Discursos João Paulo II 2001 - 16 de Junho de 2001


DISCURSO DO SANTO PADRE

NO ENCONTRO RELIGIOSO PROMOVIDO PELO

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O


DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO


16 de Junho de 2001

: Veneráveis Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e Senhoras

1. Estou contente por vos dirigir as minhas mais cordiais saudações, a todos vós que tomais parte nas Jornadas de Encontro e de Reflexão, organizadas pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, em colaboração com a Pontifícia Universidade Lateranense e a Fundação Piero Rossano, para recordar os dez anos da morte de D. Rossano. O seu desenvolvimento está previsto aqui em Roma, e em Vezza d'Alba, lugar natalício do saudoso Bispo.

Saúdo o Senhor Cardeal Francis Arinze, a quem agradeço as palavras amigas que me dirigiu em nome de todos os que tomam parte neste encontro. Saúdo, depois, os Bispos, sacerdotes, autoridades e todos os presentes. O décimo aniversário da morte de D. Rossano constitui uma ocasião muito propícia para uma grata memória do seu incansável empenho a favor do diálogo interreligioso. Na Carta Apostólica Novo millennio ineunte quis reforçar a importância desta missão: "O diálogo escrevi deve continuar. Na condição de um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, como se prevê na sociedade do novo milénio, isso é importante até para criar uma segura premissa de paz e afastar o espectro funesto das guerras de religião que já cobriram de sangue muitos períodos da história da humanidade. O nome do único Deus deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz, um imperativo de paz" (n. 55).

2. Um sério e autêntico diálogo inter-religioso deve apoiar-se sobre um sólido fundamento, para que dê os desejados frutos em tempo oportuno. Estar abertos ao diálogo significa ser coerentes até aos limites com a própria tradição religiosa. Isto é o ensinamento que advém da vida de D. Rossano. Ele esteve durante longos anos ao serviço da Igreja universal no então Secretariado para os Não-Cristãos, agora Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso. Na sua experiência espiritual e no serviço à Santa Sé, a abertura para os outros nunca era separada da fidelidade aos ensinamentos de Cristo. Esta adesão incondicional a Cristo não lhe impediu o diálogo com representantes de outras religiões. Assim, essa absoluta fidelidade a Cristo tornou-se propriamente um sólido ponto de partida para encontrar as pessoas e apreciar nelas as riquezas que como afirma o Concílio Vaticano II Deus distribuiu a todos os povos, na sua magnificência (cf. Ad gentes, AGD 11).

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs! O exemplo de D. Rossano seja um encorajamento para vós intensificardes os esforços para o diálogo, oferecendo a todos um claro testemunho do mistério de Cristo, Senhor e Salvador de todos. De facto, como confirmei na citada Carta apostólica, "não devemos ter medo que possa constituir ofensa à identidade de outrem aquilo que é, inversamente, anúncio jubiloso de um dom, que se destina a todos e, por conseguinte, há-de ser proposto a todos com o maior respeito da liberdade de cada um: o dom da revelação do Deus-Amor, que "amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único" (Jn 3,16)" (Novo millennio ineunte, 56).

Longe de favorecer a dobragem sobre si mesmos, o acolhimento de Cristo impele decididamente ao confronto e ao acolhimento de todos os homens. D. Rossano deu amplas indicações desta abertura. Os seus infatigáveis esforços para encontrar soluções, através do intercâmbio e da partilha entre os representantes de religiões diversas, traduziram-se por um enriquecimento significativo para todos aqueles que tinha ocasião de contactar.

Também no generoso e fecundo ministério episcopal como Bispo Auxiliar de Roma com responsabilidades para a Cultura, e de Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, D. Rossano nunca perdeu de vista o empenho do diálogo, realizando perfeitamente tudo o que se lê no Documento Posição da Igreja perante os que seguem outras religiões publicado em 1984 pelo Secretariado para os Não-cristãos: " O diálogo é acima de tudo um estilo de acção, uma atitude e um espírito que guia o comportamento. Implica atenção, respeito e acolhimento para com o outro, a quem se reconhece espaço para a sua identidade pessoal, para as suas expressões e os seus valores" (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 12 de Agosto de 1984, pág. 5, n. 29).

É sabido que a dimensão ecuménica é importante também para o compromisso do diálogo inter-religioso. A este propósito, quero exprimir o meu vivo apreço pela constante e fecunda colaboração realizada entre o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e o Ofício para as Relações e o Diálogo Inter-Religioso do Conselho Mundial das Igrejas. É uma colaboração significativa, iniciada e apoiada pelo saudoso D. Rossano. Também lhe quero prestar homenagem por isto. Possa o trabalho que ele empreendeu receber novo impulso da vossa iniciativa. Enquanto dou graças ao Senhor pelo bem que operou através da humilde e fiel pessoa de D. Piero Rossano, invoco sobre vós e sobre o vosso apreciado trabalho a abundância do Espírito Santo, de cujos dons quer ser penhor a Bênção que vos concedo a vós e a quantos vos são queridos.




AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO DOS


SANTOS PEDRO E PAULO NO


XXX ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO


16 de Junho de 2001

: Caríssimos membros da Associação
dos Santos Pedro e Paulo!

1. Sinto-me feliz por me encontrar convosco, por ocasião do trigésimo aniversário da vossa benemérita Associação. Saúdo os vossos familiares e os novos sócios recebidos precisamente hoje. Saúdo o vosso Presidente, o Advogado Gianluigi Marrone, ao qual agradeço as palavras que me dirigiu em nome dos presentes, e o Assistente Espiritual, D. Franco Follo. Exprimo de bom grado a cada um de vós a minha profunda gratidão pelo generoso e qualificado serviço que prestais à Sé Apostólica e, de maneira especial, ao Sucessor de Pedro.

Sinto-me feliz, também, porque este nosso encontro acontece quando se aproxima a solenidade dos Santos Apóstolos, sobre cujo testemunho e martírio a Divina Providência quis edificar a Igreja de Roma. Santo Agostinho exprime-se com as seguintes palavras na Liturgia das Horas do dia dedicado aos Apóstolos Pedro e Paulo: "Um só dia é consagrado à festa dos dois apóstolos. Mas também eles eram uma só coisa. Mesmo se foram martirizados em dias diferentes, eram uma só coisa. Pedro foi à frente, Paulo seguiu-o. Por isso, celebramos este dia de festa, consagrado para nós pelo sangue dos apóstolos. Amemos a sua fé, a sua vida, os sofrimentos, os testemunhos e a pregação" (Sermo 295: PL 38, 1352).

2. Foi dada à Igreja uma misteriosa unidade no dia do Pentecostes, uma unidade que não provém do homem e transcende toda a causa de divisão humana. O dom do Espírito Santo, que torna os fiéis de Cristo "um só coração e uma só alma" (cf. Act. Ac 1,14 Ac 2,46), prolonga-se na história e acompanha a Igreja na sua missão de anunciar o Evangelho a todos os povos até ao fim dos tempos. Este dom "é levado em vasos de barro" (cf. 2Co 4,7) e está continuamente ameaçado pela nossa fragilidade humana. Pedro foi chamado a vigiar, de um modo muito particular, sobre o dom precioso da unidade eclesial. Ele recebeu do Senhor, depois da tríplice confissão do seu amor, o encargo de "apascentar o rebanho" (cf Jn 21,15-17). A assistência que Cristo assegurou a Pedro acompanha também os seus sucessores, aos quais foi confiado o mesmo dever em relação à Igreja: "Eu roguei por ti a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos" (Lc 22,32).

3. Pedro torna-se, assim, "rocha" sobre a qual Cristo pode construir a sua Igreja na história, mediante um dom que provém do Alto: o dom da fé, por ele confessada solenemente em Cesareia de Filipe: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (Mt 16,16). Mas é também em virtude da sua resposta de amor singular que ele foi escolhido para ser fundamento do edifício da Igreja: "Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?... Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que te amo" (cf. Jo Jn 21,15-19). Sobre a rocha desta fé e deste amor, o Senhor mantém firme o seu Corpo místico e assegura a sua permanente unidade e a missão nas diversas vicissitudes da história.

Caríssimos, o serviço que vos foi confiado está intimamente ligado à missão do Sucessor de Pedro. Quero hoje repetir-vos o mais sincero apreço pelo trabalho diligente que desenvolveis, quer durante as sagradas Liturgias quer no contacto com os peregrinos na Basílica Patriarcal de São Pedro. Deus vos agradeça por isso! Possa esta vossa actividade, alimentada por uma constante oração, conduzir-vos a realizar cada vez melhor a vossa vocação cristã.

4. Se o vosso espírito for constantemente iluminado pela fé, podereis compreender-vos melhor a vós próprios e ajudar os peregrinos e quantos encontrardes a aprofundar o mistério de Cristo e da sua Igreja. Quanta gente vem a Roma "para ver Pedro" e para revigorar a própria fé! O recente Ano jubilar ofereceu um testemunho particularmente eloquente desta afeição à Sé Apostólica, chamada a guardar a verdade e a unidade da Igreja e a confirmar os baptizados na sua fé no Redentor.

Ao repetir-vos o meu grato apreço pela vossa colaboração, exorto-vos, pois, a fazer da vossa actividade quotidiana a ocasião propícia para manifestar um amor sincero a Cristo, uma dedicação generosa à Igreja, uma ligação particular com o Sucessor de Pedro. Crescei na fé, para estardes sempre motivados no vosso serviço. Seja para vós programa de vida o vosso lema: "Fides constamus avita".

Com estes sentimentos, enquanto vos asseguro a minha constante lembrança na oração, invoco a protecção de Maria, que venerais com o título de Virgo Fidelis, e do coração vos concedo a vós e aos vossos familiares uma especial Bênção Apostólica.




AO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DO CHILE


JUNTO À SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


18 de Junho de 2001

Senhor Embaixador

1. É com muito prazer que o recebo neste solene acto de apresentação das Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Chile junto desta Sé Apostólica, e apraz-me dar-lhe as minhas cordiais boas-vindas no momento em que Vossa Excelência inicia as importantes funções que o seu Governo lhe confiou. Agradeço-lhe as suas amáveis palavras e, de forma muito especial, saúdo o Excelentíssimo Senhor Ricardo Lagos Escobar, Presidente da República, e transmito-lhe os meus melhores votos a fim de que o seu serviço ao povo chileno, nestes momentos da sua história, ajude todos a progredir pelo caminho da concórdia, do entendimento recíproco e da paz.

2. Vossa Excelência é representante de um povo que, em conformidade com o que recordou com as suas palavras, tem profundas raízes cristãs. Elas enriqueceram o País com tradições nobres, que configuraram a identidade da Nação e fizeram dos chilenos um povo profundamente religioso.

Com este povo, tive a oportunidade de me encontrar na minha inesquecível Viagem pastoral realizada em 1987, ocasião em que recebi da parte de todos, desde Antofagasta até Punta Arenas, expressivas demonstrações de carinho. Desta forma, pude comprovar que se trata de um povo firme, em busca de caminhos que o conduzam para a almejada reconciliação, ainda que para alcançar essa meta tenha de passar por caminhos difíceis. Por isso, uma vez mais, quero repetir-lhe como fiz por ocasião da beatificação da jovem carmelita Teresa dos Andes, que "o amor é mais forte" porque "o amor pode cada vez mais".

A fé e a religiosidade, arraigadas de modo tão profundo na alma dos chilenos, deram frutos excelentes, entre os quais a Igreja honra Santa Teresa dos Andes e os Beatos Laura Vicuña e Alberto Hurtado. É justo recordar, além disso, que os Pais da Pátria foram crentes convictos. A este respeito, é mister destacar que o Capitão General Bernardo O'Higgins tomou a iniciativa de pedir à Sé Apostólica uma missão pontifícia que pudesse resolver no território chileno os problemas religiosos derivados da independência e da nova oganização eclesiástica, com a provisão de diversos Bispados, de tal forma que o Chile se tornou a primeira Nação latino-americana a acolher uma missão pontifícia depois da emancipação nacional. Desde então, o País reconheceu a relevância da Igreja católica como verdadeira mãe e garante da sua idiossincrasia, instaurando assim laços de vínculo respeitoso e filial com o Pontífice Romano e, conservando sempre este espírito, relações cordiais com a Santa Sé.

3. Ampla e enriquecedora foi a contribuição da Igreja para a vida do Chile, tanto nos tempos da colonização como depois da independência nacional, pois não é difícil descobrir a sua presença nos momentos significativos da história pátria. No seu discurso, Vossa Excelência falou de alguns eminentes servidores da Igreja que, com a sua palavra e a sua acção pastoral, acompanharam o desenvolvimento do Chile para metas mais elevadas. Juntamente com eles, cabe recordar o numeroso exército de pastores e fiéis que encontraram nos ideais evangélicos a fonte de inspiração para trabalhar, cada um no lugar em que a Providência o situou, pelo bem comum nos diversos ambientes profissionais.

No cumprimento da sua missão, anunciando a Boa Nova de Jesus Cristo, a Igreja colabora na promoção do bem integral das pessoas e está comprometida de modo muito particular em favorecer a convivência solidária e a reconciliação entre todos os cidadãos, filhos da mesma terra; de igual forma, quer iluminar as consciências para que alguns perigos da sociedade de hoje, como o relativismo ético, o consumismo e outras formas pseudoculturais, não deteriorem o tesouro de valores cristãos sobre os quais está alicerçada a identidade nacional. A este respeito, as recentes Orientações pastorais dos Bispos do Chile, que têm como título "Se conhecêsseis o dom de Deus!", querem ser um anúncio de esperança no início do terceiro milénio, convidando a curar as feridas que impedem o desenvolvimento da sociedade chilena, e entre as quais cabe assinalar a pobreza e as enormes desigualdades, as dificuldades enfrentadas pela família, e a dignidade lesada das pessoas, das famílias e das várias instituições.

4. Vossa Excelência referiu-se também ao desejo de defender e de fortalecerf a família, tão necessário "na época actual, que regista uma crise generalizada e radical desta instituição fundamental" (Novo millennio ineunte, 47). Estou agradecido por estes propósitos, enquanto espero dos governantes e da sociedade inteira que sejam consequentes com a história, com a tradição mais genuína do País e que não poupem esforços neste sentido, de maneira que não se ceda às tentações fáceis, às vezes dissimuladas sob a aparência de uma falsa modernidade. A este respeito, é de primária importância salvaguardar e fortalecer esta instituição. Não há dúvida de que muitos males sociais têm a sua origem na desintegração familiar, motivo pelo qual é necessário educar as novas gerações para o sentido do amor verdadeiro, da abnegação total e indissolúvel através do matrimónio, que permita ultrapassar os momentos de incompreensão e desconfiança, de maneira que cada lar chileno seja um lugar de amor e de paz, e uma verdadeira escola de humanidade.

5. A aspiração por um Chile cada vez mais próspero e desenvolvido exige um esforço que vise melhorar a qualidade de vida e a própria existência dos chilenos. Apraz-me tomar conhecimento da recente decisão do Governo supremo e do Poder legislativo que com a colaboração leal da Igreja aboliu a pena de morte, e é para esperar que, com este pressuposto, se promova sempre o respeito mais zeloso e irrenunciável pela vida de cada ser humano, desde a concepção até ao seu fim natural. Desta maneira, dando testemunho de amor ao próximo, de amor à família no seu sentido mais original e do amor à vida, as novas gerações poderão ser formadas para os princípios éticos elementares que hão-de redundar na grandeza moral do vosso povo.

6. Senhor Embaixador, o seu País deu provas de apego à sua tradição democrática e de forte integração nacional, o que se reflecte na solidez das sua instituições. No momento em que se aproxima o bicentenário da sua independência nacional e o ideal é alcançar a máxima expansão das liberdades nacionais, sociais e culturais, como Vossa Excelência quis realçar, deve ter-se presente o facto de que o fortalecimento da vida democrática há-de ser acompanhado sempre da promoção constante dos valores genuínos, que são a garantia da estabilidade, porque uma democracia sem valores não serve o verdadeiro progresso mas, pelo contrário, volta-se contra o próprio homem.

No que diz respeito ao cenário internancional, o Chile conquistou um lugar notável na América Latina, tanto pela sua contribuição nos foros internacionais como pela sua participação nos organismos que promovem o desenvolvimento e o progresso. A este propósito, quero assinalar a vontade pacífica dos chilenos, evidenciada na contenda com a irmã República Argentina, onde fui testemunha pessoal do entendimento entre dois povos que quiseram e souberam ultrapassar as desavenças e dedicar ao desenvolvimento o que foi malbaratado pelas armas. Mais recentemente, o Chile resolveu também os seus assuntos pendentes com o Peru, assinando em Novembro de 1999 o Acto de Execução das cláusulas do Tratado de Lima, de 1929, concentrando uma vez mais os esforços no desenvolvimento e no bem-estar da sua sociedade e evitando contendas com outros povos.

7. Senhor Embaixador, ao concluir este discurso formulo os meus melhores votos para o bom desempenho da sua missão. Na Santa Sé, Vossa Excelência encontrará a disponibilidade para tudo o que puder redundar no bem do querido povo chileno e favorecer as boas relações que já existem entre o seu País e esta Sé Apostólica. Peço ao Senhor, por intercessão de Nossa Senhora do Carmo, que o assista no exercício das suas funções, abençoe a sua ilustre e numerosa família, os seus colaboradores, assim como os governantes e cidadãos da nobre Nação chilena, que recordo com estima e abençoo com afecto.



DISCURSO AOS PARTICIPANTES


NO CONGRESSO INTERNACIONAL


DAS OBSTETRIZES E DOS


GINECOLOGISTAS CATÓLICOS


18 de Junho de 2001



Ilustres Senhoras e Senhores

1. Dou-vos as calorosas boas-vindas por ocasião do Congresso internacional de obstetrizes e ginecologistas católicos, durante o qual estais a reflectir sobre o vosso futuro, à luz do direito fundamental à formação e à prática médicas, em conformidade com a vossa consciência. Através de vós, saúdo todas as pessoas que trabalham no campo da saúde e que, como servidores e guardiães da vida, no mundo inteiro dão testemunho incessante da presença da Igreja de Cristo neste sector vital, especialmente quando a vida humana é ameaçada pela crescente cultura da morte. Em particular, agradeço ao Professor Gian Luigi Gigli as amáveis palavras que pronunciou em nome de todos vós e saúdo o Professor Robert Walley, co-organizador do vosso Congresso.

2. As obstetrizes, os ginecologistas e os enfermeiros cristãos são sempre chamados a ser servidores e guardiães da vida, uma vez que "o Evangelho da vida está no centro da mensagem de Jesus. Amorosamente acolhido cada dia pela Igreja, há-de ser fiel e anunciado com coragem, como boa nova aos homens de todos os tempos e culturas" (Evangelium vitae, EV 1). Contudo, a vossa profissão tornou-se ainda mais importante e a vossa responsabilidade ainda maior, "no actual contexto cultural e social, em que a ciência e a arte médica correm o risco de se extraviar da sua dimensão ética originária, [e] podem ser às vezes fortemente tentadas a transformar-se em fautores de manipulação da vida, ou até mesmo em agentes de morte" (Ibid., n. 89).

Até há muito pouco tempo era raro que a ética médica em geral e a moral católica estivessem em desacordo entre si. Sem ter problemas de consciência, os médicos católicos geralmente podiam oferecer aos doentes tudo aquilo de que a ciência médica dispunha. Todavia, agora a situação mudou de maneira profunda. A disponibilidade de drogas contraceptivas e abortivas, novas ameaças contra a vida nas leis de alguns países, determinados diagnósticos maternais, a difusão das técnicas de fertilização in vitro, a consequente produção dos embriões para curar a esterilidade, mas também a sua orientação na investigação científica, a utilização de células de estames embrionários para o desenvolvimento do tecido para transplantes, destinados a curar doenças degenerativas e projectos de clonagem parcial ou integral, já realizados com animais: tudo isto mudou radicalmente a situação.

Além disso, a concepção, a gravidez e o parto já não são vistos como modos de cooperar com o Criador no maravilhoso acto de dar vida a um novo ser humano. Pelo contrário, eles são com frequência considerados como um peso e até mesmo uma ferida a ser curada, e não como um dom de Deus.

3. Inevitavelmente, as obstetrizes, os ginecologistas e os enfermeiros católicos são vítimas destas tensões e mudanças. Eles encontram-se expostos a uma ideologia social que os obriga a ser agentes de um conceito de "saúde reprodutiva" assente nas novas tecnologias de reprodução.

Contudo, apesar da pressão sobre a sua consciência, muitos ainda reconhecem a sua própria responsabilidade de médicos especialistas, tendo em vista o cuidado dos seres humanos mais pequeninos e frágeis e a defesa dos indivíduos que não possuem qualquer poder económico ou social, nem têm uma voz pública.

O conflito entre a pressão social e as exigências da consciência recta podem levar a este dilema: abandonar a profissão médica ou comprometer as próprias convicções. Diante desta tensão, devemos recordar que há um caminho intermediário que se abre para os católicos que trabalham no campo da saúde e são fiéis à sua consciência. É o caminho da objecção de consciência, que há-de ser respeitado por todos, de forma especial pelos legisladores.

4. Enquanto procuramos servir a vida, devemos esforçar-nos para garantir o direito a uma formação e um exercício profissionais que respeitem a consciência, em conformidade com a lei e a nível prático. Como observei na minha Encíclica Evangelium vitae, é óbvio que "os cristãos, assim como todos os homens de boa vontade, são chamados, sob grave dever de consciência, a não prestar a sua colaboração formal em acções que, apesar de serem admitidas pela legislação civil, estão em contraste com a lei de Deus. Na verdade, do ponto de vista moral, nunca é lícito cooperar formalmente no mal" (n. 74). Onde quer que se viole o direito de se formar em medicina e de a praticar segundo as suas convicções morais, os católicos devem trabalhar com diligência para dar um remédio a esta situação.

De forma especial, as universidades e hospitais católicos são chamados a seguir as directrizes do Magistério da Igreja em todos os aspectos da prática da obstetrícia e da ginecologia, inclusive da investigação no campo embrionário. Além disso, deveriam oferecer uma rede de ensino qualificada e reconhecida internacionalmente, a fim de ajudar os médicos que estão sujeitos à discriminação ou a pressões inaceitáveis sobre as suas convicções morais, de se especializar em obstetrícia e ginecologia.

5. A minha ardente esperança é de que, no início deste novo milénio, todos os católicos que trabalham no campo da assistência à saúde, tanto na área da investigação como a nível prático, se comprometam do íntimo do seu coração no serviço à vida humana. Estou convicto de que as Igrejas particulares dedicarão a devida atenção à profissão médica, promovendo o ideal de um serviço sem ambiguidades em favor do grande milagre da vida, apoiando as obstetrizes, os ginecologistas e os agentes que trabalham no campo da assistência médica e que respeitam o direito à vida, contribuindo para promover encontros conjuntos, para que se ajudem uns aos outros e permutem ideias e experiências entre si mesmos.

Enquanto vos confio, a vós e à vossa missão de guardiães e de servidores da vida à protecção da Bem-Aventurada Virgem Maria, concedo-vos cordialmente a minha Bênção Apostólica, a vós e a todos os indivíduos que trabalham convosco, dando testemunho do Evangelho da vida.



MENSAGEM DO SANTO PADRE


AO SUPERIOR-GERAL DOS


FILHOS DA SAGRADA FAMÍLIA


: Ao Rev.do Pe. LUÍS PICAZO
Superior-Geral
dos Filhos da Sagrada Família

1. Ao receber a notícia da celebração do centenário da aprovação pontifícia deste Instituto religioso, é com agrado que envio uma cordial saudação a todos os Filhos da Sagrada Família que, tendo recebido a semente do seu Fundador, o beato José Manyanet y Vives, desejam hoje seguir os seus passos na congregação religiosa e na particular missão de servir a Igreja, especialmente mediante a pastoral familiar.

Esta preocupação é uma ocasião propícia para reafirmar aquela inspiração originária de "fazer uma Nazaré em cada lar", fazendo-a frutificar "num momento histórico como o presente, no qual se verifica uma crise generalizada e radical desta instituição fundamental" (Novo millennio ineunte, 47). Por conseguinte, convido-vos a ser promotores de uma acção coordenada e incisiva para levar a todos os sectores da sociedade a mensagem evangélica que santifica a vida conjugal, dando coesão ao núcleo familiar que acolhe a vida, garante a educação e transmite a fé. Para isto, contais com uma tradição mais que centenária, na qual desenvolvestes uma especial sensibilidade para compreender os problemas e levar a cada lar a ajuda necessária, material e espiritual, de maneira que cumpra a sua tarefa de célula básica da sociedade e igreja doméstica.

2. Além disso, o centenário que agora celebrais sugere uma consideração particular sobre o vínculo estreito que deve presidir à vossa acção apostólica com a doutrina e o Magistério da Igreja. Sabeis bem a importância que o vosso Fundador dava ao apoio do novo Instituto por parte das autoridades eclesiásticas e a imensa alegria que sentiu quando obteve a aprovação canónica do Papa Leão XIII, com o Decreto Attenta salutarium de 22 de Junho de 1901.

Esta preocupação do Beato Manyanet é típica de um filho fiel à Igreja. Mas é também o fruto de uma profunda espiritualidade forjada na contemplação do mistério da família de Nazaré, onde a união e a fidelidade vão para além das exigências institucionais, para se tornarem um reflexo límpido da comunhão trinitária. Por conseguinte, ao propor a Sagrada Família como ideal de vida cristã, devem adoptar-se ao mesmo tempo todos os meios para que na grande família de Deus que é a Igreja, reinem a mais completa harmonia e comunhão. Por conseguinte, tendes no vosso carisma uma raiz específica e uma ulterior razão para ser fiéis à exigência de uma "adesão de mente e de coração" ao Magistério, que deve caracterizar o sentir e o agir de todos os consagrados (cf. Vita consecrata, VC 46).

3. Ao celebrar solenemente o momento em que o vosso Fundador, repleto de amor à Igreja e de adesão aos Seus Pastores, viu reconhecido pelo Santo Padre o seu projecto de vida consagrada, exorto-vos a seguir os seus passos e a renovar a vossa fidelidade ao carisma recebido. Desta forma continuareis a sua obra, enriquecendo todos os dias o grande património espiritual que vos transmitiu, para o oferecer como um inestimável serviço ao homem de hoje.

Ao pedir à Sagrada Família de Nazaré que torne fecundos os vossos esforços apostólicos e que vos faça participantes daquela singular experiência espiritual vivida intensamente no lar de Jesus, Maria e José, concedo-vos de coração a implorada Bênção apostólica, que torno extensiva a todos os que colaboram convosco na missão de fazer de cada família, como dizia o Beato Manyanet, uma "Sagrada Família".


Vaticano, 16 de Junho de 2001.



CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


NO AEROPORTO INTERNACIONAL


DE "BORYSPIL"


EM KIEV


23 de Junho d 2001






Senhor Presidente
Ilustres Autoridades civis
e Membros do Corpo Diplomático
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Esperei por muito tempo esta visita e rezei intensamente para que ela se pudesse realizar. Finalmente, com profunda comoção e alegria, pude beijar esta amada terra da Ucrânia. Agradeço a Deus o dom que hoje me concedeu.

A história conservou os nomes de dois Pontífices romanos que no longínquo passado, vieram até estes lugares: São Clemente I no final do primeiro século e São Martinho I a meados do sétimo. Eles foram exilados na Crimeia, onde morreram mártires. O actual sucessor deles vem até vós, ao contrário, num contexto de festivo acolhimento, desejoso de se fazer peregrino aos célebres templos de Kiev, berço da cultura cristã de todo o Oriente europeu.

Venho até vós, queridos cidadãos da Ucrânia, como amigo da vossa nobre Nação. Venho como irmão na fé para abraçar os numerosos cristãos que no meio das tribulações mais árduas perseveraram na adesão fiel a Cristo.

Venho estimulado pelo amor, para exprimir a todos os filhos desta Terra, aos Ucranianos de qualquer pertença cultural e religiosa, a minha estima e amizade cordial.

2. Eu te saúdo, Ucrânia, testemunha corajosa e tenaz de adesão aos valores da fé. Quanto sofreste para reivindicar, em momentos difíceis, a liberdade de a professar!

Voltam à minha memória as palavras do apóstolo Santo André, que, segundo a tradição, disse que viu resplandecer nas colinas de Kiev a glória de Deus. Foi o que aconteceu, alguns séculos mais tarde, com o baptismo do príncipe Vladimiro e do seu povo.

Mas a visão que o Apóstolo teve não se refere apenas ao vosso passado; ela projecta-se também no futuro do País. De facto, parece que vejo com os olhos do coração difundir-se sobre esta vossa Terra abençoada uma nova luz: a que se libertará da renovada confirmação da escolha feita no distante ano de 988, quando Cristo foi acolhido aqui como "Caminho, Verdade e Vida" (cf. Jo Jn 14,6).

3. Se hoje tenho a alegria de me encontrar aqui convosco, devo-o ao convite que me foi feito quer por Vossa Excelência, Senhor Presidente Leonid Kuchma, quer por todos vós, venerados Irmãos no Episcopado das duas tradições, oriental e ocidental. Estou-vos profundamente grato por este gesto gentil, que me permitiu pisar pela primeira vez, como sucessor do apóstolo Pedro, o solo deste País.

Manifesto o meu reconhecimento antes de mais a Vossa Excelência, Senhor Presidente, pelo caloroso acolhimento e pelas gentis palavras que acabou de me dirigir também em nome de todos os seus compatriotas. Através de Vossa Excelência, desejaria saudar toda a população ucraniana, felicitando-me pela independência reconquistada e agradecendo a Deus porque isto se realizou sem derrame de sangue. Do meu coração surge um desejo: possa a Nação ucraniana prosseguir este seu caminho de paz graças ao contributo concorde dos vários grupos étnicos, culturais e religiosos! Sem a paz não é possível uma prosperidade partilhada e duradoura.

4. O meu agradecimento dirige-se agora a vós, venerados Irmãos da Igreja Greco-Católica Romana. Conservei no coração os vossos repetidos convites para visitar a Ucrânia e agora sinto-me feliz por poder finalmente corresponder a eles. Penso com alegria antecipada nas várias ocasiões que teremos nos próximos dias de nos encontarmos unidos na oração a Cristo, nosso Senhor. Desde já, dirijo aos vossos fiéis a minha saudação afectuosa.

Quantos sofrimentos terríveis tivestes de suportar nos anos passados! Mas agora estais a reagir com entusiasmo e reorganizais-vos procurando luz e conforto no vosso passado glorioso. A vossa intenção é prosseguir com coragem o empenho de difundir o Evangelho, luz de verdade e de amor para cada ser humano. Coragem! É um propósito que vos honra, e sem dúvida o Senhor não vos deixará faltar a graça para o cumprirdes.

5. Peregrino de paz e de fraternidade, espero ser recebido com amizade também por todos os que, mesmo não pertencendo à Igreja católica, têm o coração aberto ao diálogo e à cooperação. Desejo assegurá-los de que não vim aqui com intenções de proselitismo, mas para testemunhar Cristo juntamente com todos os cristãos de cada Igreja e Comunidade eclesial e para convidar todos os filhos e filhas desta nobre Terra a dirigir o olhar para aquele que deu a sua vida pela salvação do mundo.

É com este espírito que saúdo cordialmente, em primeiro lugar, os caríssimos Irmãos no Episcopado, os monges, os sacerdotes e os fiéis ortodoxos, que constituem a maioria dos cidadãos do País. Recordo com prazer que as relações entre a Igreja de Roma e a Igreja de Kiev, ao longo da história, conheceram períodos luminosos: olhando para eles, sentimo-nos encorajados a esperar num futuro com um entendimento cada vez maior no caminho rumo à plena comunhão.

Infelizmente, também houve períodos tristes, durante os quais o ícone do amor de Cristo foi ofuscado: prostrados perante o Senhor comum, reconhecemos as nossas culpas. Ao pedirmos perdão pelos erros cometidos no passado antigo e recente, garantimos por nossa vez o perdão pelas injustiças que sofremos. O desejo mais profundo que sai do coração é que os erros de outrora não se repitam no futuro. Somos chamados a ser testemunhas de Cristo, e a sê-lo juntos. Que a recordação do passado não modere hoje o caminho rumo a um conhecimento recíproco, que favoreça a fraternidade e a colaboração.

O mundo está a sofrer uma mudança rápida: o que ontem era impensável, hoje está ao nosso alcance. Cristo exorta-nos a todos a reavivar no coração o sentimento do amor fraterno. Fazendo apelo ao amor podemos, com a ajuda de Deus, transformar o mundo.

6. Por fim, a minha saudação faz-se extensiva a todos os outros cidadãos da Ucrânia. Mesmo nas diversidades das pertenças religiosas e culturais, caríssimos Ucranianos, há um elemento que aproxima a todos: é a partilha das mesmas vicissitudes históricas, das esperanças e das desilusões que elas levaram consigo.

Ao longo dos séculos o Povo ucraniano conheceu provas duríssimas e extenuantes. Como não recordar, permanecendo no âmbito do século que há puoco se concluiu, o flagelo das duas guerras mundiais, as repetidas carestias, as desastrosas calamidades naturais, acontecimentos tristíssimos que deixaram atrás de si milhões de mortos? Em particular, sob a opressão de regimes totalitários como o comunista e o nazista, o povo arriscou perder a própria identidade nacional, cultural e religiosa, viu dizimar a sua élite intelectual, guarda do património civil e religioso da Nação. Por fim, teve-se a explosão radioactiva de Chernobyl, com as suas dramáticas e impiedosas consequências para o ambiente e a vida de muitos seres humanos. Mas foi precisamente então que mais decididamente foi iniciado o recomeço. Aquele acontecimento apocalíptico, que determinou o vosso País a renunciar às armas nucleares, estimulou também os cidadãos a um enérgico despertar, levando-os a empreender o caminho de um corajoso renovamento.

É difícil explicar com dinâmicas simplesmente humanas as mudanças de época dos dois últimos decénios. Mas seja qual for a interpretação que se queira dar-lhe, não há dúvida de que destas experiências surgiu uma nova esperança. É importante não desiludir as expectativas que agora pulsam no coração de numerosas pessoas, sobretudo dos jovens. Com o contributo de todos agora é urgente promover nas cidades e nas aldeias da Ucrânia o florescimento de um novo e autêntico humanismo. É o sonho que o vosso grande poeta Taras Shevchenko exprimiu num texto famoso: "... os inimigos mais não o serão, mas será o filho, será a mãe, será o povo na terra!".

7. Abraço-vos a todos vós, caríssimos Ucranianos, de Donezk em Leópolis, de Kharkiv em Odessa e em Simferopol! Na palavra Ucrânia está contida a chamada à grandeza da vossa Pátria que, com a sua história, testemunha a sua singular vocação de fronteira e de porta entre o Oriente e o Ocidente. Ao longo dos séculos, este País foi encruzilhada privilegiada de culturas diferentes, ponto de encontro entre as riquezas espirituais do Oriente e do Ocidente.

Há na Ucrânia uma evidente vocação europeia, realçada também pelas raízes cristãs da vossa cultura. Os meus votos são por que estas raízes possam consolidar a vossa unidade nacional, garantindo às reformas que estais a realizar a linfa vital de valores autênticos e partilhados. Oxalá esta Terra continue a desempenhar a sua nobre missão, com o orgulho expresso pelo poeta há pouco citado quando escrevia: "Não existe no mundo outra Ucrânia, não há outro Dniepre". Povo que habitas nesta Terra, não te esqueças disto!

Com a alma repleta destes pensamentos, dou os primeiros passos de uma visita ardentemente desejada e hoje felizmente iniciata. Deus vos abençoe, caríssimos habitantes da Ucrânia, e proteja sempre a vossa amada Pátria!




Discursos João Paulo II 2001 - 16 de Junho de 2001