Discursos João Paulo II 1979


                 


                        DISCORSI DI SUA SANTITÀ GIOVANNI PAULO II

                                                                     

                                                            1979



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM


OS JOVENS NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 3 de Janeiro de 1979

: Caríssimos

É pela primeira vez que nos encontramos neste ano de 1979. Antes de mais, desejo a todos Feliz Ano Novo. A todos e cada um de vós, não só aos grupos, mas também às pessoas: rapazes, meninas, e criancinhas, mesmo às que se encontram nos braços das mães.

Saúdo os jovens, tão corajosos. Quando eles cantaram, reconheci logo um canto muito conhecido também na minha língua. Depois, saúdo os Sacerdotes, as Religiosas, especialmente as professoras e educadoras.

Saúdo os meus caríssimos Irmãos Bispos, e desde já os convido a darem comigo a Bênção, depois do discurso.

Alguns dizem que está frio; mas eu garanto-vos que na Polónia o frio é muito maior e há muito mais neve.

Estamos ainda no período do Natal e há ainda alguns pastores que desejam levar prendas ao Menino Jesus. Podem vir já aqui. O Menino encontrar-se-á.

Caríssimos

Como nas semanas passadas, estão presentes neste encontro com o Papa muitíssimos jovens pertencentes a Associações católicas ou a grupos que ajudam os próprios Párocos. Vejo também bom número de Religiosas vindas a Roma para tornar parte na Reunião da Federação Italiana das Religiosas Educadoras, e estão ainda numerosas peregrinações, entre as quais merece especial menção a que veio da diocese de Molfetta, presidida pelo seu Bispo. A todos dirijo as minhas cordiais boas-vindas, a minha afectuosa saudação e o meu sincero agradecimento pela visita que me fazem.

A suave estação litúrgica, iniciada com a Noite Santa, dá-nos a possibilidade de reflectir sobre alguns aspectos do mistério do Verbo Encarnado; e hoje queremos centrar a nossa atenção sobre a Família de Nazaré, cuja festa celebrámos recentemente.

Família santa, a de Jesus, Maria e José, sobretudo pela santidade d'Aquele para quem ela foi constituída como família humana, porque nela encontramos elementos próprios de tantas outras famílias.

É verdadeiramente pobre, tal como nos é apresentada pelo Evangelho, esta família, quer no momento em que nasceu o Filho de Deus, quer no período do exílio no Egipto a que foi obrigada, quer em Nazaré onde vive modestamente com o trabalho das próprias mãos.

Em Jesus, Maria e José, é admirável o exemplo de solidariedade humana e de comunhão com todas as outras famílias, e ainda o exemplo de inserção no mais vasto contexto humano, que é a sociedade. Com esse divino modelo se deve ajustar qualquer outra família humana, e estas devem viver juntamente com ela para resolver os não fáceis problemas da vida conjugal e familiar. Esses problemas, profundos e urgentes, requerem ser encarados com acção solitária e responsável.

Como em Nazaré, assim em qualquer outra família, torna-se Deus presente e insere-se na vida humana. De facto, a família, que é a união do homem e da mulher, destina-se por sua natureza à procriação de novos homens, que são acompanhados na existência por uma diligente acção educativa no seu crescimento físico, mas sobretudo no espiritual e moral. A família é, portanto, o lugar privilegiado e o santuário onde se desenvolve toda a grande e íntima aventura de cada pessoa humana, pessoa que não pode repetir-se. Competem assim à família deveres fundamentais, cujo generoso desempenho não pode deixar de enriquecer abundantemente os principais responsáveis da família, tornando-os cooperadores mais directos de Deus na formação de homens novos.

Eis aí porque é a família insubstituível e, como tal, é defendida com todo o vigor. É necessário nada deixar de intentar para que a família não seja substituída. Requerem-no não só o bem "privado" de cada pessoa, mas ainda o bem comum de toda a sociedade, nação e estado. A família está colocada no centro mesmo do bem comum nas suas várias dimensões, exactamente porque nela é concebido e nasce o homem. É necessário fazer todo o possível a fim de que este ser humano — desde o princípio, desde o momenta de ser concebido — seja querido, esperado, vivido como valor especial, único e sem possibilidade de ser repetido. Deve sentir que é importante, útil, caro e de grande valor, ainda que seja inválido ou diminuído; mais, por isto mesmo deve ser ainda mais querido.

É o ensinamento que brota do mistério da Encarnação.

Um último pensamento desejo apresentar à vossa reflexão, partindo da dificuldade — de grande angústia para uma mãe — que Maria sofreu por não lhe ser possível oferecer um tecto Àquele que ia nascer. O grande e misterioso acontecimento da maternidade pode a muitas mulheres trazer motivos de sofrimento, dúvida e tentação. O "sim" generoso, aquele que a mulher deve pronunciar diante da vida que no seio lhe desabrochou — um "sim", acompanhado muitas vezes pelo temor de mil dificuldades — comporta sempre um acto interior de segurança em Deus e de confiança no homem novo que há-de nascer. Com sentimento fraternal de caridade e solidariedade, não devemos nunca deixar só — em especial se está irresoluta e duvidosa — uma mulher que se prepara para dar à. luz um novo homem que será, para cada um de nós, um novo irmão. Devemos procurar dar-lhe todo o auxílio necessário na situação em que se encontra: devemos animá-la e incutir-lhe coragem e esperança.

A todos expresso os meus votos mais ardentes de todos os bens no princípio deste novo ano, ao mesmo tempo que sinceramente invoco para todos a protecção do Senhor e concedo a Bênção Apostólica.

Mais uma vez, muito obrigado pelas prendas que trouxestes para o Menino Jesus. Podeis estar certos de que um Menino Jesus sempre se há-de encontrar...



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA VISITA AO HOSPITAL PEDIÁTRICO


DE ROMA « BAMBIN GESÙ »


Domingo, 7 de Janeiro de 1979



Irmãos e Irmãs

Permiti agora, como conclusão desta visita pastoral ao Hospital "Bambin Gesù", que eu dirija simples e breves palavras de saudação e de ânimo a todos vós, que trabalhais, neste Instituto, para o alívio e a cura das crianças doentes.

Dirijo, em primeiro lugar, um pensamento cordial ao Senhor Comissário e a toda a Direcção administrativa e sanitária pela incansável actividade desenvolvida e pelos futuros programas que desejam pôr em execução para tornar este lugar de cura cada vez mais ajustado às modernas exigências sanitárias. Saúdo, em seguida, todos os médicos, os assistentes, as Irmãs e as vigilantes da infância. Nesta apraz-me ver um reflexo da acção taumaturga de Cristo, que dedicou tão grande parte do seu ministério à cura dos doentes e ao alívio dos aflitos.

E a vós, caros meninos internados neste Hospital, que direi eu? Dir-vos-ei que subi cá acima ao Gianicolo, de propósito por causa de vós: para ver-vos, para manifestar pessoalmente todo o afecto que tenho por vós e para trazer conforto aos vossos sofrimentos, que suportais ou por causa da doença ou por estardes separados dos vossos pais e da vossa casa. Peço na oração que depressa consigais restabelecer-vos e voltar a encontrar assim a alegria de viver no meio das vossas queridas pessoas de família.

Uma saudação particularmente afectuosa quero dirigir, também e com predilecção, a vós, pais e parentes dos pequenos internados, a vós que sofreis o drama da doença dos vossos queridos e que, com olhos implorantes, vos perguntais qual a razão da dor inocente. Sabei que não estais sós nem abandonados: vós não sofreis em vão. O vosso sofrimento configura-vos a Cristo, o único que dá sentido e valor a todos os actos da vossa vida.

Por fim, a todos — quantos, dentre vós aqui presentes, a um ou outro título frequentais este Hospital e vos aplicais às obras de misericórdia e de assistência espiritual e social — recordarei eu a promessa que o Senhor Jesus fez àqueles que O procuravam a Ele nos doentes: Adoeci e visitastes-me... sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes (Cf. Mt Mt 25,36 Mt Mt 25,40).

Ao exprimir-Vos de coração a minha benevolência pelo serviço que prestais aos pequenos hospitalizados, exorto-vos a continuardes a vossa missão com fé cristã, que vos leva a descobrir no doente a imagem mesma de Deus, enquanto — em nome de Jesus Menino, que dá o nome a este Hospital, e da Virgem Santíssima, que invocais como "Saúde dos enfermos" — a todos concedo a minha especial Bênção Apostólica, extensiva também aos vossos familiares retidos em casa.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS JOVENS NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 10 de Janeiro de 1979



Queridos meninos e meninas

1. Também esta manhã sois tantos, tantíssimos! Esta grande Basílica está invadida pelo frémito alegre da vossa juventude e encontra nova vida na luz do vosso sorriso. O calor do entusiasmo propaga-se sobre a onda das vossas vozes argentinas e traduz-se num convite à confiança e ao optimismo, apesar das nuvens escuras que se entrevêm no horizonte, mesmo nesta aurora do novo ano. Graças se dêem a Deus pela frescura dos vossos sentimentos e pela sinceridade da vossa adesão a todo o ideal nobre e grande!

O assunto, para o qual desejaria chamar a vossa atenção neste momento, está muito perto da vossa sensibilidade. Quereria, de facto, deter-me convosco a contemplar ainda a cena maravilhosa que o mistério do Natal nos colocou diante dos olhos. É cena que vos é familiar: muitos de vós reviveram-na activamente nestes dias, construindo o presépio nas suas casas. Pois bem, entre os protagonistas desta cena, convido-vos esta manhã a olhar para Maria, a Mãe de Jesus e nossa Mãe.

A Igreja mesma nos sugere esta atenção particular para com Nossa Senhora: quis que o Último dia da oitava do Natal, e primeiro dia do ano novo, fosse consagrado à celebração da Maternidade de Maria. É evidente, pois, a intenção de dar realce ao "lugar" da Mãe, diria à "dimensão maternal" de todo o mistério do nascimento humano de Deus.

2. Não é intenção sua que isto se manifeste só neste dia. A veneração da Igreja para com Nossa Senhora — veneração que supera o culto de qualquer outro santo e toma o nome de "hiperdulia" — invade todo o ano litúrgico. A partir de 25 de Março — dia em que de modo discreto, mas profundamente consciente, é recordado o momento da Anunciação, quer dizer, da encarnação do Verbo eterno no seio puríssimo da Virgem — desde então até 25 de Dezembro, pode dizer-se que a Igreja caminha com Maria, vivendo com ela a expectativa própria de cada mãe: a expectativa do nascimento, a expectativa do Natal. E ao mesmo tempo, durante este período, Maria "caminha" com a Igreja. A sua expectativa maternal está inscrita, de modo discreto mas realíssimo, na vida da Igreja em todo o decurso do ano. O que sucedeu entre Nazaré, Ain Karin e Belém é o tema da liturgia da Igreja, da sua oração especialmente da oração do Rosário — e da sua contemplação.

3. Tudo começa com aquele diálogo entre a Virgem e o Arcanjo Gabriel: Como poderá ser, se eu não conheço homem? (Lc 1,34). Resposta: O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Altíssimo cobrir-te-á com a sua sombra. Por isso é que o Santo que vai nascer se há-de chamar Filho de Deus (Lc 1,35). Ao mesmo tempo que a maternidade física, teve início a maternidade espiritual de Maria, maternidade que enche os nove meses da expectativa, mas que se prolongou ainda além do momento da natividade de Jesus, para abraçar os 30 anos passados entre Belém, Egipto e Nazaré, e depois ainda os anos da vida pública de Jesus, enquanto o Filho de Maria, deixada a casa de Nazaré, pregou o Evangelho do Reino: anos que subiram ao mais alto ponto nos acontecimentos do Calvário e no sacrifício supremo da Cruz.

Foi aqui exactamente, aos pés da Cruz, que a maternidade espiritual de Maria chegou em certo sentido ao seu momento-chave: Ao ver Sua mãe e, junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse à Sua Mãe: "Eis o teu filho" (Jn 19,26). Assim, de maneira nova, Jesus ligava Maria, sua Mãe, ao homem; ao homem a quem entregara o Evangelho.

Jesus ligou-a então a cada homem, como a uniu depois à Igreja, no dia do nascimento histórico da mesma, isto é no dia do Pentecostes. Desde tal dia, teve-a toda a Igreja como Mãe, têm-na todos os homens como Mãe. Compreendem as palavras pronunciadas do alto da Cruz como dirigidas a cada um deles. A maternidade espiritual não conhece limites; alarga-se no tempo e no espaço e atinge todos os corações humanos. Atinge as nações inteiras e torna-se chave de abóbada da cultura humana. Maternidade grande, esplêndida; fundamental realidade humana, presente no início dos tempos no desígnio do Criador, reconfirmada solenemente no mistério do Nascimento de Deus, ao qual está agora inseparavelmente unida.

4. Desejo exortar-vos, caros meninos e meninas, a amar as vossas mães, a receber delas as lições e seguir os exemplos. No rosto de cada mãe é possível encontrar um reflexo da doçura, da intuição e da generosidade de Maria. Honrando as vossas mães, honrais também Aquela que, sendo mãe de Cristo, é também mãe de cada um de nós.

Às meninas, em especial, quero em seguida recordar que a maternidade é a vocação da mulher: era-o ontem, é-o hoje, sê-lo-à sempre; é a sua vocação eterna. Voltam-me ao espírito as palavras duma canção da minha terra, na qual se diz que a mãe é aquela que entende tudo e de coração abraça cada um de nós. E a isso acrescenta-se que hoje, como nunca, o mundo "tem fome e sede" daquela maternidade que, física e espiritualmente, é a vocação da mulher, como o foi de Maria.

O que peço é que, hoje ainda, na família e na sociedade, a dignidade da mãe seja reconhecida e tutelada. De vós sobretudo, jovens, dependerá, que isto aconteça no mundo de amanhã. Proponde-vos desde agora olhar para as vossas mães com os olhos com que Jesus olhava para a Sua. Esta mesma vos ajude no vosso propósito. Ela, a Virgem Maria, que é a nossa esperança.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO


ACREDITADO JUNTO DA SANTA SÉ


12 de Janeiro de 1979



Excelência
Senhoras e Senhores

O vosso Decano acaba de interpretar os vossos sentimentos e votos, no limiar do novo ano, duma maneira que me tocou profundamente. Agradeço-lhe, e agradeço-vos a todos, tal testemunho reconfortante. Estai certos, em retribuição, dos meus anelos ardentes dirigidos a cada um dentre vós, a todos os Membros das vossas Embaixadas, às vossas famílias e aos Países que representais. É diante de Deus que formulo tais votos, pedindo-lhe que ilumine o vosso caminho, e vos dê, dia após dia, a coragem e as alegrias que vos são necessárias para o desempenho dos vossos deveres. Peço-lhe que vos abençoe, isto é, que vos encha dos seus bens.

É normal, nesta circunstância solene — que reúne à volta do Papa todas as Missões diplomáticas acreditadas junto da Santa Sé — acrescentar a esses votos cordiais algumas considerações sobre a vossa nobre função e sobre o enquadramento em que ela se inscreve: a Igreja e o mundo.

1. Começarei por olhar convosco para o passado mais recente, reafirmando a gratidão da Sé Apostólica pelas numerosas Delegações que honraram o funeral do Papa Paulo VI e do Papa João Paulo I, de santa memória, assim como as cerimónias inaugurais do pontificado do meu predecessor e do meu.

Procuremos captar-lhes o significado: tal participação nos acontecimentos mais importantes -da vida da Igreja, tomada pelos representantes daqueles que têm na mão as responsabilidades políticas, não é porventura um meio de sublinhar a presença da Igreja dentro do mundo contemporâneo? E, em especial, de reconhecer a importância da sua missão — particularmente da missão da Sé Apostólica — que, sendo estritamente religiosa, se inscreve também no quadro dos princípios da moral que lhe estão ligados indissoluvelmente? Reconduz-nos isto à ordem a que tanto aspira o mundo contemporâneo, ordem baseada na justiça e na paz; a Igreja, seguindo a inspiração do Concílio Vaticano II e conformando-se com a tradição constante da doutrina cristã, esforça-se por contribuir para ela com os meios que lhe são acessíveis.

2. Naturalmente, estes meios são «meios pobres» que o próprio Cristo nos ensinou e pôs em prática, e são próprios da missão evangélica da Igreja. Contudo, nesta época de enorme progresso dos «meios ricos» — de que dispõem as actuais estruturas políticas, económicas e civis — esses meios próprios da Igreja conservam todo o seu sentido, mantêm a sua finalidade e adquirem até, novo brilho. Os «meios pobres» estão intimamente ligados ao primado do espiritual. São sinais certos da presença do Espírito na história da humanidade. Muitos dos nossos contemporâneos parecem manifestar compreensão especial por esta escala de valores: basta evocar, para falar apenas de não católicos, o Mahatma Gandhi, o Senhor Dag Hammarskjóld e o pastor Martin Luther King. Cristo continua a ser sempre a expressão mais alta dessa pobreza de meios em que se revela o primado do Espírito: a plenitude da espiritualidade de que o homem é capaz com a graça: de Deus e à qual é chamado.

3. Seja-me permitido apreciar, nesta perspectiva, todos os actos de benevolência manifestados no princípio do meu pontificado, como também este encontro de hoje. Sim, consideremos este facto da presença, junto da Sé Apostólica, dos representantes de tantos Estados — tão diversos pelo seu perfil histórico, o seu modo de organização e o seu carácter confissional —, dos que representam povos da Europa ou da Ásia, conhecidos desde a antiguidade, ou Estados mais jovens, como a maioria dos da América cuja história não ultrapassa alguns séculos, e por fim os Estados mais recentes, nascidos no decorrer deste século: tal presença corresponde em profundidade a esta visão que o Senhor Jesus um dia nos revelou, ao falar de «todas as nações» do mundo, no momento de confiar aos Apóstolos o mandato de levar a Boa Nova ao mundo inteiro (Cfr. Mt Mc. 16, 15). Corresponde também às esplêndidas análises feitas pelo Concílio Vaticano II (Cfr. Constituição dogmática Lumen Gentium, cap. II, nn. 13-17; Constituição pastoral Gaudium et Spes GS 2, 41, 89, etc).

4. Tomando contacto — entre outros por meio das representações diplomáticas — com tantos Estados de caracteres tão diversos, a Sé Apostólica deseja antes de tudo exprimir a sua profunda estima por cada nação e cada povo, pela sua tradição, a sua cultura e o seu progresso em todos os campos, como já o disse nas cartas dirigidas aos Chefes de Estado na altura da minha eleição para a Sé de Pedro. O Estado, como expressão da auto-determinação soberana dos povos e das nações, constitui realização normal da ordem social. Nisto é que está a sua autoridade moral. Filho dum povo de cultura milenária, que esteve privado, durante um tempo considerável, da sua independência como Estado, sei por experiência o alto significado deste princípio.

A Sé Apostólica acolhe com alegria todos os representantes diplomáticos, não só como porta-vozes dos seus próprios Governos, regimes e estruturas políticas, mas também e sobretudo como representantes dos povos e das nações que, por meio das estruturas políticas, manifestam a própria soberania, a própria independência política e a possibilidade de decidir sobre o próprio destino de maneira autónoma. E fá-lo sem qualquer preconceito quanto à importância numérica da população: aqui não é o factor numérico que decide.

5. A Sé Apostólica alegra-se com a presença de tão numerosos representantes; gostaria mesmo de ver muitos outros, especialmente das nações e populações que tinham por vezes neste particular uma tradição de séculos. Penso sobretudo nas nações que se podem considerar como católicas. Mas também noutras. Porque, actualmente, ao mesmo tempo que se desenvolve o ecumenismo entre a Igreja católica e as outras Igrejas cristãs, ao mesmo tempo que se procuram estabelecer contactos com todos os homens apelando para a boa vontade, alarga-se simultaneamente este círculo como o testemunha a presença aqui, de numerosos representantes de países não católicos, e este círculo encontra continuamente motivo de estender-se na consciência que a Igreja tem da sua missão, como tão bem o exprimiu o meu venerável predecessor Paulo VI na sua Encíclica «Ecclesiam Suam». De toda a parte — notei-o especialmente nas Mensagens provenientes dos países de Leste — chegaram votos para que o novo pontificado possa servir a paz e a aproximação das nações.

A Sé Apostólica quer constituir, em conformidade com a missão da Igreja, o centro desta aproximação fraternal. Deseja servir a causa da paz, não através duma actividade política, mas servindo os valores e os princípios que tornam possível a paz e a aproximação, e se encontram na base do bem comum internacional.

6. Há, com efeito, um bem comum da humanidade, com graves interesses em jogo, os quais requerem a acção combinada dos governos e de todos os homens de boa vontade: os direitos humanos para garantir, os problemas da alimentação, da saúde e da cultura, a cooperação económica internacional, a redução dos armamentos, a eliminação do racismo ... O bem comum da humanidade! Uma «utopia», que o pensamento cristão tem em vista sem se cansar. Consiste na busca incessante de soluções justas e humanas, tendo em conta ao mesmo tempo o bem das pessoas e o bem dos Estados, os direitos de cada um e os direitos dos outros, interesses particulares e necessidades gerais.

É no bem comum que se inspiram não só o ensino social da Igreja, mas também as iniciativas que lhe são possíveis, dentro do campo que lhe é próprio. É o caso, muito actual, do Líbano. Num país perturbado pelos ódios e destruições, com vítimas inúmeras, que possibilidade fica de reatar ainda relações de vida comum — entre cristãos de diversas tendências e muçulmanos, entre libaneses e palestinenses — senão num esforço leal e generoso que respeite a identidade e as exigências vitais de todos, sem vexame para um ou outro? E se olhamos para o conjunto do Médio Oriente, enquanto alguns homens de Estado procuram com tenacidade chegar a um acordo e outros hesitam em tomar compromissos, quem não vê que o problema fundamental é tanto como a segurança militar ou territorial, uma confiança recíproca efectiva, sendo esta a única coisa que pode prestar ajuda para se harmonizarem de maneira realista as vantagens e os sacrifícios? Não é diferente o caso da Irlanda do Norte: os Bispos, e os responsáveis por confissões não católicas, há anos que exortam a que se vença o vírus da violência, manifestado sob a forma de terrorismo ou represálias; convidam a que se repudie o ódio, se respeitem concretamente os direitos humanos e se empreenda um esforço de compreensão e de encontro. Não há nisso um bem comum, onde a justiça e o realismo se encontram?

A diplomacia e as negociações são também para a Santa Sé um meio qualificado de mostrar confiança nos recursos morais dos povos. Foi neste espírito que, correspondendo ao apelo da Argentina e do Chile, me empenhei em enviar a esses países o Cardeal Samoré, a fim de que, como diplomata de grande experiência, se torne advogado de soluções aceitáveis para os dois povos que são cristãos e vizinhos. Tenho a satisfação de verificar que esta obra paciente já conseguiu um primeiro resultado positivo e precioso.

O meu pensamento e a minha oração voltam-se também para tantos outros problemas que agitam gravemente a vida do mundo nestes dias em especial, e produzem de novo tantas mortes, destruições e rancores, em países que poucos católicos contam mas que não deixam de ser igualmente queridos à sé Apostólica: seguimos os dramáticos acontecimentos do Irão e estamos muito atentos às notícias que nos chegam a respeito do país khmer e todas as populações desse Sudeste asiático já tão provadas.

7. Bem vemos que a humanidade está dividida de muitos modos. Trata-se também, e talvez acima de tudo, de divisões ideológicas dependentes dos diversos sistemas estatais. A busca de soluções, que permitam às sociedades humanas cumprir as suas missões próprias e viver na justiça, é talvez o sinal mais importante do nosso tempo. É preciso respeitar tudo quanto possa servir esta grande causa, em qualquer regime que seja. É preciso uns tirarem proveito das experiências dos outros. Por outro lado, não se deveria transformar esta busca multiforme de soluções num programa de luta para garantir o poder sobre o mundo, qualquer que seja o imperialismo que esconda tal luta. É somente nesta linha que podemos evitar a ameaça das armas modernas, em particular do armamento nuclear, que tanto continua a preocupar o mundo moderno.

A Sé Apostólica, que já disso deu provas, está sempre pronta a manifestar a sua abertura a qualquer país ou regime, procurando o bem essencial que é o verdadeiro bem do homem. Bom número de exigências relacionadas com este bem foram expressas na «Declaração dos Direitos do Homem» e nos Pactos internacionais que permitem a aplicação prática deles. Neste particular, muito se pode louvar a Organização das Nações Unidas como plataforma política, sobre a qual a busca da paz e da acalmia recíproca encontram base, apoio e garantia.

8. A missão da Igreja é, por sua natureza, religiosa, e por conseguinte o terreno de encontro da Igreja ou da Santa Sé com a vida multiforme e diferenciada das comunidades políticas do mundo contemporâneo, é caracterizada de maneira especial pelo princípio, universalmente reconhecido, da liberdade religiosa e da liberdade de consciência. Este princípio não entra unicamente na lista dos direitos do homem, admitidos por todos; ocupa nela um lugar-chave. Trata-se, de facto, do respeito dum direito fundamental, em que o homem talvez se exprima com a maior profundidade, como homem.

O Concílio Vaticano II elaborou a declaração sobre a liberdade religiosa; compreende tanto a motivação deste direito como as principais aplicações práticas, por outras palavras, o conjunto de dados que asseguram a aplicação real do princípio da liberdade religiosa, na vida social e pública.

Respeitando os direitos análogos de todas as outras comunidades religiosas no mundo, a Sé Apostólica sente-se movida a empreender diligências neste campo em favor de todas as Igrejas, a ela ligadas numa comunhão plena. Procura fazê-lo sempre em união com os Episcopados respectivos, com o clero e as comunidades dos fiéis.

Estas iniciativas dão, a maior parte das vezes, resultados satisfatórios. Mas é difícil deixar de mencionar certas Igrejas locais e certos ritos, cuja situação, no concernente à liberdade religiosa, muito deixa a desejar, se é que não é mesmo de todo deplorável. Há mesmo brados pungentes que pedem socorro; a Santa Sé não pode deixar de os ouvir. E por conseguinte deve-os apresentar, com toda a clareza, à consciência dos Estados, dos regimes e de toda a humanidade. Trata-se de simples dever que se identifica com as aspirações à paz e à justiça no mundo.

Foi neste sentido que a delegação da Santa Sé teve de elevar a voz na reunião de Belgrado em Outubro de 1977 (Cfr. L'Osservatore Romano, ed. quot., 8.10.1977, pág. 2). referindo-se às declarações aprovadas quando da Conferência de Helsínquia sobre a segurança na Europa, em particular sobre o tema da liberdade religiosa.

Por outro lado, a Santa Sé está sempre pronta a atender às transformações das realidades e das mentalidades que surgem nos vários Estados; e está pronta, por exemplo, a rever os Pactos solenes que foram concluídos noutras épocas, noutras circunstâncias.

9. Muito em breve, vou dirigir-me a Puebla para me encontrar com todos os Episcopados latino-americanos, e inaugurar com eles uma reunião muito importante. É parte da minha missão de Bispo de Roma e de Chefe do Colégio dos Bispos. Desejo expressar publicamente a minha alegria pela compreensão e atitude benévola das Autoridades mexicanas, no que diz respeito a esta viagem. O Papa espera poder igualmente desempenhar uma missão assim, noutras nações; tanto mais que já lhe foram apresentados muitos convites semelhantes.

Uma vez mais renovo os meus votos cordiais de paz, de progresso para o mundo inteiro, desse progresso que plenamente corresponde à vontade do Criador: Submetei a terra e dominai-a (Gn 1,28). Deve este mandamento estender-se ao senhorio moral e não apenas à dominação económica. Sim, eu desejo à humanidade toda a espécie de bens, para que todos vivam na verdadeira liberdade, na verdade, na justiça e no amor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO COMITÉ DOS JORNALISTAS EUROPEUS


PARA OS DIREITOS DA CRIANÇA


13 de Janeiro de 1979



Senhoras, Senhores

É para mim motivo de satisfação receber hoje o «Comité dos jornalistas europeus para os direitos da criança» acompanhados dos representantes da Comissão nacional italiana para o Ano Internacional da Criança, sob o patrocínio da qual se realiza o vosso primeiro encontro, aqui em Roma. Agradeço-vos esta visita e a confiança de que ela dá testemunho. No quadro do Ano Internacional da Criança quisestes tomar iniciativas para estudar por vós mesmos a situação de certos grupos de crianças desfavorecidas, e, suponho, sensibilizar depois os vossos leitores nos problemas das mesmas.

A Santa Sé não se contenta em olhar com interesse e simpatia para as actividades válidas que vão ser empreendidas este ano. E está pronta a encorajar tudo o que for programado e realizado para o verdadeiro bem das crianças, porque se trata de uma população imensa, uma parte notável da humanidade, que tem necessidade de uma protecção e de uma promoção particulares, dadas as condições precárias da sua sorte.

Felizmente, a Igreja não é a única instituição a fazer face a estas necessidades; mas é verdade que ela sempre considerou como parte importante da sua missão a ajuda material, afectiva, educativa e espiritual à infância. E se vem agindo deste modo, é porque, sem empregar sempre o vocabulário mais recente dos «direitos da criança», ela considerava, de facto, a criança, não como um objecto, mas como sujeito de direitos inalienáveis, uma personalidade nascente a desenvolver, que em si mesma tem um valor, um destino singular. Não acabaríamos nunca se quiséssemos enumerar as obras que o cristianismo suscitou com este fim. É perfeitamente normal, pois que o próprio Cristo colocou a criança no coração do Reino de Deus: Deixai vir a Mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos céus (Mt 19,14). E não terão aplicação especial à criança desprovida as palavras de Cristo pronunciadas em nome dos homens postos em necessidade e que a todos nos hão-de julgar?: Tive fome, e destes-Me de comer ...; estava nu, e destes-Me de vestir ...; estava doente e visitastes-Me (Mt 25,35-36). Fome de pão, fome de afecto, fome de instrução ... Sim, a Igreja deseja participar cada vez mais nesta acção em favor da infância, e suscitá-la mais amplamente.

Mas a Igreja deseja, em igual medida, contribuir para formar a consciência dos homens, para sensibilizar a opinião pública no sentido dos direitos da criança, que vós procurais promover. A «Declaração dos direitos da criança», adoptada há vinte anos pela Assembleia da Organização das Nações Unidas, exprime já um consenso apreciável sobre um certo número de princípios muito importantes, que estão ainda longe de encontrar aplicação em toda a parte.

A Santa Sé pensa que se pode também falar de direitos da criança desde a sua concepção, e sobretudo do direito à vida, porque a experiência mostra cada vez mais que a criança tem necessidade de uma protecção especial, de facto e de direito, já desde antes de nascer.

Poder-se-ia igualmente insistir sobre o direito da criança a nascer numa verdadeira família, porque é fundamental que ela beneficie, desde o início, do concurso conjunto do pai e da mãe unidos num matrimónio indissolúvel.


Discursos João Paulo II 1979