Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 21 de Abril de 1979

Senhor Reitor e queridos Diáconos

Saúdo-vos cordialmente, com a alegria da oitava pascal, neste breve encontro. A paz do Senhor ressuscitado esteja com todos vós!

Quererdes vós, durante a estadia na Cidade Eterna, fazer também uma visita ao Bispo de Roma, testemunha a vossa fé na sua missão igualmente universal para a Igreja inteira. Compete-lhe hoje a ele, como Sucessor de São Pedro, da primeira testemunha corajosa da Ressurreição de Cristo, o dever de confirmar os seus irmãos na fé (Cfr. Lc Lc 22,31 ss.).

Assim, é com alegria muito particular que desejo cumprir esta missão felicitando-vos de todo o coração pela graça divina do vosso acesso ao diaconado e encorajando-vos a que prossigais o vosso caminho para o sacerdócio. Algo há de grandioso em se ter sido escolhido por Deus para participar de maneira mais estreita na missão salvífica do seu Filho, para a redenção do género humano. A graça da vocação sacerdotal é, como acentuei brevemente na minha recente Carta aos Sacerdotes, "o maior dom do Espírito Santo" (Carta a todos os Sacerdotes da Igreja por ocasião de Quinta-feira Santa de 1979, n. 2). É tesouro preciosa que nós trazemos, é verdade, num vaso frágil mas que, precisamente por isso, deve ser conservado com o maior cuidado.

Este dom, segurai-o bem com as duas mãos, sem hesitações nem reservas ansiosas, com plena e total disponibilidade para o serviço ao Povo de Deus e, para bem de Cristo e da sua Igreja, com um amor corajoso e pronto ao sacrifício. Na minha Carta aos Sacerdotes há uma passagem que vos recomendo calorosamente: antes de tudo persuadi-vos dela e preparai-vos conscientemente para conformar com ela a vossa missão. A passagem é esta: "Em última análise, resultará sempre necessário para os homens, unicamente o sacerdote que esteja consciente do seu Sacerdócio o sacerdote que profundamente crê, que professa com coragem a própria fé, que reza com fervor, que ensina com profunda convicção, que serve, que realiza na própria vida o programa das Bem-Aventuranças, que sabe amar desinteressadamente que está ao lado de todos e, em particular; dos mais necessitados" (Cfr. ibid., n. 7).

Oxalá cada um de vós, com a graça de Deus e com os próprios esforços religiosos, consiga realizar este sacerdócio de modo pleno: é o que peço de modo muito particular nas orações que elevo por vós e o, que igualmente constitui objecto dos votos mais sinceros que elevo em favor do vosso Bispo e da vossa Diocese. Este exemplo convincente, do que deve ser um bom sacerdote, constituirá também um meio eficaz para encorajar vocações novas.

Para tanto, dou a todos vós, em penhor de abundantes graças de Cristo, Supremo e Eterno Sacerdote, a minha cordial Bênção Apostólica.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE SACERDOTES DE MILÃO


Sábado, 21 de Abril de 1979



Caríssimos Sacerdotes de Milão

Celebrando o 25° aniversário da vossa Ordenação Sacerdotal, quisestes solenizá-lo com um encontro pessoal com a Papa, ao regressardes duma devota peregrinação Polónia, na minha muito amada terra natal, ao Santuário mariano de Czestochowa.

Agradeço-vos sentidamente esta vossa filial devoção, e com afecto profundo e sincera vos acolho e a todos dirijo a minha saudação; mais, abraço-vos com todo o amor que deve brotar do nosso comum Sacerdócio e da. minha missão de Pai universal. Sede pois bem-vindos, vós Superiores que provindes de Milão, cidade célebre em todo o mundo pela sua história aventurosa e pela sua inteligente laboriosidade; Diocese de grandes Bispos, de santos Sacerdotes e de leigos dedicados; terra do ministério pastoral, diligente e pressuroso, do meu venerado Predecessor Paulo VI!

Sede bem-vindos, vós que estivestes como peregrinos na minha Pátria, onde longos e dolorosos acontecimentos históricos se entretecem com uma fé cristã sempre sentida e vivida!

Mas sede bem-vindos, vós sobretudo, Sacerdotes que celebrais o jubileu sacerdotal!

São tantos 25 anos de Sacerdócio! São mística e preciosa catedral construída com mais de 10.000 Santas Missas celebradas, com milhares e milhares de absolvições concedidas, com inúmeros Baptismos, Matrimónios e Unções de Enfermos, tudo administrado mediante os poderes divinos conferidos pelo próprio Jesus por meio dos Apóstolos e depois pela áurea cadeia da imposição das mãos!

Que podemos fazer senão agradecer e repetir com o Salmista: Misericordias Domini in aeternum cantabo (Ps 88,2)?

25 anos de Sacerdócio significam também um período de longa experiência e de reflexão concreta sobre a verdadeira identidade do Sacerdote. Depois de tantos anos de activo ministério na vinha e na messe do Senhor, depois de suportar o cansaço do dia e do seu calor (Mt 20,12), pode-se concluir com mais facilidade quais os elementos essenciais do Sacerdócio Católico, para nossa confirmação, a fim de perseverarmos, e para lição de todos os nossos irmãos.

1. A nossa força interior está na vocação.

Fomos chamados! Esta é a verdade fundamental que deve infundir-nos coragem e alegria! O próprio Jesus disse aos Apóstolos: Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes fruto, e o vosso fruto permanecer (Jn 15,16). E o autor da Carta aos Hebreus adverte: Ninguém usurpe para si esta honra; somente a tome quem for chamado por Deus (He 5,4).

A chamada foi primeiramente interior; misteriosa, causada por vários motivos; mas depois, depois da longa e necessária preparação no Seminário — sob a direcção de Superiores clarividentes e responsáveis — tornou-se oficial e garantida, quando a Igreja nos chamou e nos consagrou por meio do Bispo.

Ninguém, com efeito, ousaria tornar-se por si ministro de Cristo, em contacto contínuo com o Altíssimo! Ninguém teria a coragem de carregar sobre si o peso das consciências e aceitar assim uma sagrada e mística solidão.

A chamada dá-nos a força de sermos, com constância e fidelidade, aquilo que somos: nos momentos de serenidade, mas sobretudo nos momentos de crise e desconforto, digamos a nós mesmos: Coragem! Fui chamado! Ecce ego, mitte me (Is 6,8).

2. A nossa alegria é a Eucaristia.

Recordemos as palavras do Divino Mestre aos apóstolos: Chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vo-lo dei a conhecer (Jn 15,15).

O Sacerdote é, primeiro que tudo, para a Eucaristia e vive da Eucaristia. Nós podemos "consagrar" e encontrar pessoalmente Cristo com o divino poder da "transubstanciação"; nós podemos dar-nos a comunhão de Jesus, vivo, verdadeiro e real; nós podemos distribuir às almas o Verbo, encarnado, morto e ressuscitado pela salvação do mundo. Todos os dias temos audiência particular com Jesus.

Por isso, fazei sempre da Santa Missa o centro propulsor do dia, o encontro pessoal com Aquele que é a única e verdadeira alegria nossa; requerem-se, pois, sem falta, adequada preparação e conveniente acção de graças em cada Santa Missa para podermos saborear a alegria do Sacerdócio.

3. Por fim, a nossa preocupação deve ser o amor e serviço das almas, no lugar que a Providência nos designou mediante os Superiores. Em qualquer lugar onde nos encontremos — nas agitadíssimas paróquias das metrópoles como nas aldeias perdidas nas montanhas — há sempre pessoas para amar, servir e salvar; há sempre que meditar tomando aquelas consoladoras palavras que marcaram o nosso destino eterno: Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu Senhor (Mt 25, 23,).

Acompanhem-vos estas minhas palavras como recordação do vosso 25° aniversário, ao mesmo tempo que vos rogo peçais por mim, por todos os Sacerdotes e por que o Senhor desperte numerosas vocações.

Acompanhe-vos, ilumine-vos e conforte-vos Maria Santíssima, a quem me dirijo com as mesmas palavras pronunciadas por Paulo VI ao relançar o Concílio Vaticano II: "O Maria, olhai para nós vossos filhos, olhai para nós, irmãos, discípulos, apóstolos e continuadores de Jesus: fazei que estejamos conscientes da nossa vocação e da nossa missão; fazei que não sejamos indignos de assumir — no nosso sacerdócio, na nossa palavra e na oblação da nossa vida pelos fiéis a nós confiados — a representação e a personificação de Cristo. Vós, ó cheia de graça, fazei que o sacerdócio, que Vos honra, seja ele também, santo e imaculado" (11 de outubro de 1963)!

E fique sempre convosco a minha confortadora Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS


DA DIOCESE DE BRÉSCIA (ITÁLIA)


Terça-feira, 24 de Abril de 1979



Caríssimos fiéis de Bréscia!

1. O vosso coração e a vossa fé trouxeram-vos a Roma, à casa do sucessor de Pedro, juntamente com o vosso amado Bispo e com numerosas Autoridades civis. Viestes erguer orações de sufrágio na Basílica Vaticana, que guarda — não longe do túmulo de São Pedro — os restos mortais do Papa Paulo VI, e viestes também encontrar-vos com Aquele que hoje é o seu Sucessor.

Acolho-vos com profundo afecto e saúdo a cada um com particular benevolência; em vós quero saudar toda a diocese de Bréscia, que representais:

Sabei que na alma do Papa está reservado um lugar especial para vós, conterrâneos do meu inesquecível Predecessor. Bréscia, Diocese de grandes tradições católicas e com uma população profundamente religiosa está, e continuará, no meu coração, como estava no coração do Papa Paulo VI.

2. Ao mesmo tempo que vos exprimo o meu agradecimento pela visita, desejo comunicar-vos o meu sincero regozijo pela primeira finalidade característica desta peregrinação: a de honrar a memória do Papa Paulo VI.

Ao pronunciar este nome, que recorda um período histórico extremamente cheio de acontecimentos, imediatamente vem ao espírito a figura gigantesca do grande pontífice que, num período nada fácil da história da Igreja, nos ensinou, com um martírio quotidiano de solicitude e de trabalho, o que significa amar e servir verdadeiramente a Cristo e às almas.

Particularmente sensível às exigências da cultura moderna, profundo conhecedor da múltipla e vasta problemática do mundo actual, consciente em elevado grau da responsabilidade do seu alto ministério, e participante do sofrimento físico e moral da humanidade inteira, Paulo VI, enamorado de Cristo e amigo de cada homem, fiel servidor da verdade na caridade e incansável defensor dos direitos de Deus e do Homem, foi e será sempre glória imperecível de Bréscia, da Itália e da Igreja!

Perante a secularização que invadiu a sociedade e os fermentos que perturbaram por dentro a Igreja nos últimos anos, Paulo VI, incompreendido, e às vezes até caluniado, foi sempre um foco de luz para todos os homens, confirmando continuamente na fé os seus irmãos. Apraz-me recordar o que escrevi d'Ele na recente Encíclica Redemptor Hominis: "Como timoneiro da Igreja, barca de Pedro, ele sabia conservar uma tranquilidade e um equilíbrio providenciais mesmo nos momentos mais críticos, quando parecia que Ela estava abalada por dentro, mantendo sempre inabalável esperança na sua solidez... Devemos estar gratos a Paulo VI, porque, respeitando toda e qualquer parcela de verdade contida nas diversas opiniões humanas, conservou igualmente o equilíbrio providencial do timoneiro da Barca" (Encíclica Redemptor Hominis RH 4).

Os discursos, as Encíclicas e as Exortações Apostólicas que Ele nos deixou em herança, são um monumento de doutrina, uma verdadeira "Summa Theologica".

Por isso, é para mim motivo de alegria e regozijo a oportuna iniciativa empreendida pela vossa Diocese, de dar vida ao "Instituto Paulo VI" para um estudo aprofundado da personalidade e das obras do grande Pontífice e dos seus tempos.

Com empenho e seriedade sei que se está a estruturar tal Centro Internacional, que já iniciou a sua actividade. Será, além do mais, um válido instrumento ao dispor dos estudiosos de todo o mundo para as suas investigações.

Auguro-vos de coração que tal Instituto vivat, crescat et floreat.

3. Entrevejo outro motivo, ainda, na finalidade do vosso encontro de hoje com o Papa: receber dele uma palavra de conforto e de orientação para o vosso empenho de testemunho cristão.

Pois bem, juntamente com o Papa Paulo VI digo-vos: "sede fiéis, brescianos, prometei a vós mesmos e garanti às novas gerações que conservareis firme, forte, completo e fecundo o património da fé cristã" (Paulo VI, Discurso à Peregrinação de Bréscia, a 25 de Janeiro de 1975).

Bréscia é célebre pelas suas iniciativas culturais e editoriais; desejo, por isso, exortar-vos vivamente a que semeeis, sempre e unicamente, o bom grão da verdade. Nós devemos dar a certeza e a segurança da verdade, em nome de Jesus que disse: Eu sou a luz do mundo (Jn 8,12). Para isto nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade (Jn 18,37).

Hoje, mais do que nunca, é necessário primeiramente semear o bom grão da verdade metafísica. De facto, as confusões teológicas e as crises morais têm geralmente como causa uma crise filosófica. E necessário permanecermos firmes na boa e sã metafísica, que se refere ao Absoluto, ao Deus único e transcendente, criador e ordenador do universo e do homem. De facto, sem o Absoluto metafísico desaparece o fundamento para qualquer construção e todos os erros podem ser justificados.

Na Encíclica Humani Generis Pio XII escrevia com sabedoria e preocupação: "Todos sabem quanto a Igreja aprecia o valor da razão humana, à qual cabe a tarefa de demonstrar, com certeza, a existência de um só Deus pessoal, de demonstrar cabalmente, através dos sinais divinos, os fundamentos da fé cristã... Mas esta tarefa só poderá ser convenientemente desempenhada e com segurança, se a razão for devidamente cultivada..." (AAS 42, 1950, 562, 63).

É necessário, portanto, espalhar a verdade revelada, como foi anunciada pelo Divino Mestre e como é ensinada pelo Magistério da Igreja, divinamente assistido, convencidos do que o próprio Jesus disse: Quem não é por mim, é contra mim; e quem não recolhe comigo, dispersa (Lc 11,23).

Só assim se contribuirá para alimentar e fortificar uma fé genuína e profunda, que ilumine e oriente toda a actividade do cristão. Hoje não basta uma fé vaga e superficial, mas é necessária uma fé iluminada e intensamente vivida, que floresça em coerentes obras de bem.

Semeemos pois, a mãos cheias, a verdade e procuremos tornar sempre mais convicta e mais sólida a nossa fé; é este o testemunho que vos deixo, em nome da Igreja, em recordação de Paulo VI, na ansiedade comovente e exigente do mundo moderno.

Assista-vos Maria Santíssima, a "Senhora das Graças", profundamente amada e frequentemente recordada com tanta saudade por Paulo VI.

O terno amor deste saudoso Pontífice para com Nossa Senhora sirva-vos de exemplo e vos acompanhe juntamente com a minha bênção cordial, que de boa vontade faço extensiva a quantos vos são queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE BISPOS DA ÍNDIA


DA REGIÃO DE BENGALA E DO NORDESTE


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Quinta-feira, 26 de Abril de 1979



Queridos Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

Para todos nós, esta é hora de fé. Encontramo-nos juntos como Bispos da Igreja de Deus, unidos em Cristo, unidos em maravilhosa comunhão de fé e amor, unidos na missão de evangelizar e servir a humanidade — missão que deriva dum mandato recebido do Salvador do mundo.

Esta nossa fé é primeiro que tudo expressa em acção de graças a Deus pelas maravilhosas realizações que Ele continua a levar a termo nas vidas dos fiéis confiados ao nosso cuidado pastoral. Viestes para reflectir comigo naquilo que o Espírito Santo está a executar hoje nas Igrejas locais de Bengala e das regiões do nordeste da Índia e para enaltecer a glória da divina graça.

Esta fé é igualmente expressa em fraternidade — na fraternidade com que nos reunimos para considerar as exigências do nosso ministério apostólico. Nesta irmandade de fé, todos nós experimentamos a grande alegria de sermos apóstolos — sucessores dos primeiros Doze. Jesus Cristo, hoje e sempre, é o centro do nosso interesse; é o sentido das nossas vidas. Nós temos também a consciência de pertencer ao Colégio dos Bispos, de sermos solidários com os outros membros, de nos vermos apoiados mediante a Igreja universal por todos os nossos irmãos no Episcopado. E acima de tudo, temos a consolação máxima de saber que o Senhor Jesus está no meio de nós: Ecce ego vobiscum sum (Mt 28,20).

Esta é pois, na verdade, hora de fé — oportunidade para renovarmos a nossa fé junto do túmulo do Apóstolo Pedro, que confessou ser Jesus o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16,16), e só Ele ter as palavras da vida eterna (Jn 6,68). Nós estamos aqui, sobretudo, para nos dedicarmos de novo à nossa missão de fé, que está em proclamar a palavra de Deus e em proclamar o dom divino da salvação em Jesus Cristo.

O nosso conhecimento, na fé, da presença do Senhor inspira-nos a continuarmos a nossa missão com confiança e humilde segurança. Sabemos que; com a ajuda de Deus, não há meta que não possamos atingir nem obstáculo que não possa ser vencido para implantar o Reino de Deus. Com São João testemunhamos: Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé (1Jn 5,4). A mensagem de fé que nós oferecemos, deixando a liberdade e sem constranger, não se apoia na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus (Cfr. 1Co 2,5).

O poder de Deus está impressionantemente manifestado no Mistério Pascal de Jesus Nazareno; penetra o ensinamento dos Apóstolos; e mostra-se activo nos nossos dias. Acima de tudo, este poder de Deus é activo por meio do Sacrifício Eucarístico. É nele que nós mesmos juntamente com os nossos sacerdotes, devemos ir buscar a fonte primeira desse amor pastoral (Cfr. Presbyterorum Ordinis PO 14 Presbyterorum Ordinis ), que nos torna capazes de viver uma vida de fé, uma vida de amor desinteressado segundo o modelo do que tem o Bom Pastor.

Numa plena e activa participação no Sacrifício Eucarístico e na vida litúrgica completa da Igreja, todo o nosso povo encontra a primeira e indispensável fonte do verdadeiro espírito cristão (Cfr. Sacrosanctum concilium SC 14). Aqui encontra a força que o torna capaz de dar ao mundo o testemunho de fé e o testemunho de vida. O alegre empenho de servir à humanidade necessitada só pode vir da força derivada de Cristo eucarístico. E é Ele quem inspira nos corações dos fiéis uma sensibilidade cada vez maior perante o que necessitam os , seus irmãos.

A eficiência do laicado, e em especial das famílias cristãs, para dar ao mundo o testemunho de fé e amor, depende do seu dinamismo espiritual, que não se pode encontrar em parte nenhuma mais vigoroso do que na Eucaristia. A juventude das vossas Igrejas locais só pela força da Eucaristia pode chegar à plena maturidade em Cristo. O dom divino do sacerdócio e das vocações religiosas está misteriosamente relacionado com a participação reverente do povo de Deus na Eucaristia.

Irmãos, nesta hora de fé que esta mos a celebrar juntos, é conveniente que nos concentremos na Eucaristia; que é o verdadeiro mistério da fé. A Eucaristia é a nossa fonte de esperança para o futuro. O bom êxito do nosso ministério está ligado a ela; o bem-estar do povo de Deus depende dela. Com o Concílio Vaticano II devemos continuamente repetir que a Eucaristia é "fonte e convergência de toda a vida cristã" (Lumen Gentium LG 11). É o coração das nossas comunidades eclesiais. Dedicarmo-nos de novo ao nosso ministério de fé como Bispos, requer uma visão clara do nosso serviço na perspectiva da Eucaristia. A expressão plena da nossa participação e amor só por meio da Eucaristia pode realizar-se. Todos os grandes problemas do vosso ministério pastoral dependem de Cristo eucarístico. Ele, e só Ele, dirige, pela força da sua presença e pelo dinamismo da sua actividade salvífica, a vida interior das comunidades eclesiais confiadas ao vosso cuidado pastoral. Esta verdade profunda motivou o apelo que fiz à Igreja universal na minha recente Encíclica e hoje repito: "Todos na Igreja, mas principalmente os Bispos e os Sacerdotes, devem vigiar por que este Sacramento de amor esteja no centro da vida do Povo de Deus"... (Redemptor Hominis RH 20).

Na mesma Encíclica falei também da estreita relação entre a Eucaristia e a Penitência, insistindo em que a conversão pessoal deve sempre prosseguir com renovado esforço, de maneira que a participação na Eucaristia não fique privada da sua plena eficácia redentora. Em especial, fiz notar a necessidade de defender o Sacramento da Penitência, e insisti em que a observância plurissecular dos fiéis — "a prática da confissão individual, unida ao acto pessoal de arrependimento e ao propósito de se corrigir e de satisfazer" — é expressão da defesa que toma a Igreja do "direito a um encontro mais pessoal do homem com Cristo crucificado que perdoa" e o direito do próprio Cristo "de encontrar-se com cada um de nós naquele momento-chave... da conversão e do perdão" (Ibid.). Irmãos, nunca nos cansemos de encarecer o valor da confissão individual. Os documentos que citei na encíclica Redemptor Hominis referem-se a um ponto de capital importância: "o solene ensinamento do Concílio de Trento sobre o preceito divino da confissão individual" (Cfr. nota 179; Alocução de Paulo VI, 20 de Abril de 1978).

Vista nesta perspectiva, a diligente observância, por todos os Sacerdotes da Igreja, das Normas Pastorais de Sacramentum Paenitentiae quanto à absolvição geral é ao mesmo tempo questão de amorosa fidelidade a Jesus Cristo e ao seu plano redentor, e expressão de comunhão eclesial nas quais Paulo VI viu "matéria de especial interesse para a Igreja universal e que portanto deve ser regulada pela sua autoridade suprema" (Ibid.). De especial importância, para todos os Bispos do mundo, é o grande apelo pastoral de Paulo VI: "Além disso, pedimo-vos, a vós Bispos, que ajudeis os vossos sacerdotes a terem sempre em apreço cada vez maior o seu esplêndido ministério como confessores (Cfr. Lumen Gentium LG 30). A experiência de séculos confirma a importância deste ministério. E se os sacerdotes com preenderem em profundidade que, mediante o Sacramento da Penitência, colaboram em estreita união com o Salvador na obra da conversão, eles próprios dedicar-se-ão cada vez com mais zelo a este ministério... As outras actividades, por falta de tempo poderiam ser adiadas ou mesmo abandonadas, mas não o confessionário" (Ibid.).

O nosso ministério é verdadeiramente ministério de fé, e os meios sobrenaturais para efectuarmos o nosso propósito proporcionam-se a sabedoria e ao poder de Deus. A Eucaristia e a Penitência são grandes tesouros da Igreja de Cristo.

Em todas as preocupações e alegrias do nosso ministério, em todas as esperanças e decepções, em todas as dificuldades inerentes à proclamação de Cristo e da sua mensagem libertadora para a causa do homem e da dignidade humana, reflictamos com fé em que o poder de Cristo, e não o nosso próprio, guia os nossos passos e mantém os nossos esforços. Hoje, na fraternidade da colegialidade que é a nossa, podemos ouvir Cristo dizer-nos: Ecce ego vobiscum sum. E quando voltardes às vossas terras, procurai comunicar a mesma mensagem de fé, confiança e fortaleza a toda a comunidade aos sacerdotes, religiosos e leigos que convosco formam o Povo de Deus: Ecce ego vobiscum sum. Especialmente na Eucaristia.

Mas antes de partirdes, antes do vosso regresso ao campo dos vossos trabalhos apostólicos, reacendamos, queridos Irmãos, o dom de Deus que é nosso como Bispos. Reacendamo-lo nas palavras de São Paulo: Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria (2Tm 1,7). Deste modo, por conseguinte, parti a exercer o vosso ministério de fé.

Peço que transmitais as minhas saudações às vossas Igrejas locais: para comunicardes o meu amor a todo o vosso povo, para manifestardes a minha especial gratidão aos vossos colaboradores no sacerdócio, aos religiosos e a todos os que partilham convosco do Evangelho. Quero animar especialmente os professores e os catequistas.. Na unidade da fé, no amor do Redentor, abraço-vos a todos, dizendo com o Apóstolo Pedro: Paz a todos v6s.que estais em Jesus Cristo (1P 5,14).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA


26 de Abril de 1979



Senhor Cardeal,
Senhor Secretário,
meus queridos Amigos

Há cinco anos, o meu venerado predecessor o Papa Paulo VI houve por bem dirigir-vos os seus encorajamentos por ocasião da primeira sessão plenária que tivestes depois de ele vos ter dado novas normas de organização com o Motu próprio «Sedula cura». É também para mim alegria muito particular receber-vos hoje, por minha vez, por ocasião da primeira reunião deste novo quinquénio, e saudar sobretudo os vossos novos membros.

Não é este o momento para discorrer sobre a vossa responsabilidade para com Deus e a Igreja: vós sois bem conscientes dela. De facto, apesar do carácter técnico e da complexidade crescente dos estudos bíblicos, a sua finalidade mantém-se sempre: abrir ao povo cristão as fontes de água viva contidas nas Escrituras, e o assunto que vós estudais este ano, que trata da inserção cultural da revelação, dá novo testemunho disso.

O tema que vós tratais é de grande importância; diz respeito, efectivamente, à metodologia mesma da revelação bíblica na sua realização. O termo «aculturação» ou «inculturação», sendo neologismo exprime muito bem uma das componentes do grande mistério da Encarnação. Sabemos que o Verbo se fez homem e habitou entre nós (Jn 1,14); assim, vendo Jesus Cristo, o filho do carpinteiro (Mt 13,55), podemos contemplar a glória mesma de Deus (Cfr. Jo Jn 1,14). Pois bem, a mesma Palavra divina tornou-se anteriormente linguagem humana, assumindo os modos de se exprimir das diversas culturas que, desde Abraão ao Vidente do Apocalipse, ofereceram ao mistério adorável do amor salvífico de Deus a possibilidade de se tornar acessível e compreensível pelas gerações seguintes, apesar da diversidade múltipla das suas situações históricas. Assim, muitas vezes e de muitas maneiras (He 1,1), Deus esteve em contacto com os homens e, na sua benevolência e insondável condescendência, dialogou com eles por intermédio dos profetas, dos apóstolos, dos escritos sagrados, e sobretudo por meio do Filho do Homem. E Deus comunicou sempre as suas maravilhas servindo-se da linguagem e da experiência dos homens. As culturas mesopotâmicas, as do Egipto, de Canaam e da Pérsia, a cultura helénica e, para o Novo Testamento, a cultura greco-romana e a do judaísmo tardio, serviram, dia após dia, à revelação do seu mistério inefável de salvação, como bem o mostra a vossa actual Sessão plenária.

Estas considerações, todavia, bem o sabeis, fazem surgir o problema da formação histórica da linguagem bíblica, que está dalgum modo ligada às mudanças sobrevindas durante a longa sucessão de séculos no decurso dos quais a palavra escrita deu nascimento aos Livros sagrados. Mas é justamente aqui que se afirma o paradoxo do anúncio revelado e do anúncio mais especificamente cristão, segundo o qual as pessoas e os acontecimentos historicamente contingentes se tornam portadores de uma mensagem transcendente e absoluta. Os vasos de barro podem partir-se, mas o tesouro que encerram mantém-se intacto e incorruptível (Cfr. 2Cor 2Co 4,7) E do mesmo modo que na fraqueza de Jesus de Nazaré e da sua Cruz se manifestou o poder redentor de Deus assim também na fragilidade da palavra humana se revela uma eficácia insuspeita que a torna mais penetrante que uma espada de dois gumes (He 4,12). Eis porque só recebemos das primeiras gerações cristãs o conjunto do Cânone das sagradas Escrituras, tornadas o ponto de referência e a norma da fé e de vida, da Igreja de todos os tempos.

Compete evidentemente à ciência bíblica e aos seus métodos hermenêuticos estabelecer a distinção entre o que é caduco e o que deve manter sempre o seu valor. Mas há aqui uma operação que requer uma sensibilidade extremamente aguda, não só sobre o plano científico e teórico, mas também e acima de tudo sobre o plano eclesial e da vida.

Duas consequências resultam de tudo isto, que são ao mesmo tempo diferentes e complementares. A primeira diz respeito ao grande valor das culturas: se estas, na história bíblica, foram já julgadas capazes de ser veículos da Palavra de Deus, é porque nelas se encontra inserido alguma coisa de muito positivo, que é já uma presença em germe do Logos divino. Igualmente, hoje, o anúncio da Igreja não teme servir-se de expressões culturais contemporâneas: deste modo são elas, por certa analogia com a humanidade de Cristo, chamadas, por assim dizer, a participar na dignidade do próprio Verbo divino. É necessário todavia acrescentar, em segundo lugar, que se quer manifestar também o carácter puramente instrumental das culturas que, sob a influência duma evolução histórica muito acentuada, são submetidas a fortes mudanças: A erva seca e a flor murcha, mas a palavra do nosso Deus permanece eternamente (Is 40,8). Precisar as relações existentes entre as variações da cultura e a constante da revelação é justamente a tarefa, árdua mas entusiasmante, dos estudos bíblicos, bem como de toda a vida da Igreja.

Nesta tarefa, vós tendes inegavelmente, Irmãos e filhos muito queridos da Pontifícia Comissão Bíblica, uma parte preponderante, e nela estais estreitamente associados ao Magistério da Igreja. Isto leva-me a chamar particularmente a vossa atenção para um ponto. O Motu próprio «Sedula cura» precisa, quando trata da finalidade da vossa Comissão, que ela deve oferecer o contributo do seu trabalho ao Magistério da Igreja. Faço votos muito especialmente por que os vossos trabalhos sejam ocasião de mostrar como a mais precisa pesquisa, e a maior técnica, não ficam fechadas em si mesmas, mas podem ser úteis aos órgãos da Santa Sé que se encontram perante os problemas tão difíceis da evangelização, quer dizer perante condições concretas da inserção do fermento evangélico nas mentalidades e nas culturas novas.

Nesta perspectiva, a obrigação fundamental de fidelidade ao Magistério adquire toda a sua amplitude. «Deus confiou a Sagrada Escritura à sua Igreja e não ao juízo particular de especialistas» (Cfr. Motu proprio Sedula cura, par. 3). Trata-se, de facto, da fidelidade à função espiritual dada por Cristo à sua Igreja; trata-se da fidelidade à missão. Os exegetas contam-se entre os primeiros servidores da Palavra de Deus. Estou certo, meus queridos amigos, que o vosso exemplo manifestará de maneira eminente a união da competência científica, que vos reconhecem os vossos iguais, com o sentido espiritual purificado que mostra na Escritura a Palavra de Deus confiada à sua Igreja.

Guie o Senhor os vossos esforços; ilumine-vos o Espírito Santo! Por meu lado, manifestando-vos a minha confiança e quanto a Igreja conta convosco, dou-vos de todo o coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À PONTIFÍCIA COMISSÃO


PARA A NEOVULGATA


27 de Abril de 1979



Excelência, estimadíssimos Professores

Deixai-me antes de tudo exprimir a grande alegria que sinto hoje ao receber-vos aqui para a entrega oficial da Edição Típica da versão Neovulgata da Sagrada Bíblia. A minha alegria é a mesma daquele que pode finalmente recolher uma abundante colheita, que foi objecto de cuidados contínuos e amorosos.

Neste momento, o meu pensamento não pode deixar de se dirigir para a figura do inesquecível Papa Paulo VI, ao qual pertence todo o mérito e a honra de ter empreendido esta iniciativa, hoje felizmente chegada a termo, com a publicação definitiva, e de a ter seguido e encorajado, levando-a até quase à conclusão. A sua morte e ainda mais a repentina do saudoso Papa João Paulo I fizeram que me coubesse a mim promulgar para toda a Igreja o resultado de uma fadiga, que precedeu inteiramente o meu Pontificado.

Em todo o caso, seja louvado o Senhor, que não deixa nunca as suas obras incompletas.

Mas um agradecimento muito particular vai para vós, responsáveis e membros da Pontifícia Comissão da Neovulgata, e para todos aqueles que puseram a sua competência, o seu tempo e o seu amor, ao serviço desta empresa, que é científica e ao mesmo tempo pastoral. Vós dispendestes muito tempo, a vossa ciência qualificada e as vossas energias indefesas em favor de um trabalho que ficará certamente por muito tempo como sinal eloquente de uma dedicada solicitude da Igreja por aquele Verbo divino escrito, de cuja plenitude todos nós recebemos (Jn 1,16), porque é palavra de salvação (Ac 13,26) .


Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 21 de Abril de 1979