno dirige-se também para o Venerado Patriarca Maximos Hakim, que, da sua residência de Beirute, se une a nós na oração.

2. O trecho da segunda carta a Timóteo, que ouvimos é para vós um encorajamento: "Se morrermos por Ele, também com Ele reviveremos. Se perseverarmos, reinaremos com Ele, mas se O negarmos, Ele também nos negará. Se formos infiéis, Ele continuará fiel, porque não se pode contradizer a Si mesmo" (2, 11-13).

Queridos jovens, viveis num período no qual abundam as interrogações e as incertezas, mas Cristo chama-vos e suscita em vós o desejo de fazer do vosso caminho algo de grande e de bom, a vontade de perseguir um ideal, a recusa de ceder à mediocridade, a coragem de vos empenhardes, com uma paciência perseverante.

3. Para responder a esta chamada, procurai constantemente a intimidade com o Senhor da vida, mantendo-vos fielmente na sua presença mediante a oração, o conhecimento das Escrituras, o encontro eucarístico e o sacramento da Reconciliação. Desta forma edificareis e fortificareis "o vosso ser interior", como diz o Apóstolo Paulo. A relação directa com o Senhor também constitui o segredo de uma existência que dá fruto, porque é organizada à volta do que é central para todo o ser humano, o diálogo com Aquele que é o nosso Criador e Salvador. Desta forma, a vossa vida não será superficial, mas estará profundamente enraizada nos valores espirituais, morais e humanos, que são a coluna vertebral de qualquer ser e de toda a existência. Recordai-vos de que não é possível ser cristão recusando a Igreja fundada em Jesus Cristo; que não é possível proclamar-se crente sem ter gestos de fé; que não é possível afirmar que se é homem e mulher espiritual sem se deixar modelar por Deus numa escuta humilde e jubilosa do seu Espírito, e sem estar disponível à sua vontade.

Então sereis capazes de fazer opções e de vos empenhardes com todas as vossas forças. Talvez hoje vos façais a vós mesmos perguntas como estas: que caminho empreender? Que fazer da minha existência? A quem seguir? Não receeis reflectir com calma, o tempo que for preciso, com os adultos para encarar com seriedade as escolhas que deveis fazer e que exigem a escuta de Cristo, que vos convida a segui-lo pelos caminhos exigentes de um testemunho corajoso ao serviço dos valores pelos quais vale a pena viver e dar a própria vida: a verdade, a fé, a dignidade do homem, a unidade, a paz e o amor. Com o apoio de Cristo e da sua Igreja, tornar-vos-eis cada vez mais homens e mulheres livres e responsáveis pela vossa existência, que desejam participar activamente na vida da sua Igreja, nas relações entre as comunidades religiosas e humanas, e na construção de uma sociedade cada vez mais justa e fraterna.

4. O Senhor Jesus pede aos seus discípulos que sejam sinais no mundo; que sejam, onde vivem e trabalham, instrumentos visíveis e credíveis da sua presença de salvação. Não é só com as palavras, mas sobretudo com um estilo de vida particular, com um coração livre e um espírito criativo, que fareis descobrir aos jovens da vossa geração que Cristo é a vossa alegria e a vossa felicidade. Por isso, é oportuno evitar o afastamento, hoje frequente, que faz com que a fé não faça parte da vida e que a vida evite a fé. O ser e a existência do cristão devem estar unificados à volta do seu núcleo central, a adesão a Jesus Cristo; ele poderá repetir sem cessar com o Apóstolo: "Sei em quem pus a minha confiança" (2Tm 1,12).

5. Como os pagãos que pediam a Filipe dizendo-Lhe: "Senhor, queríamos ver a Jesus" (Jn 12,21) ou a pessoa que Paulo entreviu na sua visão, "vem ajudar-nos" (Ac 16,9), os homens de hoje, na sua procura incerta, desejam, muitas vezes sem o saber, conhecer Cristo, o único Salvador. Queridos jovens, convido-vos hoje a proclamar Jesus Cristo com coragem e fidelidade, sobretudo aos jovens da vossa geração. E não só proclamar Jesus Cristo, mas também e sobretudo fazê-lo ver. Quando olham para o vosso estilo de vida, os vossos compatriotas devem poder perguntar-se quem vos guia e quem é o motivo da vossa alegria. Então podereis responder:

"Vinde ver". A Igreja conta muito convosco para que Cristo seja mais conhecido e amado. Como os Apóstolos e as mulheres na manhã de Páscoa, a vossa missão, que é a missão de todos os baptizados, surge do encontro com o Senhor ressuscitado (cf. Jo Jn 20,11-21); o amor estimula-nos a transmitir esta boa nova que transforma a nossa vida e o destino do mundo.

6. Queridos jovens, o futuro do cristianismo no vosso país está ligado à aproximação e à colaboração entre as Igrejas e as comunidades eclesiais que aqui vivem. A convivência da qual fazeis uma feliz experiência na vida quotidiana, nos vossos bairros, nas vossas escolas ou instituições de formação, nos vossos grupos ou actividades de juventude, é-vos querida. Ela prepara-vos desde já para encarar juntos o vosso futuro de cristãos na Síria.

Aprofundai antes de mais o que vos une. Meditai juntos o Evangelho, invocai o Espírito Santo, ouvi o testemunho dos Apóstolos, rezai em alegria e em acção de graças. Amai as vossas comunidades eclesiais. Elas transmitem-vos a fé e o testemunho que os vossos antepassados muitas vezes pagaram com um preço muito elevado. Elas contam com a vossa coragem e com a vossa santidade, que são os fundamentos de qualquer reconciliação verdadeira. Oxalá a oração de Cristo "para que todos sejam um" ressoe nos vossos corações, como um convite e uma promessa! O vosso país também se caracteriza pela convivência entre todos os componentes da população. Aprecio esta convivência solidária e pacífica, e faço votos por que todos possam sentir-se parte activa da comunidade no seio da qual lhes será possível, em liberdade, dar o seu contributo para o bem comum.

Queridos jovens, deveis dar ao mundo o Deus que descobristes. A lógica cristã é verdadeiramente "original"! Ninguém pode conservar este dom se, por sua vez, não o oferece. Foi com esta lógica que, antes de vós, viveu o Mestre divino, que se rebaixou e humilhou até ao sacrifício supremo. Por isso ele foi exaltado e recebeu o Nome que está acima de qualquer nome (cf. Fl Ph 2,5-11). A fecundidade verdadeira de qualquer existência passa por esta experiência radical do mistério da Paixão e da Ressurreição.

7. Com os vossos Patriarcas e Bispos, com os sacerdotes e com toda a Igreja, repito-vos esta tarde: sede no vosso ambiente de vida testemunhas fiéis do Verbo da vida! A vossa presença assídua e a vossa colaboração nas paróquias e nos movimentos eclesiais, a vossa atenção fraterna e solidária por quem sofre no corpo e no espírito, o vosso empenho responsável na construção de uma sociedade respeitadora dos direitos de todos e promotora do bem comum e da paz, são os empenhos que deveis viver como consequência da vossa pertença a Cristo e da vossa determinação em servir o homem. Queridos jovens cristãos: testemunhai o "Evangelho da caridade"; queridos jovens da Síria: construí a "civilização do amor". Confio-vos estes empenhos com grande esperança e confiança.

8. Repito-vos afectuosamente o convite que fiz aos jovens do mundo por ocasião do Grande Jubileu: "Não tenhais medo de ser os santos do novo milénio! Com o Senhor Jesus, a santidade o projecto de Deus para todos os baptizados torna-se realizável... Jesus caminha convosco, renova o vosso coração e fortalece-vos com o vigor do seu Espírito" (Mensagem para a XV Jornada Mundial da Juventude, 3).

Abençoo-vos a todos de coração, bem como aos vossos familiares.



DISCURSO DE DESPEDIDA NO


AEROPORTO INTERNACIONAL DE DAMASCO


Damasco, 8 de Maio de 2001




Senhor Presidente
Ilustres Amigos sírios
Senhoras e Senhores

1. Ao partir da antiga terra da Síria, estou repleto de gratidão. Dou graças sobretudo ao Deus Omnipotente por me ter oferecido a possibilidade de continuar a minha Peregrinação jubilar de fé, por ocasião dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo. Dou graças também a Sao Paulo, que tem sido meu companheiro de viagem em cada passo deste caminho.

Agradeço de forma especial a Vossa Excelência, Senhor Presidente, bem como aos membros do Governo, que me recebestes com o coração aberto e me estendestes a mão da amizade. O povo sírio é famoso pela sua hospitalidade, e durante estes dias eles fizeram um peregrino sentir-se em casa. Não me esquecerei desta amabilidade.

Estou grato à comunidade cristã e, de forma particular, a Suas Beatitudes os Patriarcas e Bispos, pela maneira como me acompanharam ao longo da minha Peregrinação.

Conservarei com afecto a memória da minha visita à Mesquita "Omayylde" e a amável hospitalidade que recebi de Sua Excelência o Ministro do Waqf, bem como de sua Eminência o Grão-Mufti e da comunidade muçulmana em geral.

Rezo para que a longa tradição síria de relacionamentos harmoniosos entre cristãos e muçulmanos seja duradoura e se torne cada vez mais vigorosa, como um testemunho perante o mundo de que a religião, como adoração do Deus Altíssimo, lança a semente da paz no coração das pessoas. Correspondendo às mais profundas aspirações do espírito humano, ela enriquece e une a familia humana no seu caminho ao longo da história.

2. A Síria é uma terra antiga, com um passado glorioso. Todavia, de certa forma a vossa Nação é ainda jovem mas, num período de tempo relativamente breve e através de circunstâncias dificeis, progrediu bastante. A minha oração de peregrino é para que a Síria caminhe com confiança e serenidade rumo a um futuro novo e promissor, e que o vosso Pais entre numa era de bem-estar e tranquilidade para todos os seus habitantes.

A Síria constitui uma presença crucial na vida de toda esta região, cujos povos sofreram por demasiado tempo a tragédia da guerra e dos conflitos. Todavia, para que se abra a porta da paz, devem ser resolvidas algumas questões essenciais de verdade e de justiça, de direitos e de responsabilidades. O mundo olha para o Médio Oriente com esperança e preocupação, enquanto aguarda qualquer sinal de diálogo construtivo. Ainda existem muitos obstáculos graves, mas o primeiro passo rumo à paz deve ser a firme convicção de que é possível alcançar uma solução no contexto dos parâmetros da lei internacional e das resoluções da Organização das Nações Unidas. Exorto uma vez mais todos os povos interessados, assim como os seus líderes politicos, a reconhecerem que o confronto fracassou e jamais obterá bom exito. Somente uma paz justa pode criar as condições necessárias para o desenvolvimento económico, cultural e social a que os povos desta região tem direito.

Obrigado, Senhor Presidente. Obrigado a todos vós: Shukran!

Que o vosso futuro seja repleto das bençãos do Deus Omnipotente. A sua paz esteja sempre convosco: As-salámû 'aláikum!





Discursos João Paulo II 2001 - Damasco, 6 de Maio de 2001