Discursos João Paulo II 2001 - Kiev, 24 de Junho de 2001

MENSAGEM DO SANTO PADRE


POR OCASIÃO DA SESSÃO ESPECIAL DA


ASSEMBLEIA GERAL DA ONU SOBRE HIV/SIDA








A Sua Excelência
Senhor Kofi Annan
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas

A realização em Nova Iorque, de 25 a 27 de Junho, de uma Sessão Especial da Assembleia geral das Nações Unidas encarregada de examinar, nos seus vários aspectos, o problema HIV/Sida, é uma iniciativa muito oportuna e desejo exprimir-vos, bem como a todas as delegações presentes, os meus melhores votos, fazendo votos para que os vossos trabalhos constituam uma etapa decisiva na luta contra essa doença.

A epidemia HIV/Sida representa sem dúvida uma das maiores catástrofes da nossa época, sobretudo na África. Não se trata só de um problema de saúde, pois a infecção tem consequências dramáticas na vida social, económica e política das populações.

Congratulo-me pelos esforços que actualmente estão a ser feitos a nível nacional, regional e internacional para enfrentar este desafio, graças à realização de um programa de acção que visa a prevenção e o tratamento da doença. O anúncio que fizestes da criação iminente do Fundo mundial "sida e saúde" é motivo de esperança para todos. Desejo ardentemente que as tomadas de posição favoráveis se concretizem rapidamente, para um apoio efectivo.

A temível difusão da Sida inscreve-se num universo social caracterizado por uma séria crise de valores. Neste âmbito, como nos outros, a Comunidade internacional não pode ignorar a sua responsabilidade moral; ao contrário, na luta contra a epidemia, ela deve inspirar-se numa visão construtiva da dignidade do homem e investir na juventude, ajudando-a a progredir para uma maturidade afectiva responsável.

A Igreja católica continua a afirmar, mediante o seu magistério e o seu empenho em favor dos doentes de Sida, o valor sagrado da vida. Os esforços que ela realiza, quer na prevenção quer na assistência às pessoas atingidas, muitas vezes em colaboração com as instituições das Nações unidas, insere-se no âmbito do amor e do serviço à vida de todos, desde a sua concepção até ao seu fim natural.

Preocupam-me particularmente dois problemas, que tenho a certeza que serão tratados com grande atenção nos debates da Sessão especial.

A transmissão do HIV/Sida por parte da mãe à criança é uma questão extremamente dolorosa. Enquanto nos Países industrializados, graças a terapias adequadas, se conseguiu reduzir sensivelmente o número de crianças que nascem com o vírus, nos países em vias de desenvolvimento, sobretudo na África, ainda é elevado o número das que nascem afectadas, o que constitui um profundo sofrimento para as famílias e para a comunidade. Acrescentando a este triste quadro o desespero dos órfãos de pais mortos de Sida, encontramo-nos perante uma situação que não pode deixar a comunidade internacional insensível.

O segundo problema é o do acesso dos doentes de Sida às consultas médicas e, na medida do possível, às terapias anti-vírus. Sabemos que o custo destes remédios são excessivos, por vezes até exorbitantes, em relação às possibilidades dos cidadãos dos países mais pobres. A questão engloba diversos aspectos económicos e jurídicos, entre os quais algumas interpretações do direito da propriedade intelectual.

A este respeito, parece ser oportuno recordar o que realçava o Concílio Vaticano II e ao que faço referência na Encíclica Centesimus annus, a respeito da distribuição universal dos bens da terra: "A própria propriedade privada é, por sua natureza, de índole social, fundada na lei do destino comum dos bens" (Gaudium et spes, GS 71 Centesimus annus, CA 30). Em virtude desta hipoteca social, traduzida no direito internacional, entre outras coisas, pela afirmação do direito de cada indivíduo à saúde, peço aos países ricos que correspondam às necessidades dos doentes de Sida dos países pobres com todos os meios disponíveis, para que estes homens e mulheres provados no corpo e no espírito possam ter acesso aos medicamentos de que têm necessidade para se curar.

Não posso terminar esta mensagem sem agradecer aos cientistas e aos pesquisadores de todo o mundo os esforços que fazem a fim de encontrar terapias contra o terrível mal. A minha gratidão dirige-se também aos profissionais da saúde e aos voluntários, pelo amor e competência com que se dedicam à assistência humana, religiosa e médica dos seus irmãos e irmãs.

Sobre quantos estão empenhados na luta contra o HIV/Sida, em primeiro lugar sobre os doentes e as suas famílias, bem como sobre os participantes na Sessão especial, invoco a Bênção de Deus omnipotente.



VISITA PASTORAL À UCRÂNIA


ENCONTRO COM OS JOVENS


NUMA LITURGIA DA PALAVRA


EM RITO BIZANTINO-UCRANIANO


Lviv, 26 de Junho de 2001




1. "Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna!" (Jn 6,68).
Caríssimos jovens da Ucrânia, o Apóstolo Pedro dirigiu estas palavras a Jesus, que se tinha apresentado às multidões como o pão que desce do céu para dar vida aos homens (cf. Jo Jn 6,58). Hoje, tenho a alegria de as repetir no meio de vós, aliás, de as repetir em vosso nome e juntamente convosco.

Hoje, Cristo apresenta-vos, a vós, a interrogação que então dirigira aos Apóstolos: "Também vós quereis retirar-vos?". E vós, jovens da Ucrânia, o que respondeis? Estou certo de que, juntamente comigo, também vós fazeis vossas as palavras de Pedro: "Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna!".

Enquanto vejo que viestes aqui em tão grande número e com tanto entusiasmo, o meu pensamento volta-se para a Jornada Mundial da Juventude, que se realizou em Roma no mês de Agosto do ano passado e na qual também muitos de vós participaram. Nessa ocasião, convidei os jovens do mundo inteiro a abrir um grande "laboratório da fé", onde procurar e aprofundar as razões para seguir Cristo Salvador. Hoje, vivemos um momento significativo do "laboratório da fé" aqui, na vossa Terra, aonde há mais de mil anos, chegou o anúncio do Evangelho.

Uma vez mais, no início do terceiro milénio, Cristo repete-vos a vós: "E vós, quem dizeis que Eu sou?" (Mt 16,15). Caríssimos, o Papa veio ao meio de vós para vos encorajar a responder: "Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo" (Mt 16,16); "Tu tens palavras de vida eterna!" (Jn 6,68).

2. Sim, caríssimos jovens, Cristo tem "palavras de vida eterna". As suas palavras duram para sempre e, sobretudo, abrem-nos as portas da vida eterna. Quando Deus fala, as suas palavras criam a vida, chamam à existência, orientam o caminho, aquecem os corações desiludidos e confusos e, neles, infundem uma esperança renovada.

Quando lemos a Bíblia, descobrimos já a partir da sua primeira página, que Deus nos fala a nós. Fala-nos, dando vida à criação: céu, terra, luz, águas, seres vivos, homem e mulher, tudo existe através da sua palavra. A sua palavra dá significado a todas as coisas, subtraindo-as ao caos. Por isso, a natureza é um livro imenso, onde podemos procurar com admiração sempre nova os vestígios da Beleza divina!

Mais ainda do que na criação, Deus fala na história da humanidade. Ele revela a sua presença nas vicissitudes do mundo, instaurando diversas vezes um diálogo com os homens criados à Sua imagem, para estabelecer uma comunhão de vida e de amor com cada um deles. Assim, a hisória torna-se um caminho de conhecimento recíproco entre o Criador e o ser humano, um diálogo que tem como finalidade última conduzir-nos da escravidão do pecado para a liberdade do amor.

3. Queridos jovens, assim vivida, a história torna-se um caminho rumo à liberdade. Desejais percorrer esta senda? Quereis participar também vós nesta aventura? O futuro da Ucrânia e da Igreja neste País depende também desta vossa resposta. Vós não percorreis sozinhos este caminho. Fazeis parte do grande povo dos crentes que tem como ponto de referência um antigo Patriarca: Abraão. Ele escutou a chamada do Senhor e partiu, tornando-se para nós "pai na fé", porque acreditou e confiou no Senhor, que lhe prometia uma terra e uma descendência.

É da sua fé que descende o povo eleito que, sob a orientação de Moisés, enfrentou o êxodo da escravidão do Egipto para a liberdade da terra prometida. No centro do êxodo encontra-se a aliança do Sinai, fundamentada nas dez palavras de Deus: o "Decálogo", os "dez mandamentos". Trata-se das "palavras de vida eterna", porque valem sempre e dão a vida a quem as observa.

4. Estimados Amigos! Certo dia, um jovem muito rico perguntou a Jesus: "Mestre, que hei-de fazer de bom para alcançar a vida eterna?" (Mt 19,16). E Jesus respondeu-lhe: "Se quiseres entrar na vida, cumpre os mandamentos" (Mt 19,17). Cristo não veio para abolir a primeira aliança, mas para a completar. Os dez mandamentos têm um valor perene, porque são a lei fundamental da humanidade, inscrita na consciência de cada pessoa. São o primeiro passo rumo à liberdade e à vida eterna porque, observando-os, o homem se coloca na justa relação com Deus e com o próximo. Eles "explicitam a resposta de amor que o homem é chamado a dar ao seu Deus" (Catecismo da Igreja Católica, CEC 2083). Esta lei está gravada de forma natural no coração de cada ser humano e deve ser fielmente aceite e seguida. Há-de tornar-se regra da nossa existência quotidiana.

No mundo contemporâneo, verificam-se profundas e rápidas transformações sociais e muitos pontos de referência moral estão a vacilar, lançando os homens no caos e às vezes até mesmo no desespero. O Decálogo é uma espécie de bússola que, num mar borrascoso, impede que se perca a rota para alcançar a meta. Queridos jovens da Ucrânia, eis o motivo por que hoje gostaria de vos entregar de novo, simbolicamente, os mandamentos do Decálogo, para que sejam a vossa "bússola", o ponto firme de apoio para edificardes o vosso presente e o vosso futuro.

5. "Amarás ao Senhor teu Deus". A Deus deve ser reconhecido o primeiro lugar na vossa vida. Por isso, os primeiros três mandamentos dizem respeito à nossa relação com Ele. Justamente, Ele merece ser amado com todo o nosso coração, com toda a nossa alma e com todas as nossas forças (cf. Dt Dt 6,5). Deus é único e não pode ser confundido com divindades falsas. Caros jovens, também a vós Ele diz: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te quero orientar para a plenitude da vida: não me substituas por outra coisa!".

Hoje há um vigoroso impulso que visa substituir o Deus verdadeiro por deuses falsos e ideais falazes. Os bens materiais são ídolos. Quando são procurados e utilizados como meios e instrumentos destinados para o bem, são úteis para a pessoa. Porém, jamais devem ocupar o primeiro lugar no coração do homem, e ainda menos no coração dos jovens, chamados a voar alto, rumo aos ideais mais bonitos e mais nobres!

O nome de Deus é Pai, Amor, Fidelidade e Misericórida. Como deixar de desejar que todos O conheçam e O amem? O seu dia o Sábado, que para nós cristãos se tornou o Domingo, dia da ressurreição do Senhor é a antecipação da terra prometida. Como deixar de o santificar, com a participação na Eucaristia, encontro festivo da Comunidade cristã?

6. "Ama o teu próximo!". Os outros sete mandamentos fazem referência aos nossos relacionamentos com o próximo. Eles indicam-nos o caminho para estabelecer com os outros seres humanos relações caracterizadas pelo respeito e o amor, sobre o fundamento da verdade e da justiça.

Quem põe em prática esta lei divina, não raro deve caminhar contra a corrente. Jovens da Ucrânia, Cristo pede-vos que caminheis contra a corrente! Pede-vos que sejais os defensores da sua lei e de a traduzir em comportamentos coerentes na vida de todos os dias. Esta lei antiga e sempre actual encontra no Evangelho a sua realização perfeita. É o amor que vivifica a existência e é a um amor genuíno, livre e profundo que conduz a observância fiel dos dez mandamentos. Com esta lei divina bem radicada no vosso coração, não tenhais medo: haveis de vos realizar plenamente a vós mesmos e contribuireis para a edificação de um mundo mais solidário e mais justo.

7. Caros jovens, o vosso povo está a viver uma passagem difícil e complexa do regime totalitário, que o oprimiu por muitos anos, para uma sociedade finalmente livre e democrática. Porém, a liberdade exige consciências fortes, responsáveis e amadurecidas. A liberdade é exigente e, num certo sentido, custa mais do que a escravidão!

Por isso, abraçando-vos como um pai, digo-vos: escolhei o caminho estreito, que o Senhor vos indica através dos seus mandamentos. São palavras de verdade e de vida. A vereda que frequentemente parece larga e cómoda revela-se mais tarde enganosa e falaz. Não passeis da escravidão do regime comunista à dependência do consumismo, outra forma de materialismo que, mesmo sem rejeitar Deus com a palavra, O nega contudo com os factos, excluindo-O da vida.

Sem Deus nada de bom podereis fazer. Todavia, com a sua ajuda sereis capazes de enfrentar todos os desafios do momento presente. Conseguireis também tomar decisões comprometedoras contra a corrente, como por exemplo a de permanecer na vossa Pátria com confiança, sem ceder às miragens de uma sorte fácil no estrangeiro. A Ucrânia tem necessidade de vós aqui, jovens, prontos a oferecer a vossa contribuição para melhorar as condições sociais, culturais, económicas e políticas do País. Ela precisa dos talentos de que sois ricos, para o futuro desta vossa Terra, que tem atrás de si um passado verdadeiramente glorioso.

O futuro da Ucrânia depende em boa medida de vós e das responsabilidades que souberdes assumir. Deus não deixará de abençoar os vossos esforços, se orientardes a vossa vida para o serviço abnegado à família e à sociedade, fazendo com que o bem comum preceda os interesses particulares. A Ucrânia tem necessidade de homens e de mulheres que se dediquem ao serviço da sociedade, tendo em vista a promoção dos direitos e do bem-estar de todos, a começar pelos mais frágeis e pelos deserdados. Esta é a lógica do Evangelho, mas constitui também a lógica que faz crescer a comunidade civil. Com efeito, a verdadeira civilização não se mede somente pelo progresso económico, mas principalmente pelo desenvolvimento humano, moral e espiritual de um povo.

8. Caríssimos jovens! Dou graças a Deus que me concedeu a alegria de me encontrar convosco. Antes de vos deixar, gostaria de acrescentar ainda uma última palavra: amai a Igreja! Ela é a vossa família e o edifício espiritual de que sois chamados a fazer parte e ser as pedras vivas. Aqui, ela apresenta um rosto singularmente fascinante, em virtude das diversas tradições que a enriquecem. Com o espírito de fraternidade, caminhai e crescei unidos como hoje, a fim de que as várias tradições não sejam um motivo de divisão, mas sobretudo estimulem o conhecimento e a estima de uns em relação aos outros.

Faço votos para que vos acompanhe ao longo deste caminho a Virgem Maria, tão venerada aqui em terras ucranianas. Amai-a e escutai-a! Ela ensinar-vos-á a ser um dom sincero e generoso a Deus e aos irmãos. Levar-vos-á a procurar em Cristo a plenitude da vida e da alegria. Assim, sereis na Igreja a nova geração de santos da vossa Terra, fiéis a Deus e ao homem, apóstolos do Evangelho em primeiro lugar no meio dos vossos coetâneos.

O vosso alimento espiritual seja sempre o Pão eucarístico, Cristo! Alimentados por Ele na Eucaristia, permanecereis sempre no seu amor e dareis muito fruto. E se às vezes o caminho se torna árduo, se a senda da fidelidade ao Evangelho vos parecer demasiado difícil, porque exigirá sacrifícios e opções corajosas, recordai-vos do nosso encontro. Assim, podereis reviver o entusiasmo da profissão de fé que hoje fizemos em conjunto: "Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna!". Repeti-a e não tenhais medo! Cristo será a vossa força e a vossa alegria!

Obrigado, queridos amigos! O Papa ama-vos e considera-vos como sentinelas de uma nova aurora de esperança. Ele honra a Deus pela vossa generosidade enquanto, com afecto, reza por vós e, do íntimo do seu coração, vos concede a sua bênção.



MENSAGEM AO CARDEAL JAMES FRANCIS STAFFORD


POR OCASIÃO DE UM CONGRESSO SOBRE


MOVIMENTOS ECLESIAIS


29 de Junho de 2001




Ao Venerado Irmão Senhor Cardeal JAMES FRANCIS STAFFORD
Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos

1. Foi com prazer que tomei conhecimento de que, por iniciativa do Movimento dos Focolares, vai realizar-se em Castelgangolfo, de 26 a 29 de Junho, um Congresso teológico-pastoral sobre o tema: "Os Movimentos eclesiais para a nova evangelização". A Vossa Eminência que, com competência, acompanha e orienta o caminho dos "Movimentos eclesiais" na comunhão e na missão da Igreja, confio a tarefa de transmitir a minha cordial saudação à Senhora Dona Chiara Lubich, às colaboradoras e aos colaboradores, assim como aos relatores do Congresso e a todos os sacerdotes, aos diáconos permanentes e aos seminaristas estudantes de teologia, que participarão no mesmo Congresso.

Na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, tracei as linhas directrizes do caminho que a Igreja, impelida pela abundante efusão de graça propiciada pelo recente grande Jubileu, é chamada a percorrer no alvorecer do terceiro milénio. A Igreja deve "recomeçar a partir de Cristo", com o olhar fixo n'Ele e, mergulhando no seu Mistério, comprometer-se a ser para todos uma escola de comunhão e de caridade concreta. Sustentada pelo poder do Espírito Santo, apesar das fragilidades humanas, a Igreja poderá desta forma dar testemunho do amor de Deus em todos os ambientes onde estão em jogo a vida do homem e a construção da sociedade.

Esta missão investe toda a Comunidade cristã, e os Movimentos eclesiais constituem uma "dádiva providencial" para este caminho, como eu mesmo quis recordar no memorável encontro realizado no dia 30 de Maio de 1998, na Praça de São Pedro. Precisamente por este motivo, na citada Carta Apostólica subinhei "o dever de promover as várias realidades agregativas que, tanto nas suas formas mais tradicionais como nas mais recentes dos Movimentos eclesiais, continuam a dar à Igreja uma grande vitalidade, que é dom de Deus e constitui uma autêntica "primavera do Espírito"" (n. 46).

2. Em muitos Movimentos eclesiais participam, juntamente com os fiéis leigos, também numerosos sacerdotes, atraídos pelo ímpeto carismático, pedagógico, comunitário e missionário que acompanha as novas realidades eclesiais. Esta experiência pode resultar mais útil do que nunca, porque é capaz "de enriquecer a vida espiritual dos presbíteros e de dotar o presbítero de preciosos dons espirituais" (Pastores dabo vobis, PDV 31). Na doutrina da Igreja católica, é perfeitamente claro que os sacerdotes são chamados, em primeiro lugar, a viver de forma plena a graça do Sacramento, através da qual são configurados com Cristo, Chefe e Pastor, para o serviço de toda a comunidade cristã, em cordial e filial referência ao Bispo, e fraternalmente unidos no presbitério diocesano. Eles pertencem à Igreja particular e colaboram na sua missão. Todavia, é também verdade que "os carismas do Espírito criam sempre afinidades, destinadas a ser para cada um o sustento para o seu ministério objectivo no seio da Igreja" (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII/2, 1985, pág. 660). Precisamente por este motivo, os Movimentos eclesiais podem ser úteis inclusive para os sacerdotes.

A sua eficácia positiva manifesta-se quando os sacerdotes encontram nos Movimentos "a luz e o calor" que os ajudam a amadurecer numa vida cristã fervorosa e, de forma particular, num autêntico "sensus Ecclesiae", que os impele a uma mais sólida fidelidade aos Pastores legítimos, tornando-os atentos à disciplina eclesiástica, de maneira a desempenhar com ímpeto missionário as incumbências que são próprias do seu ministério. De resto, os Movimentos eclesiais resultam ser uma "fonte de ajuda e de apoio no caminho de formação que tem em vista o sacerdócio", em particular para aqueles que provêm de realidades agregativas específicas, sem nada tirar ao valor da disciplina estabelecida na Igreja para os Seminários.

Por conseguinte, é importante evitar que a participação do sacerdote, do diácono e do seminarista em Movimentos ou agregações eclesiais termine num encerramento tanto presunçoso quanto limitado. Pelo contrário, ela deve abrir o seu espírito para o acolhimento, o respeito e a valorização de outras modalidades de participação dos fiéis na comunidade eclesial, levando-os a ser cada vez mais homens de comunhão, "pastores do rebanho" (cf. Pastores dabo vobis, PDV 62).

3. Com estas premissas, para os sacerdotes a inserção nos Movimentos eclesiais traduzir-se-á numa possibilidade de enriquecimento espiritual e pastoral. Com efeito, participando neles, os presbíteros podem aprender a viver melhor a Igreja na coessencialidade dos dons sacramentais, hierárquicos e carismáticos que lhes são próprios, segundo a pluriformidade dos ministérios, estados de vida e tarefas que a edificam. "Sensibilizados" e "atraídos" pelo mesmo carisma, participantes de uma mesma história, inseridos numa única comunidade, sacerdotes e leigos compartilham uma interessante experiência de confraternidade entre "christifideles" que se edificam uns aos outros, sem jamais se confundirem.

Todavia, seria uma grave perda se se encaminhasse para uma "clericalização" dos Movimentos. De igual forma, seria prejudicial se o testemunho e o ministério dos presbíteros fossem de alguma maneira ofuscados e progressivamente assimilados a uma condição laical. O sacerdote deve inserir-se no interior de um Movimento, para além das funções e das tarefas que nele for chamado a assumir, como uma singular presença de Cristo, Cabeça e Pastor, ministro da Palavra de Deus e dos Sacramentos, educador na fé, através da união ao ministério hierárquico. Aliás, é exactamente da sua contribuição que pode depender em grande medida o crescimento dos Movimentos naquela "maturidade eclesial" que desejei recordar no mencionado encontro do Pentecostes de 1998.

Por isso, encorajo este Pontifício Conselho a seguir com atenção o caminho dos Movimentos eclesiais, favorecendo um diálogo intenso com eles e acompanhando-os com sabedoria pastoral, sem lhes deixar faltar, quando for preciso, os discernimentos, esclarecimentos e orientações necessários.

Confio este Congresso a Maria, a Virgem fiel e, enquanto de bom grado asseguro a minha lembrança na oração por aqueles que nele participarem, concedo-vos a todos uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 21 de Junho de 2001.



VISITA PASTORAL À UCRÂNIA


CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


Lviv, 27 de Junho de 2001



Senhor Presidente
da República da Ucrânia
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Senhores
e queridos Ucranianos

1. Chegou o momento da despedida. É com emoção que vos saúdo a vós aqui presentes e, através de vós, todo o Povo da Ucrânia, que durante estes dias pude conhecer melhor. O meu pensamento dirige-se de modo particular para os habitantes das cidades de Kiev e de Lviv, que me receberam, e para quantos vieram de outras cidades e localidades para me encontrar.

Quando cheguei aqui, senti-me como que abraçado pela cidade de Kiev com as suas cúpulas douradas e repleta de jardins. Depois, experimentei a tradicional hospitalidade de Lviv, cidade de monumentos insignes, riquíssimos de memórias cristãs.

Agora, com grande nostalgia parto desta Terra, encruzilhada de povos e de culturas, de onde há mais de mil anos o Evangelho começou a percorrer o seu caminho para depois se difundir e se radicar no tecido histórico e cultural das populações da Europa do Leste. A todos e a cada um de vós, gostaria de repetir: obrigado!

2. Obrigado a ti, Ucrânia, que defendeste a Europa na tua incansável e heróica luta contra os invasores.

Obrigado a vós, Autoridades civis e militares, por tudo o que fazeis, nos vossos respectivos campos de trabalho, ao serviço do progresso ordenado do Povo ucraniano, e obrigado também pela generosa dedicação com que garantistes o bom êxito desta minha viagem apostólica.

Obrigado a vós, queridos Irmãos e Irmãs, que fazeis parte desta Comunidade cristã, "fiel até à morte" (Ap 2,10). Há muito tempo que eu desejava manifestar-vos a minha admiração e a minha estima pelo testemunho heróico que destes durante o longo inverno da perseguição no século passado.

Obrigado pelas orações e pela prolongada preparação espiritual com que quisestes encontrar o Sucessor de Pedro, para serdes por ele confirmados na fé e ajudados a viver naquele amor fraterno que "tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta" (1Co 13,7).

No momento de deixar o solo ucraniano, desejo transmitir uma saudação respeitosa e cordial aos Irmãos e às Irmãs desta venerável Igreja ortodoxa e aos seus Pastores.

Acompanho-vos a todos com a oração e a cada um dirijo como desejos de bons votos as palavras de bênção que o Apóstolo Paulo transmitiu aos cristãos de Tessalonica: "O Senhor da paz vos conceda a paz em todo o tempo e por todas as formas" (2Th 3,16).

3. O Senhor te dê a paz a ti, Povo ucraniano que, tendo finalmente reconquistado a liberdade com dedicação tenaz e concorde, deste início a uma obra de redescoberta das tuas raízes mais genuínas e te estás a empenhar num diligente processo de reformas, para oferecer a todos a possibilidade de viver e de expressar a sua fé, a sua cultura e as suas convicções, num contexto de liberdade e de justiça.

Embora ainda sejam dolorosas as cicatrizes das horríveis feridas, sofridas ao longo de intermináveis anos de opressão, de ditadura e de totalitarismo, em que os direitos do povo foram negados e conculcados, olha com confiança para o teu futuro. Esta é a hora propícia! Este é o tempo da esperança e da audácia!

Os meus votos são para que a Ucrânia possa inserir-se plenamente numa Europa que inclua o Continente inteiro, desde o Atlântico até aos Montes Urales. Como eu dizia no final de 1989, que tanta importância teve para a história recente do Continente, não poderá existir uma Europa pacífica e irradiadora de civilização sem esta osmose e esta participação de valores diferentes e contudo complementares", que são típicos dos povos do Leste e do Oeste (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XII/2 [1989], pág. 1591).

4. Nesta época importante e histórica a Igreja, consciente da sua missão, não deixará de exortar os seus fiéis a cooperar activamente com o Estado para a promoção do bem comum. Com efeito, nela existe uma caridade social que se traduz no "serviço à cultura, à política, à economia, à família, para que em toda a parte sejam respeitados os princípios fundamentais de que dependem o destino do ser humano e o futuro da civilização" (Novo millennio ineunte, 51).

De resto, os cristãos sabem que são a pleno título uma parte integrante da Nação ucraniana. São-no em virtude de uma história milenária, que teve início com o Baptismo de Vladimiro e da Rus' de Kiev, no ano de 988, nas águas do rio Dniepre; mas são-no sobretudo hoje, em virtude do baptismo de sangue que receberam durante as tremendas perseguições do século XX: naqueles anos terríveis, numerosas foram as testemunhas da fé, não só católicas mas também ortodoxas e membros da Igreja Reformada que, por amor a Cristo, enfrentaram privações de todas as espécies, chegando em muitos casos até ao sacrifício da sua própria vida.

5. A unidade e a concórdia! Eis o segredo da paz e a condição para um progresso social autêntico e estável. É graças a esta sinergia de intenções e de acções que a Ucrânia, pátria de fé e de diálogo, poderá ver reconhecida a sua dignidade no concerto das Nações.

Volta-me à mente a solene admoestação do vosso grande poeta Taras Shevchenko: "Somente na tua casa encontrarás a verdade, a força e a liberdade". Ucranianos, é no fecundo terreno das vossas tradições que mergulham as raízes do vosso futuro! Juntos, podeis construí-lo; em conjunto, podeis enfrentar os desafios do momento presente, animados por aqueles ideais comuns que constituem o património indelével da vossa história passada e recente. A missão é conjunta; comum seja também o compromisso assumido por todo o Povo ucraniano!

Renovo-te a ti, Terra da Ucrânia, os meus bons votos de prosperidade e de paz. Deixas no meu coração recordações inesquecíveis! Até à vista, Povo amigo, que aperto num abraço de simpatia e de afecto! Obrigado pelas cordiais recepção e hospitalidade, que jamais poderei esquecer!
Adeus, Ucrânia! Faço minhas as palavras do teu exímio poeta, invocando de "Deus forte e justo" todas as bênçãos para os filhos da tua Terra, "cem vezes ensanguentada, outrora Terra gloriosa". Caríssimos Irmãos e Irmãs, também eu digo com o vosso poeta e juntamente convosco: Deus te proteja para sempre, "ó santa, santa Pátria minha!".

Peço a Deus Todo-Poderoso que te abençoe a ti, Povo ucraniano, e cure todas as tuas feridas. O seu grande amor cumule o teu coração e te oriente pelos caminhos do terceiro milénio cristão, rumo a um renovado futuro de esperança. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!



DISCURSO À DELEGAÇÃO DO


PATRIARCADO ECUMÉNICO DE CONSTANTINOPLA


POR OCASIÃO DA FESTA DOS SANTOS PEDRO E PAULO


29 de Julho de 2001

Queridos Irmãos em Cristo

1. "Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que na Sua Grande misericórdia nos regenerou pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, que não pode contaminar-se e imarcessível" (1P 1,3-4).

Quis receber-vos hoje com as palavras que Pedro dirigiu aos cristãos do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e de Bitínia, queridos irmãos, membros da delegação do Patriarcado ecuménico, Sua Santidade Bartolomeu I, e do Santo Sínodo do Patriarcado de Constantinopla, por ocasião da visita que fizestes à Igreja de Roma e com a qual me alegro profundamente. "Graça e paz da parte de Deus Pai e da de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Ga 1,3). Sede bem-vindos ao meio de nós nestes dias em que celebramos a festa dos Santos Pedro e Paulo.

Este intercâmbio de delegações entre a Igreja de Roma e o Patriarcado ecuménico para as festas patronais durante as quais é honrada a memória dos Apóstolos Pedro e Paulo, e André, é uma iniciativa abençoada pelo Senhor. Podemos até dizer que ela já se tornou uma prática natural de fraternidade eclesial. Sinto-me muito feliz porque ela se tornou um costume e estou profundamente grato ao Patriarca ecuménico e ao Santo Sínodo pelos sentimentos que manifestam, como a Igreja de Roma, a respeito desta iniciativa que nos permite celebrar a obra realizada pelo Senhor, graças aos primeiros Apóstolos. Além disso, isto permite-nos participar juntos na oração e é, ao mesmo tempo, uma ocasião de diálogo regular e harmonioso. A vossa presença, queridos Irmãos, torna-vos participantes desta festa da Igreja de Roma.

2. Entre os primeiros discípulos, Jesus chamou dois irmãos, Simão e André. Eles eram pescadores. "Disse-lhes: "Vinde após Mim e Eu farei de vós pescadores de homens". E eles, imediatamente, deixaram as redes e seguiram-n'O" (Mt 4,19-20).

Desde então, a mensagem evangélica foi levada até aos extremos confins da terra e nós somos chamados a dar continuidade na história à missão confiada aos Apóstolos. Como o Senhor chamou "ao mesmo tempo" Pedro e André para serem pescadores de homens para o Reino de Deus, é também ao mesmo tempo que os sucessores dos Apóstolos são convidados a anunciar a Boa Nova da salvação, a fim de que, pelas nossas palavras e unidade fraterna, o mundo creia.

Todos os anos, a presença de uma delegação católica na celebração eucarística do Phanar e a vossa participação na celebração que se realiza em São Pedro, mostram que somos chamados pelo Senhor a esta missão comum. Contudo, a impossibilidade de participar juntos no único sacrifício de Cristo, é para todos nós um sofrimento e um apelo, para que procuremos caminhos que permitam resolver as divergências que ainda existem entre ortodoxos e católicos.

3. Com esta finalidade, devem ser intensificadas as relações fraternas entre as Igrejas particulares católicas e ortodoxas e o diálogo teológico. É importante enfrentar e esclarecer o que ainda resta do contencioso teológico, baseando-se na Sagrada Escritura e na Tradição. O trabalho da Comissão mista deve ser completado de acordo com o programa estabelecido. Sei que o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o Patriarcado ecuménico e o co-Presidente ortodoxo da Comissão mista estão em estreito contacto para decidir juntos a melhor forma de instaurar de novo o diálogo. A Igreja católica também está relacionada com as Igrejas ortodoxas autocéfalas e autónomas. A promoção do diálogo da caridade, que permitiu criar as condições necessárias para iniciar o diálogo teológico, revela-se novamente a forma mais directa para nos reencontrarmos na verdade e no afecto recíproco em Cristo.

4. A festa dos Santos Pedro e Paulo ofereceu-nos de novo a ocasião de rezar juntos aos santos Apóstolos que intercedem por todos os discípulos de Cristo, a fim de que "todos sejam um" e, juntamente, sejam "pescadores de homens" entre as jovens gerações deste novo milénio, que estão sequiosos de conhecer Cristo e de caminhar seguindo os seus passos. Oxalá possamos anunciar juntos o Salvador, para dar a estas gerações "uma esperança viva" que não engana.

5. Queridos Irmãos, agradeço-vos a vossa visita e peço-vos que transmitais as minhas saudações fraternas a Sua Santidade Bartolomeu I, bem como a todos os membros do Santo Sínodo do Patriarcado ecuménico. Que o Senhor esteja sempre connosco! Ele nos guie pelos caminhos do seu Reino!





Discursos João Paulo II 2001 - Kiev, 24 de Junho de 2001