Discursos João Paulo II 1979 - Cidade do México, 30 de Janeiro de 1979


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

NO MOMENTO DA CHEGADA A GUADALAJARA


Terça-feira, 30 de Janeiro de 1979


Senhor Cardeal, irmãos, filhos muito queridos

Agradeço de todo o coração ao Senhor arcebispo de Guadalajara a saudação que houve por bem dirigir-me no momento da minha chegada a esta querida Arquidiocese. O Papa sente-se emocionado com um acolhimento tão humano, tão cristão e tão familiar. Parece-me estar entre os meus, em minha casa.

Na historia deste grande País, vós habitantes deste Estado e desta Cidade, sempre vos distinguistes pela vossa religiosidade e pela vossa laboriosidade! Soubestes reunir o espiritual e o material numa síntese que supõe a vivência autêntica da Mensagem do Filho de Deus.

A todos vós, queridos filhos: a minha saudação dirige-se aos que estão aqui presentes e de modo particular aos Sacerdotes, aos Religiosos e a todos os que trabalham na construção do Reino de Deus nesta Arquidiocese, rica em testemunho de fé cristã que se manifesta de tantas maneiras, e especialmente em vocações para a vida religiosa.

Obrigado pela oportunidade que ofereceis ao vosso Pai de estar convosco, meus filhos, nesta visita.

Que o Senhor vos abençoe!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA VISITA AO BAIRRO POBRE


"SANTA CECÍLIA"


Terça-feira, 30 de Janeiro de 1979


Desejei vivamente este encontro porque me sinto solidário convosco, habitantes do bairro de Santa Cecilia, e porque, sendo pobres, tendes direito a uns desvelo especial da minha parte.

Digo-vos já o motivo; o Papa ama-vos porque sois predilectos de Deus. Ele mesmo, ao fundar a sua família, a Igreja, tinha presente a humanidade pobre e necessitada. Para redimi-la enviou precisamente a Sou Filho que nasceu pobre e viveu entre os pobres para que fôssemos ricos com a sua pobreza (Cfr. 2Co 8,9).

Como consequência dessa redenção, levada a cabo n'Aquele que se fez um de nós, agora já não somos pobres ser-vos, somos filhos, que podemos chamar a Deus: Pai (Cfr. Gál Ga 4,4-6). Já não estamos desamparados uma vez que se somos filhos de Deus, somos também herdeiros dos bens que Ele oferece em abundância àqueles que O amam (Mt 11,28). Poderemos duvidar de que um pai dê coisas boas a seus filhos? (Cfr. Mt Mt 7,7 ss.). O próprio Jesus, nosso Salvador, nos espera para nos aliviar a fadiga (Cfr. Mt Mt 11,28). Ao mesmo tempo Ele conta com a nossa colaboração pessoal para nos dignificarmos cada vez mais, sendo artífices da nossa própria elevação humana e moral.

Perante a vossa angustiada situação, convido, com todas as minhas forças, todos os que possuem meios e se sentem cristãos, a renovarem-se na mente e no coração para que, promovendo uma justiça maior e, ainda mesmo dando do que possuem, a ninguém falte o conveniente alimento, de vestir, habitação, cultura e trabalho; tudo aquilo que dá dignidade à pessoa humana. A imagem de Cristo na cruz, preço do resgate da humanidade, é um chamamento premente para consagrarmos a vida ao serviço dos necessitados, em sintonia com a caridade, que é desprendida e que não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade (Cfr. 1Co 13,2 ss.).

A todos abençoo, pedindo ao Senhor que ilumine sempre os vossos corações e as vossas acções.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS OPERÁRIOS E RESPECTIVAS FAMÍLIAS


NO ESTÁDIO DE JALISCO


Terça-feira, 30 de Janeiro de 1979

Queridos irmãos e irmãs
Queridos trabalhadores e trabalhadoras

Eis-me aqui, neste quadro maravilhoso de Guadalajara, onde nos encontramos no nome d'Aquele que quis ser conhecido como o Filho do operário.

Venho até vós trazendo nos meus olhos e na minha alma a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, vossa Padroeira, para com a qual professais um amor filial que pude observar não só no seu santuário mas inclusivamente passando pelas ruas e cidades do México. Onde quer que esteja um mexicano, está também a Mãe de Guadalupe. Dizia-me um senhor que 96 por cento dos mexicanos são católicos, mas cem por cento são "guadalupanos".

Quis vir visitar-vos, famílias operárias de Guadalajara e de outras localidades desta Arquidiocese que se distingue pela sua adesão à fé, pela sua unidade familiar e pelos seus esforços para responder às grandes exigências humanas e cristãs da justiça, da paz e do progresso, segundo Deus.

Apresento-me diante de vós como um irmão com alegria e com amor, depois de ter tido a oportunidade de percorrer os caminhos do México e de ser testemunha do amor que aqui se professa a Cristo, à Virgem Santíssima e ao Papa, peregrino e mensageiro da fé, da esperança e da união entre os homens.

Desejo manifestar-vos desde o primeiro momento quanto é grato ao Papa que este encontro seja com trabalhadores, com famílias operárias, com famílias cristãs que a começar dos seus lugares de trabalho sabem ser agentes de bem social, de respeito, de amor a Deus na oficina, na fábrica, em qualquer casa ou lugar.

Penso em vós, meninos e meninas, jovens de famílias operárias; vem-me ao pensamento a figura d'Aquele que nasceu no seio de uma família de operários, que cresceu em idade, sabedoria e graça, que de Sua Mãe aprendeu os caminhos humanos, e naquele varão justo que Deus lhe deu coma pai teve o mestre na vida e no trabalho quotidiano. A Igreja venera esta Mãe e esse Homem, esse santo operário, modelo de homem e modelo de operário.

Nosso Senhor Jesus Cristo recebeu as carícias dás suas ásperas mãos de operário, mãos endurecidas pelo trabalho, mãos abertas para a bondade e para o irmão necessitado. Permiti-me entrar nas vossas casas, se quereis ter o Papa como hóspede e vosso amigo, e dai-lhe o conforto de ver nos vossos lares a união, o amor familiar que descansa após o dia de fadiga neste mútuo e afectuoso intercâmbio que reinava na Sagrada Família. Mostrai-me, queridos meninos e jovens, que vos estais preparando de maneira séria para o amanhã; repito-vo-lo, sois a esperança do Papa.

Não me negueis o prazer de vos ver empreender caminhos que vos levem a ser autênticos seguidores do bem e amigos de Cristo. Não me negueis a alegria de ver o vosso sentido de responsabilidade nos estudos, nas actividades, nos divertimentos. Sois chamados a ser portadores de generosidade e de honestidade, a ser lutadores contra a imoralidade, a preparar esse México mais justo e são, mais feliz, para os filhos de Deus e filhos de Maria nossa Mãe.

Vós sabeis muito bem que o trabalho dos vossos pais está presente no esforço comum de crescimento nesta Nação e em tudo o que contribua para que os benefícios da civilização contemporânea cheguem a todos os mexicanos. Sede orgulhosos dos vossos pais e colaborai com eles na vossa formação de jovens honestos e cristãos; acompanham-vos o meu afecto e o meu alento.

O afecto do Papa vai também para as trabalhadoras mães e esposas presentes e para todas aquelas que escutam a minha palavra através dos meios de comunicação social. Recordai aquela Virgem Mãe que soube ser causa de alegria para o esposo e guia solícita para o filho nos momentos de dificuldade e de prova. Quando tiverdes preocupações e (imitações, recordai que Deus escolheu uma Mãe pobre e que Ela soube permanecer firme no bem, mesmo nas horas mais duras.

Muitas de vós trabalhais também nalgumas das múltiplas actividades que hoje se abrem à capacidade feminina; muitas de vós sois também sustento para não poucos lares e ajuda contínua para que a vida familiar seja cada vez mais digna. Estai presentes com a vossa criatividade na transformação desta sociedade, a maneira de vida contemporânea oferece oportunidades e empregos cada vez mais importantes para a mulher, levai o vosso contributo iluminado pelo vosso sentido religioso, a todos os vossos e até às mais altas magistraturas.

Amigos, irmãos trabalhadores, existe um conceito cristão do trabalho, da vida familiar e social que encerra grandes valores e que reclama critérios e normas morais que orientem quem crê em Deus e em Jesus Cristo, para que o trabalho se realize como uma verdadeira vocação de transformação do mundo, num espírito de serviço e de amor aos irmãos, para que a pessoa humana se realize aqui mesmo e contribua para a humanização crescente do mundo e das suas estruturas.

O trabalho não é uma maldição, é uma bênção de Deus que chama o homem a dominar a terra e a transformá-la, a fim de que, com a inteligência e o esforço humano, continue a obra criadora e divina. Quero dizer-vos com toda a minha alma e as minhas forças, que as insuficiências de trabalho, as ideologias de ódio e de violência, que não são evangélicas e tantas feridas causam na humanidade contemporânea, são para mim motivos de sofrimento.

Para o cristão não basta a denúncia das injustiças, pede-se-lhe que seja testemunha e agente de justiça; quem trabalha possui direitos que devem ser defendidos legalmente, mas tem também deveres que há-de cumprir generosamente. Como cristãos sois chamados a ser artífices de justiça e de verdadeira liberdade ao mesmo tempo que edificadores de caridade social. A técnica contemporânea cria toda uma problemática nova e às vezes é causa de desemprego, mas também abre grandes possibilidades que requerem no trabalhador uma preparação cada vez maior e um contributo cia sua capacidade humana e imaginação criadora. Por isso o trabalho não deve constituir mera necessidade, deve ser visto como uma verdadeira vocação, um chamamento de Deus para construir um mundo novo em que habitem a justiça e a fraternidade, antecipação do Reino de Deus, onde já não haverá neto faltas, nem limitações.

O trabalho deve ser o meio para que toda a criação esteja submetida à dignidade do ser humano e filho de Deus.

Esse trabalho oferece a oportunidade do comprometer-se com toda a comunidade, sem ressentimentos, sem amarguras, sem ódios, mas com o amor universal de Cristo que a ninguém exclui e que a todos abraça.

Cristo anunciou-nos o Evangelho, e, por ele sabemos que Deus é amor. que é Pai de todos e que nós somos irmãos.

O mistério central da nossa vida cristã que ë o mistério da Páscoa, faz-nos olhar para o céu e para a terra nova. No trabalho deve existir essa mística pascal, com a qual os sacrifícios e as fadigas se aceitam com impulso cristão a fim de fazer com que resplandeça mais claramente a nova ordem querida pelo Senhor e para fazer um mundo que corresponda à bondade de Deus na harmonia, no amor e na paz.

Amadíssimos filhos e filhas, peço ao Senhor por todos vós e pelas vossas famílias, peço ao Senhor pela unidade e estabilidade dos casais e por que a vida do lar seja sempre plena e feliz. A fé cristã deve ser mais forte perante todos os factores de crise contemporânea. A Igreja, como o Concílio nos ensinou carinhosamente, deve ser a grande família em que se vive a dinâmica de unidade, de vida, de felicidade e de amor, que é a Santíssima Trindade.

O próprio Concílio chamou à família "pequena Igreja"; na família cristã, tem o seu princípio a acção evangelizadora da Igreja. As famílias são as primeiras escolas da educação na fé; só conservando essa unidade cristã será possível à Igreja cumprir a sua grande missão na sociedade e na mesma Igreja.

Amigos e irmãos, obrigado por me terdes oferecido a possibilidade de participar neste grande encontro com o mundo operário, com o qual me sinto sempre tão à vontade. Sois para o Papa amigos e companheiros. Obrigado.

Esta cidade de Guadalajara distinguiu-se em todo o México pelo impulso dado às actividades desportivas que proporcionam à família o crescimento físico e espiritual e a alegria de um espírito são num corpo são.

O grupo de futebolistas que nos acompanha dá uma nova cor à nossa grande reunião. O Papa abençoa a todos e a cada um de vós. Que a sua bênção vos sirva de alento no vosso compromisso apostólico com generosa entrega fraterna e com a certeza de que Deus trabalha convosco a fim de construirdes um mundo mais belo, mais afável, mais justo, mais humano e mais cristão.

Assim seja.





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

ÀS RELIGIOSAS DE CLAUSURA


Catedral de Guadalajara

Terça-feira, 30 de Janeiro de 1979

Queridas Religiosas de clausura

Nesta Catedral de Guadalajara desejo saudar-vos com as belas e expressivas palavras que todos repetimos com frequência na assembleia litúrgica: "O Senhor esteja convosco" (Missal Romano). Sim, que o Senhor, a Quem consagrastes toda a vossa vida, esteja sempre convosco.

Como poderia faltar, durante a visita ao México, uni encontro do Papa com as Religiosas contemplativas? Entre todas as pessoas que eu desejava ver, vós ocupais um lugar especial, pela vossa particular consagração ao Senhor e à Igreja. Por este motivo, o Papa também deseja estar junto de vós, Este encontro propõe-se ser a continuação daquele que tive com as outras Religiosas mexicanas; muitas das coisas que lhes disse eram também para vós, mas agora desejo referir-me àquilo que é mais especificamente vosso.

Quantas vezes o Magistério da Igreja demonstrou a sua grande estima e apreço pela vossa vida dedicada à oração, ao silêncio e a um modo singular de entrega a Deus! Nestes momentos de tantas transformações em tudo, este género de vida continua a ter significado ou é algo já superado?

O Papa diz-vos: Sim, a vossa vida tem agora mais importância do que nunca; a vossa consagração total tem plena actualidade. Num mundo que vai perdendo o sentido do divino, perante a supervalorização do material, vós, queridas Religiosas, comprometidas, nos vossos claustros, em serdes testemunhas dos valores pelos quais viveis, sede testemunhas do Senhor para o mundo de hoje, infundi, com a vossa oração, um novo sopro de vida na Igreja e no homem actual. de modo especial na vida contemplativa que se trata de realizar uma unidade difícil: manifestar perante o mundo o mistério da Igreja no mundo presente e saborear já aqui, ensinando isso mesmo aos homens, como diz São Paulo, as coisas que são do alto (Col 3 Col 1).

Ser contemplativa não supõe cortar radicalmente com o mundo, com o apostolado. A contemplativa deve encontrar o seu modo especifico de dilatar o Reino de Deus, de colaborar na edificação da cidade terrena, não só com as suas orações e os seus sacrifícios, mas também com o seu testemunho, silencioso, sim, mas que possa ser compreendido pelos homens de boa vontade com os quais estiver em contacto.

Para isso, deveis encontrar o vosso estilo próprio, que, dentro de unia visão contemplativa, vos faça compartilhar com os vossos irmãos o dom gratuito de Deus.

A vossa vida consagrada parte da consagração baptismal e expressa com maior plenitude. Mediante uma resposta livre ao chamamento do Espírito Santo, decidistes seguir a Cristo, consagrando-vos totalmente a Ele. "Esta consagração sera tanto mais perfeita — diz o Concilio — quanto melhor . representar; como vínculos mais firmes e estáveis, a união indissolúvel de Cristo com a Igreja" (Lumen Gentium LG 44).

Vós, Religiosas contemplativas, sentis uma atracção que vos impele para o Senhor. Apoiadas em Deus, abandonais-vos a Sua acção paterna que vos eleva até Ele e vos transforma n'Ele, ao mesmo tempo que vos prepara para a contemplação eterna, a qual constitui a última meta para todos nós. Como poderíeis avançar ao longo deste caminho e ser fiéis à graça que vos anima, se não respondêsseis com todo o vosso ser, por meio de um dinamismo cujo impulso é o amor, a este chamamento que vos orienta de modo permanente para Deus? Considerai, pois, qualquer outra actividade como testemunho, oferecido ao Senhor, da vossa comunhão íntima com Ele, a fim de que vos conceda aquela pureza de intenção que tão necessária é para O encontrar na mesma oração. Deste modo contribuireis para a dilatação do Reino de Deus, com o testemunho da vossa vida e com "uma misteriosa fecundidade apostólica" (Perfectae caritatis PC 7).

Reunidas em nome de Cristo, as vossas Comunidades tem como centro a Eucaristia, "sacramento de amor, sinal de unidade, vínculo de caridade" (Sacrosanctum Concilium SC 47).

Pela Eucaristia, também o mundo está presente no Centro da vossa vida de oração e de doação como explicou o Concilio. "Nem se julgue que os Religiosos, pela sua consagração, se alheiam dos homens ou se tornam inúteis à sociedade terrestre. Pois, embora algumas vezes não se ocupem directamente dos seus contemporâneos, têm-nos presentes de modo mais profundo nas entranhas de Cristo e colaboram espiritualmente com eles a fim de que a edificação da cidade terrena se alicerce sempre no Senhor e para Ele se oriente, não aconteça trabalharem em vão os que a edificam" (Lumen Gentium LG 46).

"Contemplando-vos com a ternura do Senhor, quando chamava aos seus discípulos pequeno rebanho (Cfr. Lc Lc 12,32), e lhes anunciava que tinha sido do agrado do seu Pai dar-lhes o Reino, eu vos suplico: conservai a simplicidade dos 'mais pequeninos' do Evangelho. Esforçai-vos por encontrá-la numa relação interior e muito cordial com Cristo, ou nos contactos directos com os vossos irmãos. Conhecereis, então, o alvoroço da alegria pela acção do Espírito Santo, próprio daqueles que são introduzidos nos segredos do Reino" (Cfr. Perfectae caritatis PC 15).

Oxalá que a Mãe muito amada do Senhor, que no México invocais com o suave nome de Nossa Senhora de Guadalupe e sob cujo exemplo consagrastes a vossa vida a Deus, vos alcance, no vosso peregrinar quotidiano, aquela alegria inalterável que só Jesus pode dar.

Com uma grande saudação de paz, que não se confina a vós, aqui presentes, mas se estende invisivelmente a todas as vossas irmãs contemplativas do México, recebei, de todo o coração, a minha Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS SEMINARISTAS MAIORES DE TODO O MÉXICO


Seminário de Guadalajara

Terça-feira, 30 de Janeiro de 1979



Queridos seminaristas, diocesanos e religiosos do México

A paz do Senhor esteja sempre convosco!

O entusiasmo transbordante e afectuoso com que me recebeis, esta tarde, faz-me sentir profundamente comovido. É uma satisfação imensa a que sinto ao compartilhar convosco estes momentos, que da vossa parte confirmam, sem dar azo a dúvidas, o apreço que sentis pelo Papa diante de Deus, e isto infunde-me conforto e novo alento (Cfr. 2Co 7,15).

Mediante vós, a minha alegria interior estende-se aos queridos Irmãos no Episcopado, aos Sacerdotes, Religiosos e a todos os Fiéis. A todos chegue o meu mais profundo agradecimento por tão grandes e tão filiais atenções e cordialidade, e mais ainda pela sua recordação nas orações ao Senhor. Posso assegurar-vos que a vossa correspondência unânime a esta minha "visita pastoral" ao México, veio dando consistência, em mim, durante estes dias, a um grato pressentimento. Dir-vo-lo-ei com palavras do apóstolo: Alegro-me de poder contar em tudo convosco (2Co 7,16)

1. É para mim mais um motivo de satisfação saber que os Seminários mexicanos têm uma grande e gloriosa tradição, que remonta aos tempos do Concílio de Trento, com a criação do Colégio "São Pedro", nesta cidade de Guadalajara, no ano de 1570. A ele foram-se acrescentando, no tempo, muitos outros centros de formação sacerdotal, disseminados por todo o território nacional, como demonstração persistente de uma viçosa e pujante vitalidade eclesial. Não quero deixar de referir-me ao já centenário Colégio Mexicano em Roma, que tem uma missão tão importante: manter vivo o vínculo entre o México e a Cátedra do Papa. Considero um dever iniludível de todos ajude-lo e ampará-lo para que cumpra tão primordial empresa com plena fidelidade às normas do Magistério e às orientações dadas pela Sede de Pedro.

Esta solicitude histórica por criar novos seminários, suscita em mim sentimentos de complacência e aplauso; mas o que de modo especial me enche de esperança, é o continuo florescimento de vocações sacerdotais e religiosas. Sinto-me feliz por vos ver aqui, jovens transbordantes de alegria por haverdes dito sim ao convite do Senhor, para O servirdes de corpo e alma na sua Igreja, mediante o sacerdócio ministerial. Como São Paulo, quero abrir-vos de par em par a minha alma para vos dizer: o nosso coração está completamente aberto..., procurai, pois, corresponder-nos (2Co 6,11-13).

2. Há pouco mais de dois meses, logo que iniciei o meu Pontificado, tive uma "audiência eucarística" com os Seminaristas de Roma. Como, então, os convidei, a eles, assim também, hoje, vos convido, a vós, a escutardes atentamente o Senhor que vos fala ao coração, principalmente na oração e na liturgia, para irdes descobrindo e enraizando, no profundo do vosso ser, o sentido e o valor da vocação.

Deus, que é Verdade e é Amor, manifestou-Se-nos na história da criação e na história da salvação: uma história ainda incompleta, a. da humanidade, que aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus (Cfr. Rom Rm 8,19). O mesmo Deus nos escolheu e nos chamou para infundirmos nova força nessa história, sabendo já agora que a salvação é dom de Deus, não vem das obras... pois nós somos obra Sua, criados em Jesus Cristo (Ep 2 Ep 8-10). Uma história, portanto, que é, no desígnio de Deus, também a nossa, porque nos quer operários na sua vinha (Cfr. Mt Mt 20,1-16), nos quer embaixadores seus para irmos ao encontro de todos e os convidarmos a tomarem parte no Seu banquete (Ibid.22, 1-14), nos quer samaritanos, que usam de misericórdia com o próximo desvalido (Lc 10,30 ss.).

3. Já isto bastaria para vislumbrar de perto quão grande é a vocação. Experimentá-la é um acontecimento único, indizível, que unicamente se percebe, como um sopro suave através do toque desvelante da graça: um sopro do Espírito, que, ao mesmo tempo que dá perfil autêntico à nossa frágil realidade humana — vaso de barro em mãos de oleiro (Cfr. Rom Rm 9,20-21) —, acende nos nossos corações uma luz nova, infunde uma força extraordinária que, cimentando-nos no amor, une a nossa existência à actividade divina, ao divino plano de recriação do homem em Cristo, quer dizer, a formação da sua nova família redimida. Sois pois chamados a construir a Igreja - comunhão com Deus —, muito para além do que se pode pedir ou imaginar (Cfr. Ef Ep 3,14-21).

4. Queridos seminaristas, que um dia sereis ministros de Deus para plantar e regar o campo do Senhor: aproveitai, estes anos no seminário, para vos encherdes dos sentimentos do mesmo Cristo no estudo, na oração, na obediência, na formação do próprio carácter. Vereis como, à medida que vai maturando a vossa vocação nesta escola, a vossa vida irá assumindo alegremente um sinal específico, uma indicação bem precisa: o sentido dos outros, como Cristo, que andou fazendo o bem e curando todos (Ac 10,38). Deste modo, o que humanamente poderia parecer um fracasso, converte-se num radiante projecto de vida já examinado e aprovado por Jesus: não vir para ser servido, mas para servir (Mt 20,28).

Como bem compreendereis, nada é mais alheio à vocação do que o aliciante de vantagens terrenas ou a busca de benefícios ou de honras; e muito longe está também, a vocação, de ser a fuga de um ambiente de ilusões frustradas ou que se apresenta hostil ou alienante. A boa nova, para o chamado para o serviço do Povo de Deus, além de ser um chamamento a mudar e a melhorar a própria existência é chamamento para unia vida já transformada em Cristo que se há-de anunciar e propagar.

Baste-vos isto, queridos seminaristas. O resto sabereis acrescentá-lo vós, com o vosso coração aberto e generoso. Uma coisa quero acrescentar: amai os vossos Directores, Educadores e Superiores. A eles incumbe a grata mas também difícil tarefa de vos levar pela mão pelo caminho que conduz ao sacerdócio. Eles vos ajudarão a adquirir o gosto da vida interior, o hábito exigente da renúncia por Cristo, do desprendimento, e, sobretudo, contagiar-vos-ão com o suave odor do Seu conhecimento (Cfr. 2Co 2 2Co 14). Não tenhais medo. O Senhor está convosco e a todo o momento é a nossa melhor garantia: sei em Quem pus a minha confiança (2Tm 1,12).

Com esta confiança no Senhor, abri o vosso coração à acção do Espírito Santo; abri-o num propósito de entrega que não conhece reservas; abri-o ao mundo que vos espera e tem necessidade de vós; abri-o ao chamamento que já vos dirigem tantas almas às quais um dia podereis dar Cristo, na Eucaristia, na Penitência, na pregação da Palavra revelada, e no conselho amigo e desinteressado, no testemunho alegre da vossa vida de homens no mundo, mas sem ser do inundo.

Vale a pena dedicardes-vos à causa de Cristo, que quer corações valentes e decididos; vale a pena consagrardes-vos ao homem por Cristo, para o levardes a Ele, para o elevardes, para o ajudardes no caminho para a eternidade; vale a pena fazer uma opção por um ideal que vos proporcionará grandes alegrias, embora também vos exija não poucos sacrifícios. O Senhor não abandona os seus.

Vale a pena viver pelo Reino esse precioso valor do cristianismo que é o celibato sacerdotal, património plurissecular da Igreja; vivê-lo responsavelmente, embora vos exija não poucos sacrifícios. Cultivai a devoção a Maria, a Virgem Mãe do Filho de Deus, para que vos ajude e alente a realizardes plenamente esse ideal!

Mas quero reservar também uma palavra especial para vós, educadores e superiores de Casas de formação seminarística. Tendes entre mãos um tesouro eclesial. Cuidai dele com o maior esmero e diligência, para que ele possa produzir os frutos esperados. Formai estes jovens na sã alegria, no cultivo de uma personalidade rica, adaptada ao nosso tempo. Mas formai-a bem sólida na fé, nos critérios do Evangelho, na consciência do valor das almas, num espírito de oração capaz de enfrentar os embates do futuro.

Não corteis a visão vertical da vida nem trunqueis as exigências que a opção por Cristo impõe. Se propomos ideais desvirtuados, são os jovens os primeiros a não os quererem, porque desejam algo que valha a pena, que seja ideal digno de uma existência. Embora custe.

Responsáveis das vocações, sacerdotes, religiosos, pais e mães de família! A vós dirijo estas palavras. Comprometei-vos com generosidade na tarefa de procurar novas vocações, tão importantes para o futuro da Igreja. A escassez de vocações requer um esforço consciente para que possa ser remediada. E isto não se conseguirá se não soubermos orar, se não soubermos dar à vocação para o sacerdócio, diocesano ou religioso, o apreço e a estima que ela merece.

Dou-vos a todos a minha Bênção. Jovens seminaristas, Cristo espera-vos! Não podeis defraudá-1'O.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS ESTUDANTES DAS UNIVERSIDADES


CATÓLICAS DO MÉXICO


Quarta-feira, 31 de Janeiro de 1979



Queridos irmãos e irmãs do mundo universitário católico

1. Com imensa alegria e esperança venho a este encontro convosco — estudantes, professores e assistentes das Universidades Católicas do México — nos quais vejo também o mundo universitário da América Latina.

Recebei a minha saudação. E a saudação de quem se encontra com muito prazer entre a juventude, na qual deposita muitas esperanças, sobretudo quando se trata de sectores tão qualificados como os que vão passando pelas aulas universitárias, preparando-se para um futuro que será determinante na sociedade.

Permiti-me que em primeiro lugar envie uma saudação aos membros da Universidade Católica La Salle, em cujo recinto devia celebrar-se este encontro. Não é porém menos cordial a minha saudação às outras Universidades Católicas mexicanas: Universidade Ibero-Americana, Universidade Anáhuac, Universidade de Monterrey, Instituto Superior de Ciências da Educação na Cidade do México, Faculdade de Contabilidade Pública de Vera Cruz, Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores do Ocidente em Guadalajara, Universidade Motolinia, Universidade Feminina de Puebla, Faculdade canónica de Filosofia com sede nesta cidade, e Faculdade — ainda em princípios — de Teologia, igualmente nesta metrópole.

Trata-se de universidades jovens. Tendes porém uma antepassada venerável na Real e Pontifícia Universidade do México, fundada a 21 de Setembro de 1551, com a finalidade explícita de que nela "os naturais e os filhos dos espanhóis fossem instruídos nas coisas da santa fé católica e nas demais faculdades".

Há também entre vós e certamente são numerosíssimos em todo o território mexicano — professores e estudantes católicos que ensinam ou estudam nas Universidades doutra denominação. A eles igualmente dirijo a minha afectuosa saudação, e manifesto o meu profundo aprazimento ao saber que todos estais comprometidos da mesma forma no estabelecimento do Reino de Cristo.

Estendamos agora a vista pelo vasto horizonte latino-americano. Assim, a minha saudação e o meu pensamento atingirão com prazer tantos outros Centros Católicos Universitários, que em cada nação constituem motivo de legítimo orgulho, onde convergem tantos olhares idealistas, donde irradiam a cultura e civismo cristão, onde se formam as pessoas num clima de concepção integral do ser humano, com rigor cientifico e com uma visão cristã do homem, da vida, da sociedade, dos valores morais e religiosos.

2. E agora, que mais vos posso dizer nestes momentos que necessariamente terão de ser breves? Que pode esperar o mundo universitário católico mexicano e latino-americano das palavras do Papa?

Julgo poder resumi-lo, bastante sinteticamente, em três observações, seguindo a linha do meu venerado predecessor o Papa Paulo VI.

a) A primeira é que a Universidade Católica deve oferecer contributo específico à Igreja e à sociedade, situando-se num nível de investigação científica elevado, de estudo profundo dos problemas e dum sentido histórico adequado. Mas isto não basta para uma Universidade Católica. Esta deve encontrar o seu significado último e profundo em Cristo, na sua mensagem salvífica, que abarca o homem na sua totalidade, e nos ensinamentos da Igreja.

Tudo isto supõe a promoção duma cultura integral, isto é, da que tem em vista o desenvolvimento completo da pessoa humana, em que sobressaiam os valores da inteligência, vontade, consciência e fraternidade, baseados todos em Deus Criador e elevados maravilhosamente em Cristo (Cfr. Gaudium at ); uma cultura, que se dirija de modo desinteressado e genuíno ao bem da comunidade e de toda a sociedade.

b) A segunda observação é que a Universidade Católica deve ser formadora de homens realmente insignes pelo saber, dispostos a exercer funções de responsabilidade na sociedade e a testemunhar a sua fé diante do mundo (Gravissimum educationis GE 10). Finalidade que é hoje indubitavelmente decisiva. Para a formação moral e cristã, não considerada como alguma coisa que se acrescente de fora, mas como um aspecto que, por assim dizer, especifique e dê vida à instituição académica. Trata-se de promover e realizar nos Professores e nos estudantes uma síntese, cada vez mais harmoniosa, entre fé e razão, entre fé e cultura, entre fé e vida. Tal síntese deve procurar-se não só ao nível de investigação e ensino, mas também a nível educativo-pedagógico.

c) A terceira observação é que a Universidade Católica deve ser um campo em que se mostre vivo e operante o cristianismo. Constitui vocação irrenunciável da Universidade Católica dar testemunho de ser comunidade séria e sinceramente comprometida na investigação científica, mas também caracterizada visivelmente por uma vida cristã autêntica. Isto supõe, entre outras coisas, uma revisão da figura do professor, que não pode ser considerado unicamente como simples transmissor de ciência, mas também e sobretudo como testemunha e educador de vida cristã autêntica. Neste privilegiado ambiente de formação, vós, queridos estudantes, estais chamados a uma colaboração consciente e responsável, livre e generosa, para realizardes a vossa mesma formação.

3. A implantação duma pastoral universitária — quer seja como pastoral das inteligências quer como fonte de vida litúrgica —, a qual deve atender a todo o sector universitário da Nação, não deixará de produzir frutos preciosos de elevação humana e cristã.

Queridos filhos que vos dedicais completa ou parcialmente ao sector universitário católico dos vossos respectivos Países, e todos vós que em qualquer ambiente universitário estais comprometidos na implantação do Reino de Deus:

— criai verdadeira família universitária, empenhada na busca, nem sempre fácil, da verdade do bem, aspirações supremas do ser racional e bases de sólida e responsável estrutura moral;

— continuai uma séria actividade investigadora, que oriente as novas gerações para a verdade, para a maturidade humana e religiosa;

— trabalhai infatigavelmente pelo progresso autêntico e completo das vossas Pátrias. Sem preconceitos de nenhum tipo, dai a mão a quem se propõe, como vós, a construção do autêntico bem comum;

— uni as vossas forças de Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, e de leigos, na promoção e realização dos vossos centros académicos e suas actividades;

— caminhai alegres e infatigáveis sob a guia da Santa Madre Igreja, cujo Magistério, prolongamento do de Cristo, é garantia única para não se abandonar o caminho justo, e é guia segura para se vir a conseguir a herança imperecedoira, reservada por Cristo a quem lhe é fiel.

Recomendo-vos a todos à Eterna Sabedoria: Brilhante é a sabedoria, e sua beleza é inalterável; os que a amam, descobrem-na facilmente; os que a buscam, encontram-na (Sg 6,12).

A Sede da Sabedoria — que o México e toda a América Latina veneram no Santuário de Guadalupe — vos proteja a todos debaixo do seu manto materno! Assim seja. E muito obrigado pela vossa presença.





Discursos João Paulo II 1979 - Cidade do México, 30 de Janeiro de 1979