AUDIÊNCIAS 1979 - AUDIÊNCIA GERAL


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 28 de Fevereiro de 1979




Penitência e reencontro da verdade interior

1. Encontramo-nos hoje no primeiro dia da Quaresma, Quarta-feira de Cinzas. Neste dia, iniciando o período de quarenta dias de preparação para a Páscoa, a Igreja impõe-nos as cinzas sobre a nossa cabeça e convida-nos à penitência. A palavra «penitência» aparece em muitas páginas da Sagrada Escritura, ressoa na boca de muitos Profetas e, por fim, de modo particularmente eloquente, na boca do próprio Jesus Cristo: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus (Mt 3,2 Mt 3,2). Pode dizer-se que Cristo introduziu a tradição do jejum de quarenta dias no ano litúrgico da Igreja, porque Ele próprio jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (Mt 4,2) antes de começar a ensinar. Com este jejum de quarenta dias, a Igreja é, em certo sentido, chamada todos os anos a seguir o seu Mestre e Senhor, se quer pregar eficazmente o seu Evangelho. O primeiro dia da Quaresma — precisamente hoje — deve testemunhar de modo particular que a Igreja aceita este chamamento de Cristo e deseja responder-lhe.

2. Penitência, em sentido evangélico significa sobretudo «conversão». Sob este aspecto é muito significativo o trecho do Evangelho de Quarta-feira de Cinzas. Jesus fala do cumprimento dos actos de penitência, conhecidos e praticados pelos seus contemporâneos, pelo povo da Antiga Aliança. Ao mesmo tempo, porém, submete a crítica o modo puramente «exterior» do cumprimento destes actos: esmola, jejum e oração, porque este modo é contrário à finalidade própria dos mesmos actos. Fim dos actos de penitência é o mais profundo voltarmo-nos para o próprio Deus, para nos podermos encontrar com Ele no íntimo do nosso ser humano, no segredo do coração.

Quando, pois deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas ... a fim de serem louvados pelos homens ...; que a tua mão esquerda não saiba o que faz a direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, premiar-te-á.

Quando orardes, não sejais como os hipócritas ... para serem vistos pelos homens ..., mas ... entra no teu quarto, e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, recompensar-te-á.

E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas ..., (mas) ... perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido pelos homens, mas de teu Pai, que está presente no oculto; e teu Pai, que vê no oculto, recompensar-te-á (Mt 6,2-6).

Por conseguinte, o primeiro e principal significado da penitência é interior, espiritual. O principal esforço da penitência consiste «em entrar em si mesmo», no mais profundo do próprio ser, entrar nesta dimensão da própria humanidade em que, em certo sentido, nos espera Deus. O homem «exterior» deve — diria — ceder, em cada um de nós, ao homem «interior» e, em certo sentido, «deixar-lhe o lugar». Na vida corrente, o homem não vive bastante «interiormente». Jesus Cristo indica de modo claro que também os actos de devoção e de penitência (como o jejum, a esmola e a oração), que pela sua finalidade religiosa são principalmente «interiores», podem ceder ao «exteriorismo» corrente, e portanto podem ser falsificados. Pelo contrário, a penitência, como conversão a Deus, requer sobretudo que o homem rejeite as aparências, saiba libertar-se da falsidade e reencontrar-se em toda a sua verdade interior. Mesmo um olhar rápido e sumário, sobre o divino fulgor da verdade interior do homem é já um bom êxito. É necessário, porém, consolidar este bom êxito mediante um trabalho sistemático sobre nós mesmos. Este trabalho é chamado «ascese» (assim já o haviam denominado os Gregos dos tempos das origens do cristianismo). Ascese quer dizer esforço interior para não nos deixarmos raptar nem impelir pelas diversas correntes «exteriores», de modo a mantermo-nos sempre nós mesmos e a conservarmos a dignidade da própria humanidade.

Mas o Senhor Jesus chama-nos a fazer ainda alguma coisa mais. Quando diz «entra no teu quarto e fecha a porta», indica um esforço ascético do espírito humano, que não deve terminar no próprio homem. Aquele fechar-se é, ao mesmo tempo, a mais profunda abertura do coração humano. É indispensável para nos encontrarmos com o Pai, e por isso deve ser empreendido. «O teu Pai, que vê o oculto, recompensar-te-á». Aqui trata-se de readquirir a simplicidade do pensamento, da vontade e do coração, que é indispensável para nos encontrarmos no próprio «eu» interior com Deus. E Deus espera isto, para se aproximar do homem interiormente recolhido e ao mesmo tempo aberto à Sua palavra e ao Seu amor! Deus deseja comunicar-se à alma assim disposta. Deseja dar-lhe a verdade e o amor, que têm n'Ele a verdadeira fonte.

3. Assim, a corrente principal da Quaresma deve passar pelo homem interior, pelos corações e pelas consciências. É nisto que consiste o esforço essencial da penitência. Neste esforço, a vontade humana de nos convertermos a Deus é investida pela graça preveniente de conversão e, ao mesmo tempo, de perdão e de libertação espiritual. A penitência não é só um esforço, um peso, mas também uma alegria. Por vezes é uma grande alegria do espírito humano, alegria que outras fontes não podem suscitar.

Parece que o homem contemporâneo perdeu, em certa medida, o gosto desta alegria. Perdeu, além disso, o profundo sentido daquele esforço espiritual que permite encontrarmo-nos a nós mesmos em toda a verdade do próprio íntimo. Para isto concorrem muitas causas e circunstâncias que é difícil analisar nos limites desta conversação. A nossa civilização — sobretudo no ocidente —, intimamente ligada ao progresso da ciência e da técnica, entrevê a necessidade do esforço intelectual e físico; mas perdeu notavelmente o sentido do esforço do espírito, cujo fruto é o homem visto nas suas dimensões interiores. No fim de contas o homem que vive nas correntes desta civilização muito frequentemente perde a própria dimensão; perde o sentido interior da própria humanidade. A este homem torna-se estranho quer o esforço que conduz ao fruto há pouco mencionado, quer a alegria que dele provém:

- a grande alegria do reencontro e do encontro,
- a alegria da Conversão (metánoia),
- a alegria da Penitência.

A severa liturgia da Quarta-feira de Cinzas e, em seguida, todo o período da Quaresma é — como preparação para a Páscoa — um chamamento sistemático a esta alegria: à alegria que frutifica do esforço por nos reencontrarmos a nós mesmos em paciência: Pela vossa constância é que salvareis as vossas almas (Lc 21,19).

Ninguém tenha medo de entregar-se a este esforço.

Saudações

A um Grão-Sacerdote Xintoísta e companheiros

Tenho o prazer de expressar ao venerável Grão-Sacerdote NI JO, Grão-Sacerdote do Santuário de I SE, e aos 30 representantes do Xinto aqui presentes, a minha alegria e gratidão por terem vindo honrar a minha humilde pessoa em nome de toda a Comunidade Xintoísta.

Em tão auspiciosa ocasião desejo exprimir o meu respeito pela religião que professais. A Igreja Católica reconhece com reverência tudo o que há de verdadeiro, bom e nobre na vossa religião (Nostra Aetate NAE 2).

O Xintoísmo, religião tradicional do Japão, afirma, por exemplo, que todos os homens são igualmente filhos de Deus e que, por consequência, todos os homens são irmãos. Além disso, na vossa tradição religiosa, mostrais especial sensibilidade e apreço pela harmonia e beleza da natureza, e mostrais-vos inclinados a reconhecer nela uma revelação do Deus Altíssimo. Estou também informado que, na vossa nobre doutrina de ascetismo pessoal, procurais tornar o coração do homem mais puro.

As muitas coisas que nós mantemos em comum levam a que nos unamos, cada vez mais intimamente, em amizade e fraternidade no serviço da humanidade inteira.

Com prazer, invoco portanto sobre cada um de vós sobre as vossas famílias e sobre todo o Povo Japonês urna bênção especial do Altíssimo.

Aos peregrinos de Cápua e de Éboli (Itália)

Tenho o gosto de dirigir afectuosas boas vindas à numerosa peregrinação da Arquidiocese de Cápua presidida pelo Arcebispo, Dom Luigi Diligenza, como ainda aos sacerdotes e aos fiéis de Eboli, também acompanhados pelo próprio Pastor, Dom Caetano Pollio. Em ambos os grupos se encontram doentes, privilegiadas testemunhas da Cruz bendita e redentora de Cristo.

Viestes aqui com o desejo de vos encontrardes de coração a coração com o Papa para viver um momento de intimidade familiar e tirar daí motivos de alegria e conforto. Todavia, mesmo nesta ocasião, a aspiração mais íntima é a de entrar em comunhão com Jesus Senhor, esperança e gozo das nossas almas. Vida da nossa vida.

Rogo ao Pai do céu que esta obra seja um momento de graça para todos, uma agradável experiência de fé em Jesus Salvador e Libertador especialmente para aqueles que, sofrendo no corpo e no espírito, mais perto estão d'Ele num misterioso desígnio de salvação em favor da humanidade inteira.

Com os votos de que na vida de cada dia vos acompanhe sempre a certeza do amor paternal do Senhor, abençoo de coração as vossas pessoas e as vossas famílias.

Aos jovens Casais

Não vos esqueço, jovens casais, que tendes a primavera no coração, santificados como estais pela graça e pelo Sacramento. Desejo-vos todos os bens e felicidades. Com o Matrimónio fundastes um ninho e acendestes uma chama. Cuidai que o ninho esteja sempre quente de amor e a chama se alimente da fé e duma vida cristã coerente. Acompanhe-vos a minha Bênção.

Aos Anciãos e aos Jovens internados no Instituto Romano de São Miguel

Desejo também dirigir uma saudação afectuosa aos dirigentes e internados do Instituto Romano de São Miguel.

Caríssimos irmãos, honrai-vos sempre das tradições cristãs que distinguiram a vossa instituição: vós, jovens, irradiais o ideal evangélico nas vossas escolas e nos vossos centros de habilitação profissional e fazei-o também amanhã em todos os lugares onde vos encontreis e exerçais a vossa actividade. Vós, anciãos, sede perseverantes na fé e alegres na esperança, bem persuadidos que a Providência não vos abandonará, menos que nunca nesses preciosos anos da vossa existência.

A minha Bênção especial leve conforto e ânimo a todos os vossos bons propósitos no princípio do tempo quaresmal.

A todos os Doentinhos

Torno em seguida extensivas a minha saudação e a minha Bênção especial a todos os outros doentes, com tanto mais afecto quanto mais profunda seja a ferida da dor.

Caríssimos, como os sofrimentos de Cristo, também os vossos, se os aceitais e ofereceis com fé, podem contribuir para o vosso bem moral e para a redenção do mundo. Para compreender isto. é necessário olhar puro e coração que ame, como peço ao Senhor para cada um de vós, ao mesmo tempo que Lhe peço também que vos console.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 14 de Março de 1979




A oração é o caminho do Verbo que tudo abraça

1. Durante a Quaresma muitas vezes chegam aos nossos ouvidos as palavras «oração, jejum e esmola», que já tive de recordar na Quarta-feira de Cinzas. Estamos habituados a pensar nelas como em obras piedosas e boas, que todo o cristão deve realizar sobretudo neste período. Tal modo de pensar é exacto, mas não completo. A oração, a esmola e o jejum precisam de mais profunda compreensão, se queremos inserir estes actos mais profundamente na nossa vida, e não considerá-los simplesmente como práticas passageiras, que só exigem de nós algo de momentâneo, ou só momentaneamente nos privam dalguma coisa. Com este modo de pensar não chegamos ainda ao verdadeiro sentido e à verdadeira força que a oração, o jejum e a esmola têm no processo da conversão a Deus e da nossa maturação espiritual: uma anda ao mesmo passo que a outra. Chegamos à maturidade espiritual convertendo-nos a Deus, e a conversão realiza-se por meio do jejum e da esmola, devidamente entendidos.

Convém talvez dizer já que não se trata aqui só de «práticas» momentâneas, mas de atitudes constantes, que imprimem na nossa conversão a Deus, forma duradoira. A Quaresma, como tempo litúrgico, dura só 40 dias ao ano: mas para Deus devemos tender sempre; isto significa que é preciso convertermo-nos continuamente. A Quaresma deve deixar marca forte e indelével na nossa vida. Há-de renovar em nós a consciência da nossa união com Jesus Cristo, que nos faz ver a necessidade da conversão e nos indica os caminhos para a realizarmos. A oração, o jejum e a esmola são precisamente os caminhos que nos foram indicados por Cristo.

Nas meditações que irão seguir-se, procuraremos entrever quão profundamente penetram estes caminhos no homem: o que para ele significam. O cristão deve compreender o verdadeiro sentido destes caminhos, se os quer seguir.

2. Primeiro, portanto, o caminho da oração. Digo «primeiro», porque desejo falar deste antes dos outros. Mas, ao dizer «primeiro», quero hoje acrescentar que, na obra total da nossa conversão — isto é, da nossa maturação espiritual — a oração não está isolada dos outros dois caminhos que a Igreja define com o termo evangélico «jejum e esmola». Talvez o caminho da oração nos seja mais familiar. Talvez compreendamos com mais facilidade que sem ela não é possível convertermo-nos a Deus, permanecermos em união com ele naquela comunhão que nos leva à maturação espiritual. Não duvido que entre vós, que agora me ouvis, muitíssimos haja que tenham experiência própria de oração, que tenham conhecimento dos vários aspectos dela e possam torná-los conhecidos também às outras pessoas. De facto, aprendemos a orar, orando. O Senhor Jesus ensinou-nos a orar, primeiro que tudo orando ele próprio: ... e passou a noite em oração (Lc 4,23 Lc 4,2); outro dia, como escreve São Mateus, subiu ao monte, sozinho, para orar. E, chegada a noite, ainda Ele estava só lá em cima (Mt 14,23). Antes da sua Paixão e Morte, foi ao monte das Oliveiras e animou os Apóstolos a que orassem; Ele mesmo, ajoelhando-se, pôs-se a orar. Invadido pela angústia, orava mais intensamente (Cfr. Lc Lc 22,39-46). Só uma vez — rogado pelos discípulos Senhor, ensina-nos a orar (Lc 11,1). — lhes comunicou o mais simples e mais profundo conteúdo de oração: o «Pai nosso».

Sendo impossível resumir num breve discurso tudo o que se pode dizer ou foi escrito sobre o assunto da oração, queria eu hoje realçar uma coisa apenas. Nós todos, quando oramos, somos discípulos de Cristo, não porque repetimos as palavras que Ele uma vez nos ensinou — palavras sublimes, conteúdo completo da oração. Somos discípulos de Cristo, mesmo quando não usamos essas palavras. Somos seus discípulos já, só porque ora-mos: «Escuta o Mestre que ora; aprende tu a orar. Para isto, de facto, orou Ele, para nos ensinar a orar», afirma Santo Agostinho (Sto. Agostinho, Enarrationes in Ps 56,5) E um autor contemporâneo escreve: «Uma vez que o termo do caminho da oração se perde em Deus, e ninguém conhece o caminho senão Aquele que vem de Deus, Jesus Cristo — é necessário (...) fixarmos os olhos n'Ele só. É o caminho, a verdade e a vida. Só Ele percorreu o caminho nas duas direcções. É preciso meter-mos a nossa mão na sua e partirmos» (Y. Raguin, Chemins de la contemplation, Desclée de Brouwer, 1969, pág. 179). Orar significa falar com Deus. Atrever-me-ia a dizer mais: orar significa encontrarmo-nos naquele Único eterno Verbo, por meio de quem fala o Pai, Verbo que fala ao Pai. Este Verbo fez-se carne, para nos ser mais fácil encontrarmo-nos n'Ele, mesmo com a nossa palavra humana de oração. Pode esta palavra às vezes ser muito imperfeita, poderá até mesmo faltar-nos de todo. Mas a incapacidade das nossas palavras humanas completa-se continuamente no Verbo que se fez carne para falar ao Pai com a plenitude daquela união mística que forma com Ele cada homem que ora; que todos quantos oram, formam com Ele. Nesta particular união com o Verbo está a grandeza da oração, a sua dignidade, e em certo modo, a sua definição.

É preciso sobretudo compreender bem a grandeza fundamental e a dignidade da oração. Oração de cada homem. E ainda de toda a Igreja orante. A Igreja, em certo modo, chega tão longe como a oração: até onde haja um homem que ore.

3. É preciso orarmos baseando-nos neste conceito essencial da oração. Quando os discípulos pediram ao Senhor Jesus «ensina-nos a orar», Ele respondeu pronunciando as palavras da oração Pai nosso, criando assim um modelo concreto e ao mesmo tempo universal.De facto, tudo quanto se pode e deve dizer ao Pai, está incluído naqueles sete pedidos, que todos sabemos de cor. Há neles tal simplicidade, que até uma criança os aprende, e simultaneamente tal profundidade, que se pode consumar uma vida inteira a meditar o sentido de cada um. Não é porventura assim? Não nos fala cada um deles, um após outro, do que é essencial para a nossa existência, voltada completamente para Deus, para o Pai? Não nos fala do «pão de cada dia», do «perdão das nossas ofensas assim como nós as perdoamos», e juntamente de «não cairmos em tentação» e de «ficarmos livres do mal»?

Quando Cristo, satisfazendo o pedido dos discípulos «ensina-nos a orar», pronuncia as palavras da sua oração, ensina não só as palavras, mas ensina também que no nosso colóquio com o Pai deve haver sinceridade total e plena abertura. A oração deve abraçar tudo o que faz parte da nossa vida. Não pode ser alguma coisa de suplementar ou marginal. Tudo deve encontrar nela a própria voz. Mesmo tudo o que nos pesa; aquilo de que nos envergonhamos; aquilo que por sua natureza nos separa de Deus. Exactamente, sobretudo isto. É a oração que sempre, em primeiro lugar e essencialmente, abate a barreira entre nós e Deus, barreira que o pecado e o mal podem ter levantado.

Por meio da oração, toda a gente deve encontrar a sua referência justa: quer dizer, a referência a Deus: o meu mundo interior e também o mundo objectivo, aquele em que vivemos e tal como o conhecemos. Se nos voltamos para Deus, tudo em nós se dirige para Ele. A oração é exactamente a expressão de nos dirigirmos para Deus; isto é, ao mesmo tempo, a nossa contínua conversão: o nosso caminho.

Diz a Sagrada Escritura:

Assim como a chuva e a neve / descem do céu e já não voltam lá / sem terem regado / e fecundado a terra, / e sem a terem feito germinar / dando o grão ao semeador / e o pão para comer; / o mesmo sucede com a palavra / que sai da minha boca: / não volta a mim sem produzir o seu efeito, / sem executar a minha vontade / e ter cumprido a missão que lhe dei (Is 55,10-11 Is 55,3).

A oração é o caminho do Verbo que tudo abraça. Caminho do Verbo eterno que atravessa a profundidade de tantos corações; que reconduz ao Pai tudo quanto n'Ele tem a sua origem.

A oração é o sacrifício dos nossos lábios (Cfr. Heb He 13,15). É, como escreve Santo Inácio de Antioquia, «água viva que murmura dentro de nós e diz: vem para o Pai» (Cfr. Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, VII, 2).

Com a minha Bênção Apostólica.

Saudações

Aos Superiores e aos Sacerdotes do Pontifício Colégio Espanhol de Roma

Quero agora saudar com especial afecto os Superiores e os Sacerdotes do Pontifício Colégio Espanhol de Roma, exortando-os vivamente a continuarem a tradição secular da Igreja na Espanha, de manter sempre uma estreita comunhão de sentimentos com a Sé de Pedro e com o Vigário de Cristo.

A Estudantes ingleses.

Desejo dirigir á minha especial saudação também aos estudantes inválidos da "Open University Students' Association" da Inglaterra; juntamente com aqueles que os assistem. Recordai que os esforços que fazeis para superara qualquer dificuldade e para estar ao serviço dos outros têm grande valor. E recordai sempre a parte que Deus nosso Pai tem nas vossas vidas, quanto vos está próximo e o grande amor que tem por cada um de vós.

A grupos de língua alemã

Entre os grupos de língua alemã saúdo cordialmente os Diáconos aqui presentes da Diocese de Paderborn e também os alunos do Seminário de Mainz, acompanhando-os com a minha oração e Bênção Apostólica.

Aos jovens Casais

A vós, jovens Casais, que haveis iniciado uma nova vida sob o signo abençoador do Senhor para tornar sagrado e indestrutível o vosso amor conjugal, desejo do coração que possais sentir cada vez mais a beleza da alegria cristã, vivida nas vossas famílias em plena concórdia e harmonia, à imitação da Família de Nazaré. Para tanto vos abençoo de todo o coração.

Aos Doentinhos

A minha alma abre-se agora, com paternal ternura, para todos os que dentre vós sofrem em consequência de doenças: sabei que não estais sós no calvário a que fostes levados por um misterioso desígnio; a Igreja inteira sofre convosco em fraterna e solidária participação no drama que vos aflige. Vós, por vosso lado, sabei dirigir-vos, nas provas dolorosas, Àquele que venceu o sofrimento com a própria cruz, e sabei oferecer-Lhe o dom das vossas lamentações e das vossas lágrimas, que assim não serão redentoras da humanidade. Assista-vos sempre a minha bênção.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA GERAL


Quarta-feira, 21 de Março de 1979

(Primeiro momento da audiência no Pátio São Dâmaso)


Irmãos caríssimos

Sinto verdadeira alegria neste meu encontro com uma multidão grandíssima de adolescentes e meninos provenientes das várias escolas da Itália. Sabeis quanto o Papa conta convosco, que representais a expectativa e a esperança da sociedade e da Igreja.

A vós todos, a minha saudação afectuosa e cordial, que torno extensiva aos vossos professores e aos vossos pais, que tantos sacrifícios fazem pela vossa formação cultural, humana e cristã.

Desejo vivamente recomendar-vos que vos prepareis desde já, por meio do estudo sério, para as obrigações que haveis de assumir dentro de não muitos anos, a fim de oferecerdes o vosso contributo pessoal para a construção da sociedade, fundada na justiça, na liberdade e na solidariedade. Vós sois cristãos, isto é, sois seguidores de Jesus. Amai-l'O, quereis ser sempre seus amigos fiéis, aceitais alegremente a sua doutrina, que às vezes exige renúncias. Pois bem: empenhai-vos em trabalhar com entusiasmo entre os vossos condiscípulos, entre os vossos amigos e na escola, para que a mensagem de Cristo penetre no fundo das consciências.

O período quaresmal, em que a Liturgia da Igreja apresenta à nossa reflexão os grandes mistérios da salvação, seja vivido por nós todos em atitude de penitência e de sacrifício, para nos prepararmos dignamente para o encontro pascal com Cristo. Vivei sempre animados pelo ideal altíssimo proclamado por Jesus: O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos (Jn 15,12-13).

Com estes votos, abençoo-vos de coração.

(Na Sala Paulo VI)

O jejum penitencial e o desenvolvimento da pessoa

1. Ordenai um jejum (Jl 1,14). São as palavras que ouvimos na primeira leitura de Quarta-feira de Cinzas. Escreveu-as o Profeta Joel, e a Igreja, em conformidade com elas, estabelece a prática da Quaresma, ordenando o jejum. Hoje a prática da Quaresma, definida por Paulo VI na Constituição «Poenitemini», está notavelmente mitigada em comparação com o que era antigamente. Nesta matéria o Papa deixou muito à decisão das Conferências Episcopais de cada país, às quais, por conseguinte, toca a missão de adaptar as exigências do jejum às circunstâncias em que se encontram as respectivas sociedades. Recordou também que a essência da penitência quaresmal é constituída não só pelo jejum, mas também pela oração e pela esmola (obra de misericórdia). É necessário pois decidir segundo as circunstâncias, uma vez que o jejum pode mesmo ser «substituído» por obras de misericórdia e pela oração. A finalidade deste período especial na vida da Igreja é, sempre e em toda a parte, a penitência, isto é, a conversão para Deus. A penitência, de facto, entendida como conversão, isto é «metánoia», forma um conjunto que a tradição do Povo de Deus já na Antiga Aliança, e em seguida o próprio Cristo, ligaram em certo modo à oração, à esmola e ao jejum.

Porquê o jejum?

Neste momento vêm-nos talvez à lembrança as palavras com que Jesus respondeu aos discípulos de João Baptista quando o interrogavam: por que não jejuam os teus discípulos? Jesus respondeu: Porventura podem os companheiros do esposo estar tristes enquanto o esposo está com eles? Dias hão-de vir em que lhes tirarão o esposo e então jejuarão (Mt 9,15). Na verdade, o tempo da Quaresma recorda-nos que o esposo nos foi tirado. Tirado, detido, preso, esbofeteado, flagelado, coroado de espinhos e crucificado ... O jejum no tempo da Quaresma é a expressão da nossa solidariedade com Cristo. Tal foi o significado da Quaresma através dos séculos e assim hoje se mantém.

«O meu amor foi crucificado e já não há em mim a chama que deseja as coisas materiais», como escreve o Bispo de Antioquia, Inácio, na carta aos Romanos (Santo Inácio de Antioquia, Ad Romanos, VII, 2).

2. Porquê o jejum?

A esta pergunta é preciso dar uma resposta mais extensa e profunda, para que fique clara a relação à «metánoia», isto é, aquela transformação espiritual, que aproxima o homem de Deus. Esforcemo-nos portanto por concentrar-nos não só na prática da abstenção do alimento ou das bebidas — isto de facto significa «jejum» no sentido ordinário — mas no significado mais profundo desta prática que, aliás, pode e deve às vezes ser «substituída» por alguma outra. O alimento e as bebidas são indispensáveis para o homem viver, disso se serve e deve servir-se, mas não lhe é lícito abusar seja da forma que for. A tradicional abstenção do alimento e das bebidas tem como finalidade introduzir na existência do homem não só o equilíbrio necessário, mas também o desprendimento daquilo que poderia definir-se «atitude consumística». Tal atitude tornou-se nos nossos tempos uma das características da civilização e em particular da civilização ocidental. A atitude consumística! O homem orientado para os bens materiais, múltiplos bens materiais, muitas vezes abusa deles. Não se trata aqui unicamente do alimento e das bebidas. Quando o homem está orientado exclusivamente para a posse e o uso dos bens materiais, isto é, das coisas, então também toda a civilização é medida segundo a quantidade e qualidade das coisas que se encontra capaz de fornecer ao homem e não se mede com a medida adequada ao homem. Esta civilização fornece de facto, os bens materiais não só para que sirvam ao homem a exercer as actividades criativas e úteis, mas cada vez mais ... a satisfazer os sentidos, a excitação que disso deriva, o prazer momentâneo e a multiplicidade de sensações cada vez maior.

Ouve-se às vezes dizer que o aumento excessivo dos meios audiovisuais nos países ricos nem sempre ajuda o desenvolvimento da inteligência, particularmente nas crianças; pelo contrário, às vezes contribui para lhes deter o desenvolvimento. A criança vive só de sensações, procura sensações sempre novas ... E torna-se assim, sem se dar conta, escrava desta paixão actual. Saciando-se de sensações, fica muitas vezes intelectualmente passiva; a inteligência não se abre à busca da verdade; a vontade fica presa ao hábito, a que não sabe opor-se.

Disto resulta que o homem contemporâneo deve jejuar, isto é, abster-se não só do alimento ou das bebidas, mas de muitos outros meios de consumo, como de estimular e satisfazer os sentidos. Jejuar significa abster-se, renunciar a alguma coisa.

3. Porque renunciar a alguma coisa? Porque privarmo-nos dela? Já em parte respondemos a esta pergunta. Não será todavia completa a resposta, se não nos dermos conta de o homem ser ele próprio, também por conseguir privar-se dalguma coisa, capaz de dizer a si mesmo «não». O homem é ser composto de corpo e alma. Alguns escritores contemporâneos apresentam esta estrutura composta do homem sob a forma de estratos, e falam, como exemplo, de estratos exteriores na superfície da nossa personalidade, contrapondo-os aos estratos em profundidade. A nossa vida parece estar dividida nestes estratos e desenvolve-se através deles. Enquanto os estratos superficiais estão ligados à nossa sensualidade, os estratos profundos são expressão da espiritualidade do homem, isto é, da vontade consciente, da reflexão, da consciência e da capacidade de viver os valores superiores.

Esta imagem da estrutura da personalidade humana pode servir para se compreender o significado do jejum para o homem. Não se trata aqui somente do significado religioso, mas dum significado que se exprime através da chamada «organização» do homem com sujeito-pessoa. O homem desenvolve-se regularmente, quando os estratos mais profundos da sua personalidade encontram suficiente expressão, quando o âmbito dos seus interesses e das suas aspirações não se limita só aos estratos exteriores e superficiais, ligados com a sensualidade humana. Para facilitar este desenvolvimento, devemos por vezes desapegar-nos conscientemente do que serve para satisfazer a sensualidade, quer dizer, daqueles estratos exteriores superficiais. Devemos portanto renunciar a tudo quanto os «alimenta».

Eis, em breves palavras, a interpretação do jejum dos dias de hoje.

A renúncia às sensações, aos estímulos, aos prazeres e ainda ao alimento ou às bebidas, não é fim de si mesma. Deve apenas, por assim dizer, preparar o caminho para conteúdos mais profundos, de que «se alimenta» o homem interior. Tal renúncia, tal mortificação deve servir para criar no homem as condições para poder viver os valores superiores, de que ele está, a seu modo, «faminto».

Eis o significado «pleno» do jejum na linguagem de hoje. Todavia, quando lemos os autores cristãos da antiguidade ou os Padres da Igreja, encontramos neles a mesma verdade, muitas vezes expressa com linguagem tão «actual» que nos surpreende. Diz, por exemplo, São Pedro Crisólogo: «O jejum é paz do corpo, força dos espíritos e vigor das almas» (São Pedro Crisólogo, Sermo VII: de ieiunio 3), e ainda: «O jejum é o leme da vida humana e governa todo o navio do nosso corpo» (São Pedro Crisólogo, Sermo VII: de ieiunio 1).

E Santo Ambrósio responde assim às possíveis objecções contra o jejum: «A carne, pela sua condição mortal, tem algumas concupiscências suas próprias: a respeito delas foi-te concedido o direito de as enfrear. A tua carne está-te sujeita (...): Não sigas as solicitações ilícitas, mas refreia-as algum tanto, mesmo no que diz respeito às coisas lícitas. De facto, quem não se abstém de nenhuma das coisas lícitas, está também perto das ilícitas» (Santo Ambrósio, Sermo de utilitate ieiunii III. V. VII). Até escritores, que não pertencem ao cristianismo, declaram a mesma verdade. Esta é de alcance universal. Faz parte da sabedoria universal da vida.

4. É-nos agora certamente mais fácil compreender porque unem Cristo Senhor e a Igreja o apelo ao jejum com a penitência, isto é, com a conversão. Para nos convertermos a Deus, é necessário descobrirmos em nós mesmos aquilo que nos torna sensíveis a quanto pertence a Deus, portanto: os conteúdos espirituais, os valores superiores, que falam à nossa inteligência, à nossa consciência e ao nosso «coração» (segundo a linguagem bíblica). Para nos abrirmos a estes conteúdos espirituais e a estes valores, é preciso desapegarmo-nos de tudo quanto serve apenas ao consumismo, à satisfação dos sentidos. Na abertura da nossa personalidade humana para Deus, o jejum entendido quer no modo «tradicional» quer no «actual» — deve acompanhar ao mesmo passo a oração porque esta dirige-nos directamente para Ele.

Por outro lado, o jejum, isto é a mortificação dos sentidos e o domínio do corpo conferem à oração maior eficácia que o homem descobre em si mesmo. Descobre, de facto, que é «diverso», que é mais «senhor de si mesmo» e que se tornou interiormente livre. E disso se dá conta pois a conversão e o encontro com Deus, por meio da oração, frutificam nele.

Destas nossas reflexões de hoje resulta claro que o jejum não é só o «resíduo» duma prática religiosa dos séculos passados, mas é também indispensável ao homem de hoje, aos cristãos do nosso tempo. É necessário reflectir profundamente sobre este tema, precisamente durante o período da Quaresma.

Saudações

Aos jovens Casais

Uma palavra e um voto para os jovens casais. Caríssimos, defendei com todo o empenho o vosso amor e lembrai-vos que Cristo está perto de vós para tornar indissolúvel o vínculo que vos une e para ajudar-vos a dar testemunho, no mundo de hoje, da concepção cristã da família. Ao mesmo tempo que de coração vos abençoo, peço ao Senhor que vos acompanhe, com toda a sua assistência e com a sua graça, ao longo do caminho da vida que escolhestes percorrer juntos.

Aos Doentinhos

Ao grupo dos doentes da UNITALSI de Florença, a todos os enfermos aqui presentes e a todos os que sofrem no corpo e no espírito, desejo dirigir, com particular intensidade de sentimento, a minha cordial saudação e a promessa de me recordar deles. na oração. Caríssimos doentes, o sofrimento é grande mistério, mas com a graça de Jesus Cristo torna-se caminho seguro para a felicidade eterna. A dor é, de facto, meio apto para nos tornarmos cada vez mais intimamente amigos de Jesus, que deseja ser luz e .conforto da nossa existência. Acompanhe-vos, a minha bênção.



AUDIÊNCIAS 1979 - AUDIÊNCIA GERAL