Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 3 de Março de 1979

PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


EM MEMÓRIA DO SENHOR CARDEAL JEAN VILLOT


Sábado, 10 de Março de 1979

Antes de expressar o meu agradecimento neste fim dos Exercícios Espirituais, desejo manifestar a minha profunda consternação pelo falecimento do Cardeal Jean Villot, Secretário de Estado, que nos era tão querido.


Embora a doença tenha começado há duas semanas, o seu desaparecimento constitui para nós um golpe imprevisto. Quando principiaram a chegar notícias preocupantes da Policlínica Gemelli, onde fora internado na segunda-feira desta semana, logo me dirigi a visitá-lo e certifiquei-O da nossa oração comum durante estes Exercícios. Tal oração continua a acompanhá-lo agora, esperando vivamente de Cristo Senhor que Ele recompense o seu servo fiel, a quem foram confiadas na Igreja responsabilidades tão altas.

Pessoalmente estou-Lhe eu muito reconhecido por ter aceitado colaborar comigo neste primeiro e difícil período do pontificado. E devo acrescentar que, aceitando embora com plena submissão tudo quanto o Senhor dispôs, sinto mágoa grandíssima pela partida do Homem que era o meu mais próximo Colaborador.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CONCLUSÃO DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS


Sábado, 10 de Março de 1979

: Queridos Irmãos!

Desejamos, neste momento, exprimir juntos sobretudo a nossa gratidão a Cristo Senhor que, nos dias passados, nos reuniu neste lugar, na capela vaticana de Santa Matilde, onde o Papa e os seus Colaboradores mais próximos participaram nos Exercícios Espirituais da Quaresma. Estes Exercícios constituem para nós um tempo particular da graça de Deus. Constituem o dom quaresmal que o nosso Senhor e Mestre nos preparou, Eles são-nos indispensáveis; as nossas almas atendiam-nos com grande desejo. No meio dos múltiplos trabalhos, no meio dos deveres importantes a que nos dedicámos, cada um de nós aprecia de modo particular os dias que nos permitem pensar exclusivamente nos problemas mais essenciais e aplicar, em certo sentido, a todos os outros acontecimentos de que é composta a nossa vida quotidiana, a medida mais profunda que é o próprio Cristo.

O nosso Padre pregador dos Exercícios procurou em primeiro lugar apresentar-nos Cristo. Estamos-lhe por isso, cordialmente gratos, e eu mesmo exprimo esta gratidão em nome de todos os Participantes. O Padre moderador pôs-se, juntamente connosco, as questões fundamentais, poderíamos dizer, as questões eternas: pô-las de forma antiga, mas contudo sempre actual e nova. Estas interrogações, com efeito, não perdem nunca a sua actualidade, não caducam nunca e nós ouvimo-las sempre como problemas novos e originais. Cur Deus homo? Cur Deus panis? O Padre pregador destes Exercícios delineou os grandes temas da nossa fé, da nossa vida, do nosso ministério, esclarecendo-os com as suas próprias experiências pastorais e referindo-se aos aspectos característicos do nosso tempo. Deixou espaço para a reflexão de cada um. Foi sincero com os que o escutámos. Seguia a grande corrente do pensamento e da vida da Igreja contemporânea, mantendo-se contudo sempre neste lugar concreto, que era o nosso "cenáculo" de Exercícios espirituais com os homens que nele se reuniram, isto é, connosco.

Toda a obra humana é à medida do homem. Na obra dos Exercícios Espirituais a coisa mais importante é sempre esta: que o homem seja um mensageiro fiel. Precisamente como disse, na primeira tarde, o nosso Padre moderador, referindo-se ao Angelus: não é o nome deste mensageiro que é importante, isto é, aquilo que conta, mas a própria mensagem.

A coisa mais importante é que esta mensagem atinja o coração, penetre no terreno da alma e trabalhe durante muito tempo neste terreno em que foi lançada, como se lança o grão.

Nisto os nossos desejos se encontram e precisamente com estes votos desejo agradecer ao Reverendo Padre. Estes votos são também para nós, para os Participantes. Cristo Senhor os satisfaça por intercessão da Sua Mãe, para a qual o Reverendo Padre dirigia frequentemente a nossa atenção, referindo-se à figura do Beato Maximiliano Kolbe. Oxalá esta Bênção final se torne para todos nós penhor do cumprimento destes votos que formulamos uns aos outros no fim dos Exercícios Espirituais.



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO BASÍLIO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II AOS JOVENS

Domingo, 11 de Março de 1979



Caríssimos

É grande alegria para mim este encontro convosco, jovens, aqui no vosso campo desportivo, onde combinais encontros para jogar e para vos treinardes e sobretudo onde podeis conhecer-vos e estabelecer entre vós relações de fraternidade e de amizade. Também vós, jovens desta Paróquia, que fazeis parte desta imensa Diocese de Roma, estais confiados às minhas responsabilidades pastorais e ao meu amor de Pai e de Pastor! E podeis imaginar quanta solicitude e quanto amor sinto por vós, juntamente com o Cardeal Vigário e os vossos Sacerdotes!

Ao ver-vos debruçados assim sobre a vida; tão cheios de esperança e de expectativas, não se pode deixar de sentir comoção e, ao mesmo tempo, ficar pensativo e preocupado pelo vosso futuro. E então, que coisa vos direi que possa assegurar-vos a alegria que Jesus nos trouxe e que ninguém vos poderá tirar?

1. Antes de tudo digo-vos que Jesus vos ama!

Esta é a verdade mais bela e consoladora! Esta é a verdade que vos anuncia o Vigário de Cristo: Jesus ama-vos!

Faço votos por que sejam muitas as pessoas que vos querem bem e de coração desejo que cada um de vós se sinta contente ao encontrar bondade, afecto e compreensão em todos e da parte de todos. Mas devemos também ser realistas e ter presente a situação humana tal como é. E então pode muitas vezes acontecer que sintamos no espírito um sentimento de vácuo, de melancolia, de tristeza e de insatisfação. Talvez tenhamos tudo, mas falta-nos a alegria. É sobretudo terrível ver à nossa volta tanto sofrimento, tanta miséria e tanta violência.

Pois bem, precisamente neste drama da existência e da história humana, ressoa perene a mensagem do Evangelho: Jesus ama-vos! Jesus veio a esta terra para nos revelar e garantir o amor de Deus! Veio para nos amar e para ser amado. Deixai que vos ame Cristo!

Jesus não é apenas uma figura excelsa da história humana, um herói um homem representativo: é o Filho de Deus, como nos recorda o acontecimento estrepitoso da Transfiguração de que nos fala o Evangelho da Missa de hoje; Ele é o Emanuel, o Deus connosco, o Amigo Divino que só tem palavras de Vida Eterna! É a luz nas trevas; é a nossa alegria porque sabemos que ama, pessoalmente, cada um de nós. Que diremos pois, a isto? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Ele, que não poupou o próprio Filho, mas O entregou por todos nós... Cristo Jesus, que morreu e, ainda mais, que ressuscitou, Ele que está à direita de Deus, Ele que intercede por nós... (Rm 8,31-34).

Sempre, mas de modo particular nos momentos de opressão e de aflição, quando a vida e o próprio mundo parecem desabar, não esqueçamos as palavras de Jesus: Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei. Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim que sou Manso e humilde de coração, e achareis alívio para as vossas almas, pois o Meu jugo é suave o Meu fardo é leve (Mt 11,28-30).

Não vos esqueçais de que Jesus quis permanecer presente, pessoal e realmente, na Eucaristia, mistério imenso, mas realidade segura, para concretizar de modo autêntico este seu Amor individual e salvífico! Não vos esqueçais de que Jesus quis vir ao vosso encontro mediante os seus ministros, os Sacerdotes!

2. E também desejo dizer-vos que somos esperados no Paraíso para o Eterno Amor.

Devemos pensar no Paraíso! Jogamos a carta da nossa vida cristã apontando sobre o Paraíso! Esta certeza e esta expectativa não desviam as nossas obrigações terrestres, pelo contrário, purificam-nas e intensificam-nas como o prova a vida de todos os Santos.

A nossa vida é um caminho para o Paraíso, onde seremos amados e amaremos para sempre e de modo total e perfeito. Só se nasce para ir para o Paraíso.

O pensamento do Paraíso deve tornar-vos fortes contra as tentações, empenhados na vossa formação religiosa e moral, vigilantes no ambiente em que deveis viver, confiantes de que, se estiverdes unidos a Cristo, triunfareis em todas as dificuldades.

Um grande poeta francês, convertido na sua juventude, Paul Claudel, escrevia: "O Filho de Deus não veio destruir o sofrimento, mas sofrer connosco. Não veio destruir a Cruz, mas estender-se sobre ela. Ensinou-nos o caminho para sair da dor e a possibilidade da sua transformação" (Paul Claudel, Positions et propositions).

Peço à Santíssima Virgem que vos acompanhe com a sua protecção. Ela, que deu ao mundo o Salvador, vos ajude a preparar-vos bem para a missão popular, que se realizará no próximo mês de Outubro nesta vossa paróquia. Não passe em vão para cada um de vós este momento de graça. Com estes votos recebei a minha afectuosa Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES DAS ORGANIZAÇÕES


MUNDIAIS JUDAICAS


12 de Março de 1979



É com grande prazer que vos saúdo, Presidentes e Representantes das Organizações Judaicas Internacionais, que nesta qualidade formam, com os Representantes da Igreja Católica, a Comissão Internacional de Ligação. Saúdo também os outros Representantes das várias Comissões Judaicas nacionais que aqui estão representadas ao vosso lado.

Há quatro anos, o meu predecessor Paulo VI recebeu em audiência esta mesma Comissão Internacional e manifestou-lhe quanto se alegrava de que ela tivesse decidido reunir-se em Roma, cidade que é o centro da Igreja Católica (Cfr. Paulo VI, Alocução de 10 de Janeiro de 1975).

Agora decidistes de novo vir a Roma para saudar o novo Papa, para vos encontrardes com os membros da Comissão para as Relações Religiosas com os Judeus, e assim renovar e dar novo impulso ao diálogo que nos anos passados mantivestes com representantes autorizados da Igreja Católica. É este portanto, na verdade, um momento importante na história das nossas relações, e sinto-me feliz por encontrar a ocasião de dizer, também eu, uma palavra sobre este assunto.

Como o vosso representante mencionou, foi o Concílio Vaticano II, com a sua Declaração Nostra Aetate, n. 4, que estabeleceu o ponto inicial para esta nova e prometedora fase de relações entre a Igreja Católica e a comunidade religiosa judaica. Na verdade, o Concílio expressou bem claramente este ponto, quando «sondando o mistério da Igreja», recordou o vínculo espiritual com que o povo do Novo Testamento está espiritualmente ligado à descendência de Abraão (Ibid.). Assim, entendeu ele que as nossas duas comunidades religiosas estão ligadas e intimamente relacionadas no verdadeiro nível das suas respectivas identidades religiosas. Quanto aos «primórdios da fé (da Igreja) e sua eleição, já estes se encontram nos patriarcas, em Moisés e nos profetas», e «portanto ela não pode esquecer que foi por meio desse povo que Deus se dignou, na sua inefável misericórdia, estabelecer a Antiga Aliança» (Ibid). É baseados em tudo isto que nós reconhecemos com a maior clareza que a senda, que devemos percorrer com a comunidade religiosa judaica, é a senda do diálogo fraterno e da colaboração frutuosa.

Em conformidade com este solene mandato, a Santa Sé procurou preparar os instrumentos para tal diálogo e tal colaboração, e para os manter, tanto aqui no centro, como em qualquer outro ponto da Igreja. Assim, a Comissão para as Relações Religiosas com os Judeus foi criada em 1974. Ao mesmo tempo, o diálogo começou a entabular-se a vários níveis nas Igrejas locais pelo mundo fora e com a própria Santa Sé. Desejo reconhecer aqui a resposta amiga e a boa vontade, iniciativa de facto cordial, que a Igreja encontrou e continua a encontrar entre as vossas organizações e outras amplas secções da comunidade judaica.

Creio que ambos os interlocutores devem continuar os seus enérgicos esforços para vencer as dificuldades do passado, como também para cumprir o mandamento do amor dado por Deus, e, para manter um diálogo verdadeiramente frutuoso e fraterno que venha a contribuir para o bem de ambos os interessados e para o melhor serviço prestado por uns e outros à humanidade. As Linhas directrizes que vós mencionastes, cujo valor desejo sublinhar e reafirmar, indicam alguns caminhos e meios para se atingirem esses objectivos. Com razão quisestes insistir num ponto de especial importância: «Os cristãos devem portanto procurar adquirir melhor conhecimento dos elementos basilares da tradição religiosa do Judaísmo; devem procurar aprender quais os traços essenciais que definem os Judeus à luz da sua própria experiência religiosa» (Declaração Nostra Aetate, Linhas directrizes, prólogo). Outra importante reflexão é a seguinte: «Em virtude da sua missão divina e da sua verdadeira natureza, a Igreja deve pregar Jesus Cristo ao mundo» (Ad Gentes, AGD 2). Para que o testemunho dado pelos Católicos a Jesus Cristo não ofenda os Judeus, devem eles procurar viver e propagar a sua fé cristã mantendo o maior respeito pela liberdade religiosa segundo o ensinamento do Concílio Vaticano II (Declaração Dignitatis Humanae ). devem igualmente esforçar-se por compreender as dificuldades que surgem para a alma judaica — devidamente embebida duma extraordinariamente alta e pura noção da transcendência divina — quando ela encara o mistério da Palavra encarnada» (Declaração Nostra Aetate, Linhas directrizes, I).

Estas recomendações referem-se sem dúvida aos crentes católicos, mas não julgo supérfluo repeti-las aqui. Ajudam-nos a ter uma noção clara do Judaísmo e do Cristianismo e das suas verdadeiras relações mútuas. Vós estais aqui, assim penso, para ajudar-nos na nossa reflexão sobre o Judaísmo. E estou certo de que nós encontraremos em vós, e nas comunidades que representais, uma real e profunda disposição para compreenderdes o Cristianismo e a Igreja Católica na sua identidade própria de hoje, de maneira que trabalhemos dum lado e doutro num esforço comum para ser vencida qualquer espécie de preconceito e discriminação. A este propósito é útil referirmo-nos uma vez mais à Declaração Conciliar Nostra Aetate e repetir o que as Linhas directrizes dizem a respeito da rejeição de «quaisquer formas de anti-semitismo e discriminação», como opostas ao verdadeiro espírito do Cristianismo. mas «que em qualquer caso a dignidade da pessoa humana, já por si só, deveria bastar para condenar» (Ibid., prólogo). Por isso, a Igreja Católica repudia decididamente, na linha dos princípios e na prática, todas essas violações dos direitos humanos onde quer que elas se manifestem no mundo. Tenho, além disso, o prazer de evocar hoje diante de vós o trabalho dedicado e eficiente do meu predecessor Pio XII em favor do, povo judaico. E, pela minha parte, prosseguirei com a graça divina no meu ministério pastoral em Roma — como procurei fazer na Sé de Cracóvia — para ajudar todos quantos sofram ou estejam oprimidos.

Seguindo também, em especial, as pegadas de Paulo VI, entabularei um diálogo espiritual e farei tudo o que estiver em meu poder em favor da paz dessa terra que é santa para vós como o é para nós, com a esperança de que a Cidade de Jerusalém fique efectivamente garantida como centro de harmonia para os seguidores das três grandes religiões monoteístas — Judaísmo, Islamismo e Cristianismo — para as quais a Cidade é um lugar respeitado de devoção.

Estou certo de que o verdadeiro facto deste encontro de hoje, que vós tão delicadamente pedistes para ter, é em si uma expressão de diálogo e novo passo no sentido de mais pleno entendimento mútuo que nós somos chamados a completar. Caminhando para este objectivo, todos estamos certos de ser fiéis e obedientes à vontade de Deus, o Deus dos Patriarcas e dos Profetas. Ao Deus, pois, a quem gostaria de voltar no fim destas reflexões. Todos nós, Judeus e Cristãos, frequentemente o invocamos com as mesmas orações, tiradas do Livro que uns e outros consideramos ser a Palavra de Deus. Pertence-Lhe a Ele dar a ambas as comunidades religiosas, tão próximas uma da outra, essa reconciliação e esse amor verdadeiros que são simultaneamente mandamento seu e dom seu (Cfr. Lev Lv 19,18 Mc 12,30). Neste sentido, eu creio que, todas as vezes que os Judeus rezam o «Shemá Israel», e todas as vezes que os Cristãos recordam o primeiro e o segundo dos grandes mandamentos, creio que nós somos levados, pela graça de Deus, para mais perto uns dos outros.

Como sinal do entendimento e do amor fraterno que já nos unem, permiti-me que expresse de novo as minhas cordiais boas-vindas e saudações a vós todos, usando essa expressão tão rica de significado, tomada da língua hebraica, que nós Cristãos usamos também na nossa Liturgia: A paz esteja convosco. Shalom, Shalom!





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS NA BASÍLICA VATICANA


Quarta-feira, 14 de Março de 1979



Queridos meninos e meninas
Queridos jovens

Vejo-vos aqui, tão numerosos e tão cheios de vida, que me sinto verdadeiramente maravilhado e comovido. Obrigado pela vossa visita! Obrigado a cada um de vós, aos vossos pais, aos vossos professores e educadores! Saúdo a todos com particular afecto, e todos desejo apertar ao meu coração de Pai.

De modo especial quero recordar a peregrinação dos Grupos Eclesiais juvenis da Acção Católica da Diocese de Rieti, organizada pelo Centro Diocesano de Evangelização, com 1.300 meninos e adolescentes, e a peregrinação dos estudantes de Montecatini Terme, na Diocese de Pescia, acompanhados pelo Bispo, Dom Giovanni Bianchi, os quais para o último Natal construíram um grandioso presépio.

Viestes a Roma também para ver o Papa, para ouvir a palavra do Vigário de Cristo e receber a Sua Bênção. E na vossa vida, que vos desejo longa e bela, sempre vos recordareis certamente deste encontro na Basílica Vaticana, porque certos acontecimentos não se esquecem nunca, pela importância que têm. Mas eu desejaria que vos recordásseis também do que agora quero dizer-vos, neste tempo quaresmal.

Sabeis que a Quaresma é o tempo litúrgico que nos prepara para a Santa Páscoa e dura só 40 dias ao ano. Mas, na realidade, nós devemos tender sempre para Deus, isto é, devemos converter-nos, continuamente. A Quaresma há-de deixar marca forte e indelével na nossa vida. Deve renovar em nós a consciência da nossa união com Jesus, que nos fala da necessidade da conversão e nos indica o caminho para a conseguir.

O primeiro dos caminhos, indicados por Jesus é o da oração: É necessário orarmos sempre e nunca nos cansarmos (Lc 18,1).

Porque: devemos orar?

1. — Devemos orar, primeiro que tudo, porque somos crentes.

A oração é, de facto, o reconhecimento do nosso limite e da nossa dependência: vimos de Deus, somos de Deus e a Deus voltamos. Não podemos portanto deixar de nos abandonarmos a Ele, nosso Criador e Senhor, com plena e total confiança. Alguns afirmam e procuram demonstrar que o universo é eterno e que toda a ordem que vemos no universo incluído o homem com a sua inteligência e liberdade — é apenas obra do acaso. Os estudos científicos e a experiência de muitas pessoas honestas dizem porém que estas ideias, embora afirmadas e até ensinadas, não se demonstram, e deixam extraviados e inquietos aqueles que as defendem, porque muito bem compreendem que um objecto em movimento deve receber impulso de fora. Compreendem muito bem que não pode o acaso produzir a ordem perfeita, qual existe no universo e no homem. Tudo está admiravelmente ordenado, desde as partículas infinitesimais que formam o átomo até às galáxias que se movem no espaço. Tudo indica um projecto, que inclui todas as manifestações da natureza, da matéria inerte ao pensamento do homem. Onde há ordem, há inteligência; e onde há uma ordem suprema, há a Inteligência Suprema, a que nós chamamos "Deus" e que Jesus nos revelou que é Amor, e nos ensinou a chamarmos Pai.

Assim, reflectindo sobre a natureza do universo e mesmo sobre a nossa vida, compreendemos e reconhecemos que somos criaturas, limitadas mas sublimes todavia, que devem a sua existência à Infinita Majestade do Criador.

Por isso, a oração é, primeiro que tudo, acto da inteligência, sentimento de humildade e de reconhecimento, atitude de confiança e abandono diante d'Aquele que nos deu a vida por amor.

A oração é diálogo misterioso mas real com Deus, diálogo de confiança e de amor.

2. — Nós somos porém cristãos, e por isso devemos orar como cristãos.

De facto, a oração adquire para. o cristão uma característica especial, que lhe muda totalmente a natureza íntima e o íntimo valor.

O cristão é discípulo de Jesus; é aquele que verdadeiramente acredita que Jesus é o Verbo Encarnado; o Filho de Deus vindo ao meio de nós nesta terra.

Como homem, a vida de Jesus foi oração contínua, acto contínuo de adoração e de amor ao Pai e, sendo a mais alta expressão da oração o sacrifício, o auge da oração de Jesus é o Sacrifício da Cruz, antecipado com a Eucaristia na Última Ceia e transmitido com a Santa Missa por todos os séculos.

Por isso, o cristão sabe que a sua oração é Jesus; toda a sua oração parte de Jesus; é Ele que ora em nós, connosco e por nós.

Todos aqueles que crêem em Deus, oram; mas o cristão ora em Jesus Cristo: Cristo é a nossa oração.

A máxima oração é a Santa Missa, porque na Santa Missa é mesmo Jesus, realmente presente, que renova o Sacrifício da Cruz; mas toda a .oração é valiosa, especialmente o "Pai nosso", que Ele mesmo quis ensinar aos Apóstolos e a todos os homens da terra.

Pronunciando as palavras "Pai nosso", Jesus criou um modelo concreto e ao mesmo tempo universal. De facto, tudo o que se pode e deve dizer ao Pai está incluído naqueles sete pedidos, que todos sabemos de cor. Há neles tal simplicidade, que até uma criança os aprende; mas ao mesmo tempo tal profundidade, que se pode passar uma vida inteira a meditar-lhes o sentido.

3. — Por fim, devemos orar, ainda porque somos frágeis e culpados.

É preciso reconhecer humilde e realisticamente que somos pobres criaturas, confusas nas ideias, tentadas para o mal, frágeis e débeis, com necessidade contínua de força e consolação.

— A oração dá a força para os grandes ideais, para manter a fé, a caridade, a pureza e a generosidade;

— A oração dá a coragem para sair da indiferença e da culpa, se por desgraça se caiu na tentação e na fraqueza;

— A oração dá a luz para ver e considerar os acontecimentos da própria vida e mesmo da história, na perspectiva salvífica de Deus e da eternidade.

Por isso não deixeis de orar. Não passe dia nenhum sem rezardes um pouco. A oração é dever, mas é também grande alegria, porque é diálogo com Deus por meio de Jesus Cristo. Cada domingo a Santa Missa e, se vos é possível, às vezes também durante a semana. Todos os dias, as orações da manhã e da noite, e nos momentos mais convenientes.

São Paulo escrevia aos primeiros cristãos: Sede perseverantes e vigilantes na oração (Col 4,2). Com toda a espécie de oração e de súplica, orai sem interrupção (Ep 6,18). Invoquemos Maria Santíssima para que vos ajude a orar sempre e a orar bem. E, recomendando eu também a minha Pessoa e a minha Missão às vossas fervorosas orações, a todos com grande afecto e benevolência vos abençoo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE DIÁCONOS DA DIOCESE DE MILÃO


Quinta-feira, 15 de Março de 1979



Caríssimos Diáconos da Arquidiocese de Milão!

Acedi de muito boa vontade ao vosso desejo de terdes comigo um encontro muito particular, do qual já há tempos se fez intérprete o vosso Reitor e Bispo, D. Bernardo Citterio, que hoje vos acompanha. Saúdo-vos a todos, portanto, com particular afecto, reconhecendo em vós as levas mais jovens, que estão para ser enviadas como operários naquela porção eleita da vinha do Senhor, que é a Igreja ambrosiana.

A minha palavra, nesta circunstância, não pode ser senão de apreço e de exultação por este acontecimento eclesial, mas também de encorajamento e de exortação a que vos mostreis não só dignos do vosso chamamento, mas também generosos na correspondência à graça divina.

Como bem sabeis, "diácono" significa "ministro", isto é, "servidor". E é, esta, uma qualificação fundamental e estável, que vos marca irrevocavelmente; e não renunciareis a ela, ao contrário, pô-la-eis ainda mais em evidência quando, daqui a poucos meses fordes ordenados Presbíteros com a imposição das mãos do vosso Arcebispo. Seja verdadeiramente o "ministério" a definição da vossa vida; como para Jesus, que não veio para ser servido, mas para servir (Mc 10,45), ou como para Barnabé e Paulo que o antigo Concílio de Jerusalém definiu homens que expuseram as suas vidas pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo (Ac 15,26).

É a cada um de vós que o Senhor deseja repetir: onde Eu estiver, ali estará também o Meu servidor (Jn 12 Jn 26). E onde está Jesus? Hoje como então, encontra-se em várias frentes: na celebração da Eucaristia, e consequente presença sacramental, no anúncio do Evangelho, nas necessidades quotidianas dos pobres, na comunidade cristã que é o seu Corpo e nos sucessores dos seus Apóstolos. Todas estas funções ou âmbitos da vida da Igreja devem encontrar-vos também a vós presentes, prontos, totalmente disponíveis e felizes. Nunca vos suceda serdes reprovados pela vossa própria comunidade, coma aconteceu ao desconhecido Arquipo da Igreja de Colossos, ao qual, segundo a recomendação de Paulo, os fiéis tiveram de dizer: Cuidado com o ministério que recebeste em nome do Senhor; trata de bem o desempenhar (Col 4,17).

A dedicação completa ao vosso dever pastoral, prestada no desinteresse e na alegria, será o melhor testemunho que podereis prestar: aquele que o Senhor e a Igreja esperam de vós; e ao mesmo tempo, ele marcará o bom êxito da vossa vida.

A minha paterna Bênção Apostólica, que pretende ser penhor cordial destes votos, vos acompanhe sempre.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


MUNDIAL DAS MIGRAÇÕES


15 de Março de 1979

: Queridos Irmãos,
Queridos Filhos e Filhas,
Queridos Amigos

Agradeço o vosso convite. Tomei conhecimento do tema do vosso Congresso e das várias intervenções previstas. Será necessário dizer-vos que me interessam muito os problemas pastorais, objecto do vosso estudo? Como não assegurar às comunidades católicas de emigração o auxílio eclesial, e em especial o ministério sacerdotal de que têm necessidade? Conforme sabeis, visitei muitas vezes comunidades polacas no estrangeiro: trata-se dum campo completo de pastoral, interessante e delicada. E, de modo mais geral, devemos perguntar-nos: que atitude deve tomar a Igreja local perantes os migrantes, sejam eles quais forem?

1. Porque a emigração é um fenómeno colectivo do nosso tempo, um fenómeno permanente, que toma mesmo formas novas, e que afecta todos os continentes e quase todos os países levanta graves problemas humanos e espirituais. É uma prova, quer dizer, um risco e uma oportunidade, para os imigrantes e para aqueles que os acolhem. Sim, comporta para os primeiros um risco muito sério de desarraigamento, de desumanização e, em alguns casos, de descristianização; para os segundos, um risco de fechamento, de inflexibilidade. Mais ainda, implica também uma ocasião de enriquecimento humano e espiritual, de abertura, de acolhimento aos estrangeiros e de renovação recíproca no contacto com eles. E para a Igreja é um convite a ser mais missionária, a ir ao encontro do irmão estrangeiro, a respeitá-lo, a testemunhar, neste contexto, a sua fé e caridade, e a receber o contributo positivo do outro. Sabe a Igreja aproveitar esta ocasião? A hospitalidade foi sempre, desde os primeiros séculos, uma característica profunda de todas as comunidades eclesiais. A Igreja, que é católica, isto é, universal, encontra aqui uma nota fundamental da sua missão.

2. É necessário, portanto, fazer sentir constantemente às Igrejas de origem e às Igrejas de recepção, as necessidades dos migrantes. Porventura as Igrejas de origem preocupam-se suficientemente com acompanhar as suas «diásporas», com preparar para elas «missionários» e ampará-los? E as Igrejas receptoras, às vezes transbordantes, prestam bastante atenção à presença dos migrantes? Adoptam os meios que esta pastoral exige? Interessam-se sobretudo por que haja sacerdotes, religiosos e leigos, que se consagrem prioritariamente aos ambientes que permanecem muitas vezes marginalizados?

3. Entendamo-nos bem: a pastoral dos migrantes não é obra só destes «missionários» destacados, é obra de toda a Igreja local: sacerdotes, religiosas e leigos; é toda a Igreja local que deve ter em conta os migrantes, colocar-se em atitude de acolhimento, de intercâmbios recíprocos. De modo particular, quando se trata de favorecer a inserção dos estrangeiros, de prover às suas necessidades humanas e à sua promoção social, de permitir-lhes que desempenhem as suas responsabilidades temporais, os sacerdotes não devem ocupar o lugar dos leigos, nem também estes o lugar dos imigrantes. Mas os «missionários» desempenham um papel capital, precisamente na preparação de uns e outros para a própria tarefa, e têm um contributo especial a dar em favor da vitalidade religiosa das comunidades de migrantes. A sua função é sem dúvida difícil e o vosso Congresso mundial teve razão para insistir na formação e nos deveres destes «missionários».

4. Com efeito, eles devem, em primeiro lugar, entrar em contacto com a sensibilidade e a linguagem dos migrantes. Se eles são seus compatriotas, torna-se evidentemente mais fácil; mas não podem contentar-se só com transplantar, pura e simplesmente, os métodos e os meios de apostolado do seu país de origem; e menos ainda, fazer deles tábua rasa. São necessárias continuidade e adaptação. O seu coração de pastores deve considerar os emigrantes segundo as diferentes dimensões da vida complexa que levam. Por um lado, devem ajudá-los a salvaguardar, ou melhor, a fortificar os seus valores religiosos, familiares e culturais, uma vez que são o fruto de gerações cristãs, porque se arriscam a serem destruídos sem que nada os substitua verdadeiramente. Por outro lado, não podem também esquecer que estes emigrados estão já marcados pelos países de recepção, onde aliás têm a desempenhar um papel; as relações entabuladas entre adultos nos ambientes de trabalho, e mais ainda talvez na escola e nos tempos de descanso tratando-se de crianças e jovens, os meios de comunicação que utilizam onde se encontram, como por exemplo a televisão, despertam evidentemente neles novos problemas, até mesmo nova mentalidade com uma necessidade nova de expressão ou de participação; a pastoral deve ajudá-los a enfrentarem tudo isto, a integrarem harmoniosamente o «novo» sem desprezarem o «velho». O sacerdote, ou melhor, os sacerdotes chamados a trabalhar em equipe com religiosas e leigos, devem ser prudentes e ao mesmo tempo abertos à união destas duas culturas, sobretudo com vistas na preparação das gerações novas que permanecem no país de recepção. Quer dizer, a necessidade do equilíbrio destes missionários — equilíbrio humano, equilíbrio espiritual —, a necessidade também da sua preparação e da sua formação permanente. Devem continuar a ser, antes de tudo, homens de Deus e apóstolos, a fim de darem a possibilidade aos emigrados de viverem plenamente a própria fé, com todas as suas consequências.

Termino aqui estas considerações que o vosso Congresso vos permite aprofundar com Pastores e especialistas, bons conhecedores destes temas. Os métodos, os meios, têm a sua importância, mas o que é determinante, em conclusão, é a alma pastoral, é o zelo iluminado, é a fé e a caridade de todos aqueles que têm uma responsabilidade junto dos migrantes. Devem estar em comunhão com o espírito do nosso único Pastor, Cristo Jesus, a quem todos nós procuramos servir. Oxalá Ele vos ilumine e fortifique, a vós que trabalhais na Comissão para a Pastoral das Migrações e do Turismo ou em união com ela; e mantenha o zelo de todos quantos, para além deste Congresso, trabalham quotidianamente na base, no serviço directo dos migrantes, fazendo-se «tudo para todos» como o Apóstolo Paulo. Em nome do Senhor, abençoo-os, e abençoo-vos de todo o coração.






Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 3 de Março de 1979