Discursos João Paulo II 2001 - 23 de Junho d 2001

VISITA À IGREJA GRECO-CATÓLICA DE SÃO NICOLAU


ORAÇÃO DO SANTO PADRE


A NOSSA SENHORA DE ZARVANYTSIA






"Ó bem-aventurada Virgem Maria, Senhora de Zarvanytsia,
dou-te graças pelo dom de me encontrar na Rus' de Kiev,
de onde foi espalhada em toda a região a luz do Evangelho.
Frente ao teu ícone miraculoso,
guardado nesta igreja de São Nicolau,
A Ti, Mãe de Deus e Mãe da Igreja,
confio a minha viagem apostólica à Ucrânia.

Santa Mãe de Deus,
estende o teu manto maternal sobre todos os cristãos
e sobre todos os homens e mulheres de boa vontade,
que vivem nesta grande Nação.
Guia-os para o teu Filho Jesus,
que é para todos caminho, verdade e vida".



VISITA PASTORAL À UCRÂNIA


ENCONTRO DO SANTO PADRE


COM OS REPRESENTANTES DA


POLÍTICA, CULTURA, CIÊNCIA E INDÚSTRIA


Kiev, 23 de junho de 2001






Senhor Presidente
Ilustríssimos Representantes
do Governo e do Parlamento
Ilustres Autoridades
Gentis Senhoras
e distintos Senhores

1. A todos e a cada um de vós, dirijo a minha saudação deferente e cordial. Foi com imensa alegria que aceitei o seu convite, Senhor Presidente, para visitar este nobre País, berço de civilização cristã e pátria de convivência pacífica entre diversas nacionalidades e religiões. Sinto-me feliz por me encontrar hoje em terras ucranianas. Considero uma grande honra o facto de poder finalmente encontrar os habitantes de uma Nação que, nestes difíceis anos de transição, soube assegurar de modo eficaz condições de paz e de tranquilidade aos seus habitantes. Agradeço-lhe do íntimo do coração a recepção e as amáveis palavras de boas-vindas.

Além disso, saúdo com profunda estima os senhores deputados e os membros do Governo, as Autoridades de todas as ordens e graus, os Representantes do povo, o Corpo Diplomático, os Representantes da cultura, da ciência e de todas as forças vivas que contribuem para o bem-estar da Nação. Abraço com sentimentos de sincera amizade o Povo ucraniano, cuja grande maioria é cristã, como o demonstram a cultura, os costumes populares, as numerosas igrejas que adornam a sua paisagem, e além disso as muitas obras de arte distribuídas em todo o seu território nacional. Saúdo uma Terra que conheceu o sofrimento e a opressão, conservando um apego à liberdade que nunca ninguém conseguiu destruir.

2. Vim até junto de vós como peregrino de paz, impelido unicamente pelo desejo de dar testemunho de Cristo, que é "Caminho, Verdade e Vida" (Jn 14,6). Vim para prestar homenagem aos Sacrários da vossa história e para me unir a vós, invocando a protecção divina para o vosso futuro.

É com alegria que te saúdo a ti, maravilhosa cidade de Kiev, que te estendes no curso médio do rio Dniepre, berço dos antigos Eslavos e da cultura ucraniana, profundamente impregnada de fermentos cristãos. No solo da tua Terra, encruzilhada entre o Ocidente e o Oriente da Europa, encontraram-se as duas grandes tradições cristãs, a bizantina e a latina, e ambas encontraram um acolhimento favorável. Ao longo dos séculos, não faltaram tensões mútuas que levaram a contrastes nocivos para ambas. Porém, hoje abre-se o caminho para a disponibilidade ao perdão recíproco. É necessário ultrapassar barreiras e desconfianças para edificar em conjunto um País harmonioso e pacífico, haurindo como no passado nas fontes límpidas da fé cristã comum.

3. Sim! Caríssimos Ucranianos, foi o cristianismo que inspirou os vossos maiores homens da cultura e da arte, irrigando abundantemente as raízes morais, espirituais e sociais do vosso País. Apraz-me recordar nesta ocasião aquilo que escrevia um vosso compatriota, o filósofo Gregório Skovoroda: "Tudo passa, mas é o amor que, em última análise, permanece. Tudo passa, excepto Deus e o amor". Só uma pessoa profundamente imbuída de espírito cristão podia ter tais intuições. Nas suas palavras, reconhece-se o eco da primeira Carta de João: "Deus é amor; quem está no amor, permanece em Deus e Deus nele" (4, 16).

Em toda a Europa, a palavra evangélica criou raízes profundas, suscitando ao longo dos séculos maravilhosos frutos de civilização, de cultura e de santidade. Infelizmente, as opções dos povos do Continente nem sempre foram coerentes com os valores das respectivas tradições cristãs e assim a história teve de passar por aspérrimas vicissitudes de abusos, devastações e lutos.

Os anciãos do vosso povo recordam com saudades o tempo em que a Ucrânia era independente. A essa época, bastante breve, seguiram-se os anos terríveis da ditadura soviética e a duríssima penúria dos inícios dos anos 30, quando o vosso País, "celeiro da Europa", não conseguia mais dar de comer aos seus próprios filhos, que então morreram em número de milhões. E como se pode esquecer o numeroso elenco dos vossos compatriotas mortos durante a guerra de 1941-1945, contra a invasão nazista? Infelizmente, a libertação do nazismo não assinalou também a libertação do regime comunista, que continuou a espezinhar os direitos humanos mais elementares, deportando cidadãos inermes, aprisionando os dissidentes, perseguindo os crentes, e até mesmo tentanto apagar da consciência do Povo a própria ideia de liberdade e de independência. Felizmente, a grande viragem de 1989 permitiu enfim à Ucrânia a reconquista da liberdade e a plena soberania.

4. O vosso povo atingiu a almejada meta de maneira pacífica e incruenta, e agora encontra-se comprometido com tenacidade numa obra de corajosa reconstrução social e espiritual. A comunidade internacional não pode senão estimar o bom êxito alcançado na consolidação da paz e na resolução das tensões regionais, tendo em conta as especificidades locais.
Encorajo-vos a perseverar no esforço necessário para superar as dificuldades que ainda existem, assegurando o pleno respeito dos direitos das minorias nacionais e religiosas. Uma política de tolerância sábia não deixará de fazer com que o povo ucraniano seja considerado com simpatia, assegurando-lhe um lugar especial na família dos povos europeus.

Como Pastor da Igreja católica, relevo com sincera estima o facto de que no preâmbulo da Constituição da Ucrânia se recorda aos cidadãos "a responsabilidade perante Deus". Era sem dúvida nesta óptica que se colocava o vosso filósofo Gregório Skovoroda, quando convidava os seus contemporâneos a propor-se sempre como compromisso prioritário "compreender o homem", procurando para ele os caminhos adequados para o fazer abandonar definitivamente os "becos sem saída" da intransigência e do ódio.

Os valores do Evangelho, que fazem parte da vossa identidade nacional, ajudar-vos-ão a edificar uma sociedade aberta e solidária, em que cada um possa oferecer a sua contribuição específica para o bem comum, encontrando aí, ao mesmo tempo, o apoio oportuno para desenvolver da melhor forma as suas capacidades.
É um apelo que dirijo sobretudo aos jovens, a fim de que, caminhando nos passos de quem deu a vida pelos excelsos ideais humanos, civis e religiosos, saibam conservar inalterado este património de civilização.

5. "Não permitais que os fortes desvirtuem o homem", assim escrevia Vladimiro Monomach (+1125), no seu Ensinamento aos filhos. Trata-se de palavras que ainda hoje conservam toda a sua validade.

No século XX, os regimes totalitários destruíram gerações inteiras, porque abalaram os três pilares de toda a civilização autenticamente humana: o reconhecimento da autoridade divina, da qual brotam as irrenunciáveis orientações morais da vida (cf. Êx Ex 20,1 Êx Ex 20,18); o respeito pela dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn Gn 1,26-27); e o dever de exercer o poder ao serviço de cada um dos membros da sociedade, sem qualquer excepção, a começar pelos mais frágeis e indefesos.

A negação de Deus não tornou o homem mais livre. Pelo contrário, expô-lo a várias formas de escravidão, degradando a vocação do poder político a nível de uma força violenta e opressiva.
6. Homens da política! Não vos esqueçais desta grave lição da história! A vossa tarefa consiste em servir o povo, assegurando paz e igualdade de direitos a todos. Resisti à tentação de vos aproveitardes do poder para privilegiar interesses pessoais ou de grupo. Tende sempre a peito a sorte dos pobres e trabalhai de todas as formas legítimas para que se salvaguarde a cada um o acesso ao justo bem-estar.

Homens da cultura! Tendes uma grande história passada! Penso de modo particular no Arcebispo ortodoxo de Kiev, o Metropolita Pedro Mohyla, que em 1632 fundou a Academia de Kiev, que hoje permanece na recordação como um farol de cultura humanística e cristã. É a vós que compete o exercício de uma inteligência crítica e criativa em todos os âmbitos do saber, unindo o património cultural do passado às exigências da modernidade, de forma a contribuir para o autêntico progresso humano, no sinal da civilização do amor. Neste contexto, formulo votos sinceros para que o ensino das ciências eclesiásticas possa receber o reconhecimento que lhe cabe, também por parte das autoridades civis.

E em particular para vós, Homens comprometidos na investigação científica, seja uma admoestação perene a tremenda catástrofe social, económica e ecológica de Chernobyl! As potencialidades da técnica devem estar vinculadas aos valores éticos imutáveis, a fim de que seja garantido o respeito devido ao homem e à sua dignidade inalienável.

Empresários e operadores no campo da economia na nova Ucrânia! O futuro da Nação depende também de vós! A vossa contribuição corajosa, inspirada sempre nos valores da competência e da honestidade, ajudar-vos-á a relançar a economia nacional, de maneira a dar renovada confiança a todos aqueles que são tentados a deixar o seu País para procurar um lugar de trabalho noutra parte. Tende sempre presente, nas vossas decisões, o bem comum e os justos direitos de todos. Tende em consideração sempre a pessoa e não o lucro, como meta de toda a economia que respeita a dignidade humana. Trabalhai sempre na legalidade, que é a garantia da justiça.

7. Ilustres Autoridades, distintas Senhoras e Senhores! A humanidade entrou no terceiro milénio e novos cenários estão a delinear-se no horizonte. Está em acto um processo global de desenvolvimento, caracterizado por transformações rápidas e radicais. Cada um é chamado a oferecer a sua contribuição com coragem e confiança. A Igreja católica está ao lado de cada pessoa de boa vontade, para sustentar os seus esforços ao serviço do bem.

Quanto a mim, continuarei a acompanhar-vos com a minha oração, a fim de que Deus vos proteja a vós, às vossas famílias, aos vossos projectos e às expectativas de todo o Povo ucraniano, sobre o qual invoco a abundância das bênçãos do Omnipotente.



VISITA PASTORAL À UCRÂNIA


ENCONTRO DO SANTO PADRE


COM O MEMBROS DO EPISCOPADO UCRANIANO


Kiev, 24 de Junho de 2001



Veneráveis Irmãos no Episcopado

1. Saúdo-vos e abraço a todos no Senhor! É para mim motivo de grande alegria encontrar-vos na vossa querida terra, escutar-vos e reflectir convosco sobre o caminho de comunhão e o promissor esforço de evangelização em curso nas vossas Comunidades eclesiais. Já há dez anos, desde que o vosso País readquiriu a independência a partir do fim da ditadura comunista, elas retomaram a sua organização por uma acção pastoral mais eficaz e olham para o futuro com esperança. Para elas peço uma renovada efusão de graças da parte daquele que é segundo uma eficaz expressão do Servo de Deus, o Papa Paulo VI "animador e santificador da Igreja, seu respiro divino, vento das suas velas, seu princípio unificador, sua fonte interior de luz e de força, seu amparo e seu consolador, sua fonte de carismas e de louvores, sua paz e sua alegria, seu penhor e prelúdio de vida bem-aventurada e eterna" (Paulo VI Insegnamenti X [1972], PP 1210-1211).

2. A alegria do encontro de hoje tornar-se-á mais intensa nos próximos dias, quando tomarmos parte, em conjunto, na solene beatificação de alguns dos vossos Irmãos, que exerceram o ministério episcopal em condições de extrema precaridade. Prestar-lhes-emos a homenagem da nossa gratidão por terem conservado intacto, com o seu sacrifício, o património da fé cristã entre os fiéis das suas Igrejas. Elevando-os às honras dos altares, quero estender a nossa grata memória a outros Pastores que, eles também, pagaram muito caro a fidelidade a Cristo e a decisão de permanecerem unidos ao Sucessor de Pedro.

Como não recordar, entre estes, o Servo de Deus, Metropolita André Sheptytskyj? O meu venerado Predecessor, o Papa Pio XII, pôde dizer que a sua nobre vida foi desfeita "não tanto pela sua idade avançada, como pelos sofrimentos do seu espírito de Pastor, perseguido conjuntamente com o seu rebanho" (AAS XLIV [1955], p. 877). Ao mesmo tempo, recordo também o Cardeal José Slipyj, primeiro Reitor da Academia teológica greco-católica de Lviv, felizmente reaberta nos últimos tempos. Este heróico confessor da fé reconheceu o rigor da prisão durante 18 anos.
Estão ainda entre nós sacerdotes e Bispos que experimentaram o cárcere e a perseguição. Enquanto vos abraço, comovido, caríssimos Irmãos, dou louvores a Deus pelo vosso testemunho fiel. Ele me encoraja a desenvolver com uma dedicação cada vez mais corajosa o meu serviço à Igreja universal. Faço minhas as palavras que costumais repetir na liturgia de São João Crisóstomo: "Demo-nos a nós mesmos, um e o outro, e toda a nossa existência a Cristo, nosso Deus". Esta é a lição dos mártires e dos confessores da fé. Também nós devemos aprender esta lição, nós que somos Pastores do rebanho que Deus nos confiou.

3. Verdadeiramente, conservar e transmitir o património da fé é compromisso de toda a Igreja. Mas diz respeito aos Pastores o pesado dever de ser guias seguros, mestres iluminados e testemunhas exemplares para o povo cristão. Faz referência a esta nossa responsabilidade específica o tema que o Sínodo dos Bispos da Igreja Greco-católica Ucraniana enfrentará neste ano: "A pessoa e a responsabilidade do Bispo". Permiti-me, a esse respeito, oferecer-vos com espírito de fraterno serviço algumas reflexões pessoais no decurso deste encontro, em que vos encontrais reunidos em conjunto, Bispos orientais e latinos.

Antes de tudo, quero juntamente convosco, primeiros responsáveis das vossas Igrejas, louvar a Deus pelo testemunho que dão os católicos nesta terra, onde a Igreja apresenta a sua realidade divina e humana, enriquecida pelo génio da cultura ucraniana. Aqui, a Igreja respira com os dois pulmões da tradição oriental e da ocidental. Aqui se encontram em diálogo fraterno quantos bebem das fontes da espiritualidade bizantina e aqueles que se alimentam da espiritualidade latina. Aqui se confrontam e se enriquecem reciprocamente o sentido profundo do mistério que domina a santa liturgia das Igrejas do Oriente e a mística essencialidade do rito latino.

Viver a pertença à única Igreja, respeitando as diversas tradições rituais, oferece-vos a grande oportunidade de tornar operante um significativo "laboratório eclesial" onde construir a unidade na diversidade. Este é o caminho mais apropriado para responder aos numeroso e complexos desafios pastorais do momento presente. A este propósito convido-vos a oferecer o próprio contributo, em estreita e eficaz cooperação, quer a vós, membros do Sínodo dos Bispos da Igreja Greco-católica Ucraniana, quer a vós, Bispos da Conferência Episcopal Latina. Anunciai com um coração unânime o Evangelho de Cristo, superando todas as tentações de divisão e de contraste. A única "concorrência" entre vós, queridos Irmãos no Episcopado, seja competir na estima de uns aos outros (cf. Rm Rm 12,10) e no tender para a santidade.

Cuidai da comunhão entre vós e com os presbíteros num clima de afecto, de atenção e de diálogo respeitador e fraterno. Da qualidade destas relações depende, em grande parte, a eficácia da obra de evangelização.

4. Nestes dez anos, as vossas Igrejas conheceram um extraordinário florescimento de vocações para a vida sacerdotal e religiosa. Isto exige um particular cuidado na formação espiritual, intelectual e pastoral de quantos são chamados ao sacerdócio e à vida consagrada. É necessário garantir, em primeiro lugar, aos futuros presbíteros uma profunda espiritualidade, uma rigorosa preparação filosófico-teológica e uma sólida habilitação para a vida pastoral, apoiada nos valores perenes da tradição católica, mas atenta aos sinais dos tempos. Condição necessária para a realização de tais objectivos é a presença, nos Seminários e Institutos de formação, de educadores valorosos e docentes especializados, que assegurem uma sólida estrutura intelectual e espiritual nos sacerdotes de amanhã. Análogo cuidado deve ser posto na formação do membros dos Institutos de vida consagrada, em particular dos femininos.

Outro objectivo fundamental que as vossas Igrejas têm é uma catequese aprofundada, competente e actualizada, destinada aos adultos e às novas gerações. A este propósito, será de grande ajuda o Catecismo da Igreja Católica, que constitui um instrumento providencial para a apresentação orgânica e sistemática da fé católica aos próximos e aos distantes. Todavia, é necessário recordar que a instrução da catequese representa apenas um dos elementos do mais vasto itinerário de iniciação cristã que prevê, além do anúncio das verdades de fé, a educação para a oração pessoal e litúrgica, a experiência da comunhão fraterna e a formação para o serviço eclesial. Somente uma formação cristã integral pode levar a alcançar a finalidade específica da catequese, que "continua a ser a de desenvolver, com a ajuda de Deus, uma fé ainda inicial, e de promover em plenitude e de alimentar quotidianamente a vida cristã dos fiéis de todas as idades", para que o discípulo do Senhor possa aprender "a pensar como Ele, a julgar como Ele, a agir em conformidade com os seus mandamentos e a esperar como Ele nos exorta a esperar" (Exortação Apostólica Catechesi tradendae CTR 20).

5. Nestes últimos anos, também na Ucrânia caracterizados por rápidas e profundas transformações sociais, a família está a viver uma grave crise, como demonstram os numerosos divórcios e a difundida prática do aborto. Portanto, a família constitua uma das vossas prioridades pastorais. Em especial, preocupai-vos em educar as famílias cristãs para uma vigorosa experiência de Deus e para a plena consciência do projecto do Criador sobre o matrimónio, a fim de que, renovando o tecido espiritual da sua convivência, possam contribuir para melhorar a qualidade de toda a sociedade civil.

À evangelização da família está ligada a pastoral juvenil. Os modelos de vida hedonistas e materialistas, apresentados por muitos meios de comunicação, a crise de valores que investe a família, a ilusão de uma vida fácil que exclui o sacrifício, os problemas do desemprego e a insegurança quanto ao futuro, geram com frequência nos jovens uma grande desorientação, tornando-os disponíveis a propostas de vida efémeras e desprovidas de valor, ou então a graves formas de evasão. É necessário investir energias e instrumentos na sua formação humana e cristã.

Na perspectiva de uma obra eficaz de formação das novas gerações, foi com prazer que tomei conhecimento que tendes a intenção de criar um "Instituto de Ciências Sociais", em que se ofereça uma aprofundada consciência da doutrina social da Igreja. A iniciativa parece ser mais oportuna do que nunca. Portanto, é de bom grado que a encorajo e a abençoo.

6. Venerados Irmãos, abre-se diante de vós um período importante, do qual dependerá a "qualidade" da presença da Igreja em terras ucranianas no próximo milénio. Durante a perseguição comunista, a Igreja greco-católica e a Igreja latino-católica tiveram relações exemplares, que constituíram a sólida premissa do consequente florescimento eclesial. Valorizando esta experiência, hoje é necessário colaborar em maior e melhor medida, em ordem a cumprir a tarefa exigente da nova evangelização. As vossas Igrejas, como já felizmente acontece em várias situações pastorais, saibam encontrar formas elaboradas de entendimento e de ajuda mútua no campo da catequese, dos centros de educação católica e da presença dos mass media, assim como no vasto e complexo sector da promoção humana. Em toda a parte, os católicos devem apresentar-se concordes, prontos ao diálogo e ao serviço recíproco.

O Sínodo da Igreja greco-católica da Ucrânia inclui muitos fiéis na diáspora, e isto apresenta novos desafios pastorais. Uma vez mais, para os enfrentar é necessário viver na unidade. Trata-se de uma unidade concreta, em primeiro lugar entre os Bispos e os presbíteros, à luz do ensinamento do Concílio Vaticano II, que convida os Bispos a considerar os sacerdotes como "irmãos e amigos" (Presbiterorum ordinis, 7). De resto, esta unidade deverá incluir as pessoas de vida consagrada e os leigos empenhados, para o bem espiritual de todo o Corpo místico de Cristo.

7. Sem dúvida, esta forte experiência de comunhão no interior da Igreja católica estimulará formas adequadas de colaboração fraterna com os Irmãos ortodoxos, para corresponderem em conjunto à busca da verdade e da alegria do homem contemporâneo, que apenas Jesus Cristo pode satisfazer plenamente. Por conseguinte, o diálogo ecuménico não pode deixar de constituir para os crentes e as Igrejas na Ucrânia uma prioridade iniludível. A divisão dos cristãos em diferentes confissões representa um dos maiores desafios dos nossos dias. Longo é o caminho que devemos percorrer, para chegar à plena reconciliação e à comunhão também visível entre os discípulos de Cristo, mas a experiência do passado ajuda a olhar para o futuro com confiança.

A sede de unidade tornou-se mais intensa depois do Concílio Vaticano II e hoje aumenta em todos os cristãos a consciência da necessidade de uma compreensão corajosa e de uma colaboração mais estreita. Eu, Sucessor de Pedro, encorajo-vos neste dia e exorto-vos, caríssimos Irmãos no Episcopado, a continuar ao longo deste caminho e asseguro o apoio da Sé Apostólica aos vossos esforços generosos. O Papa está convosco no vosso compromisso diário ao serviço dos fiéis e acompanha-vos com a oração. Com estes sentimentos no coração, confio as vossas pessoas, as vossas Igrejas, os projectos e as esperanças do Povo de Deus que está na Ucrânia à celeste Mãe de Deus, enquanto vos abençoo do íntimo do coração.



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ENCONTRO DO SANTO PADRE


COM OS REPRESENTANTES


DO CONSELHO PAN-UCRANIANO


DAS IGREJAS E ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS


Kiev, 24 de Junho de 2001



Ilustres Representantes do Conselho
Pan-Ucraniano das Igrejas
e das Organizações religiosas

1. Estou profundamente grato às pessoas que tornaram possível o encontro de hoje, durante o qual me é concedida a oportunidade de conhecer mais de perto, no decurso da minha Visita, cada um de vós, Representantes das várias Igrejas e Organizações religiosas presetes na Ucrânia. Dirijo a todos a minha saudação cordial e deferente. Expresso-vos a minha estima pelo serviço que o vosso Conselho Pan-Ucraniano oferece para a salvaguarda e a promoção dos valores espirituais e religiosos, indispensáveis para a edificação de uma sociedade autenticamente livre e democrática. O vosso benemérito Organismo contribui não pouco a fim de criar as condições para um entendimento cada vez melhor entre os fiéis que pertencem às diversas Igrejas e Organizações religiosas, no respeito recíproco e na busca constante de um diálogo sincero e profícuo. Além disso, também não posso deixar de mencionar o vosso louvável esforço a favor da paz entre os homens e os povos.

2. A vossa existência e o vosso trabalho quotidiano testemunham de maneira concreta que o factor religioso é uma parte essencial da identidade pessoal de cada homem, independentemente da raça, povo ou cultura a que pertença. Quando é praticada com um coração humilde e sincero, a religião oferece uma contribuição específica e insubstituível para a promoção de uma sociedade justa e fraterna.

Como poderia um Estado que pretende ser realmente democrático, prescindir do pleno respeito da liberdade religiosa dos seus cidadãos? Não existe democracia verdadeira, quando se despreza uma só das liberdades fundamentais da pessoa humana. Também a Ucrânia experimentou, no longo e doloroso período das ditaduras, os devastadores efeitos da opressão ateia que mortifica o homem e o sujeita a um regime de escravidão. Agora, apresenta-se-vos o urgente desafio da reconstrução social e moral da Nação. Com a vossa actividade, sois chamados a oferecer uma contribuição essencial para esta obra de renovação social, demonstrando que somente num clima de respeito da liberdade religiosa é possível construir uma sociedade com dimensões plenamente humanas.

3. Saúdo-vos em primeiro lugar a vós, queridos Irmãos, unidos pela fé comum em Cristo morto e ressuscitado. A violenta perseguição comunista não conseguiu eliminar da alma do povo ucraniano a aspiração a Cristo e ao seu Evangelho, porque esta fé faz parte da sua história e da sua própria vida. Efectivamente, quando se fala de liberdade religiosa nesta vossa Terra, o pensamento corre de forma espontânea para os gloriosos primórdios do cristianismo que, há mais de mil anos, caracteriza a sua identidade cultural e social. Foi com o Baptismo do Príncipe Vladimiro e do Povo da Rus' de Kiev, no ano de 988, que teve início nas margens do rio Dniepre a presença da fé e da vida cristã. Em seguida, o Evangelho chegou daqui às várias regiões na parte oriental do Continente europeu. Desejei recordá-lo na Carta Apostólica Euntes in mundum, por ocasião do milénio do Baptismo da Rus' de Kiev, sublinhando o facto de que a partir deste acontecimento começou uma vasta irradiação missionária: "Na direcção do Ocidente, até aos montes Cárpatos; e das margens meridionais do Dniepre, até Novgorod; e das margens sententrionais do Volga... até ao litoral do Oceano Pacífico, e ainda para além" (ed. port. de L'Osservatore Romano de 27 de Março de 1988, pág. 6, n. 4; cf. também a Mensagem Magnum baptismi donum, n. 1).

Numa época em que ainda existia a comunhão plena entre Roma e Constantinopla, São Vladimiro, precedido pelo exemplo da Princesa Olga, prodigalizou-se pela salvaguarda da identidade espiritual do Povo, favorecendo ao mesmo tempo a inserção da Rus' de Kiev no conjunto das outras Igrejas. O processo de inculturação da fé, que caracterizou a história destes povos até aos dias de hoje, desenvolveu-se através da obra incansável dos missionários provenientes de Constantinopla.

4. Ucrânia, Terra abençoada por Deus, o cristianismo constitui uma parte imprescindível da tua identidade civil, cultural e religiosa! Tu levaste a cabo e ainda hoje realizas uma importante missão no interior da grande família dos Povos eslavos e do Oriente europeu. Sabe haurir das raízes cristãs conjuntas a linfa vital que continue a irrigar, também no terceiro milénio, os ramos das tuas Comunidades eclesiais.

Cristãos da Ucrânia, que Deus vos ajude a olhar juntos para as nobres origens da vossa Nação. Vos ajude a redescobrir juntos as sólidas razões de um caminho ecuménico respeitador e corajoso, senda de aproximação e de compreensão recíproca, graças à boa vontade de cada um. Desponte depressa o dia da reconquistada comunhão entre todos os discípulos de Cristo, daquela comunhão que o Senhor invocou ardentemente antes da sua volta para o Pai (cf. Jo Jn 17,20-21).

5. Agora, a minha saudação dirige-se para vós, Representantes das outras Religiões e Organizações religiosas, que trabalhais na Ucrânia em estreita colaboração com os cristãos. Esta é uma característica típica da vossa Terra que, pela sua particular posição e conformação geográfica, constitui uma ponte natural não apenas entre o Oriente e o Ocidente, mas também entre os povos que aqui vivem desde há vários séculos. Trata-se de povos diferentes pela sua origem histórica, tradição cultural e credo religioso. Gostaria de recordar a consistente presença dos judeus, que formam uma comunidade solidamente radicada na sociedade e na cultura ucranianas.

Também eles sofreram injustiças e perseguições por terem permanecido fiéis à religião dos seus antepassados. Quem poderá esquecer o grande tributo de sangue que eles pagaram, em virtude do fanatismo de uma ideologia promotora da superioridade de uma raça em relação às outras? Precisamente aqui nos arredores de Kiev, na localidade de Babyn Jar, durante a ocupação nazista em poucos dias foram mortos numerosas pessoas, entre as quais mais de cem mil judeus. Foi um dos crimes mais hediondos entre os inúmeros que a história do século passado infelizmente teve de contar.

A recordação deste episódio de fúria homicida constitua uma salutar admoestação para todos. De que atrocidades o homem é capaz, quando se ilude pensando poder viver sem Deus! A vontade de se contrapor a Ele e de combater contra qualquer expressão religiosa, manifestou-se com prepotência também no totalitarismo ateu e comunista. Nesta cidade constituem uma memória disto os monumentos às vítimas de Holodomor, às vítimas de Bykivnia, aos mortos na guerra no Afeganistão, para citar apenas alguns deles. A recordação de experiências tão dolorosas ajude a sociedade contemporânea, de maneira especial as jovens gerações, a rejeitar qualquer forma de violência e a crescer no respeito da dignidade humana, salvaguardando os direitos fundamentais nela radicados, entre os quais o direito à liberdade religiosa, que não é o último.

6. Quereria unir à lembrança do massacre dos judeus também a recordação dos crimes perpetrados pelo poder político contra a comunidade muçulmana, presente na Ucrânia. Penso de modo especial nos Tártaros deportados da Crimeia para as Repúblicas asiáticas da União Soviética, que agora desejam voltar para a sua terra de origem. Permiti-me, a este propósito, expressar os votos para que, mediante o diálogo aberto, paciente e leal, se possam encontrar soluções adequadas, salvaguardando sempre o clima de tolerância sincera e de colaboração efectiva em ordem ao bem comum.

Nesta paciente obra de salvaguarda do homem e do verdadeiro bem social, os crentes têm um papel peculiar a desempenhar. Juntos, eles podem oferecer um testemunho claro da prioridade do espírito em relação às necesssidades materiais, por mais legítimas que estas sejam. Juntos, podem dar testemunho de uma visão do mundo alicerçada em Deus, também como garantia do valor inalienável do homem. Se eliminarmos Deus do mundo, nele nada mais existiria de humano. Sem olhar para o céu, a criatura perde de vista o horizonte do seu caminho na terra. No fundamento de cada humanismo autêntico há sempre o reconhecimento humilde e confiante do primado de Deus.

7. Dilectos Amigos! Permiti-me saudar-vos com esta expressão, no termo deste nosso encontro familiar. A todos vós, às vossas Igrejas e Organizações religiosas da Ucrânia, renovo a expressão da minha estima e do meu afecto. Imensa é a vossa missão neste histórico início de milénio! Continuai a promover, em conjunto e sem descanso, uma partilha crescente dos valores da religiosidade na liberdade e da tolerância na justiça. Esta é a contribuição mais significativa que podeis oferecer para o progresso integral da sociedade ucraniana.

O Bispo de Roma, que nestes dias se faz peregrino de esperança em Kiev e em Lviv, abraça os crentes de todas as cidades e aldeias da amada Terra ucraniana. Ele assegura-vos, a vós e a todos, uma recordação orante, a fim de que o Altíssimo vos inunde com a sua graça. Deus, Pai terno e misericordioso, vos abençoe a vós aqui presentes, as vossas Igrejas e as vossas Organizações religiosas. Deus abençoe e proteja o querido Povo ucraniano. Hoje e sempre!

Gostaria de agradecer estes bons votos em cada um dos encontros. Ao mesmo tempo, quereria assegurar que, em conformidade com os ensinamentos do Concílio Vaticano II, a Igreja católica se abre para o diálogo ecuménico, como ensina de modo especial o documento Unitatis redintegratio. Abre-se inclusivamente para o diálogo com todas as religiões, na linha traçada pelo documento Nostra aetate. Faço votos para que estas indicações do Concílio Vaticano II para a Igreja sejam uma luz para todos os cristãos, cada um dos crentes e todos os homens de boa vontade na Ucrânia, em ordem à edificação de uma verdadeira comunhão fraterna.

Do íntimo do meu coração, formulo votos para que Deus vos abençoe.




Discursos João Paulo II 2001 - 23 de Junho d 2001