Discursos João Paulo II 1979 - Sexta-feira, 18 de Maio de 1979

Irmãos, vós compreendeis que é necessário um esforço pastoral coordenado para o despertar das vocações desejado não só por nós aqui reunidos, mas por todo o Povo de Deus, para cuja evangelização, com o auxílio indispensável dos Presbíteros, nós somos enviados. É a este esforço que vós dedicastes, durante a presente Assembleia, solicitudes e propósitos. Faço meus umas e outros, oferecendo-vos a minha mais solidária e aberta colaboração.

2. Ouvi o Comunicado conclusivo, redigido no final dos vossos trabalhos; é-me grato manifestar a minha convicta adesão às indicações nele contidas. A intenção que vos inspirou foi a de exprimirdes colegialmente, na riqueza dos contributos oferecidos por vós nestes dias, uma linha operativa unitária. Também deste modo — penso eu — se reforça e aumenta a consciência comunitária do Episcopado inteiro e, além disso, a sua capacidade de indicar com a devida ponderação uma posição clara que, embora no respeito às diversas circunstâncias, compromete responsavelmente cada um dos membros da Conferência. Numa hora tão importante para a vida da Nação, animados por um elevado sentido do dever, vós solicitastes oportunamente a dignidade e a coerência da recta consciência cristã. E como poderia eu deixar de acentuar a importância e a validade de uma tal orientação que, no mudar dos acontecimentos ou na diversidade das contingências sócio-culturais, assume o valor mesmo de um princípio? O vosso é um apelo que, em linha objectiva, merece ser compartilhado e que espero seja acolhido e seguido.

3. A amplitude das discussões, a gravidade dos temas tratados e a capacidade de decisão, que também nestes dias demonstrastes; são sinal eloquente do vosso afecto pelo povo que vos está confiado, por este povo italiano, ao qual, como por impulso natural, me sinto impelido a dirigir uma devida palavra de gratidão e de elogio. Sim, desejo exprimir um elogio público e bem merecido ao povo bom e generoso, tenaz e laborioso, que às reconhecidas virtudes do tempo antigo une o dinamismo e as realizações geniais da idade moderna. Era isto que eu pensava esta manhã, durante a viagem que me levou até junto do Túmulo venerado de São Bento, padroeiro e exemplo luminosíssimo para a Europa inteira; também ao visitar o cemitério vizinho que acolhe, ao lado dos de tantas outras vítimas, os restos dos filhos da minha Polónia, que derramaram o seu sangue nesta Terra, pensava de novo nas vicissitudes da Itália que nos momentos de provação sempre fez apelo às suas admiráveis energias ocultas, encontrando nelas o segredo e a coragem para recomeçar.

E voltava a pensar, ao mesmo tempo que no Santo de Norcia, em Francisco de Assis e em Catarina de Sena que constituem uma tríade para a qual se dirige com admiração o olhar do mundo não só cristão. E pensava na relação, multiforme e simbólica, que assinalou nos séculos a história da Igreja e da Itália, tão rica de admiráveis testemunhos da fé cristã. Irmãos muito queridos, esta expressão de elogio brota espontaneamente do meu coração, e peço-vos que a comuniqueis aos vossos sacerdotes e aos vossos fiéis quando voltardes para as vossas sedes.

4. Permiti, por fim, venerados e queridos Irmãos, que entre agora noutro assunto que reveste importância fundamental para a própria actividade da vossa Conferência.

a) Há já tempo que o Cardeal António Poma, que desde há dez anos desempenha o cargo de Presidente da Conferência Episcopal Italiana, pediu que fosse aceita a sua demissão deste cargo. Tal pedido havia já deposto nas mãos do Papa Paulo VI, e depois nas de João Paulo I; em seguida dirigiu-se também a mim, expondo o mesmo desejo. Pedi-lhe para conservar ainda o cargo por um certo tempo. Todos sabemos quanto foi importante para a Comunidade Episcopal da Itália a presidência do Cardeal Arcebispo de Bolonha, durante os anos que viram a aplicação fiel e generosa das normas emanadas da Sé Apostólica em cumprimento das disposições do Concílio Ecuménico Vaticano II: desejo dizer aqui, perante todos vós, que o Cardeal Poma me esteve sempre pessoalmente muito próximo desde os tempos do Concílio, durante o qual pude admirar a sua preparação, o seu zelo, a sua prudência e a sua bondade. Neste decénio da sua presidência também se delinearam cada vez mais nitidamente as estruturas, as competências e as tarefas da Conferência Episcopal Italiana, que assumiu uma dimensão cada vez mais orgânica, incisiva e essencial; tomando as iniciativas oportunas para incrementar a vida espirituais do País, numa visão ao mesmo tempo objectiva e rica de esperança, crítica e estimulante, dos problemas mais graves no plano da pastoral de conjunto. Prova-o, entre outras coisas, o interesse que na opinião pública suscitam as suas decisões e os seus documentos: os méritos do Cardeal Poma, embora velados pela sua modéstia, são certamente muito grandes no papel crescente exercido pela C.E.I.: e é-me grato fazer-lhe hoje justiça, publicamente e com profunda gratidão.

b) Em seguida a estas dimensões encontrei-me perante um problema que todos consideramos muito importante.

O Estatuto da C.E.I. prevê no artigo 25: "Em consideração dos particulares vínculos do episcopado da Itália com o Papa, Bispo de Roma, a nomeação do Presidente da Conferência está reservada ao SumoPontífice".

Dando-me conta de que o mencionado princípio colocava diante do Papa, que não provém do circulo do Episcopado Italiano, uma tarefa muito difícil, e, ao mesmo tempo, desejando agir não em contraste com aquela norma, julguei oportuno — dada a necessidade de prover à nomeação do novo Presidente — recorrer aos Presidentes das Conferências Regionais, pedindo-lhes exprimissem as suas opiniões para assegurarem a sucessão do Cardeal Poma.

Como conclusão destes contactos, decidi dirigir-me ao Arcebispo de Turim, D. Anastásio Ballestrero, propondo-lhe que aceitasse o cargo de Presidente da C.E.I., dado que ele fora indicado pela maioria dos Prelados consultados: Tendo D. Anastásio Ballestrero aceitado a nomeação, desejo agora comunicar a todos vós aqui presentes que a partir de hoje ele é, pelo período de três anos — como prevê o Estatuto — o Presidente da C.E.I.

A ele desejaria, portanto, exprimir as minhas cordiais congratulações e os meus votos fraternos, certo de interpretar os sentimentos de todos:

No espírito da palavra evangélica, que já desejei recordar durante a recente concelebração, renovo-vos um veemente convite confiança e à coragem, na certeza da indefectível assistência de Deus, em cujo Nome vos abençoo de coração juntamente com os vossos fiéis.




do, 19 de Maio de 1979



Caríssimos Alpinos da Itália

Sede bem-vindos a esta histórica Praça de São Pedro. Celebrando este ano em Roma o vosso periódico encontro, denso de recordações, de saudades, de poesia e de amizade, quisestes encontrar-vos com o Papa.

Alpinos da Itália! Anciãos, regressados de tantas batalhas, feridos talvez e mutilados, graduados e humildes soldados, Capelães militares, condecorados e beneméritos, e jovens pertencentes a este corpo generoso e destemido, recebei a minha saudação mais cordial.

Agradeço-vos sentidamente que tenhais vindo. Agradeço-vos em particular os vossos sentimentos de fé, de estima, de simpatias e de homenagem, e desejaria que sentisse cada um, no fundo do seu ânimo, quanto a Igreja e o Papa o amam; amam cada homem que peregrina na terra.

O encontro de hoje torne-se, para vós todos, uma página alegre da vossa vida, que redunde, para vós e para as pessoas que vos são caras, em conforto e em estimulo para serdes cada vez melhores.

Mas quereria que, juntamente com a alegria tão espontânea e calorosa do encontro, levásseis convosco também a recordação da palavra do Papa, que vos fala em nome de Cristo, Redentor do homem.

1. Vós, homens temperados pelos acontecimentos dramáticos e dolorosos da História, ensinai ao mundo a ver nos acontecimentos a mão da Providência divina que guia a História.

A situação internacional, sempre precária e instável, o ressurgir contínuo da violência política e social, o sentimento espalhado de insatisfação e inquietação, as graves preocupações pelo futuro da humanidade, as amargas desilusões de numerosas camadas da sociedade, as incógnitas que pesam sobre o futuro de todos, e outras coisas ainda, podem insinuar o veneno do pessimismo e levar ao desinteresse, à indiferença, talvez à ironia despreocupada e inerte e, nalguns casos, até ao desespero.

Ora, as alternativas incómodas e gloriosas da vossa vida ensinam a ter coragem para aceitar a história, que significa afinal amar a própria época, sem vãs lamentações e sem utopias míticas, na convicção de ter cada um a sua missão para cumprir e de a vida ser um dom recebido e uma riqueza que se deve dar, sejam como forem os tempos, serenos ou inquietos, pacíficos ou atribulados.

Para isto é, porém, necessária a "pedagogia da vontade", ou seja, é necessário o hábito do sacrifício e da renúncia; o empenho na formação de caracteres constantes e sérios, a educação na virtude da fortaleza interior para vencer as dificuldades, para não cair na preguiça, para manter a fidelidade à palavra e ao dever.

Hoje particularmente, tem o mundo necessidade de homens tenazes e corajosos que olhem para cima, como o alpino que escala a parede rochosa escarpada para chegar ao cume, e nem o abismo do precipício no fundo nem a dura pedra ou o gelo adverso podem levar a que pare.

Muita gente sente-se hoje frágil e desorientada; e é também compreensível, dado o conhecimento mais concreto e imediato das vicissitudes humanas e a mentalidade do consumismo fácil que o progresso criou. E tanto mais necessário é, por isso, tornar a ensinar o espírito de sacrifício e de coragem.

2. Mas não basta aceitar a história: vós nos ensinais que é necessário "transformar" a história.

Quantos de vós poderiam contar as suas aventuras na paz e na guerra, ora trágicas e dolorosas, ora alegres e serenas.

E que se pode tirar deste património de vida vivida? Uma só conclusão e um só imperativo: a história deve ser transformada, mediante a "civilização do amor", que foi a preocupação constante do Papa Paulo VI, de venerada e sempre presente memória.

E, por isso, vos digo, a vós Alpinos da Itália, como digo a todos os homens da terra: Amai!

Este é o "mandamento novo" de Cristo: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei (Jn 15,12):

— amai a vossa família, a vossa casa, e mantende-vos fiéis no amor. — amai a vossa aldeia, o vosso bairro e a vossa cidade. Dê cada um o seu contributo de compromisso, de serviço e de caridade, especialmente aos que sofrem e passam necessidade, a fim de criar centros de solidariedade, para ninguém se sentir só e marginalizado por causa do egoísmo.

— amai a Itália, a vossa querida Pátria que, embora entre tantos trabalhos e contrastes, é sempre a vossa terra, rica de história, de beleza, de génio e de bondade.

— amai a Europa; que por milénios derramou na história as riquezas incalculáveis da inteligência e o sentimento.

— amai o mundo inteiro, porque somos todos irmãos e cada um deve trazer no coração a humanidade toda. Quantos refugiados, desempregados, mutilados, sem casa e sem pão, esperam o nosso amor.

Recordemos uma figura bem conhecida na Itália e no estrangeiro: o Capelão dos Alpinos Don Carlo Gnocchi. Ele, voltando da tremenda experiência da campanha bélica na Rússia, empenhou-se em amar mais ainda e fundou a Obra de assistência para os mutilados e os poliomielíticos.

3. Por fim, desejaria ainda acrescentar: elevemos a história por meio da fé em Jesus Cristo.

Por que motivo se fez Deus homem? Porque quis Jesus Cristo, o Verbo de Deus, inserir-se na nossa história humana? Só para a salvar, revelando os valores transcendentes e ultramundanos de todas as nossas acções. Esta é a verdade que tão sublime torna a nossa existência: somos destinados para Deus, para a eternidade e para a felicidade eterna, que depende das nossas escolhas livres. Jesus veio para testemunhar e garantir a verdade (Jn 18,37).

q conhecido escritor francês François Mauriac, na introdução à sua célebre "Vida de Jesus", escrevia: "Foi preciso que Deus se imergisse na humanidade e que, num momento preciso da história, num determinado ponto do globo, um ser humano, feito de carne e sangue, pronuncias-se certas palavras, realizasse certos actos, para eu me lançar de joelhos... Eu não creio senão naquilo em que toco; naquilo que vejo, naquilo que se incorpora na minha substância; e é por isso que tenho fé em Cristo" (François Mauriac, La vita di Gesù, ed. Mondadori, Milão, 8943).

É necessário ter fé em Cristo para salvar o homem. Para elevar a história, é necessário salvar os homens.

E Cristo diz-nos: Vinde a Mim, todos vás que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei (Mt 11,28). Só Ele tem palavras de vida eterna. Só Ele é a salvação do homem.

Alpinos da Itália! Cristo quer fazer também de vós instrumentos de paz e de salvação. Escutai a Sua voz. Testemunhai o Seu amor.

Auxilie-vos Maria Santíssima, que vós chamais "Nossa Senhora dos Alpinos".

Acompanhe-vos a minha propiciadora Bênção, que desejo tornar extensiva a todos os que vos são caros, a todas as vossas famílias.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE ESTUDANTES ORTODOXOS


Domingo, 20 de Maio de 1979



Caríssimos

Do fundo do coração vos dou as boas-vindas e cordialmente vos saúdo. Teólogos empenhados em diferentes modos ao serviço da vossa Igreja, viestes a esta cidade para vos especializar, e ao mesmo tempo para conhecer de modo directo o grande esforço de reflexão teológica e de renovação pastoral, conduzido a todos os níveis da vida da Igreja católica, sobretudo depois do recente Concílio. Esforço de aprofundamento espiritual, de tensão purificante para o que é essencial, de fidelidade cada vez mais dinâmica e coerente ao nosso único Senhor e em todos os aspectos da sua mensagem de salvação, que devemos anunciar aos homens e às mulheres de hoje.

Neste vasto campo da missão da Igreja no mundo contemporâneo, as possibilidades de colaboração entre a Igreja Católica e as veneráveis Igrejas ortodoxas, a que pertenceis, são vastas, pois nascem da comunhão, se bem que ainda não total, que já nos une. Por outro lado, é exactamente esforçando-nos por viver e apresentar juntos a realidade do Evangelho dada à Igreja e transmitida, de geração em geração, até nós, que poderemos dissipar melhor e superar as divergências herdadas das incompreensões do passado.

Não só esta colaboração é possível desde este momento, como também é necessária, se verdadeiramente nós quisermos ser fiéis a Cristo. Ele quer a nossa unidade. Rezou pela nossa unidade. Hoje mais do que nunca, num mundo que reclama autenticidade e coerência, a nossa divisão é um contratestemunho intolerável. E como se negássemos na nossa vida, aquilo que professamos e anunciamos.

Quis comunicar-vos estes pensamentos, recebendo-vos aqui pela primeira vez, para vos pedir que comuniqueis aos vossos Bispos e aos vossos Patriarcas, a minha firme vontade de colaborar com eles no progresso em direcção a uma unidade plena, manifestando na vida das nossas Igrejas aquela unidade que existe já entre nós. É necessário que essa caridade sem engano, na qual nos encontramos e reencontramos durante estes últimos anos, se torne inventiva e corajosa para procurar caminhos seguros e rápidos que nos conduzam à comunhão plena que selará a nossa fidelidade ao nosso único Senhor.

Eis a mensagem que vos peço transmitais àqueles que vos enviaram a estudar nos diferentes Institutos da Igreja de Roma, a Igreja que preside à caridade.

A vós, caros estudantes, desejo que esta estadia romana seja fecunda, sobretudo para o vosso crescimento em Cristo sob a acção do Espírito Santo. Uma sólida vida espiritual pessoal é condição indispensável para todo o trabalho teológico e a fonte na qual todo o verdadeiro serviço da Igreja deve continuamente alimentar-se e renovar-se. E possa esta estadia ser também frutuosa para a vossa preparação para os cargos que amanhã vos serão confiados.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DIRIGENTES E PESSOAL DA "ALITÁLIA"


Segunda-feira, 21 de Maio de 1979



Senhor Presidente
e vós todos quantos pertenceis Sociedade "Alitália"

Sinto muito gosto de poder encontrar-me convosco esta manhã, na cordial familiaridade desta Audiência especial que, permitindo-me tornar a ver-vos de perto, desperta no meu ânimo, vivas e intactas, as emoções inapagáveis da viagem à América Latina.

Desejo primeiramente expressar-vos o meu reconhecimento sincero por todas as atenções, que reservastes para mim e para as pessoas que me acompanhavam, a habilidade dos pilotos e o seu perfeito domínio da complexa aparelhagem de bordo, a solicitude delicada e atenta do pessoal aplicado ao magnífico I-Dyne "Dante Alighieri", tudo posto à disposição pela Sociedade. Assim se tornou possível um voo rápido, seguro e confortável para aquele longínquo. Continente, no qual precisamente um vosso compatriota, quase há cinco séculos, plantou a cruz de Cristo.

Uma multidão de lembranças, imagens e emoções se apresentam ao espírito ao lembrar o momento em que, tendo no ânimo a inquietação do missionário, pus pé naquela terra da qual a fadiga, o sacrifício e o sangue de tantos generosos anunciadores do Evangelho fizeram germinar messes abundantes, que agora estão brancas para a ceifa (Jn 4,35). O encontro com a fé ardente daquelas populações e com o seu entusiasmo espontâneo e indomável, constituiu para mim uma experiência única, que se imprimiu na minha alma com caracteres indeléveis. O entusiasmo, cheio de confiança, com que multidões ilimitadas de pessoas acorreram à volta do humilde Vigário d'Aquele que "é centro do cosmos e da história" (Carta Enc. Redemptor Hominis RH 1), confirmou-me na convicção de o mundo contemporâneo se estar a voltar novamente para Cristo, para quem "traz ao homem a liberdade baseada na verdade, Aquele que liberta o homem do que limita, diminui e quase destrói — nas raízes mesmas, na alma do homem, no seu coração e na sua consciência esta liberdade" (Ibid., 12).

Ora o trabalho por vós fornecido, com rara perícia e dedicação infatigável, foi o meio precioso que me consentiu levar uma "palavra; um bom voto e uma esperança Igreja que "simul orat et laborat", reza ao mesmo tempo que trabalha (Const. Lumen Gentium LG 17) na América Latina. Ao renovar--vos o testemunho do meu reconhecimento, quero assegurar-vos que na minha oração houve e haverá lugar especial para vós. Conheço as dificuldades do vosso trabalho e sei que ele exige, além da preparação cuidadosa e dum exercício constante, excepcional domínio dos nervos e permanente equilíbrio psíquico, que assegurem a capacidade dum lúcido autodomínio, mesmo nas situações imprevistas e arriscadas.

São estas, qualidades interiores, que podem encontrar, numa fé adulta e num sincero esforço moral segundo os ditames da antiga sabedoria cristã, validíssimo e corroborante sustentáculo. Aliás, a familiaridade com os espaços ilimitados do céu e a possibilidade de tomar, por assim dizer, as distâncias desde "o canteiro que nos torna tão ferozes" (Dante Alighieri, Divina Comédia Paraíso, 22, 151) não podem senão facilitar, no espírito de quem se aventura àquelas alturas, a percepção mais clara da amorosa omnipotência divina e a visão mais serena e mais verdadeira dos valores autênticos, que tornam nobre e digna a vida dum ser humano.

O que desejo é que o pensamento de Deus — Pai de todos os homens, Criador das terras que sobrevoais, e Senhor dos céus que sulcais — vos acompanhe constantemente no cumprimento do vosso dever, vos ilumine e vos sustente nos momentos difíceis, vos inspire sempre a justa "rota" nas escolhas da vida, para que esta viagem decisiva, que tem o seu porto além dos confins do tempo, possa chegar felizmente à meta, que é o próprio Deus.

Quero tornar eficazes estes votos com uma especial Bênção Apostólica, que de boa vontade torno extensiva a todos os componentes da Sociedade "Alitália" e aos vossos familiares, a quem tereis a bondade de transmiti-la, juntamente com a certeza da minha afectuosa lembrança na oração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE SUPERIORES


DE INSTITUTOS RELIGIOSOS NÃO CATÓLICOS


21 de Maio de 1979



Amados Irmãos em Cristo

Como Bispo de Roma dou-vos as boas-vindas a esta Sé Apostólica. É especialmente agradável saber que viestes para uma consulta ecuménica sobre a vida religiosa. A vossa visita é portanto um momento propício para juntos reflectirmos brevemente sobre este tema, e através dessa reflexão experimentar a alegria da aceitação comum de tantos ideais da vida religiosa.

Entre estes conta-se o conceito básico da vida religiosa como consagração especial a Nosso Senhor Jesus Cristo, como meio de aderir totalmente à sua pessoa divina e de realizar todas as exigências do Baptismo em Cristo. A vida religiosa é o seguimento radical das Bem-aventuranças; o reconhecimento prático do primado absoluto de Cristo na Igreja e no mundo. É uma resposta livre de discípulos ao convite do Senhor Jesus: Permanecei no meu amor (1Jn 15,9).

O Concílio Vaticano II considera que a vida religiosa é ordenada para maior santidade da Igreja e para maior glória da Santíssima Trindade, que, em Cristo e mediante Cristo, é a fonte e a origem de toda a santidade (Cfr. Lumen Gentium LG 47). E vê todo o serviço eclesial profícuo dos religiosos como o resultado de uma íntima união com Cristo (Cfr. Perfectae Caritatis PC 8).

Qualquer consideração da vida religiosa como título novo e especial para realizar o apelo universal de todo o Povo de Deus à santidade, traz-nos, acima de tudo, a necessidade do aspecto eclesial da vida religiosa. Na história da Igreja, a autoridade eclesiástica tem garantido a autenticidade desta vida, e esta última tem sido considerada constantemente na sua relação com todo o Corpo de Cristo, no qual as actividades de cada membro e das comunidades são vantajosas para todo o Corpo, devido ao princípio da união dinâmica com Cristo, que é a Cabeça.

Através da Graça de Deus, confio que a vossa consulta ecuménica sobre assuntos tão importantes dará fruto duradoiro. Peço que o Espírito Santo ilumine a vossa reflexão sobre a vida religiosa, especialmente no que respeita à questão da unidade da Igreja —a unidade perfeita desejada por Cristo.

Quem mais intensamente do que os religiosos experimentará na oração a urgência, não só de manifestar a unidade, mas também de vivê-la na plenitude da verdade e da caridade? E, ao sentir esta urgência -- experiência que já em si é dom de Deus —não experimentamos igualmente a necessidade desse aumento de purificação pessoal, dessa conversão do coração ainda maior, que Deus parece pedir como condição prévia para a restauração da unidade de todos os cristãos num só corpo? E a liberdade espiritual que os religiosos se esforçam por adquirir, aderindo totalmente a Cristo Nosso Senhor, não os vincula, no amor, cada vez maior, a efectivarem até ao fim a vontade de Cristo quanto à sua Igreja? Os religiosos não são chamados de modo especial a exprimir a vontade de Cristo de que o diálogo ecuménico — que por sua natureza é temporário — seja levado ao seu termo naquela completa participação eclesial que é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo?(1Jn 1,3). Não deverão ser os religiosos os primeiros a empenhar solenemente a plenitude da sua generosidade perante o plano salvífico de Deus, cada um repetindo com São Paulo: Que devo fazer, Senhor? (Ac 22,10).

Queridos Irmãos e Irmãs, este é um momento de alegria, que não se funda na complacência, mas no desejo humilde e contrito de realizar a vontade de Deus. É simultaneamente um tempo de confiança em Cristo Jesus que Deus fez a nossa sabedoria, a nossa virtude, santificação e redenção (1Co 1,30). Para Ele volvemos os nossos corações, ao invocar o poder dos seus méritos para nos sustentar na expectativa, na generosidade e sacrifício, da revelação completa do seu Reino, da consumação da nossa união com Cristo: «Venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade».

Desejaria pedir para comunicardes às vossas comunidades religiosas a minha saudação e encorajamento para viverem profundamente pela fé no Filho de Deus (Ga 2,20). Com a expressão da minha amizade e estima, asseguro-vos do meu amor em Nosso Senhor Jesus Cristo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

A UM GRUPO DE DOENTINHOS

Segunda-feira, 21 de Maio de 1979



Filhos caríssimos

Permiti que sem circunlocuções ou perífrases introdutivas, mas com imediata espontaneidade vos manifeste os vários sentimentos da minha alma, neste encontro, durante uma límpida e serena tarde de Maio, aos pés da Gruta de Nossa Senhora, ou melhor junto do Coração da Mãe Imaculada, que nos olha e nos sorri da gruta construída nestes Jardins Vaticanos, em devota e perene recordação daquele sítio, perto dos Pirenéus, onde Ela apareceu, no século passado, como visão de Céu, mensageira de esperança e de amor pela humanidade sofredora e pecadora!

O meu primeiro pensamento é de sincera complacência e viva gratidão a todos aqueles que promoveram e organizaram este nosso encontro que se poderia definir "encontro de família", porque estamos todos reunidos à volta de Nossa Senhora para um diálogo simples, espontâneo e afectuoso, como acontece entre os filhos e a mãe, que tudo vê, até os segredos mais escondidos; que tudo compreende, até os mais longos silêncios; que tudo revivifica, até as coisas mais insignificantes.

Obrigado a todos vós, por terdes vindo visitar o Papa; obrigado, ainda, pelos delicados sentimentos que cultivais no coração para como Vigário de Cristo e que pretendeis manifestar nesta particular circunstância; obrigado, enfim, pela vossa presença, que se pode considerar quase "presença sacramental" de Cristo! Sim, vós sois, na vossa carne ferida e dolorosa, a expressão de Cristo Crucificado, e como que o prolongamento da sua Paixão, de maneira que possa cada um de vós repetir com São Paulo: Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja (Col 1,24); e ainda: Sofremos juntamente com Ele(isto é com Jesus) para sermos com Ele glorificados (Rm 8,17). Cristo, por conseguinte, escolhe-vos, une-vos e assimila-vos a Si como meio insubstituível, inefável do sofrimento, através do qual Ele imprime em vós a sua imagem dolorosa e continua a realizar a obra da Redenção. Qual é, pois, o valor do vosso sofrimento? Vós não sofrestes ou sofreis em vão: a dor amadurece-vos no espírito, purifica-vos o coração, dá-vos um sentido real do mundo e da vida, enriquece-vos de bondade, de paciência, de longanimidade, e — sentindo ecoar na vossa alma a promessa do Senhor: Bem-aventurados os aflitos, porque serão confortados (Mt 5,4) — dá-vos a sensação de uma paz profunda, de uma perfeita alegria e de uma esperança gozosa. Sabei, por conseguinte, dar um valor cristão ao vosso sofrimento, sabei santificar a vossa dor, com confiança constante e generosa n'Aquele que conforta e dá força. Sabei que não estais sós, nem separados, nem abandonados na vossa "Via-Sacra"; ao vosso lado, ao lado de cada um de vós, está a Virgem Imaculada, que vos considera como seus filhos mais amados; Maria, que "para nós se tornou Mãe, na ordem da graça... desde o momento do consentimento prestado na Anunciação e fielmente mantido sem hesitação aos pés da Cruz..." (Lumen Gentium LG 61-62), está perto de vós, porque muito sofreu com Jesus pela salvação do mundo.

Olhai para Ela com plena confiança e filial abandono; Ela olha para vós com um olhar particular, sorri-vos com ternura materna, e segue-vos com solícito cuidado!

Assista-vos e proteja-vos sempre esta Mãe dulcíssima: nós pedimos-Lhe por vós, para que esteja perto de vós, vos conforte, vos dê paz e leve à realização em vós, para o bem da Igreja, para a difusão do Evangelho, para a paz do mundo, aquele desígnio de graça e de amor que mais estreitamente vos une e configura a Cristo Jesus. Estou certo que rezareis pelo Papa e também por ele oferecereis os vossos sofrimentos ao Senhor, não é verdade? Deste modo, o nosso recíproco colóquio cordial continuará para além deste brevíssimo espaço de tempo.

A todos vós, enfim, aos vossos familiares, aos médicos e a quantos vos assistem e têm cuidado contínuo e afectuoso por vós, dou a Bênção Apostólica como prenúncio de abundantes favores celestes e penhor da minha paternal benevolência.

Desejo também saudar os membros da Comissão internacional católica dos Cegos, que preparam o seu décimo primeiro Congresso internacional.

Queridos amigos, conheço os vossos esforços ao serviço dos ceguinhos, especialmente nos países em fase de desenvolvimento, onde a vida é ainda mais difícil para eles; recebei todo o meu encorajamento!

Sem dúvida, a natureza revolta-se espontaneamente perante o sofrimento e a enfermidade. Por outro lado, é necessário não os rejeitar de qualquer modo, a fim de chegar a superá-los, a viver, apesar deles, tão plenamente quanto possível. Está precisamente ali o sentido da acção social da vossa Comissão.

Mas a fé no Senhor ressuscitado abre uma perspectiva mais profunda. O "Exsultet" da Páscoa diz-nos que Ele é "a luz que não conhece ocaso", "qui nescit occasum"! Procurai esta luz da alma. Através dela, o sofrimento unido ao de Nosso Senhor e ao da Virgem Maria aos pés da Cruz abre o caminho da vida eterna, para si mesmo e para os outros.

Faço votos por que o vosso Congresso, consagrado à terceira idade, trabalhe segundo esta dupla inspiração. Ajudai os ceguinhos a viverem plenamente no plano humano. Ajudai-os a prosseguirem generosamente em direcção a esta luz espiritual "que não conhece ocaso", que pode iluminar e dar calor a todos os anciãos, apesar dos seus sofrimentos, até ao último instante. A Virgem da Luz, que deve ser invocada todos os dias, vos guie no vosso apostolado. Estai certos da minha oração por vós, por todos os ceguinhos que representais, e recebei a minha bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ATLETAS DAS EQUIPAS NACIONAL


DE FUTEBOL DA ITÁLIA E DA ARGENTINA


Quinta-feira, 25 de Maio de 1979



Ilustres Senhores e dilectos Filhos!

Estou-vos sinceramente grato pela cortesia desta visita, que me consente encontrar e saudar os campeões prestigiosos de dois Países unidos entre si por laços profundos de fé de cultura e de sangue, os seus Dirigentes e Técnicos com as respectivas famílias, e estas duas equipas de rapazes que, se ainda não possuem a notoriedade dos seus colegas já, afirmados, certamente rivalizam com eles na paixão desportiva e no entusiasmo generoso. A todos dirijo as minhas cordiais boas-vindas.

Ouvi com atenção e interesse o discurso introdutório do Senhor Presidente da Federação Italiana de Futebol, o qual soube interpretar com palavras gentis e apropriadas os sentimentos comuns, e também recordou oportunamente a solicitude com que a Igreja tem sempre seguido o exercício das diversas disciplinas atléticas, regozijando-se ao mesmo tempo em salientar, com gesto de rara delicadeza, o apreço que também eu já tive ocasião de mostrar pelos valores relacionados com a prática desportiva.

Tenho o prazer de acentuar a clareza e a pontualidade com que Vossa Ex. cia Senhor Presidente, soube acolher o ensinamento do Magistério eclesiástico nesta matéria. E ensinamento importante porque reflecte um dos pontos firmes da concepção cristã do homem. Vem a propósito recordar que já os pensadores cristãos dos primeiros séculos se opuseram com decisão a certas ideologias então em voga, que se caracterizavam por uma nítida desvalorização do corporal, orientada em nome de uma equívoca exaltação do espírito: segundo os dados bíblicos, afirmaram eles com energia uma visão unitária do ser humano. "Que é o homem — pergunta-se um autor cristão do fim do segundo século ou do início do terceiro — que é o homem, senão um animal racional composto de alma e corpo? A alma, tomada em si mesma, não será, por conseguinte, o homem? Não, mas é a alma do homem. Então o corpo é o homem? Não, mas deve dizer-se que é o corpo do homem. Portanto, nem a alma nem o corpo tomados separadamente, são o homem: aquele que se chama com este nome é aquilo que nasce da união de ambos" (De ressurrectione VIII, em: Rouet de Journal, Enchiridon Patristicum, 147, p. 59).


Discursos João Paulo II 1979 - Sexta-feira, 18 de Maio de 1979