Discursos João Paulo II 2001

De resto o próprio São Francisco, embora por humildade aceitasse ser qualificado como "simples e idiota" (cf. Da alegria verdadeira e perfeita), assim se exprime nos seus Louvores das virtudes: "Rainha esperança, o Senhor te salve com a tua irmã, a pura e santa simplicidade" (n. 1). Em seguida, a pedido de Frei António de Pádua, não hesita em responder: "Apraz-me o facto de que ensinas a sagrada Teologia aos Frades, contanto que nesta ocupação não esgotes o espírito das santas oração e devoção, como está escrito na Regra" (Carta a Frei António, 2).

A "pura e santa simplicidade", amada e estimada por Francisco, pertence não a quem rejeita ou se desinteressa da "verdadeira Sabedoria do Pai", que é o Verbo encarnado (cf. São Francisco, Carta a todos os fiéis, X), mas a quem indaga com o coração orante as sendas da sabedoria revelada e se compromete a traduzi-la em vida, negando a sabedoria do mundo, que "quer e procura falar muito, mas fazer pouco" (São Francisco, Regra não selada, XVII, 11-12).

3. O estudo da Teologia e das outras matérias, como reza a vossa recente Ratio studiorum, constitui um "itinerário e um caminho para serdes iluminados por Deus na mente e no coração, e para poderdes assim ser testemunhas, anunciadores e servidores da Verdade e do Bem" (n. 13).
A recente elevação do vosso Estudo Bíblico de Jerusalém a Faculdade de Ciências Bíblicas e de Arqueologia, não representa porventura um significativo convite a renovar com Francisco o compromisso a observar, para depois administrar, todas "as fragrantes palavras do Senhor Jesus Cristo", que são "espírito e vida"? (São Francisco, Carta a todos os fiéis, XI).

Como lema conciso do vosso Congresso, escolhestes: "Francisco, vai e repara a minha casa!". Somente da escuta da Palavra que se fez vida vivida é que brotam o louvor reconhecido a Deus e o testemunho evangélico concreto, para o qual os crentes devem tender quotidianamente. No grande depósito da Teologia e da sabedoria franciscana, podem encontrar-se respostas adequadas também para as dramáticas interrogações da humanidade, neste início do terceiro milénio cristão.

Francisco entoa hinos de louvor a uma criação divina e fraterna, onde todas as criaturas irmãs "cantam a glória de Deus" e servem umas às outras, em conformidade com um desígnio que o homem é chamado a descobrir, respeitar e promover, vencendo a antiga tentação de "ser como Deus". O pobrezinho de Assis proclama o valor da pobreza, num mundo em que o pecado da concupiscência humana continua a excluir os pobres da mesa preparada pela "nossa irmã e mãe Terra" para todos os filhos de Deus. Ele recorda que o Verbo do Pai "quis escolher, juntamente com a Bem-Aventurada Mãe, a pobreza" (Carta a todos os fiéis, I) e, vivendo pobremente do auxílio dos outros, ensinou-nos que "a esmola é a herança e o justo direito devido aos pobres; direito este que nos foi alcançado por nosso Senhor Jesus Cristo" (Regra não selada IX, 10). Os pobres têm o direito de partilhar a mesa que "o grande Esmoler" deseja abrir "a todos, dignos e indignos" (cf. Celano, Vida segunda, 77).

4. Estimados Frades Menores! Este importante Congresso seja para vós uma ocasião propícia para recordar o passado e olhar com clarividência para o futuro. Do grandioso património espiritual da "Escola Franciscana", hauri linhas directrizes concretas para a formação intelectual e a promoção dos estudos na Ordem, de maneira a corresponderdes às exigências da vossa vocação nestes nossos tempos. A tarefa das vossas Universidades e Centros de Investigação consiste em realizar um encontro fecundo entre o Evangelho e as várias expressões culturais do nosso tempo, para irdes ao encontro do homem de hoje, sedento de respostas radicadas nos valores evangélicos. Seguindo o exemplo de São Francisco e a grande tradição cultural da Ordem franciscana, tende o cuidado de inserir o Evangelho no coração da cultura e da história contemporâneas.

Ao longo deste itinerário, que é cultural e ao mesmo tempo espiritual, vos conforte a "Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de Deus, Maria" (São Francisco, Saudação à Virgem, I), e vos assistam os Santos e as Santas da Família franciscana, enquanto vos concedo, a todos vós, a cada um e àqueles que constituem o objecto dos vossos cuidados pastorais, uma especial Bênção apostólica.

Castelgandolfo, 19 de Setembro de 2001.



VISITA PASTORAL AO CAZAQUISTÃO



NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS EM ASTANA


Sábado, 22 de Setembro de 2001


Senhor Presidente
Ilustres Membros
do Corpo Diplomático
Distintas Autoridades
Representantes das várias
Confissões religiosas
Estimados Irmãos e Irmãs

1. Dou graças a Deus, que orientou os meus passos até à cidade de Astana, capital deste nobre e imenso País, situado no centro do território euro-asiático. É com afecto que beijo esta Terra, que deu origem a um Estado multiétnico, herdeiro de seculares e numerosas tradições espirituais e culturais, e que agora se encontra a caminho de novas metas sociais e económicas. Desde há muito tempo eu desejava este encontro, e é grande a minha alegria por poder apertar num abraço de admiração e de afecto cada um dos habitantes do Cazaquistão.

Desde quando tive a oportunidade de receber Vossa Excelência no Vaticano, Senhor Presidente da República, e de ouvir dos seus lábios o convite a visitar esta Terra, comecei a preparar-me na oração para o encontro de hoje. Agora, peço ao Senhor que este seja um dia abençoado para todas as amadas populações do Cazaquistão.

2. Por conseguinte, Senhor Presidente, obrigado pelo convite que me dirigiu nessa ocasião, e obrigado também pela dedicação com que preparou a minha visita, nos seus complexos aspectos organizativos. Agradeço-lhe, outrossim, as cordiais palavras de boas-vindas que me transmitiu em nome do Governo e de todo o Povo cazaque. Saúdo com respeito as Autoridades civis e militares, assim como os membros do Corpo Diplomático, através dos quais gostaria de dirigir um pensamento afectuoso aos povos que cada um deles representa de maneira digna.

Saúdo os responsáveis e os fiéis do Islão que, nesta região, se orgulha de uma longa tradição religiosa. Estendo os meus pensamentos de bem-estar também às pessoas de boa vontade, que procuram promover os valores morais e espirituais, capazes de garantir um futuro de paz para todos.

Depois, dirijo uma saudação especial aos Irmãos Bispos e fiéis da Igreja ortodoxa, bem como aos cristãos das outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Aqui, é-me grato renovar o convite a reunir os esforços, para que o terceiro milénio possa ver os discípulos de Cristo proclamar em uníssono e com um só coração o Evangelho, mensagem de esperança para a humanidade inteira.

Abraço-vos com carinho fraternal sobretudo a vós, queridos Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, missionários, catequistas e fiéis leigos, que formais a Comunidade católica que vive no imenso território cazaque. Conheço a vossa dedicação ao trabalho e o vosso estusiasmo; é do meu conhecimento também a vossa fidelidade à Sé Apostólica, e rezo a Deus para que fortaleça cada um dos vossos propósitos de bem-estar.

3. Esta minha visita tem lugar dez anos depois da proclamação da independência do Cazaquistão, conquistada depois de um prolongado período de obscuridade e de sofrimento. A data de 16 de Janeiro de 1991 está inscrita com caracteres indeléveis nos anais da vossa história. A liberdade reconquistada voltou a acender em vós uma confiança mais sólida no futuro e estou persuadido de que a experiência vivida é rica de ensinamentos em que se fundamentar, para caminhar com coragem rumo a novas perspectivas de paz e de progresso. O Cazaquistão quer desenvolver-se na fraternidade, no diálogo e na compreensão, premissas indispensáveis para "lançar pontes" de cooperação solidária com os outros povos, nações e culturas.

É nesta perspectiva que o Cazaquistão, com uma iniciativa corajosa, decidiu já no ano de 1991, o encerramento do polígono nuclear de Semipalatinsk e, em seguida, proclamou a renúncia unilateral ao armamento nuclear e a adesão ao Acordo para a total proibição das experiências atómicas. No fundamento desta decisão encontra-se a convicção de que as controvérsias devem ser resolvidas não com o recurso às armas, mas com os instrumentos pacíficos da negociação e do diálogo. Não posso senão encorajar este linha de compromisso, que corresponde muito bem às exigências fundamentais da solidariedade e da paz a que os seres humanos aspiram com consciência cada vez maior.

4. No vosso País, que ocupa um dos primeiros lugares no mundo por extensão, ainda hoje convivem cidadãos pertencentes a mais de cem nacionalidades e etnias, aos quais a Constituição da República garante os mesmos direitos e as mesmas liberdades. O espírito de abertura e de colaboração faz parte da vossa tradição, porque desde sempre o Cazaquistão é uma terra de encontro e de convivência entre tradições e culturas diferentes. Isto privilegiou significativas formas culturais, expressas em realizações artísticas originais, assim como numa florescente tradição literária.

Olho com admiração para as cidades de Balasagun, Merke, Kulan, Taraz, Otrar, Turquestão e outras mais, outrora importantes centros de cultura e de comércio. Nelas viveram ilustres personalidades da ciência, da arte e da história, a partir de Abu Nasr al-Farabi, que levou a Europa a descobrir Aristóteles, até ao célebre pensador e poeta Abai Kunanbai. Tendo sido formado na escola dos monges ortodoxos, ele conheceu também o mundo ocidental e soube estimar o património de pensamento deste último. Todavia, costumava dizer: "O Ocidente tornou-se o meu Oriente", pondo em evidência o facto de que o contacto com outros movimentos culturais despertou nele um novo amor pela cultura que lhe era própria.

5. Dilectos Povos do Cazaquistão! Formados pelas experiências do vosso passado antigo e recente, e especialmente pelos tristes acontecimentos do século XX, sabei colocar sempre na base do vosso compromisso civil a salvaguarda da liberdade, direito inalienável e aspiração profunda de cada pessoa. Em particular, sabei reconhecer o direito à liberdade religiosa, em que se expressam as convicções conservadas no sacrário mais íntimo da pessoa. Quando no interior de uma determinada comunidade civil os cidadãos sabem aceitar-se nas respectivas convicções religiosas, é mais fácil que se afirme entre eles o reconhecimento efectivo dos outros direitos humanos e o entendimento acerca dos valores fundamentais de uma convivência pacífica e construtiva. Com efeito, as pessoas sentem-se unidas pela consciência de ser irmãos, porque são filhos do único Deus, Criador do universo.

Rogo a Deus omnipotente que abençoe e encoraje os vossos passos ao longo deste caminho. Ele vos ajude a crescer na liberdade, na concórdia e na paz. Estas são as condições indispensáveis, para que se instaure o clima propício para um desenvolvimento humano integral, atento às exigências de cada um, de maneira especial às dos pobres e das pessoas que sofrem.

6. Povo cazaque, uma missão comprometedora está à tua espera: construir um País em conformidade com o progresso autêntico, na solidariedade e na paz. Cazaquistão, Terra de mártires e de crentes, Terra de deportados e de heróis, Terra de pensadores e de artistas, não tenhas medo! Se os sinais das feridas infligidas ao teu corpo são profundos e múltiplos, se as dificuldades e os obstáculos se contrapõem à obra da reconstrução material e espiritual, sirvam-te de bálsamo e de encorajamento as palavras do grande poeta Abai Kunanbai: "A humanidade tem como princípio o amor e a justiça, elas são o coroamento da obra do Altíssimo!" (Provérbios, cap. 45).

O amor e a justiça! O Altíssimo, que orienta os passos dos homens, faça resplandecer estas estrelas ao longo do teu caminho, vastíssima Terra do Cazaquistão!

Estes são os sentimentos que pulsam no meu coração, ao iniciar a minha visita a Astana. Estimados cazaques, enquanto observo as cores da vossa bandeira, peço para vós os dons que elas simbolizam: a estabilidade e a abertura, representadas pela cor azul; e a prosperidade e a paz, a que se refere a cor dourada.

Deus te abençoe, Cazaquistão, assim como a cada um dos teus habitantes, e te conceda um futuro de concórdia e de paz.



VISITA PASTORAL AO CAZAQUISTÃO


DISCURSO DO SANTO PADRE NO ENCONTRO COM OS


ORDINÁRIOS DA ÁSIA CENTRAL


Astana, 23 de Setembro de 2001







Caríssimos Bispos
Administradores Apostólicos
e Superiores das Missões sui iuris
da Ásia Central

1. É com profunda alegria que me encontro novamente convosco, depois da solene celebração eucarística desta manhã, na grande Praça da Mãe-Pátria. Saúdo com afecto cada um de vós e agradeço-vos o zelo e o sacrifício com que estais a contribuir para o renascimento da Igreja nestas imensas regiões, que se encontram na fronteira entre dois continentes.

Aqui, a Igreja católica é apenas uma pequena planta, mas rica de esperança pela confiança que alimenta no poder da graça divina. Os longos anos da ditadura comunista, durante os quais muitos crentes foram deportados para os "gulags" edificados nestas terras, semearam sofrimentos e lutos.

Quantos sacerdotes, religiosos e leigos pagaram com sofrimentos inauditos e também com o sacrifício da própria vida a sua fidelidade a Cristo! O Senhor escutou a oração destes mártires, cujo sangue regou o solo da vossa Terra. Uma vez mais, "o sangue dos mártires tornou-se semente de cristãos" (cf. Tertuliano, Apol., 50, 13). E dela, como rebentos novos, germinaram as vossas Comunidades cristãs, que agora olham com confiança para o porvir.

Cristo, o Bom Pastor, repete-vos, a vós e ao povo confiado aos vossos cuidados pastorais: "Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o [seu] reino" (Lc 12,32). E mais ainda, a vós como a Pedro, Cristo diz: "Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca!" (Ibid., 5, 4). Trata-se da pesca da evangelização, para a qual todos nós somos chamados. Inclusivamente a nós, como aos Apóstolos depois da ressurreição, Ele exorta: "Ide, pois, ensinai todas as nações" (Mt 28,19).

2. As vicissitudes da pequena Comunidade cristã da Ásia Central, que sobreviveu ao comunismo, e a sua actual situação fortemente minoritária, fazem pensar na parábola evangélica do fermento que faz crescer a massa (cf. Mt Mt 13,33). O fermento parece ser pouco, mas possui a força de transformar tudo. Esta é a convicção que deve animar também a vossa acção pastoral e sustentar a difícil e exaltante tarefa da plantatio Ecclesiae nestes territórios, novamente abertos para o Evangelho. Os objectivos pastorais prioritários da vossa missão apostólica sejam a difusão, com todo o empenhamento, do anúncio evangélico e a busca incessante da consolidação da organização eclesial.

A recente erecção das Administrações Apostólicas e das Missões sui iuris, com que a Igreja adquiriu visibilidade e consistência, constitui o início de uma promissora estação de evangelização. Portanto, desejo expressar gratidão e admiração pelos vossos esforços, queridos Ordinários. Outrossim, agradeço aos sacerdotes, religiosos e religiosas, que deixaram a sua Pátria para se tornar disponíveis para a tarefa missionária nestas terras, com espírito de autêntica solidariedade eclesial. Formulo votos a fim de que o generoso compromisso eclesial de todos seja confortado pelo amadurecimento de uma abundante messe de bem. Não vos abandone, caríssimos, a consciência de que constituís um sinal do amor de Deus no meio destas populações, ricas de tradições culturais e religiosas seculares.

3. "Amai-vos uns aos outros!", este é o lema da minha visita pastoral. Hoje, em nome do nosso único Mestre e Senhor, dirijo-vos a vós este convite: "Amai-vos uns aos outros!". Seja uma das vossas solicitudes conservar sempre entre vós aquela unidade que Cristo nos deixou como seu testamento (cf. Jo Jn 17,21 Jo Jn 17,23).

Como no início do anúncio do Evangelho, a Igreja só conseguirá sensibilizar os corações dos homens, se se manifestar como uma casa hospitaleira em que se vive a comunhão fraterna.

Em primeiro lugar, estai unidos entre vós, estimados Pastores destas Igrejas! Embora ainda não constituais uma Conferência Episcopal no sentido pleno deste termo, procurai com todos os meios realizar formas de colaboração eficaz, de maneira a melhor valorizar todos os recursos pastorais.
Nesta obra preciosa, sois sustentados pela solidariedade da Igreja universal. O Sucessor de Pedro, que hoje vos abraça com emoção, está ao vosso lado com afecto. Embora vos encontreis geograficamente distantes, estais no coração do Papa, que estima o vosso cansativo afã apostólico.

4. Há dez anos que o Cazaquistão conquistou a suspirada independência. Todavia, como deixar de ter em conta o clima de debilitamento dos valores, deixado pelo regime do passado? O longo inverno da dominação comunista, com a sua pretensão de erradicar Deus do coração do homem, não raro mortificou os conteúdos espirituais das culturas destes povos. Assim, existe uma pobreza de ideais que torna as pessoas particularmente vulneráveis perante os mitos do consumismo e do hedonismo, importados do Ocidente. Trata-se de desafios sociais e espirituais, que exigem um corajoso impulso missionário.

Como recordava o meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, a Igreja chamada a evangelizar "começa com a evangelização de si mesma". Como comunidade de esperança vivida e participada, ela "tem necessidade de escutar incessantemente... as razões da sua esperança". A Igreja precisa de ser evangelizada, "se quiser conservar o seu vigor, alento e força para anunciar o Evangelho... ". Mais ainda, há necessidade de uma "Igreja que se evangeliza mediante uma conversão e uma renovação constantes, a fim de evangelizar o mundo com credibilidade" (Evangelii nuntiandi, EN 15).

A acção missionária deve ser precedida e acompanhada de uma incisiva obra de formação, por uma vigorosa experiência de oração, por comportamentos formados segundo a fraternidade e o serviço. Grandes são os esforços apostólicos que deveis realizar para evangelizar os vários ambientes em que se exprimem as tradições locais, com atenção particular para o mundo universitário e os meios da comunicação social. Tende confiança em Cristo! A sua presença vos tranquilize. Esta sua promessa vos infunda fortaleza e impulso: "E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo" (Mt 28,20).

5. Para cumprir a missão que Ele vos confia, cuidai da formação dos candidatos para o sacerdócio e para a vida religiosa. Dedicai-vos com amor aos presbíteros, vossos principais cooperadores, ajudando-os e acompanhando-os com coração paterno.

A este propósito, desejo expressar a minha profunda estima pela construção do Seminário de Karaganda, importante promessa para o futuro. Como único Seminário para toda a Ásia Central, ele constitui um sinal de colaboração eficaz entre as vossas Igrejas. Esforçai-vos para que entre as suas paredes se ofereça aos candidatos para o sacerdócio uma séria formação humana e espiritual, juntamente com uma sólida preparação teológica e pastoral. Formulo votos do íntimo do coração, a fim de que possais contar com bons formadores, professores especializados e testemunhas exemplares do Evangelho.

6. Reservai um espaço especial para a formação e o apostolado dos leigos, acolhendo com discernimento iluminado e abertura de coração, juntamente com as Associações mais antigas, aquele dom do Espírito à Igreja do pós-Concílio, que é representado pelos Movimentos eclesiais e pelas novas Comunidades.

A sua presença, o seu espírito de iniciativa e os carismas específicos de que são portadores representam uma riqueza a valorizar. Com sabedoria pastoral, o Ordinário deve orientar e guiar a sua actividade, convidando-os a coajduvar as Comunidades eclesiais, no respeito das estruturas existentes e do seu funcionamento ordenado. Por sua vez, os membros dos Movimentos e das Associações, com abertura de espírito e suave disponibilidade, renovem o compromisso para trabalhar em sintonia com os Pastores destas Igrejas jovens. Assim, o seu cansaço ao serviço da nova evangelização tornar-se-á testemunho daquele amor que brota da adesão fiel ao único e mesmo Senhor.

7. Caríssimos Irmãos, desejo por fim encorajar-vos a promover o diálogo ecuménico. A vossa acção pastoral realiza-se em estreito contacto com os irmãos da Igreja ortodoxa, que compartilham a mesma fé em Cristo e a riqueza de uma boa parte da mesma tradição eclesial. Os relacionamentos recíprocos sejam caracterizados pela cordialidade e o respeito, na recordação da palavra do Senhor: "Amai-vos uns aos outros!". No alvorecer do novo milénio, ainda nutrimos a viva esperança de que, se não plenamente unidos, os discípulos de Cristo possam viver pelo menos mais próximos uns dos outros, também em virtude da experiência realizada durante a realização do Grande Jubileu do Ano 2000.

Além disso, deveis alimentar o respeito e a promoção do diálogo com a comunidade muçulmana, com as pessoas que pertencem às outras religiões e com os indivíduos que se professam como não-crentes. Todos possam estimar a dádiva da vossa fé vivida na caridade e abrir o coração para as dimensões mais importantes da vida.

Confio esta vossa missão pastoral a Maria, Estrela da Evangelização e Rainha da Paz. Na Catedral de Astana, vós venerai-la como Mãe do Perpétuo Socorro. Nas suas mãos maternas deposito o vosso trabalho de cada dia, as vossas expectativas e os vossos projectos, a fim de que vos oriente e vos ampare em cada passo.

Com estes sentimentos, é de coração que vos concedo a todos uma especial Bênção apostólica, propiciadora de ardor apostólico e de graças para vós e para quantos estão confiados aos vossos cuidados pastorais.



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AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


NO PALÁCIO PRESIDENCIAL


Astana, 23 de Setembro de 2001







Estou deveras grato ao Senhor Presidente pelas suas palavras. De novo, quero agradecer à Providência por me ter concedido vir e estar aqui. Nos últimos dias, algumas pessoas julgavam que isto não seria possível, em virtude dos trágicos acontecimentos que se verificaram nos Estados Unidos. Mas viu-se que, graças a Deus, foi possível.

É a primeira vez que venho a esta região do planeta, à Ásia Central. Para mim, a primeira fonte de informação sobre o Cazaquistão foi o Padre Bukowinski, que aqui é bem conhecido. Durante a segunda guerra mundial, foi deportado como sacerdote da Polónia para a Uniao Soviética, e aqui passou toda a sua existencia. Aqui faleceu e foi sepultado em Karaganda. A partir de entao, comecei a conhecer algo do Cazaquistao. Mas agora, é a primeira vez que posso ver o País "oculis propriis", com os meus próprios olhos. Sinto muito nao poder visitar Karaganda e o túmulo de Padre Bukowinski!

Vejo que Astana é uma cidade moderna. Todos estes encontros e todas estas experiências vividas me levam a rezar ainda mais pelo vosso País, pelo vosso povo e por Vossa Excelencia, Senhor Presidente. Sinto-me feliz porque a minha visita se realiza no décimo aniversário da vossa independência, porque eu e também a Igreja estou convicto de que cada Nação tem o direito de ser soberana. Esta soberania nacional é também a expressão daquilo que as nações são como sujeito político. Formulo votos a todos, e sobretudo a Vossa Excelência, Senhor Presidente, para que esta soberania seja duradoura, fecunda e cada vez mais completa, abrangendo todos os campos da vida nacional: económico, político e cultural. Isto é muito importante!

Espero que os católicos presentes no Cazaquistão possam, também eles, contribuir para o bem comum do País. Eles são um grupo pequeno, minoritário; mas mesmo assim podem e poderão contribuir na medida que lhes for possível para o bem comum do Cazaquistão.

É o que lhe desejo, Senhor Presidente, e a todo o seu povo: Deus vos abençoe a todos!



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ENCONTRO DO SANTO PADRE COM A JUVENTUDE


REALIZADO NA UNIVERSIDADE "EURÁSIA"


Astana, 23 de Setembro de 2001






Caríssimos Jovens

1. É com grande alegria que me encontro convosco e vos agradeço profundamente o cordial acolhimento. Dirijo uma saudação particular ao Senhor Reitor e às Autoridades académicas desta recente e já prestigiosa Universidade. O seu próprio nome, Eurásia, indica a sua peculiar missão, que é a mesma do vosso grande País, situado como ponto de encontro entre a Europa e a Ásia: missão de ligação entre dois continentes, entre as respectivas culturas e tradições, entre diversos grupos étnicos que aqui se encontraram ao longo dos séculos.

Na realidade, o vosso País, no qual a convivência e a harmonia entre diferentes povos podem ser indicadas ao mundo como sinal eloquente da chamada de todos os homens a viverem juntos na paz, no conhecimento e na aceitação recíproca, na descoberta progressiva e na valorização das tradições próprias de cada um. O Cazaquistão é terra de encontro, de intercâmbio, de novidade; terra que estimula em cada um o interesse por novas descobertas e induz a viver a diferença não como uma ameaça mas como um enriquecimento.

Consciente disto, caríssimos jovens, dirijo a cada um de vós a minha saudação. Digo a todos com um coração amigo: a paz esteja convosco, a paz encha os vossos corações! Senti-vos chamados a ser artífices de um mundo melhor. Sede operadores de paz, porque uma sociedade firmemente fundada na paz tem diante de si o futuro.

2. Quando eu preparava esta viagem, interroguei-me acerca do que os jovens do Cazaquistão gostariam de ouvir do Papa de Roma, o que gostariam de lhe perguntar. Conheço os jovens e sei que eles vão às questões fundamentais. Provavelmente a primeira pergunta que desejais fazer-me é esta: "Quem sou eu, na tua opinião, Papa João Paulo II, segundo o Evangelho que me anuncias? Qual é o sentido da minha vida? Qual é o meu destino?" A primeira resposta, queridos jovens, é simples, mas de grande alcance: Eis que tu és um pensamento de Deus, tu és um palpite do coração de Deus. Afirmar isto é como dizer que tu tens um valor, num certo sentido, infinito, que tu contas para Deus na tua irrepetível individualidade.

Então vós compreendeis, queridos jovens, porque é que eu me aproximo de vós, esta tarde, com respeito e emoção e olho para vós com grande afecto e confiança. Sinto-me feliz por me encontrar convosco, descendentes do nobre povo cazaque, orgulhosos do vosso inexorável desejo de liberdade, infinito como a estepe onde nascestes. Vivestes vicissitudes diferentes, não privadas de sofrimentos. Estais aqui sentados, uns ao lado dos outros, e sentis-vos amigos, não porque esquecestes o mal que se verificou na vossa história, mas porque, justamente, vos interessa mais o bem que podereis construir juntos. De facto, não existe verdadeira reconciliação, que não termine generosamente num empenho comum.

Sede conscientes do valor único que cada um de vós possui e sabei certificar-vos das respectivas convicções, mesmo procurando juntos a verdade total. O vosso País conheceu a violência mortificante da ideologia. Não vos aconteça agora serdes vós vítimas da violência não menos destruidora do que o "nada". Que vazio sufocante, se não há na vida nada que conte, se não se crê em nada! O nada é a negação do infinito, que a vossa estepe ilimitada evoca com vigor, daquele Infinito pelo qual aspira de maneira irresistível o coração do homem.

3. Disseram-me que na vossa bonita língua, o cazaque, "amo-te" se diz: "mien siené jaksè korejmen", expressão que se pode traduzir: "vejo-te com bons olhos, tenho sobre ti um olhar bom". O amor do homem, mas ainda antes o próprio amor de Deus ao homem e à criação nasce de um olhar bom, um olhar que mostra o bem e induz a praticar o bem: "Deus, vendo toda a Sua obra, considerou-a muito boa", (Gn 1,31). Um olhar como este permite colher tudo o que há de positivo na realidade e leva a considerar, além de uma aproximação superficial, a beleza e a riqueza de cada ser humano que encontramos.

Surge espontânea a pergunta: "O que faz com que o ser humano seja belo e grande?". Eis a resposta que vos proponho: o que faz com que o ser humano seja grande é a marca de Deus que ele tem em si. Segundo a palavra da Bíblia, ele é criado "à imagem e semelhança de Deus" (cf. Gn Gn 1,26). Precisamente por isto o coração do homem nunca está satisfeito: deseja o melhor, quer mais, deseja tudo. Nenhuma realidade finita o satisfaz e aplaca. Dizia Santo Agostinho de Ipona, o antigo Padre da Igreja: "Criastes-nos, ó Senhor, para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não encontrar paz em ti" (Conf. 1, 1). Não surge, porventura, desta mesma intuição a pergunta que o vosso grande pensador e poeta Ahmed Jassavi repete várias vezes nos seus versos: "Para que serve a vida, senão para ser dada, e dada ao Altíssimo?".

4. Queridos amigos, estas palavras de Ahmed Jassavi contêm em si uma grande mensagem. Evocam o que a tradição religiosa qualifica como "vocação". Dando a vida ao homem, Deus confia-lhe uma tarefa e espera dele uma resposta. Afirmar que a vida do homem, com as suas vicissitudes, as suas alegrias e os seus sofrimentos, tem como finalidade "ser doado ao Altíssimo", não constitui uma diminuição ou renúncia. Ao contrário, é a confirmação da altíssima dignidade do ser humano: criado à imagem e semelhança de Deus, ele é chamado a tornar-se seu colaborador na transmissão da vida e no domínio da criação (cf. Gn Gn 1,26-28).

O Papa de Roma veio para vos dizer precisamente isto: há um Deus que vos criou e vos deu a vida. Ele ama-vos pessoalmente e confia-vos o mundo. É Ele que suscita em vós a sede de liberdade e o desejo de conhecer. Permiti-me que confesse diante de vós com humildade e orgulho a fé dos cristãos: Jesus de Nazaré, Filho de Deus feito homem há dois mil anos, veio para nos revelar esta verdade com a sua pessoa e com os seus ensinamentos. Só no encontro com Ele, Verbo encarnado, o homem encontra a plenitude de auto-realização e de felicidade. A própria religião, sem uma experiência de descoberta estupefacta e de comunhão com o Filho de Deus, que se fez nosso irmão, reduz-se a uma síntese de princípios cada vez mais difíceis de compreender e de regras sempre mais difíceis de suportar.

5. Queridos amigos, vós intuís que nenhuma realidade terrena vos poderá satisfazer plenamente. Estais conscientes de que a abertura ao mundo não é suficiente para satisfazer a vossa sede de vida e que a liberdade e a paz só podem provir de Outro, infinitamente maior do que vós, e contudo tão familiarmente próximo de vós.

Sabei reconhecer que não sois os donos de vós mesmos, e abri-vos Àquele que vos criou por amor e quer fazer de vós pessoas dignas, livres e belas. Encorajo-vos nesta atitude de confiante abertura: aprendei a ouvir no silêncio a voz de Deus, que fala ao íntimo de cada um; lançai bases sólidas e firmes na construção do edifício da vossa vida; não tenhais medo do empenho e do sacrifício, que hoje requerem um grande investimento de forças, mas que são garantia do sucesso de amanhã. Descobri a verdade acerca de vós próprios e não cessarão de se abrir novos horizontes diante de vós.

Queridos jovens, talvez este tema vos pareça insólito. Mas eu considero-o actual e essencial para o homem moderno, que por vezes se ilude de ser omnipotente, porque realizou grandes progressos científicos e consegue, de qualquer modo, controlar o complexo mundo tecnológico. Mas o homem tem um coração: se a inteligência dirige as máquinas, o coração palpita pela vida! Dai ao vosso coração recursos vitais, permiti que Deus entre na vossa existência: então ela será iluminada pela sua luz divina.

6. Vim até vós para vos encorajar. Estamos no início de um novo milénio: é uma época importante para o mundo, porque se está a difundir na alma do povo a convicção de que não é possível continuar a viver divididos como estamos. Infelizmente, se por um lado as comunicações se tornam cada dia mais fáceis, as diferenças muitas vezes são sentidas de maneira até dramática. Encorajo-vos a trabalhar por um mundo mais unido, e a fazê-lo na vida quotidiana, dando-lhe o contributo criativo de um coração renovado.

O vosso País conta convosco e espera muito de vós para os anos vindouros: a orientação da vossa Nação será a que vós lhe imprimirdes com as vossas opções. O Cazaquistão de amanhã terá o vosso rosto! Sede corajosos e resolutos, e não sereis desiludidos.

Acompanhem-vos a protecção e a bênção do Altíssimo, que invoco para cada um de vós, para os vossos entes queridos e para toda a vossa vida!


Desejo exprimir o meu profundo reconhecimento por este encontro com a Universidade. Estive sempre muito próximo da Universidade. E sinto-me muito feliz por a encontrar aqui, porque ela é fundamento da cultura e do progresso nacional. A cultura está na base da identidade de um povo. Muito obrigado!




Discursos João Paulo II 2001