Discursos João Paulo II 2001 - DAS SUAS CARTAS CREDENCIAIS

18 de Maio de 2001




Excelências

1. Tenho muito gosto em vos receber no Vaticano, no momento em que me entregais as Cartas que vos acreditam como Embaixadores extraordinários e plenipotenciários dos vossos países:

Nepal, Tunísia, Estónia, Zâmbia, Guiné, Sri Lanka, Mongólia, África do Sul e Gâmbia. A vossa presença dá-me a oportunidade de saudar os vossos Responsáveis políticos e todos aqueles que têm o encargo de servir o bem comum nas funções que lhes estão confiadas. Gostava de saudar cordialmente todos os vossos compatriotas, assegurando-lhes os meus fervorosos pensamentos por sua intenção. Agradeço-vos vivamente as mensagens cordiais de que sois portadores, da parte dos vossos respectivos Chefes de Estado; sinto muito gosto em lhes exprimir, como retribuição, as minhas respeitosas saudações e votos calorosos para as suas pessoas e a alta missão que são chamados a realizar.

2. No decurso da minha peregrinação jubilar seguindo os passos de São Paulo na Grécia, Síria e Malta, segui com atenção os acontecimentos dramáticos que se desenrolavam no Próximo Oriente.

Queria, de novo, aproveitar a presença de um importante número de diplomatas para renovar com um grande vigor o meu apelo em favor da paz em todos os continentes, convidando os Responsáveis da vida social a tomar decisões corajosas que comprometerão os povos de maneira resoluta nos caminhos da paz e da reconciliação. A paz e a segurança das pessoas e das comunidades são bens essenciais. Não se pode considerar que um país construa o seu futuro pondo de parte os povos que o rodeiam ou as diversidades culturais e étnicas que o compõem.

Convém que todas as instâncias locais, nacionais e internacionais se comprometam na resolução dos conflitos que já fizeram demasiadas vítimas inocentes. Neste domínio, é particularmente importante o papel da diplomacia. Faço o apelo do fundo do coração por um compromisso de todos os serviços diplomáticos em favor de uma resolução negociada dos diferentes conflitos e dos focos de tensão existentes nos diversos continentes. Um tal compromisso contribuirá para dar renovada confiança e esperança às populações submetidas desde há muito tempo a situações de instabilidade.

3. No momento em que inaugurais a vossa missão junto da Sé apostólica, apresento-vos os meus cordiais votos. Peço ao Altíssimo que derrame a abundância das suas Bênçãos sobre vós, os membros das vossas famílias, os vossos colaboradores e os habitantes das Nações que representais.




AOS MEMBROS DA


ASSOCIAÇÃO DOS CONSTRUTORES


EUROPEUS DE AUTOMÓVEIS


18 de Maio de 2001



Senhoras e Senhores

Estou contente por vos acolher a vós, membros do Conselho das Associações dos Construtores Europeus de Automóveis, por ocasião do vosso encontro que tem lugar em Roma. Agradeço ao Presidente, Dr. Paulo Cantarella, a saudação e os votos de feliz aniversário que me dirigiu e exprimo a todos vós a minha gratidão pelo vosso presente. Como Presidentes das maiores Sociedades automobilísticas europeias, tendes responsabilidades importantes, não só na orientação do desenvolvimento da vossa indústria específica, mas também na garantia do correcto desenvolvimento de uma economia cada vez mais globalizada. Oferecendo novas possibilidades ao progresso, o processo de globalização levanta questões urgentes a propósito da própria natureza e fim da actividade económica. Convida a um discernimento ético destinado a tutelar o meio ambiente e a promover o pleno desenvolvimento humano de milhões de homens e mulheres, de modo a respeitar a dignidade de cada indivíduo e dar espaço à criatividade pessoal nos postos de trabalho. Espero e rezo para que a vossa Associação, promovendo estes fins eminentemente humanos, permita às gerações futuras gozar de uma prosperidade que não seja somente económica, mas também espiritual, correspondendo às aspirações mais profundas do coração humano. Sobre vós e as vossas famílias, os vossos sócios e funcionários, invoco de todo o coração as bênçãos da alegria e da paz de Deus.




AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA


EPISCOPAL DO PAQUISTÃO


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 19 de Maio de 2001

Prezados Irmãos Bispos

1. É com imensa alegria que vos dou as boas-vindas, Bispos do Paquistão, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. Em conformidade com a experiência da minha recente peregrinação nos passos de São Paulo, as palavras do Apóstolo continuam a ressoar no meu coração e quero saudar-vos com a sua exortação: "Meus queridos e saudosos irmãos, alegria e coroa minha, permanecei assim firmes no Senhor, caríssimos" (Ph 4,1). A visita ad Limina constitui sempre um momento significativo e enriquecedor para o Sucessor de Pedro, um momento durante o qual ele tem a oportunidade de se encontrar com os seus Irmãos Bispos provenientes das várias partes do mundo e de passar algum tempo com eles em oração e reflexão fraternal sobre as suas alegrias e esperanças, sobre as suas tristezas e mágoas.

No Paquistão, a comunidade cristã é um pequeno rebanho que vive no meio de uma vasta maioria muçulmana. Embora muitos dos seus membros sejam pobres e vivam em circunstâncias difíceis, são ricos na fé e na fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo. Durante a vossa peregrinação aos túmulos dos Santos Pedro e Paulo, sei que as vossas comunidades na pátria estão muito próximas do vosso coração, enquanto confiais a suas necessidades e solicitudes, assim como o vosso próprio ministério episcopal, à protecção celestial dos Apóstolos. Uno-me a vós em acção de graças pelas bênçãos que ele derramou sobre todos vós.

O Grande Jubileu do Ano 2000 foi um tempo de graça na vida de toda a Igreja. Durante esse ano, também a Igreja que está no Paquistão recebeu muitos benefícios espirituais, dado que os fiéis participaram nas actividades jubilares, inclusivamente com várias peregrinações a Roma, das quais muitas pessoas voltaram para as suas famílias e comunidades com fé renovada e propósito revigorado. O Jubileu não deveria constituir unicamente um momento excepcional na vida da Igreja depois do qual por assim dizer tudo deve voltar à sua normalidade. Como sublinhei na minha Carta Apostólica Novo millennio ineunte, é tempo de edificar sobre os resultados do Grande Jubileu a fim de projectar o futuro com o nosso olhar fixo com firmeza em Cristo, o único Mediador e Salvador de todos nós. Trata-se especialmente de uma tarefa que cabe a cada Igreja particular, que deve aproveitar a oportunidade para confirmar o seu próprio fervor e encontrar novo entusiasmo para as suas responsabilidades espirituais e pastorais (cf. Novo millennio ineunte, 3).

2. Quando celebrámos os dois mil anos do seu nascimento, reflectimos sobre Cristo, "considerando-O nos seus traços históricos e no seu mistério, acolhendo-O com a sua multiforme presença na Igreja e no mundo, confessando-O como sentido da história e luz do nosso caminho" (Novo millennio ineunte, 15). Esta contemplação de Cristo está no centro do vosso ministério episcopal. Que ela inspire em vós uma energia renovada, impelindo-vos a investir em iniciativas concretas o fervor que experimentastes no vosso povo. Do mesmo modo, leva-vos a reflectir sobre a qualidade da vossa vida interior e do vosso relacionamento com o Senhor. Através de uma intensa vida de oração, haveis de conquistar aquela serenidade interior que vos levará a ser "contemplativos em acção", testemunhas credíveis, capazes de transmitir aos outros o que vós mesmos já recebestes: o Verbo da Vida (cf. 1Jn 1,1). Santidade luminosa, fidelidade ao Evangelho e coragem de enfrentar os desafios do apostolado: estas são as condições essenciais para um ministério episcopal fecundo, ao serviço da nova evangelização a que Deus está a chamar a Igreja no início do novo milénio.

Além do governo pastoral das suas Dioceses os Bispos, em virtude da sua pertença ao Colégio Episcopal, devem ser profundamente solícitos pela Igreja a níveis nacional e universal. Para resolver de maneira mais eficaz os inúmeros problemas pastorais e sociais do vosso País, é importante fortalecer a cooperação a nível da vossa Conferência Episcopal, a fim de falar em uníssono e oferecer uma orientação decisiva aos católicos do Paquistão. A este respeito, convido-vos a considerar novas maneiras de melhorar e revigorar as instituições e as actividades da vossa Conferência. Em particular, talvez sejam úteis um Secretariado permanente e uma Sede estável para os encontros da vossa Conferência.

3. Transmito aos vossos sacerdotes o meu encorajamento e a certeza das minhas preces. Conheço as circunstâncias não raro difíceis do seu ministério. Tendes uma responsabilidade particular no que lhes diz respeito e é sobre os vossos ombros que pesa a tarefa da promoção do seu bem-estar e da sua santidade. Os presbíteros devem reacender constantemente no seu coração a paixão pelo grande dom que receberam, quando o Senhor os chamou para o Seu serviço. Isto significa que também eles devem ser homens de oração, solícitos para com as coisas de Deus. A posição que eles ocupam não é de privilégio, mas constitui um ministério de serviço, orientado para ajudar o Povo de Deus a responder à sua vocação mais profunda, que consiste em entrar em comunhão com a Santíssima Trindade.

Portanto, deve prestar-se atenção especial à formação dos sacerdotes e dos seminaristas, de tal maneira que eles possam corresponder à graça do Espírito Santo, que os chama continuamente à conversão, à santidade e à caridade pastoral. Estou feliz por saber que o número de vocações continua a aumentar no Paquistão; assim, encorajo-vos a oferecer a estes jovens a melhor formação possível, de forma a que eles possam tornar-se o tipo de sacerdotes de que o Povo de Deus precisa e a que tem "direito" (cf. Pastores dabo vobis, PDV 79). Além de oferecer uma educação de qualidade superior, os vossos seminários menores deveriam ajudar os jovens a discernir o chamamento de Deus e a responder-lhe com um compromisso generoso. Enquanto trabalhais em conjunto, deveis assegurar que o Instituto Nacional Católico de Teologia, fundado em 1997, consiga aperfeiçoar a formação intelectual dos seminaristas, dos religiosos e dos leigos que frequentam os cursos disponíveis, oferecendo elevados padrões académicos e em fidelidade ao ensinamento da Igreja e às tradições genuínas da espiritualidade cristã.

4. Também o laicado deve ser encorajado a desempenhar um papel mais completo e mais visível na missão da Igreja. Para o fazer de maneira eficaz, as comunidades católicas locais devem estar bem radicadas nos fundamentos da fé. A este respeito, desejo expressar a minha gratidão aos religiosos e aos catequistas leigos, cuja dedicação à catequese e à educação são de extrema importância para o crescimento da Igreja que está no Paquistão. Encorajo-os a utilizar integralmente o Catecismo da Igreja Católica, que não é apenas uma síntese sistemática do conteúdo essencial da doutrina católica, mas também um instrumento vital e eficiente ao serviço da evangelização.

Não deveríamos minimizar o facto de que a fé é transmitida em primeiro lugar em casa. Por este motivo, a família deve ser uma das prioridades dos vossos programas pastorais. Hoje em dia, as famílias cristãs estão a experimentar pressões da parte de uma variedade de forças externas. Os vossos esforços deveriam concentrar-se para assegurar que a família seja verdadeiramente uma "igreja doméstica", caracterizada por uma atmosfera de oração, de respeito recíproco e de serviço ao próximo. Vivendo com humildade e amor a sua vocação cristã, a família cristã há-de tornar-se um autêntico "centro de evangelização, onde cada membro experimenta o amor de Deus e o comunica aos outros" (Ecclesia in Asia, ).

Do mesmo modo, a Igreja sempre teve verdadeiramente a peito o cuidado pastoral dos jovens. Hoje, perante as circunstâncias em rápida mudança na sociedade, os Pastores devem encorajar e apoiar os jovens passo a passo, a fim de assegurar que amadureçam suficientemente, tanto a nível humano como espiritual, para assumir um papel activo na Igreja e na sociedade em geral. A Igreja apresenta-lhes a verdade de Jesus Cristo, "mistério cheio de alegria e libertação, mas que precisa de ser conhecido, vivido e partilhado com coragem e convicção" (Ecclesia in Asia, ).

As escolas católicas são amplamente reconhecidas no Paquistão, devido à elevada qualidade do seu ensino e dos valores humanos que inculcam. Dado que estudantes de todas as tradições religiosas frequentam tais escolas, o papel delas na promoção de um clima de diálogo e de tolerância não pode ser debilitado e constitui um sério desafio para toda a comunidade católica. Independentemente da sua formação religiosa ou cultural, os estudantes devem aprender do exemplo e do ensino dos educadores a valorizar e a buscar sempre "tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável e tudo o que é de boa fama" (Ph 4,8).

5. No vosso País, o diálogo inter-religioso constitui uma característica essencial da vossa missão pastoral. Durante a minha recente visita à Síria, voltei a exortar a uma maior compreensão e cooperação entre os cristãos e os muçulmanos. A fim de garantir que estas iniciativas dêem fruto, é importante contar com pessoas oportunamente formadas, enriquecidas de um sério estudo dos credos, valores e tradições religiosas do Islão. O diálogo não implica o abandono dos princípios pessoais, nem deve levar a um falso irenismo (cf. Redemptoris missio, RMi 56). Ao contrário, em fidelidade às nossas próprias tradições e convicções, devemos permanecer abertos à compreensão das tradições e convicções dos seguidores de outras religiões, num espírito de humildade e de sinceridade.

Já me referi à importância das escolas católicas na promoção da tolerância mútua e do diálogo. Outras instituições católicas, como hospitais, casas e obras sociais, também dão testemunho de maneira concreta dos valores do Evangelho, pois tornam possível o "diálogo da vida" entre os seguidores das várias religiões, contribuindo desta maneira para a edificação de uma sociedade mais justa e mais fraternal (cf. Redemptoris missio, RMi 57).

Uma vez que as culturas se desenvolvem como formas de análise das mais profundas interrogações da existência humana, em última análise devem enfrentar a questão de Deus: "No centro de cada cultura está o comportamento que o homem assume diante do mistério maior: o mistério de Deus" (Centesimus annus, CA 24). A cultura paquistanesa reconhece e defende o lugar de Deus na vida pública. Este facto deveria permitir aos seguidores das várias religiões trabalhar em conjunto, a fim de defender a dignidade inestimável de cada homem e de cada mulher, desde a concepção até à morte natural, e edificar uma sociedade em que os direitos inalienáveis de todos sejam respeitados e protegidos, e particularmente o direito à vida, o direito à liberdade (inclusivamente a liberdade de pensamento, de consciência e de religião), assim como o direito a participar plenamente na sociedade. É destes direitos que nascem os direitos civis, económicos, sociais e culturais, essenciais para o bem-estar dos indivíduos e das sociedades. Uma base conjunta para a cooperação entre os cristãos e os muçulmanos e para a promoção de um autêntico desenvolvimento social e político deve encontrar-se nas normas morais universais e imutáveis, que derivam da ordem da criação e estão inscritas no coração do homem (cf. Veritatis splendor, VS 96).

Não obstante as possibilidades de compreensão e de assistência recíproca, infelizmente ainda há muitas pessoas que passam por dificuldades em virtude da sua fidelidade a Cristo. Por vezes, elas são consideradas com suspeita e sentem que não são tratadas como verdadeiros cidadãos da sua própria pátria, especialmente se se têm em conta leis que não respeitam de modo suficiente a liberdade religiosa das minorias. O meu pensamento volta-se para todos os cristãos que, no vosso País, sofrem de alguma forma, por causa da sua fé. Nas suas provações e aflições, desejo assegurá-los da minha solidariedade e da minha assistência sincera. O Senhor Jesus Cristo, a Quem os convido a entregar-se com confiança, está com eles de maneira particularmente íntima, para os confortar e confirmar. Como Pastores da Igreja no Paquistão, tivestes a coragem de assumir uma posição em defesa da liberdade religiosa, que se encontra no próprio centro dos direitos do homem (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1999, n. 5). Estimulo os vossos esforços destinados a garantir que prevaleça o espírito de tolerância e respeito recíprocos, enquanto vos convido a continuar a oferecer as orientações necessárias para assegurar que todos os cristãos assumam uma atitude conjunta, caracterizada por um espírito de diálogo respeitador e genuíno, desprovido de acções desnecessárias e imprudentes, que tenha em vista melhorar a situação actual.

6. Estimados Irmãos Bispos, o Pai de misericórdia e Deus de todo o conforto (cf. 2Co 1,3), que vos ama em Jesus Cristo e derrama os dons do Espírito Santo sobre todos os que crêem, é a fonte da vossa confiança e coragem. Estou plenamente convencido de que continuareis a proclamar com audácia a boa notícia de Jesus Cristo ao vosso povo, que está especialmente próximo do meu coração. Enquanto confio cada um de vós e os vossos sacerdotes, religiosos e leigos do Paquistão à protecção maternal de Maria, a aurora luminosa e guia segura para os nossos passos, concedo-vos do íntimo do coração a minha Bênção apostólica.




AO NOVO EMBAIXADOR DO MÉXICO


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


19 de Maio de 2001




Senhor Embaixador
Fernando Estrada Sámano

1. É com prazer que lhe dou as boas-vindas e recebo neste acto solene as Cartas Credenciais mediante as quais Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do México junto da Santa Sé. Estou-lhe muito grato pelas amáveis palavras que me dirigiu, bem como pela deferente saudação que me transmitiu por parte do Senhor Presidente Constitucional dos Estados Unidos do México, Dr. Vicente Fox Quesada, a que correspondo com os melhores votos de bem-estar e de progresso integral de todos os cidadãos dessa amada Nação.

2. O México distinguiu-se sempre pelos seus nobres e ricos valores espirituais, culturais e humanos, como tive ocasião de ver durante as minhas quatro viagens apostólicas. Actualmente, como Vossa Excelência bem indicou, está a viver um processo de amadurecimento político através de uma profunda mudança em muitos aspectos da vida social, que aspira à superação das causas estruturais da pobreza e da exclusão, mediante um modelo de progresso integral fundado na justiça social. Por isso, deve ser promovida uma cultura que fortaleça as instituições democráticas e participativas, fundadas no reconhecimento dos direitos humanos e nos valores culturais e transcendentes do povo mexicano. A respeito disto, desejo recordar que "uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra" (Centesimus annus, CA 46). Só desta forma se poderão enfrentar melhor os desafios que a nova etapa sociopolítica apresenta, quer no seu desenvolvimento interior quer nas suas relações com a comunidade internacional.

3. Desejo estimular os protagonistas da vida política e social do seu País para que a situação económica global seja enfrentada de maneira responsável. Referi-me em várias ocasiões a situações semelhantes que, em escala mundial, apresentam numerosos problemas e impedem que muitos países saiam do subdesenvolvimento e alcancem desejáveis níveis de bem-estar. Partindo do ponto de vista do desenvolvimento integral, até agora a economia globalizada beneficiou sobretudo algumas pessoas e grupos muito particulares. Em contrapartida, surgiram novas formas de empobrecimento, de marginalização e até de exclusão de grandes grupos sociais, especialmente de camponeses e indígenas. Eis por que se deve procurar fazer com que as instituições políticas se ponham verdadeiramente ao serviço do homem, sem distinção de raças nem de classes sociais. A respeito disto, a Igreja sente-se "chamada não só a promover uma maior integração entre as nações, contribuindo assim para criar uma autêntica cultura globalizada da solidariedade, mas também para colaborar com todos os meios legítimos para a redução dos efeitos negativos da globalização" (Ecclesia in America ).

É importante que a sociedade mexicana tome consciência disto e, com uma atitude verdadeiramente solidária, esteja disposta a enfrentar os sacrifícios necessários que, em nenhum caso, devem agravar as condições de pobreza das classes mais humildes. Para isso, é indispensável melhorar progressivamente as condições de vida dos mais pobres, procurando garantir medidas justas para todos, inclusive a nível fiscal.

4. No que se refere às relações Igreja-Estado no México, elas distinguem-se por um progressivo respeito recíproco e cordialidade. Respeito para não interferir no que é próprio de cada instituição, mas que leva a apoiar-se reciprocamente e a colaborar para alcançar um maior bem-estar para a comunidade nacional. Por isso, através do diálogo construtivo, é possível a promoção de valores fundamentais para o ordenamento e progresso da sociedade. A respeito disto, chegou o momento em que a verdade histórica integral do México, a partir das suas origens, brilhe com maior claridade, superando preconceitos e desqualificações, dualismos e limitações.

Neste sentido, a Igreja, cuja missão é de ordem espiritual e não política, fomenta cordiais relações com o Estado, contribuindo desta forma para a harmonia e para o progresso de todos sem distinção alguma. É então desejável que a Igreja mexicana possa gozar de uma maior liberdade nos diversos campos onde desempenha a sua missão pastoral e social.

A este propósito, a comunidade política e as instituições públicas do Estado devem articular-se de maneira que se respeite o princípio da subsidiariedade e se garanta a liberdade religiosa das pessoas e dos grupos. Isto exige que se evitem formas de intolerância e que se entenda de maneira positiva o contributo religioso para o bem comum, e que os órgãos do Estado e dos partidos não substituam directa ou indirectamente o lugar das instâncias religiosas. Por isso, o Concílio Vaticano II define este contexto com os seguintes termos: "É justo que a Igreja possa, sempre e em toda a parte, pregar a fé com verdadeira liberdade, ensinar a sua doutrina acerca da sociedade, exercer sem entraves a sua missão entre os homens e proferir um juízo moral mesmo em matérias que dizem respeito à ordem política, quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exijam, empregando todos e só aqueles meios que sejam conformes ao Evangelho e de harmonia com o bem comum, segundo a diversidade dos tempos e das situações" (Gaudium et spes GS 76).

5. Uma preocupação que a Igreja do México e os mexicanos sentem é a do progresso legal e jurídico, que estabeleça uma ordem cada vez mais justa para os povos indígenas. Neste sentido, por vezes verificaram-se atitudes contrastantes que, considerando o encontro de culturas como uma desgraça, preferiram uma em detrimento da outra. Ouve quem, com o objectivo de proteger o indigenismo, insistiram em ideologias baseadas numa leitura desfocada da história. Outros, pelo contrário, exaltaram os valores que chegaram de fora como os únicos que são válidos e genuínos.
Perante este panorama, é iniludível realizar uma purificação da memória e fazer uma avaliação da identidade mestiça, a partir de duas culturas que se fundiram, e que tem uma grande potencialidade de futuro se estiver reconciliada consigo mesma. Desta forma, poder-se-á alcançar uma identidade serena, que assuma com alegria e esperança as duas raízes da sua peculiariedade actual.

Por isso, é preciso progredir graduamente, sem qualquer tipo de demora, no apreço da dignidade do indígena. No conjunto da pluralidade e da plurietnicidade do México encontra-se esta raiz que influi na religiosidade e na identidade nacional. Se se consegue conhecer melhor, reforçar-se-á ainda mais a consciência do ser humano no seio da grande família mexicana. Neste sentido, sei que os Bispos, na sua atitude de assídua colaboração, convidam a não levantar muros de divisão e de hostilidade que separem os mexicanos, mas a "construir juntos um país justo, reconciliado, solidário e fraterno". A respeito disto, durante a minha última viagem ao México, falei sobre "um diálogo no qual ninguém fique excluído e irmane ainda mais todos os seus habitantes, os crentes fiéis à sua fé em Cristo e os que estão afastados d'Ele. Só o diálogo fraterno entre todos dará vigor aos projectos de futuras reformas, almejadas pelos cidadãos de boa vontade, que pertencem a todos os credos religiosos e aos diversos sectores políticos e culturais" (Discurso de despedida, no aeroporto internacional, 26/1/1999, n. 2).

6. No momento em que Vossa Excelência inicia a nobre missão para que foi designado, desejo formular-lhe os meus votos pelo feliz e frutuoso desempenho da sua tarefa junto desta Sé Apostólica. Ao pedir-lhe que se digne transmitir estes sentimentos ao Senhor Presidente da República, ao seu Governo, às Autoridades e ao querido povo mexicano, garanto-lhe a minha oração ao Todo-Poderoso para que assista sempre com os seus dons Vossa Excelência e a sua distinta família, os seus colaboradores, os governantes e cidadãos do seu nobre País, que recordo sempre com particular afecto.




AOS MEMBROS DA


SOCIEDADE DAS MISSÕES AFRICANAS


19 de Maio de 2001

Enquanto vos apresento a todos vós as minhas calorosas boas-vindas por ocasião da vossa Assembleia Geral, saúdo de modo especial o vosso neo-eleito Superior-Geral, Pe. Kieran O'Reilly, a quem agradeço as amáveis palavras que pronunciou no nome de todos vós. Saúdo também o seu imediato predecessor, Pe. Daniel Cardot, que orientou a vossa Sociedade ao longo dos últimos seis anos.


Ao aproximar-vos do fim da vossa primeira Assembleia Geral do novo milénio, encorajo-vos a haurir em abundância da rica tradição espiritual do Grande Jubileu do Ano 2000, enquanto renovais o vosso compromisso na missão e na evangelização. Um novo século e milénio começaram à luz de Cristo mas, como escrevi na minha recente Carta Apostólica, "nem todos, porém, vêem esta luz. A nós cabe a tarefa maravilhosa e exigente de ser o seu "reflexo"" (Novo millennio ineunte, 54). Num mundo em que há muitas luzes que distraem e são até mesmo contrárias à pura luz de Cristo, deveis procurar ser cada vez mais como Jesus alimentando-vos com a sua palavra e radicando-vos firmemente na oração e na contemplação de maneira a poderdes reflectir com fidelidade a sua luz e fazer com que os outros efectivamente cheguem ao seu conhecimento.

Apraz-me ver hoje no meio de vós, jovens missionários naturais da África e da Ásia; trata-se de uma indicação positiva do crescente carácter internacional da vossa Sociedade. Continuai a promover e a alimentar as vocações missionárias, porque "o anúncio do Evangelho requer proclamadores, a messe tem necessidade de trabalhadores" (Redemptoris missio, RMi 79). Os vossos esforços, que visam inserir os leigos no vosso trabalho missionário, constitui outro elemento essencial na plantatio Ecclesiae em terras de missão, pois é através de um laicado amadurecido e responsável que a mensagem cristã e o exemplo da santidade cristã são incutidos de modo mais imediato na vida da sociedade. À imitação de nosso Senhor e Mestre, renovai o vosso compromisso de trabalhar com os pobres, especialmente com os refugiados, que têm urgente necessidade de um sinal do amor de Deus. Enfrentai o desafio do diálogo religioso, um caminho ao qual a Igreja deve prestar maior atenção neste novo milénio. Defendei a vida humana em cada fase da sua existência, desde a concepção até à morte natural, e não deixeis de tornar as pessoas mais conscientes da sua responsabilidade de transformar as suas comunidades e culturas, de acordo com as verdades salvíficas do Evangelho.

Queridos Amigos, por ocasião do nosso breve encontro quero encorajar-vos na vossa empresa missionária e exortar-vos a ser fiéis ao espírito que recebestes do vosso Fundador, o Servo de Deus Marion de Brésillac. Portanto, repletos de esperança e de entusiasmo, ide e enfrentai com confiança os desafios do novo milénio, com o olhar perenemente fixo na Bem-Aventurada Virgem Maria, que permanece para sempre a "aurora luminosa e a guia segura do nosso caminho" (Novo millennio ineunte, 58). A vós aqui presentes, assim como a cada um dos membros e amigos da Sociedade das Missões Africanas, concedo do íntimo do coração a minha Bênção apostólica.



DISCURSO NA INAUGURAÇÃO DO


CONSISTÓRIO EXTRAORDINÁRIO


DO COLÉGIO CARDINALÍCIO


Segunda-feira, 21 de Maio de 2001



Veneráveis Irmãos Cardeais

1. "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo" (Rm 1,7). Com estas palavras do Apóstolo Paulo, saúdo cada um de vós e a todos dirijo os meus melhores votos de boas-vindas.

Agradeço afectuosamente ao Senhor Cardeal Bernardin Gantin, Decano do Sacro Colégio, que quis fazer-se intérprete dos sentimentos de todos. Ele dirigiu-me gentis e respeitosas expressões não só em nome dos presentes, mas também de todos aqueles que, não podendo estar fisicamente connosco, se unem a nós com a sua oração pelos trabalhos destes dias, que tornam bem manifesta a comunhão existente entre o Sucessor de Pedro e os Padres Cardeais, seus primeiros e mais directos colaboradores. A composição desta venerada assembleia, que reúne Purpurados provenientes de todas as partes da terra e pertencentes a várias culturas, representa bem a unidade, universalidade e a missionaridade da Igreja, projectada para novas metas apostólicas.

2. O encontro, que começa esta manhã, é muito importante e liga-se espiritualmente ao Grande Jubileu, cujo eco está ainda vivo em todos nós. Enquanto volto a pensar com emoção nas várias fases e nos múltiplos encontros que vivemos em conjunto no decurso do Ano Santo, rezo para que o Espírito do Senhor, que nos permitiu viver experiências eclesiais extraordinárias, continue a guiar-nos e a ajudar-nos a diagnosticar os desafios emergentes na actual época histórica. Na Carta apostólica Novo millennio ineunte, que quis assinar mesmo durante o solene rito de conclusão do itinerário jubilar, sublinhei a exigência de evidenciar bem os "traços programáticos concretos" da acção evangelizadora da Igreja, ao começar o novo milénio. Trata-se de pôr em foco os objectivos missionários prioritários e os métodos de trabalho mais idóneos, assim como de procurar os meios necessários. É preciso dedicar-se a uma adequada formação e valorização de todos os agentes pastorais, porque é vasto e complexo para todos nós o campo da acção apostólica.

Sabemos também que, se o nosso compromisso é indispensável, tudo depende da acção divina. Por esta razão, o esforço prioritário de cada crente e da comunidade eclesial não pode deixar de ser o tender para a santidade, na procura apaixonada de Deus, na contemplação amorosa do seu rosto.

3. Venerados e queridos Irmãos, nestes dias teremos ocasião de escutar reflexões e testemunhos; confrontar-nos-emos fraternalmente sobre problemas e desafios pastorais; procuraremos em conjunto as linhas mais apropriadas para sermos, também hoje, um sinal credível do amor de Deus por todos os homens. Sobretudo, permaneceremos em oração, dóceis ao Espírito Santo e às suas inspirações, sentindo unido a nós, como aconteceu no início do cristianismo, todo o povo de Deus, a cujo serviço o Pai celeste nos envia constantemente.


Discursos João Paulo II 2001 - DAS SUAS CARTAS CREDENCIAIS