Discursos João Paulo II 2001 - Quinta-feira, 6 de Setembro de 2001

AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO DA


CONFEDERAÇÃO DOS CÓNEGOS REGULARES


DE SANTO AGOSTINHO





Reverendo Abade Primaz
Estimados Cónegos Regulares de Santo Agostinho

1. Sinto-me feliz por vos receber a vós, por ocasião do Congresso internacional da vossa Confederação, e é do íntimo do coração que dou as boas-vindas a cada um de vós. Saúdo o estimado Abade Primaz e agradeço-lhe ter-se feito intérprete dos sentimentos de todos. Cumprimento quantos participaram neste vosso encontro, que acaba de chegar ao fim, cujo tema foi: Participação dos leigos no nosso carisma.

Trata-se de uma importante ocasião que se vos oferece para reflectir sobre a antiga forma de vida religiosa, que encontra as suas raízes na fórmula tradicional: "Contemplare, et contemplata aliis tradere". A veneranda tradição agostiniana une o espírito contemplativo à actividade apostólica e este estilo de vida ainda hoje caracteriza as vossas comunidades presentes em cada continente.

Assim, sois os continuadores de uma espiritualidade capaz de falar à mente e ao coração dos homens de hoje, que estão em busca de modelos espirituais em que se inspirar de maneira válida. Enquanto me congratulo convosco pela vossa vitalidade, é com alegria que vos exorto a perseverar no compromisso de oferecer a quantos encontrais no vosso apostolado o perene anúncio evangélico, traduzido no testemunho quotidiano de fidelidade ao carisma que vos é próprio.

2. Na história da Igreja a vossa Ordem benemérita, que se inspira no grande Pastor e Doutor Santo Agostinho, desempenhou um papel significativo. Na medida em que se afirmava o celibato do clero, a vida conjunta dos Cónegos Regulares em redor dos Bispos permitiu criar as melhores condições para uma dedicação total à causa do Reino de Deus. A rápida expansão desta prática entre o clero, do Noroeste da África à Espanha, da Itália à França e a todo o Norte da Europa, dá testemunho da sua validade.

Trata-se de uma típica forma de vida consagrada, caracterizada pela comunhão fraterna, pelo apostolado e por um intenso sentimento litúrgico. Estes três elementos conservam intacta a sua validade, embora devam ser adequados com sabedoria às exigências dos tempos, que mudam rapidamente. A este respeito, é de grande ajuda a sua Regra que, embora esteja ligada à espiritualidade das comunidades canónicas primitivas, permanece sempre actual porque apresenta o carisma comunitário vinculado aos princípios evangélicos imorredouros, como a caridade, a unidade e a liberdade.

3. Na vossa Regra, que concentra o coração, a mente, o espírito, a personalidade, a maturidade humana e religiosa de Santo Agostinho, tudo está centrado em Cristo, tudo se movimento em redor de Cristo, sublime Mestre interior. Tudo exorta à descoberta de uma ascese que se caracteriza como obediência e fidelidade ao Espírito.

Daqui brota a particular importância que Santo Agostinho atribui ao valor da contemplação e à sua íntima união à vida comunitária. A contemplação, que brota de uma orientação radical para Cristo, consiste em manter fixo o olhar n'Ele para se deixar penetrar e transformar pelo seu Espírito. Isto exige um esforço incessante para aprofundar o Evangelho e o pôr em prática, vivendo em comunidade uma autêntica caridade fraterna, sincera e generosa, fruto e ao mesmo tempo instrumento para progredir no itinerário interior contemplativo. Desta forma a caridade fraterna, que tem origem no contacto íntimo com o Senhor, torna-se dom e graça a compartilhar com os irmãos.

Eis a contribuição que a Igreja espera de vós. Estou convicto de que, vivendo plenamente o vosso carisma, podereis ajudá-la a alcançar as metas missionárias para as quais está orientada, imprimindo, naquilo que cabe à vossa competência, um válido impulso à nova evangelização.

4. O próprio tema do Congresso, que diz respeito à participação dos leigos no carisma da Ordem, sublinha um aspecto importante da vossa contribuição para a acção evangelizadora da Comunidade eclesial. Na medida em que ela procura valorizar o sacerdócio comum de todos os baptizados e convida os fiéis leigos a serem missionários no complexo mundo moderno, a vossa proposta de vida representa já um modelo a seguir. Com efeito, apresentais uma experiência de comunidade em que os leigos assumem o seu papel eclesial específico com participação responsável, fortalecidos pela graça que provém de uma espiritualidade litúrgica aprofundada.

Tudo isto cria as condições para um serviço eficaz em prol da evangelização, fazendo reviver o clima da primeira comunidade cristã, onde todos "eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações" (Ac 2,42).

Caríssimos Irmãos! Enquanto damos os primeiros passos no novo milénio, tendo diante de nós múltiplos desafios sociais e religiosos, testemunhai com coragem a vossa fidelidade à missão que o Senhor vos confia, seguindo o exemplo de Santo Agostinho, Pastor corajoso e repleto de zelo.

Como ele, confiai-vos à acção do Espírito e não tenhais medo de vos abrir com optimismo evangélico às necessidades do homem: "Estai sempre prontos a responder... a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança" (1P 3,15).

A Virgem Santíssima, por vós venerada com especial impulso filial, vos acompanhe e faça frutificar o vosso ministério quotidiano. Sirva-vos de ajuda também a minha Bênção que, de coração, vos concedo a vós, aos vossos Irmãos e a quantos têm a vossa espiritualidade agostiniana como ponto de referência.

Castelgandolfo, 6 de Setembro de 2001.




AO NOVO EMBAIXADOR DA IRLANDA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA


APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 7 de Setembro de 2001

Senhor Embaixador

É com grande alegria que lhe dou as boas-vindas hoje de manhã em Castelgandolfo e aceito as Cartas Credenciais mediante as quais Vossa Excelência é designado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Irlanda junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as saudações que me transmitiu da parte da Presidente, Sua Excelência a Senhora Mary McAleese, e apraz-me retribuir-lhe com os bons votos e a certeza da minha boa vontade e das minhas orações por ela e pelo povo da Irlanda.
Vossa Excelência falou das celebrações do Grande Jubileu, que tiveram lugar no ano passado, para comemorar os dois mil anos do Nascimento de Cristo. O Jubileu constituiu uma ocasião para a Igreja, no mundo inteiro, renovar o seu compromisso em favor do Evangelho e o seu serviço à humanidade. Muitos irlandeses vieram em peregrinação a Roma, durante o Ano jubilar, dando expressão aos vínculos de união com o Sucessor de Pedro, que caracterizaram a Igreja na Irlanda desde os tempos de São Patrício e até mesmo na época que o precedeu. Não é possível pensar na Irlanda, sem recordar a sua tradição monástica, o seu amor pela ciência e o zelo missionário, que levaram muitos irlandeses, homens e mulheres ao longo dos séculos, a tornar-se peregrini pro Christo no mundo inteiro.

Os fundamentos cristãos da Europa deve muitíssimo à visão e às obras dos grandes Santos irlandeses, como Columba, Columbanus, Gall e Killian. Nos agitados anos que se seguiram, irlandeses e irlandesas padeceram a discriminação, a perseguição e até mesmo o martírio em virtude da sua fidelidade tenaz à fé dos antepassados. Esta herança assinalou profundamente o carácter e a cultura do povo irlandês, que tem uma sensibilidade especial diante dos sofrimentos dos outros povos, manifestando-lhes grandes generosidade e solidariedade. Até mesmo nos nossos dias os irlandeses e as irlandesas ocupam lugares de vanguarda no trabalho de evangelização e de serviço da Igreja em todas as regiões do mundo, dando, não raro, o supremo testemunho da sua fé e do seu compromisso, como no-lo demonstrou ainda o recente caso de Rufus Halley, o sacerdote Columbano irlandês assassinado nas Filipinas.

Os últimos anos trouxeram rápidas transformações sociais e económicas, que criaram muitos desenvolvimentos positivos, mas também exigências novas e às vezes desestabilizadoras da sociedade e das pessoas individualmente. Em particular, como Vossa Excelência observou, há necessidade de discernir as tendências e mudanças que encorajam o progresso genuíno e, ao mesmo tempo, salvaguardam os valores sobre os quais a sua Nação está edificada. Um país é mais do que a soma dos seus bens e poderes; é o berço e o lar da alma e do espírito do seu povo.

O desenvolvimento genuíno só é possível com base num conceito correcto da pessoa humana e daquilo que constitui o verdadeiro bem e felicidade do povo. As opções que se fazem nos campos económico e social revelam a compreensão integral que uma determinada cultura tem acerca da vida. Uma visão completa da pessoa humana respeita todas as dimensões do seu ser e subordina as dimensões materiais e instintivas da vida interior, racional e espiritual.

Há necessidade de consideráveis esforços educativos e culturais que assegurem que as pessoas, além de desenvolver novas e sofisticadas técnicas e conhecimentos tecnológicos especializados, sejam também levadas a utilizar de modo reponsável o seu novo poder de escolha, a fim de poderem distinguir entre o que é valioso e o que é efémero. Por este motivo, o primado do ser sobre o ter, que implica a busca do verdadeiro, do bom e do belo, deve ser sempre considerado como elemento fulcral de uma cultura, se o povo quiser levar uma vida genuinamente feliz e realizada. A sabedoria e os recursos da herança e da tradição da Irlanda, assim como os dons e os talentos dos seus cidadãos, deveriam continuar a oferecer orientação e inspiração seguras para o seu progresso social.

A família desempenha um papel essencial, quando se trata de ajudar os seus membros a amadurecer plenamente do ponto de vista humano e, por conseguinte, de realizar a parte que lhe cabe na sociedade. É na família que as pessoas recebem os rudimentos formativos sobre a verdade, a generosidade, a caridade, o compromisso e o serviço para o bem do próximo.

Contudo, actualmente a família está a sofrer uma contínua e forte pressão, devido a uma complicada interligação de forças que tendem a subordinar o valor transcendente da vida a outros interesses imediatos ou até mesmo à sua conveniência pessoal. Quando a Igreja defende o direito à vida de cada pessoa inocente desde o nascimento até à morte natural como um dos pilares sobre os quais toda a sociedade civil deveria fundamentar-se, ela está simplesmente a promover uma condição humana, uma comunidade que viva em harmonia essencial com a natureza humana. A sociedade é desprovida de um fundamento sólido quando, por um lado, defende valores como a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas, por outro, age de maneira oposta, permitindo ou até recorrendo a práticas que desvirtuam e violam a vida humana, de maneira especial lá onde ela é mais vulnerável (cf. Evangelium vitae, EV 101). Somente quando existe o respeito incondicional pelo direito à vida, os outros direitos inalienáveis podem ser salvaguardados. E é unicamente sobre esta base objectiva que se podem edificar a verdadeira democracia e o bem comum.

Vossa Excelência aludiu à consciência que a Irlanda tem das suas responsabilidades e do seu papel mais acentuado no seio da comunidade internacional. Como sabe, a Santa Sé está profundamente preocupada com a manifestação e o aumento de antigas e novas tensões em muitas regiões do mundo. Uma das dificuldades que se tornaram mais sensíveis nos últimos tempos, também como resultado da crescente mobilidade dos povos, é a da discrminação racial, tema da Conferência da Organização das Nações Unidas, que hoje se conclui em Durban, na África do Sul. O novo e preocupante despertar de formas agressivas de nacionalismo e de racismo é uma séria ameaça contra a dignidade humana, enquanto debilita a coexistência social, a paz e a harmonia. Segundo o ensinamento da Igreja, toda a discriminação ou hostilização contra os povos, por motivos de raça, cor, condição de vida ou religião é contrária à vontade de Deus (cf. Nostra aetate, NAE 5). É necessário fomentar uma cultura de abertura e de aceitação recíprocas; e isto exige iniciativas educativas oportunas, além da protecção legal dos direitos fundamentais de todos. A tradição irlandesa da hospitalidade calorosa não pode deixar de se manifestar, precisamente quando o mundo tem necessidade de atitudes de equidade, justiça e solidariedade para com aqueles que se encontram em dificuldade.

Recordo com frequência a visita que em 1979 realizei à Irlanda, onde experimentei pessoalmente a amabilidade, a hospitalidade e a profunda fé religiosa do seu povo. Quando lá estive, exortei as pessoas que participam activamente na violência desencadeada na Irlanda do Norte a renunciar às armas e a seguir o caminho do diálogo e da paz. Já se fez muito progresso neste sentido, mas devemos esperar que realmente predomine um novo espírito de iluminado compromisso no bem comum, a todos os níveis. As dificuldades actuais recordam-nos que a paz é uma realidade frágil, que exige a boa vontade permanente e a tomada de medidas práticas, necessárias para uma sociedade se considerar justa e harmoniosa.

Senhor Embaixador, no momento em que assume os seus deveres como Representante do seu País junto da Santa Sé, asseguro-lhe as minhas orações pelo bom êxito da sua missão. Vossa Excelência pode ter a certeza de que os vários departamentos da Cúria Romana terão o grande prazer de o assistir nesta tarefa. Imploro ao Todo-Poderoso bênçãos abundantes sobre a sua pessoa e o amado povo da Irlanda.




AOS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL


DA ORDEM DE SANTO AGOSTINHO


Sexta-feira, 7 de Setembro de 2001




Reverendo Prior-Geral
Queridos Padres
da Ordem Agostiniana

1. É com profunda alegria que vos recebo, por ocasião do Capítulo-Geral da vossa Ordem. Dirijo uma saudação especial ao Prior-Geral, ao qual agradeço por se ter feito intérprete dos cordiais sentimentos de todos vós aqui presentes. Saúdo cada um de vós, Padres Capitulares, e faço extensivo o meu afectuoso pensamento a toda a Ordem de Santo Agostinho, nestes dias reunida espiritualmente na vossa Assembleia. Este encontro tem para vós uma importância particular, porque se situa no início de um novo século e de um novo milénio, enquanto está ainda viva a recordação do Grande Jubileu, que deixou uma marca indelével na vida e na história da Igreja e do mundo.

Ao longo de todo o Ano Santo tivemos a ocasião de fazer a experiência de Cristo, "o mesmo ontem, hoje e sempre" (He 13,8), mais próximo ou, com as próprias palavras de Santo Agostinho, "mais íntimo para nós do que a nossa própria intimidade" (Conf. 3, 11). Foi um ano de intensa contemplação do mistério da Encarnação, no qual se realizou um extraordinário "diálogo de amor" entre Deus e a humanidade. Santo Agostinho escrevia a este propósito: "Aquele que era Deus fez-se homem, assumindo o que não era, sem perder o que era; e assim Deus fez-se homem. Neste mistério encontras o socorro para a tua debilidade e encontras n'Ele aquilo de que necessitas para alcançar a tua perfeição. Cristo te eleve em virtude da sua humanidade; te guie em virtude da sua humana divindade, e te conduza à sua divindade" (Comentário ao Evangelho de Jn 23,6).

2. Deus veio para ajudar a radical debilidade do homem, que sente uma interior inquietação tendo a inclinação, por vezes de maneira inconsciente, para algo que o transcende. Santo Agostinho foi ao encontro de Deus precisamente através destes caminhos da inquietação existencial, tendo como companheiros de viagem o estudo da Palavra de Deus e a oração.

A experiência de Agostinho assemelha-se com a de muitos contemporâneos e por isso vós, queridos Padres Agostinianos, podeis, com formas modernas de serviço pastoral, ajudá-los a descobrir o sentido transcendente da vida. Deveis ser para eles companheiros sábios rumo a uma fé mais pessoal e, ao mesmo tempo, mais comunitária, porque é a Igreja que mantém viva a memória de Cristo. Santo Agostinho escrevia: "A Igreja fala de Cristo e Cristo fala na Igreja; o corpo fala no Chefe e o Chefe fala no corpo" (Comentário ao Ps 30, 2, 4).

Queridos filhos espirituais de Santo Agostinho! Prestai na Igreja este importante serviço missionário, haurindo do inexaurível tesouro do vosso grande Mestre sugestões e propostas para uma renovada acção apostólica. Continuai a reflectir sobre estas temáticas, que começastes a tratar no Capítulo Geral Intermédio de 1998, celebrado em Villanova, nos Estados Unidos da América. Com sabedoria estais a fazer a revisão das Constituições e das reformas jurídicas e organizativas da Ordem que permitam uma transmissão mais clara do carisma dos Monges Agostinianos. Contudo, a tarefa mais importante é salvaguardar inalterada e viva a herança da mensagem de doutrina e de vida de Santo Agostinho, onde se pode encontrar a humanidade de todas as épocas, sequiosa de verdade, felicidade e amor.

3. Santo Agostinho, profundo conhecedor do coração humano, sabe que na base da inquietação da pessoa está o próprio Deus, "beleza sempre antiga e sempre nova" (Conf. 10, 27, 38). Deus faz-se presente através de numerosos sinais e de tantas maneiras, vindo ao encontro da sua criatura sequiosa de transcendência e de interioridade. Vós, queridos Padres Agostinianos, sois "os pedagogos da interioridade", ao serviço dos homens do terceiro milénio em busca de Cristo. Não se chega a Ele através de um caminho superficial, mas pelo caminho da interioridade. É sempre Santo Agostinho que nos recorda que só a aproximação ao próprio centro interior de gravidade torna possível o contacto com a Verdade que reina no espírito (cf. De Magistro, 11, 38).

Para chegar felizmente a esta meta, o ponto de partida e ao mesmo tempo meta de chegada, como fazia notar Santo Agostinho nas suas Confissões (cf. 1, 1, 1), é necessário um trabalho de imersão em si mesmos, de libertação dos condicionamentos do mundo exterior, de escuta atenta e humilde da voz da consciência. Abre-se aqui um vasto âmbito pastoral muito apropriado ao vosso carisma.
A este propósito, desejaria retomar as palavras que o meu venerado predecessor, o Papa Paulo VI, vos dirigiu por ocasião de um encontro semelhante ao de hoje: "Apraz-nos recordar, ainda escrevia ele um elemento no qual se deve entrever uma característica peculiar e, diríamos quase o génio da Ordem Agostiniana, que é a capacidade de desempenhar o apostolado intelectual...

Tendes à disposição o inestimável património doutrinal do Santo, tendes à vossa frente uma tradição de estudos jamais interrompida, tendes um instrumento activo e moderno, que é o Instituto Patrístico "Augustinianum", e por conseguinte não podeis renunciar a estar activamente presentes no campo religioso-cultural" (Carta ao Prior-Geral O.S.A., por ocasião do Capítulo Geral, 14 de Setembro de 1977).

4. A messe que o Senhor vos confia é abundante! Se para cumprir esta tarefa é requerida uma adequada formação intelectual e pastoral, é contudo indispensável sobretudo tender para a santidade, isto é, ser apaixonados de Deus e do seu desígnio eterno de salvação.

A vossa Ordem conheceu, com o passar dos séculos, uma longa série de santos. Nestes últimos anos tive a alegria de lhe acrescentar outros. Não é este um sinal de vitalidade espiritul e um estímulo encorajador para continuar por este caminho? Sirva-vos de exemplo, entre outros, o testemunho de fé e de caridade do vosso irmão, D. Anselmo Polanco, Bispo de Teruel, assasinado nos dias perturbados da guerra espanhola, nos meados do século XX. Ele, fiel ao seu emblema episcopal, entregou-se com alegria pelas almas dos seus fiéis (cf. 2Co 12,15).

Depois, penso no Padre mexicano Elias do Socorro Nieves, assassinado por ódio à fé em 1928 e elevado às honras dos altares a 12 de Outubro de 1997, e na monja agostiniana, Madre Maria Teresa Fasce, que viveu em Cássia, um dos lugares mais emblemáticos da vossa espiritualidade, ligada à memória de Santa Rita, testemunha de perdão sem limites e de heróica aceitação do sofrimento.

Olhando para estes modelos tão fúlgidos, amparados pela intercessão deles, prossegui confiantes rumo ao futuro! Fazei-vos ao largo! (cf. Lc Lc 5,4).

Repito-vos a vós o que escrevi há alguns anos a todas as pessoas consagradas: "Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir! Olhai o futuro, para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas..." (Vita consecrata, VC 110). Nestes dias de trabalho vos inspire Deus, com a força do seu Espírito, e Maria, Mãe do Bom Conselho, vos ilumine e ampare em cada uma das vossas oportunas escolhas e decisões. Com estes votos, concedo-lhe de bom grado, Reverendo Prior-Geral, aos Capitulares e a todos os membros da Ordem Agostiniana uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO SANTO PADRE AOS PADRES


BENEDITINOS SILVESTRINOS POR OCASIÃO DO


CAPÍTULO GERAL DA CONGREGAÇÃO


Sábado, 8 de Setembro de 2001





Caros e venerados
Beneditinos Silvestrinos

1. Estou contente por vos encontrar, na ocasião do vosso Capítulo Geral, e dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação de boas-vindas. Saúdo o Padre Andrea Pantaloni, reeleito Abade Geral, e agradeço-lhe pelas amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos. Saúdo os Padres Capitulares e toda a Família dos Beneditinos Silvestrinos, sempre pronta a oferecer à Igreja o precioso contributo dos seus trabalhos espirituais e apostólicos.

A Assembleia capitular constitui para o vosso Instituto um momento providencial de reflexão sobre os desafios do tempo presente, para procurar novos caminhos de actuação do carisma que vos é próprio. Oportunamente, portanto, escolhestes passar estes dias de oraçã e de trabalho intenso em Fabriano, no Ermo de Montefano, dedicado ao vosso Fundador São Silvestre Abade, que neste mesmo lugar, em 1231, juntou uma nova Congregação à árvore fecunda da Ordem Beneditina.

Alma contemplativa e desejosa de coerência evangélica, Silvestre tornou-se eremita, praticando uma ascese rigorosa e amadurecendo uma profunda e forte espiritualidade. Para os seus discípulos escolheu a Regra de São Bento, desejando constituir uma comunidade dedicada à contemplação e que, mesmo assim, não negligenciasse a realidade social à sua volta. Ele próprio, de facto, unia ao recolhimento o ministério de uma apreciada paternidade espiritual e o anúncio do Evangelho às populações da região.

2. Sobre estas sólidas bases a vossa Congregação percorreu mais de sete séculos de história, ultrapassando bastantes dificuldades. A meados do século XIX abriu-se a horizontes extra-europeus, levando pela primeira vez a Regra beneditina à Ásia, na ilha de Ceilão, hoje Sri Lanka. No decurso dos últimos cem anos apareceram novas fundações nos Estados Unidos da América, na Austrália, na Índia e, recentemente, nas Filipinas. Este confortante desenvolvimento continua a dar preciosos frutos apostólicos e missionários. Contando mosteiros nos quatro continentes, a Congregação pode começar a chamar-se, daqui em diante, internacional e, graças a Deus, com um ligeiro, mas constante incremento numérico.

Enquanto vos encorajo a continuar neste caminho, abrindo-vos às exigências da nova evangelização, peço ao Senhor que vos assista semprecom a força do seu amor. Deus abençoe, em particular, o vosso projecto de novas fundações na Europa e na África, a fim de que a vossa espiritualidade se difunda, para Sua glória e bem das almas.

3. Meta alta e exigente, para a qual devemos incessantemente apontar, caros Padres Silvestrinos, é, antes de mais, a santidade. É importante não o esquecer, especialmente nestes tempos, em que se sente mais espalhada na sociedade a exigência de Deus. É para Ele que é preciso manter orientado o espírito do nosso apostolado de cada dia. Esta consciência está bem presente na vossa Congregação, onde o Espírito Santo, em cada época, suscitou monges generosos que se distinguiram pelo seu exemplo e pelo seu zelo apostólico. Basta pensar, nos tempos modernos, nos Bispos missionários José Bravi, Hilarião Sillani e José Pagnani, Vigários Apostólicos de Colombo, no século XIX; em Beda Bee- kmayer, primeiro Prelado nativo do Ceilão, e em Bernardo Regno, Bispo de Kandy. A vinte anos da sua piedosa morte, a fama deste último está ainda viva entre os deserdados das plantações de chá, como em Fabriano, a sua terra natal.

Merecem uma menção particular, além disso, os dois pioneiros da fundação de 1910 nos Estados Unidos da América: José Cipolleti e Filipe Bartocetti, missionários pacientes e intrépidos entre os mineiros do Kansas. E, por fim, quero recordar o Servo de Deus, o Abade Ildebrando Gregori, cuja causa de canonização já foi introduzida.

Tender à santidade seja, portanto, o primeiro e fundamental objectivo da vossa vida pessoal e comunitária. Foi para isso que o Senhor vos chamou, confiando-vos uma importante missão apostólica.

4. Insere-se neste contexto o tema da vossa Assembleia capitular: Celebrar a memória, celebrar a esperança, que se inspira na Carta Apostólica Novo millennio ineunte. Quereis concentrar a vossa atenção sobre a identidade monástica no terceiro milénio segundo o espírito dos Santos Padres Bento e Silvestre, a fim de dar vida a "comunidades evangélicas, multiculturais, abertas ao futuro, mas, ao mesmo tempo, radicadas na tradição".

Uma família monástica como a vossa é chamada, hoje, a dar um válido contributo, antes de mais, à dimensão contemplativa da vida pessoal e eclesial. Aos homens e mulheres do nosso tempo que, mesmo de modo implícito, repetem: "queremos ver Jesus" (Jn 12,21), é urgente responder indicando, em primeiro lugar com o exemplo, a via mestra da oração que leva a contemplar o rosto de Deus revelado em Cristo. Sede, portanto, caríssimos, contempladores ardentes deste Rosto santo, para que a mensagem de Jesus resplandeça na vossa existência.

Atingi, por uma oração incessante, renovado vigor para "vos fazerdes ao largo" sem medo, percorrendo, segundo o vosso carisma, o caminho da dedicação total a Cristo e ao seu Evangelho. Formareis, assim, comunidades abertas ao futuro e radicadas na tradição, graças à constante fidelidade à Regra dos Padres Bento e Silvestre.

Assista-vos maternalmente neste caminho a Virgem Maria, cuja festa da Natividade hoje celebramos. O seu Magnificat, que celebra a memória e a esperança do Povo de Deus, possa tornar-se o cântico de louvor da vossa Congregação, no início deste novo milénio.

Corroboro estes votos com a garantia da minha oração e com uma especial Bênção Apostólica que vos concedo a vós, aos vossos Confrades e a todos aqueles que são objecto dos vossos cuidados apostólicos.



MENSAGEM AO PRIOR-GERAL

DA ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA

VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO




Rev.do Pe. JOSEPH CHALMERS
Prior-Geral da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo

1. É com alegria que tomei conhecimento do facto de que a plurissecular Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem do Monte Carmelo está a celebrar o seu Capítulo- Geral, animada pelo desejo de continuar a servir Cristo e a Igreja com total fidelidade ao seu carisma e às directrizes do Magistério pontifício.

Este propósito adquire uma eloquência particular no início deste novo milénio, em que a Igreja caminha com confiança rumo ao futuro, com o seu olhar fixo em Cristo "o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim" (Ap 22,13) esforçando-se para realizar fielmente a missão que Ele mesmo lhe confiou.

Além disso, não posso deixar de realçar que o Capítulo Geral se realiza no ano comemorativo do 750° aniversário da doação do Escapulário. Para este jubileu especial eu quis enviar, no dia 25 do passado mês de Março, uma singular mensagem a toda a Família do Carmelo. Neste ano celebra-se, outrossim, o VII centenário do nascimento do grande Bispo carmelitano Santo André Corsini, justamente recordado como exemplo para os pastores e modelo de vida consagrada para todos os religiosos e religiosas.

Enquanto me uno espiritualmente a esta Assembleia capitular para invocar o Espírito do Senhor sobre os trabalhos do Capítulo, saúdo o Rev.do Prior-Geral e agradeço-lhe o serviço que neste período de seis anos prestou à Ordem do Carmelo e à Igreja. Além disso, transmito a minha saudação aos participantes no Capítulo Geral, oriundos de diversas nações e, através deles, faço extensivo o meu pensamento afectuoso a toda a Ordem do Carmelo.

2. O tema da Assembleia capitular é o seguinte: A viagem continua. A referência à experiência humana do caminho é típica da espiritualidade dos Carmelitas. Já a partir dos primeiros eremitas que se estabeleceram no Monte Carmelo, e que em seguida foram em peregrinação até à Terra do Senhor Jesus, a vida é representada como uma ascese rumo à montanha sagrada, que é Cristo Rei, nosso Senhor (cf. Missal Romano, Colecta da Missa em honra da Bem-Aventurada Virgem Maria do Carmelo, 16 de Junho). Há dois ícones bíblicos, mais queridos do que nunca para a tradição carmelitana, que orientam esta peregrinação interior: o do profeta Elias e o da Virgem Maria.

O profeta Elias arde de zelo pelo Senhor (cf. 1R 19,10); põe-se em viagem rumo ao monte Horeb e, embora se sinta cansado, continua a caminhar até alcançar a sua meta. Foi somente no final do seu não fácil itinerário que ele encontrou o Senhor, no murmúrio de uma brisa leve (cf. 1R 19,1-18). Olhando para o seu exemplo, os Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo compreendem mais profundamente que apenas quem é assíduo na escuta de Deus e na interpretação dos sinais dos tempos é capaz de encontrar o Senhor e de O reconhecer nos acontecimentos quotidianos. Deus fala de muitas maneiras, até mesmo através de realidades que às vezes podem parecer insignificantes.

O outro ícone é o da Virgem Maria, que vós venerais sob o título de Irmã e Beleza do Carmelo. Nossa Senhora pôs-se em viagem para ir visitar uma sua idosa parente, Santa Isabel. Logo que recebeu o anúncio do anjo (cf. Lc Lc 1,26-38), dirigiu-se à pressa, como que a correr ao longo das sendas sobre os montes (cf. Cânt Ct 2,8 Is 52,7), sabendo que Isabel tinha necessidade de ajuda.

No encontro com a prima, do seu espírito brotou um cântico de júbilo: o Magnificat (cf. Lc Lc 1,39-56). Cântico de louvor ao Senhor e testemunho de humilde disponibilidade para servir os irmãos. No mistério da Visitação, cada cristão encontra o modelo da sua vocação. Faço votos a fim de que assim seja, de maneira especial para vós, que vos encontrais congregados em Assembleia capitular para dar à Ordem um renovado impulso ascético e missionário. Com a alma repleta de louvor ao Senhor, na contemplação do seu mistério, caminhai com alegria ao longo das veredas da caridade, abrindo-vos para a hospitalidade fraternal, a fim de serdes testemunhas credíveis do amor misericordioso do Verbo de Deus, que se fez homem para redimir o mundo.

3. "A viagem continua". Sim, caríssimos Irmãos, a vossa viagem espiritual continua também no mundo de hoje. Sois chamados a ler novamente a vossa rica herança espiritual à luz dos desafios contemporâneos, a fim de que "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem" sejam "também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo" (Gaudium et spes, GS 1) e, de maneira particular, de cada um dos membros da Ordem do Carmelo.

No ano em que comemorais o 750° aniversário da doação do Escapulário, como deixar de tornar ainda mais vigoroso e decisivo o vosso compromisso e vos deixardes revestir de Cristo (cf. Rm Rm 13,14)? Implorai a Maria, tão carinhosa e delicada para com o seu Menino Jesus (cf. Lc Lc 2,7), que revista cada um de vós com a sabedoria e o amor do seu Filho divino. E vós, conscientes da missão que Deus confia à vossa benemérita Ordem, oferecei ao mundo o testemunho da vossa fidelidade, para que todos conheçam Cristo e O recebam como o único Salvador do homem, ontem, hoje e sempre (cf. Hb He 13,8).

Para esta finalidade, invoco sobre vós as abundantes graças divinas. O Espírito Santo, como num renovado Pentecostes, desça sobre vós e vos ilumine a fim de poderdes discernir a vontade do Pai celeste e misericordioso, de maneira a serdes capazes de falar aos homens e às mulheres do mundo nas formas que lhes são mais oportunas e eficazes (cf. Act Ac 2,1-13).

Com estes sentimentos, concedo do íntimo do meu coração a Bênção Apostólica ao Senhor Prior-Geral, aos Irmãos capitulares e a toda a Família do Carmelo, implorando sobre cada um a materna protecção da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, juntamente com a intercessão do profeta Elias e dos numerosos Santos e Santas da Ordem.

Castelgandolfo, 8 de Setembro de 2001.




Discursos João Paulo II 2001 - Quinta-feira, 6 de Setembro de 2001