Lumen gentium PT




LUMEN GENTIUM


SOBRE A IGREJA




CAPÍTULO I


O MISTÉRIO DA IGREJA


Objecto da Constituição: a Igreja como sacramento

1 A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc 16,15). Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo, a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo.

A vontade salvífica do Pai

2 O Eterno Pai, pelo libérrimo e insondável desígnio da Sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens à participação da vida divina e não os abandonou, uma vez caídos em Adão, antes, em atenção a Cristo Redentor «que é a imagem de Deus invisível, primogénito de toda a criação» (Col 1,15) sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem. Aos eleitos, o Pai, antes de todos os séculos os «discerniu e predestinou para reproduzirem a imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogénito de uma multidão de irmãos» (Rm 8,29). E, aos que crêem em Cristo, decidiu chamá-los à santa Igreja, a qual, prefigurada já desde o princípio do mundo e admiràvelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança (1), foi constituída no fim dos tempos e manifestada pela efusão do Espírito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos. Então, como se lê nos Santos Padres, todos os justos depois de Adão, «desde o justo Abel até ao último eleito» (2), se reunirão em Igreja universal junto do Pai.

1. Cfr. S. Cipriano, Epist.64, 4: PL 3, 1017. CSEL (Hartel), III B, p. 720. S. Hilário Píct., In Mt. 23, 6: PL 9, 1047. S. Agostinho, passim. S. Cirilo Alex., Glaph. in Gen. 2, 10: PG 69, 110 A.
2. Cfr. S. Gregório M., Hom. in Evang. 19, 1: PL 76, 1154 B. S. Agostinho, Serm. 341, 9, 11: PL 39, 1499 s. S. J. Damasceno, Adv. Iconocl. 11: PG, 1357.


Missão e obra do Filho: fundação da Igreja

3 Veio pois o Filho, enviado pelo Pai, que n'Ele nos elegeu antes de criar o mundo, e nos predestinou para sermos seus filhos de adopção, porque lhe aprouve reunir n'Ele todas as coisas (cfr. Ep 1,4-5 Ep 1,10). Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Tal começo e crescimento exprimem-nos o sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado (cfr. Jn 19,34), e preanunciam-nos as palavras do Senhor acerca da Sua morte na cruz: «Quando Eu for elevado acima da terra, atrairei todos a mim» (Jn 12,32 gr.). Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, na qual «Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (1Co 5,7), realiza-se também a obra da nossa redenção. Pelo sacramento do pão eucarístico, ao mesmo tempo é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que constituem um só corpo em Cristo (cfr. 1Co 10,17). Todos os homens são chamados a esta união com Cristo, luz do mundo, do qual vimos, por quem vivemos, e para o qual caminhamos.

O Espírito santificador e vivificador da Igreja

4 Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para Ele cumprir na terra (cfr. Jn 17,4), foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, para que santificasse continuamente a Igreja e deste modo os fiéis tivessem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito (cfr. Ep 2,18). Ele é o Espírito de vida, ou a fonte de água que jorra para a vida eterna (cfr. Jn 4,14 Jn 7,38-39); por quem o Pai vivifica os homens mortos pelo pecado, até que ressuscite em Cristo os seus corpos mortais (cfr. Rm 8,10-11). O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo (cfr. 1Co 3,16 1Co 6,19), e dentro deles ora e dá testemunho da adopção de filhos (cfr. Ga 4,6 Rm 8,15-16 Rm 8,26). A Igreja, que Ele conduz à verdade total (cfr. Jn 16,13) e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a Ele e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna-a com os seus frutos (cfr. Ep 4,11-12 1Co 12,4 Ga 5,22). Pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo (3). Porque o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: «Vem» (cfr. Ap 22,17)!

Assim a Igreja toda aparece como «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo (4).

3. Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer. III, 24, 1: PG 7, 966 B; Harvey 2, 131, ed. Sagnard, Sources Chr., p. 398.
4. S. Cipriano, De orat. Dom. 23: PL 4, 553; Hartel, III A, p. 285. S. Agostinho, Serm. 71, 20, 33: PL 38, 463 s. S. J. Damasceno, Adv. Iconocl. 12: PG 96, 1358 D.


O Reino de Deus

5 O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc 1,15 cfr. Mt 4,17). Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo (Mc 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo (Lc 12,32), já receberam o Reino; depois, por força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe (cfr. Mc 4,26-29). Também os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demónios com o poder de Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Lc 11,20; cfr. Mt 12,28). Mas este Reino manifesta-se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que veio «para servir e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt 10,45).

E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como Senhor e Cristo e sacerdote eterno (cfr. Ac 2,36 He 5,6 He 7,17-21) e derramou sobre os discípulos o Espírito prometido pelo Pai (cfr. Ac 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.


As figuras da Igreja

6 Assim como, no Antigo Testamento, a revelação do Reino é muitas vezes apresentada em imagens, também agora a natureza íntima da Igreja nos é dada a conhecer por diversas imagens tiradas quer da vida pastoril ou agrícola, quer da construção ou também da família e matrimónio, imagens que já se esboçam nos livros dos Profetas.

Assim a Igreja é o redil, cuja única porta e necessário pastor é Cristo (
Jn 10,1-10). E também o rebanho do qual o próprio Deus predisse que seria o pastor (cfr. Is 40,11 Ez 34,11 ss.), e cujas ovelhas, ainda que governadas por pastores humanos, são contudo guiadas e alimentadas sem cessar pelo próprio Cristo, bom pastor e príncipe dos pastores (cfr. Jn 10,11 1P 5,4), o qual deu a vida pelas suas ovelhas (cfr. Jn 10,11-15).

A Igreja é a agricultura ou o campo de Deus (1Co 3,9). Nesse campo cresce a oliveira antiga de que os patriarcas foram a raiz santa e na qual se realizou e realizará a reconciliação de judeus e gentios (Rm 11,13-26). Ela foi plantada pelo celeste agricultor como uma vinha eleita (Mt 21,33-43 par.; Is 5,1 ss.). A verdadeira videira é Cristo que dá vida e fecundidade aos sarmentos, isto é, a nós que pela Igreja permanecemos n'Ele, sem o qual nada podemos fazer (Jn 15,1-5).

A Igreja é também muitas vezes chamada construção de Deus (1Co 3,9). O próprio Senhor se comparou à pedra que os construtores rejeitaram e se tornou pedra angular (Mt 21,42 par.; Ac 4,11 1P 2,7 Ps 117,22). Sobre esse fundamento é a Igreja construída pelos Apóstolos (cfr. 1Co 3,11), e d'Ele recebe firmeza e coesão. Esta construção recebe vários nomes: casa de Deus (1Tm 3,15), na qual habita a Sua «família»; habitação de Deus no Espírito (cfr. Ep 2,19-22); tabernáculo de Deus com os homens (Ap 21,3); e sobretudo «templo» santo, o qual, representado pelos santuários de pedra e louvado pelos Santos Padres, é com razão comparado, na Liturgia, à cidade santa, a nova Jerusalém (5). Nela, com efeito, somos edificados cá na terra como pedras vivas (cfr. 1P 2,5). Esta cidade, S. João contemplou-a «descendo do céu, de Deus, na renovação do mundo, como esposa adornada para ir ao encontro do esposo» (Ap 21,1 ss.).

A Igreja, chamada «Jerusalém do alto» e «nossa mãe» (Ga 4,26 cfr. Ap 12,17), é também descrita como esposa imaculada do Cordeiro imaculado (Ap 19,7 Ap 21,2 Ap 21,9 Ap 22,17), a qual Cristo gamou e por quem Se entregou, para a santificar» (Ep 5,25-26), uniu a Si por um indissolúvel vínculo, e sem cessar «alimenta e conserva» (Ep 5,29), a qual, purificada, quis unida a Si e submissa no amor e fidelidade (cfr. Ep 5,24), cumulando-a, por fim, eternamente, de bens celestes; para que entendamos o amor de Deus e de Cristo por nós, o qual ultrapassa toda a compreensão (cfr. Ep 3,19). Enquanto, na terra, a Igreja peregrina longe do Senhor (cfr. 2Co 5,6), tem-se por exilada, buscando e saboreando as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, e onde a vida da Igreja está escondida com Cristo em Deus, até que apareça com seu esposo na glória (Cfr. Col 3,1-4).

5. Cfr. Origenes, In Mt. 16, 21: PG 13, 1443 C; Tertuliano, Adv. Marc. 3, 7: PL 2, 357 C; CSEL 47, 3, p. 386. Para os documentos litúrgicos, cfr. Sacramentarium Gregorianum: PL 78, 160 B. ou C. Mohlberg, Liber Sacramentorum romanae ecclesiae, Roma, 1960, p.111, XC; «Deus, qui ex omni coaptacione sanctorum aeternum tibi condis habitaculum...». Hinos Urbs Ierusalem beata em Breviário monástico, e Coelestis Urbs Ierusalem em Breviário Romano.


A Igreja, Corpo místico de Cristo

7 O filho de Deus, vencendo, na natureza humana a Si unida, a morte, com a Sua morte e ressurreição, remiu o homem e transformou-o em nova criatura (cfr. Ga 6,15 2Co 5,17). Pois, comunicando o Seu Espírito, fez misteriosamente de todos os Seus irmãos, chamados de entre todos os povos, como que o Seu Corpo.

É nesse corpo que a vida de Cristo se difunde nos que crêem, unidos de modo misterioso e real, por meio dos sacramentos, a Cristo padecente e glorioso(6). Com efeito, pelo Baptismo somos assimilados a Cristo; «todos nós fomos baptizados no mesmo Espírito, para formarmos um só corpo» (1Co 12,13). Por este rito sagrado é representada e realizada a união com a morte e ressurreição de Cristo: ; «fomos sepultados, pois, com Ele, por meio do Baptismo, na morte»; se, porém, ; «nos tornámos com Ele um mesmo ser orgânico por morte semelhante à Sua, por semelhante ressurreição o seremos também (Rm 6,4-5). Ao participar realmente do corpo do Senhor, na fracção do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós. ; «Porque há um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, visto participarmos todos do único pão» (1Co 10,17). E deste modo nos tornamos todos membros desse corpo (cfr. 1Co 12,27), sendo individualmente membros uns dos outros» (Rm 12,5).

E assim como todos os membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cfr. 1Co 12,12). Também na edificação do Corpo de Cristo existe diversidade de membros e de funções. É um mesmo Espírito que distribui os seus vários dons segundo a sua riqueza e as necessidades dos ministérios para utilidade da Igreja (cfr. 1Co 12,1-11). Entre estes dons, sobressai a graça dos Apóstolos, a cuja autoridade o mesmo Espírito submeteu também os carismáticos (cfr 1Co 14). O mesmo Espírito, unificando o corpo por si e pela sua força e pela coesão interna dos membros, produz e promove a caridade entre os fiéis. Daí que, se algum membro padece, todos os membros sofrem juntamente; e se algum membro recebe honras, todos se, alegram (cfr. 1Co 12,26).

A cabeça deste corpo é Cristo. Ele é a imagem do Deus invisível e n 'Ele foram criadas todas as coisas. Ele existe antes de todas as coisas e todas n'Ele subsistem. Ele é a cabeça do corpo que a Igreja é. É o princípio, o primogénito de entre os mortos, de modo que em todas as coisas tenha o primado (cfr. Col 1,15-18). Pela grandeza do Seu poder domina em todas as coisas celestes e terrestres e, devido à Sua supereminente perfeição e acção, enche todo o corpo das riquezas da Sua glória (cfr. Ep 1,18-23) (7).

Todos os membros se devem conformar com Ele, até que Cristo se forme neles (cfr. Ga 4,19). Por isso, somos assumidos nos mistérios da Sua vida, configurados com Ele, com Ele mortos e ressuscitados, até que reinemos com Ele (cfr. Ph 3,21 2Tm 2,11 Ep 2,6 Col 2,12 etc.). Ainda peregrinos na terra, seguindo as Suas pegadas na tribulação e na perseguição, associamo-nos nos seus sofrimentos como o corpo à cabeça, sofrendo com Ele, para com Ele sermos glorificados (cfr. Rm 8,17).

É por Ele que «o corpo inteiro, alimentado e coeso em suas junturas e ligamentos, se desenvolve com o crescimento dado por Deus» (Col 2,19). Ele mesmo distribui continuamente, no Seu corpo que é a Igreja, os dons dos diversos ministérios, com os quais, graças ao Seu poder, nos prestamos mutuamente serviços em ordem à salvação, de maneira que, professando a verdade na caridade, cresçamos em tudo para Aquele que é a nossa cabeça (cfr. Ep 4,11-16 gr.).

E para que sem cessar nos renovemos n'Ele (cfr. Ep 4,23), deu-nos do Seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os Santos Padres compararem a Sua acção à que o princípio vital, ou alma, desempenha no corpo humano(8).

Cristo ama a Igreja como esposa, fazendo-se modelo do homem que ama sua mulher como o próprio corpo (cfr. Ep 5,25-28); e a Igreja, por sua vez, é sujeita à sua cabeça (ib. Ep 5,23-24). «Porque n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da natureza divina» (Col 2,9), enche a Igreja, que é o Seu corpo e plenitude, com os dons divinos (cfr. Ep 1,22-23), para que ela se dilate e alcance a plenitude de Deus (cfr. Ep 3,19).

6. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. III 62,5, ad 1.
7. Cfr. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 29 jun. 1943: AAS 35 (1943), p. 208.
8. Cfr. Leão XIII, Carta Encicl. Divinum illud, 9 maio 1897: ASS 29 (1896-97) p. 650. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, l.c., pp. 219-220; Denz. 2288 (3808). S. Agostinho, Serm.268, 2: PL 38, 1232, etc. S. João Crisóstomo, In Eph. Hom. 9, 3: PG 62, 72. Didimo Alex., Trin. 2, 1: PG 39, 449 s. S. Tomás, In Col. 1, 18, lect. 5; ed. Marietti, II, n. 46: «Sicut constituitur unum corpus ex unitate animae, ita Ecclesia ex unitate Spiritus...».


A Igreja, sociedade visível e espiritual

8 Cristo, mediador único, estabelece e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível, a Sua santa Igreja, comunidade de fé, esperança e amor, por meio da qual difunde em todos a verdade e a graça (9). Porém, a sociedade organizada hierarquicamente, e o Corpo místico de Cristo, o agrupamento visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino (10). Apresenta por esta razão uma grande analogia com ó mistério do Verbo encarnado. Pois, assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de salvação, a Ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo (cfr. Ep 4,16) (11).

Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una, santa, católica e apostólica (12); depois da ressurreição, o nosso Salvador entregou-a a Pedro para que a apascentasse (Jn 21,17), confiando também a ele e aos demais Apóstolos a sua difusão e governo (cfr. Mt 28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em «coluna e fundamento da verdade» (1Tm 3,5). Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, é na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele (13), que se encontra, embora, fora da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica.

Mas, assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus «que era de condição divina... despojou-se de si próprio tomando a condição de escravo (Ph 2,6-7) e por nós, «sendo rico, fez-se pobre» (2Co 8,9): assim também a Igreja, embora necessite dos meios humanos para o prosseguimento da sua missão, não foi constituída para alcançar a glória terrestre, mas para divulgar a humildade e abnegação, também com o seu exemplo. Cristo foi enviado pelo Pai « a evangelizar os pobres... a sarar os contritos de coração» (Lc 4,18), «a procurar e salvar o que perecera» (Lc 19,10). De igual modo, a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo. Enquanto Cristo «santo, inocente, imaculado» (He 7,26), não conheceu o pecado (cfr. 2Co 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (He 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação.

A Igreja «prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus» (14), anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cfr. 1Co 11,26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz

9. Leão XIII, Encíclica Sapientiae christianae, 10 jan. 1890: ASS 22 (1889-90) p. 392. Id., Carta Encicl. Satis cognitum, 29 jun. 1896: ASS 28 (1895-96) pp. 710 e 724 ss. Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, l.c., pp. 199-200.
10. Cfr. Pio XII, Encíclica, Mystici Corporis, l.c., p. 221 ss. Id., Encíclica Humani generis, 12 agosto 1950: AAS 42 (1950) p. 571.
11. Leão XIII, Carta Encícl. Satis cognitum, l.c., p. 713.
12. Símbolo. Apostólico: Denz. 6-9 (DS 10-13) ; Símbolo Nic. - Constantinopolitano: Denz. 86 (DS 150) ; cfr. Prof. fidei Trid,: Denz. 994 e 999 (DS 1862 DS 1868).
13. Diz-se «Igreja santa (católica, apostólica) romana» em: Prof. fidei Trid., l.c., e Conc. Vat. I, Const. dogm. de fide cath.: Denz. 1782 (DS 3001).
14. S. Agostinho, De Civ. Dei, XVIII, 51, 2: PL 41, 614.


CAPÍTULO II

O POVO DE DEUS


A Nova Aliança com o novo Povo de Deus

9 Em todos os tempos e em todas as nações foi agradável a Deus aquele que O teme e obra justamente (cfr. Ac 10,35). Contudo, aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente. Escolheu, por isso, a nação israelita para Seu povo. Com ele estabeleceu uma aliança; a ele instruiu gradualmente, manifestando-Se a Si mesmo e ao desígnio da própria vontade na sua história, e santificando-o para Si. Mas todas estas coisas aconteceram como preparação e figura da nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida e da revelação mais completa que seria transmitida pelo próprio Verbo de Deus feito carne. Eis que virão dias, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança... Porei a minha lei nas suas entranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Todos me conhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor (Jr 31,31-34). Esta nova aliança instituiu-a Cristo, o novo testamento no Seu sangue (cfr. 1Co 11,25), chamando o Seu povo de entre os judeus e os gentios, para formar um todo, não segundo a carne mas no Espírito e tornar-se o Povo de Deus. Com efeito, os que crêem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível mas incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1P 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito Santo (cfr. Jn 3,5-6), são finalmente constituídos em «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado... que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1P 2,9-10).

Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, «o qual foi entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado por causa da nossa justificação» (Rm 4,25) e, tendo agora alcançado um nome superior a todo o nome, reina glorioso nos céus. E condição deste povo a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo. A sua lei é o novo mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou (cfr. Jn 13,34). Por último, tem por fim o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser também por ele consumado no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer (cfr. Col 3,4) e «a própria criação for liberta do domínio da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rm 8,21). Por isso é que este povo messiânico, ainda que não abranja de facto todos os homens, e não poucas vezes apareça como um pequeno rebanho, é, contudo, para todo o género humano o mais firme germe de unidade, de esperança e de salvação. Estabelecido por Cristo como comunhão de vida, de caridade e de verdade, é também por Ele assumido como instrumento de redenção universal e enviado a toda a parte como luz do mundo e sal da terra (cfr. Mt 5,13-16).

Mas, assim como Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, é já chamado Igreja de Deus (cfr. Ne 13,1 Nb 20,4 Dt 23,1 ss.), assim o novo Israel, que ainda caminha no tempo presente e se dirige para a futura e perene cidade (cfr. He 13-14), se chama também Igreja de Cristo (cfr. Mt 16,18), pois que Ele a adquiriu com o Seu próprio sangue (cfr. Ac 20,28), encheu-a com o Seu espírito e dotou-a dos meios convenientes para a unidade visível e social. Aos que se voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um sacramento visível desta unidade salutar (15). Destinada a estender-se a todas as regiões, ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando por meio de tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne, mas permaneça digna esposa do seu Senhor, e, sob a acção do Espírito Santo, não cesse de se renovar até, pela cruz, chegar à luz que não conhece ocaso.

15. Cfr. S. Cipriano, Epist. 69, 6: PL 3, 1142 B; Hartel 3 B, p. 754: «inseparabile unitatis sacramentum».


O sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial

10 Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os homens (cfr. He 5,1-5), fez do novo povo um «reino sacerdotal para seu Deus e Pai» (Ap 1,6; cfr. Ap 5,9-10). Na verdade, os baptizados, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (cfr. 1P 2,4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a Deus (cfr. Ac 2,42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas, agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1), dêem. testemunho de Cristo em toda a parte e àqueles que lha pedirem dêem razão da esperança da vida eterna que neles habita (cfr. 1P 3,15). .O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo (16). Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real (17), que eles exercem na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa.

16. Cfr. Pio XII, Aloc. Magnificate Dominum, 2 nov. 1954: AAS 46 (1954) p. 669. Encícl. Mediator Dei, 20 nov. 1947: AAS 39 (1947) p, 555.
17. Cfr. Pio XI, Encicl. Miserentissimus Redemptor, 8 maio 1928: AAS 29 (1928) p. 171 s. Pio XII, Aloc. Vous nous avez, 22 set. 1956: AAS 48 (1956) p. 714.


O exercício do sacerdócio comum nos sacramentos

11 A índole sagrada e, orgânica da comunidade sacerdotal efectiva-se pelos sacramentos e pelas virtudes. Os fiéis, incorporados na Igreja pelo Baptismo, são destinados pelo carácter baptismal ao culto da religião cristã e, regenerados para filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé que de Deus receberam por meio da Igreja (18). Pelo sacramento da Confirmação, são mais perfeitamente vinculados à Igreja, enriquecidos com uma força especial do Espírito Santo e deste modo ficam obrigados a difundir e defender a fé por palavras e obras como verdadeiras testemunhas de Cristo (19). Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela (20); assim, quer pela oblação quer pela sagrada comunhão, não indiscriminadamente mas cada um a seu modo, todos tomam parte na acção litúrgica. Além disso, alimentados pelo corpo de Cristo na Eucaristia, manifestam visivelmente a unidade do Povo de Deus, que neste augustíssimo sacramento é perfeitamente significada e admiravelmente realizada.

Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência, obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e oração, trabalha pela sua conversão. Pela santa Unção dos enfermos e pela oração dos presbíteros, toda a Igreja encomenda os doentes ao Senhor padecente e glorificado para que os salve (cfr.
Jc 5,14-16); mais ainda, exorta-os a que, associando-se livremente à Paixão e morte de Cristo (cfr. Rm 8,17 Col 1,24 2Tm 11,12 1P 4,13), concorram para o bem do Povo de Deus. Por sua vez, aqueles de entre os fiéis que são assinalados com a sagrada Ordem, ficam constituídos em nome de Cristo para apascentar a Igreja com a palavra e graça de Deus. Finalmente, os cônjuges cristãos, em virtude do sacramento do Matrimónio, com que significam e. participam o mistério da unidade do amor fecundo entre Cristo e a Igreja (cfr. Ep 5,32), auxiliam-se mutuamente para a santidade, pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos, e têm assim, no seu estado de vida e na sua ordem, um dom próprio no Povo de Deus (cfr. 1Co 7,7) (21) Desta união origina-se a família, na qual nascem novos cidadãos da sociedade humana os quais, para perpetuar o Povo de Deus através dos tempos, se tornam filhos de Deus pela graça do Espírito Santo, no Baptismo. Na família, como numa igreja doméstica, devem os pais, pela palavra e pelo exemplo, ser para os filhos os primeiros arautos da fé e favorecer a vocação própria de cada um, especialmente a vocação sagrada.

Munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho.

18. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. III 63,2.
19. Cfr. S. Cirilo de Jerus. Catech. 17, de Spiritu Santo, II, 35-37: PG 33, 1009-1012. Nic. Cabasilas, De vita in Christo, lib. III, de utilitate chrismatis: PG 150, 569-580. S. Tomás, Summa Theol. III 65,3 e q. III 72,1 III 72,5.
20. Cfr. Pio XII, Encicl. Mediator Dei, 20 nov. 1947: AAS 39 (1947), sobretudo p. 552 s.
21. 1Co 7,7: «Unusquisque proprium donum (idion charisma) habet ex Deo: alius quidem sie, alius vero sic». Cfr. S. Agostinho, De Dono Persev.14, 37: PL 45, 1015 s.: Non tantum continentia Dei donum est, sed coniugatorum atiam castitas».


O sentido da fé e dos carismas no povo cristão

12 O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade oferecendo a Deus o sacrifício de louvor, fruto dos lábios que confessam o Seu nome (cfr. He 13,15). A totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cfr. Jn 2,20 Jn 2,27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis» (22), manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela acção do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direcção do sagrado magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a verdadeira palavra de Deus (cfr. 1Th 2,13), adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cfr. Jud 1,3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida.

Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas «distribuindo a cada um os seus dons como lhe apraz» (1Co 12,11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: ; «a cada qual se concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum» (1Co 12,7). Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com acção de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja. Não se devem porém, pedir temerariamente, os dons extraordinários nem deles se devem esperar com presunção os frutos das obras apostólicas; e o juízo acerca da sua autenticidade e recto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cfr. 1Th 5,12 1Th 5,19-21).

22. Cfr. S. Agostinho, De Praed. Sanct. 14, 27: PL 44, 980.


Universalidade e catolicidade do único Povo de Deus

13 Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus que, no princípio, criou uma só natureza humana e resolveu juntar em unidade todos os seus filhos que estavam dispersos (cfr. Jn 11,52). Foi para isto que Deus enviou o Seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas (cfr. He 1,2), para ser mestre, rei e sacerdote universal, cabeça do novo e universal Povo dos filhos de Deus. Para isto Deus enviou finalmente também o Espírito de Seu Filho, Senhor e fonte de vida, o qual é para toda a Igreja e para cada um dos crentes princípio de agregação e de unidade na doutrina e na comunhão dos Apóstolos, na fracção do pão e na oração (cfr. Ac 2,42 gr.).

E assim, o Povo de Deus encontra-se entre todos os povos da terra, já que de todos recebe os cidadãos, que o são dum reino não terrestre mas celeste. Pois todos os fiéis espalhados pelo orbe comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo, de maneira que «aquele que vive em Roma, sabe que os indianos são membros seus»(23),. Mas porque o reino de Cristo não é deste mundo (cfr. Jn 18,36), a Igreja, ou seja o Povo de Deus, ao implantar este reino, não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os. Pois lembra-se que lhe cumpre ajuntar-se com aquele rei a quem os povos foram dados em herança (cfr. Ps 2,8), e para a cidade à qual levam dons e ofertas (cfr. Ps 71,10 [72], Is 60,47 Ap 21,24). Este carácter de universalidade que distingue o Povo de Deus é dom do Senhor; por Ele a Igreja católica tende eficaz e constantemente à recapitulação total da humanidade com todos os seus bens sob a cabeça, Cristo, na unidade do Seu Espírito (24).

Em virtude desta mesma catolicidade, cada uma das partes traz às outras e a toda a Igreja os seus dons particulares, de maneira que o todo e cada uma das partes aumentem pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na unidade. Daí vem que o Povo de Deus não só se forma de elementos oriundos de diversos povos mas também se compõe ele mesmo de várias ordens. Existe de facto entre os seus membros diversidade, quer segundo as funções, enquanto alguns desempenham o sagrado ministério a favor de seus irmãos, quer segundo a condição e estado de vida, enquanto muitos, no estado religioso, buscando a santidade por um caminho mais estreito, estimulam os irmãos com o seu exemplo. É também por isso que na comunhão eclesial existem legitimamente igrejas particulares com tradições próprias, sem detrimento do primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade (25), protege as legítimas diversidades e vigia para que as particularidades ajudem a unidade e de forma alguma a prejudiquem. Daí, finalmente, os laços de íntima união entre as diversas partes da Igreja, quanto às riquezas espirituais, obreiros apostólicos e ajudas materiais. Pois os membros do Povo de Deus são chamados a repartir entre si os bens, valendo para cada igreja as palavras do Apóstolo: «cada um ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu, como bons administradores da multiforme graça de Deus» (1P 4,10).

Todos os homens são chamados a esta unidade católica do Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal; a ela pertencem, de vários modos, ou a ela se ordenam, quer os católicos quer os outros que acreditam em Cristo quer, finalmente, todos os homens em geral, pela graça de Deus chamados à salvação.

23. Cfr. S. J. Crisóstomo, In Io. Hom. 65, 1: PG 59, 361.
24. Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer. 111, 16, 6; III, 22, 1-3: PG 7, 925 C-926 A, e 955 C-958 A: Harvey 2, 87 s. e 120-123; Sagnard, Ed. Sources Chrét., pp. 290-292 e 372 ss.
25. Cfr. S. Inácio M., Ad Rom., Pref.: ed. Funk, I, p. 252.



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