Discursos João Paulo II 1979 - Quinta-feira, 25 de Maio de 1979

Quando, pois, Emanuel Mounier, pensador cristão deste século, vier dizer que o homem é "um corpo ao mesmo título que é espírito: inteiramente corpo e inteiramente espírito" (Cfr. Il personalismo, Roma 1971, p. 29), não dirá nada de novo, mas simplesmente tornará a propor o pensamento tradicional da igreja.

Detive-me a chamar a atenção para estes pontos de doutrina, porque é sobre esta pedra angular que se apoia a avaliação que o Magistério propõe das práticas desportivas. Trata-se duma avaliação altamente positiva, devida ao contributo que estas práticas dão para uma formação humana integral. A actividade atlética, de facto, se é realizada segundo critérios precisos, tende a desenvolver no organismo força, destreza, resistência e harmonia de maneiras, e favorece contemporaneamente o crescimento das próprias energias interiores, tornando-se escola de lealdade, de coragem, de paciência, de resolução e de fraternidade.

Portanto, ao dirigir uma palavra de elogio e de encorajamento a vós, jovens atletas aqui presentes e aos vossos colegas de todas as partes do mundo, aos Dirigentes, aos Técnicos e a todos os que se dedicam à nobre causa da difusão de uma sã prática desportiva, exprimo os meus votos por que sejam cada vez mais numerosos aqueles que, dominando o corpo e o espírito com as severas normas das diversas práticas desportivas, se empenham em adquirir a maturidade humana necessária para se medirem com as provas da vida, aprendendo a enfrentar as dificuldades quotidianas com coragem e a superá-las vitoriosamente:;

Seja-me consentido agora exprimir uma palavra também na língua falada na Argentina.

Amadíssimos filhos argentinos:

Sinto grande satisfação em poder receber-vos hoje, que é também Festa Nacional Argentina, para vos felicitar cordialmente pelos vossos recentes êxitos desportivos e para vos manifestar a minha estima sincera pelas vossas pessoas.

Sois jovens todavia e por conseguinte cheios de ideal e desejosos de vos aperfeiçoardes pessoal e profissionalmente. Por isso, as minhas palavras, quando falo a desportistas como vós, desejam ser sempre uma espécie de afectuoso estímulo para os espíritos, animando-os a abrirem-se com galhardia aos objectivos que, mais enobrecem a vida.

Tende presente que, enquanto jogais, sois centro de atenção por parte das massas. O bom jogo, o estilo excelente, os resultados favoráveis granjear-vos-ão os seus aplausos e a sua admiração. Mas, oxalá possam apreciar claramente em vós um modelo de respeito e de lealdade, um exemplo de camaradismo e de amizade, um testemunho de fraternidade autêntica. Tudo isto apura os espíritos e fá-los compreender o sublime do ser humano e a sua autêntica dignidade. Assim coopera-se também para a construção de um mundo mais pacifico e, se se tem fé, para a consolidação da comunidade dos filhos de Deus; a Igreja.

Com estes votos concedemo-vos de coração a Bênção Apostólica, extensiva às vossas famílias e a todos os queridíssimos filhos argentinos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A DELEGAÇÕES BÚLGARAS VINDAS A ROMA


PARA A CELEBRAÇÃO ANUAL DE SÃO CIRILO E METÓDIO


Sexta-feira, 25 de Maio de 1979



Excelência
Minhas Senhoras e meus Senhores

Agradeço-vos esta visita ao Vaticano. Agradeço em particular as saudações e os votos que me transmitistes da parte do Ex.mo Senhor Presidente do Conselho de Estado da República Popular da Bulgária; apresento-lhe sinceramente os meus.

Saúdo todos os que formam as delegações aqui presentes: as personalidades que representam as tradições culturais búlgaras; o Metropolita Pankratij, Chefe da Delegação da Igreja Ortodoxa búlgara; e os Membros da Delegação Católica, entre os quais vejo os meus irmãos no Episcopado, Sua Ex.cia Dom Bogdan Dobranov e Dom Samuel Dijoundrine.

A vossa presença em Roma para assistira inauguração da exposição organizada na Biblioteca apostólica vaticana sobre "os manuscritos e os documentos do Vaticano respeitantes a história da Bulgária" e para tomar parte nas celebrações em honra de São Cirilo e São Metódio demonstra eloquentemente o facto de os laços existentes entre a Santa Sé e a Bulgária, no piano eclesiástico e civil, não datarem de ontem mas de há muitos séculos. As vossas delegações — compostas por personalidades do mundo religioso e cultural — demonstram além disso, que a cultura e a fé religiosa, não só não se opõem entre si, mas sobretudo mantêm uma com a outra relações semelhantes às dos frutos com a árvore. Basta estudar a origem das culturas dos diferentes povos para verificar como a cultura foi, e continua a ser, manifestação autêntica de algumas das exigências mais profundas do homem, que deseja exprimir na arte e nos costumes o que lhe parece verdadeiro, bom, belo, justo e digno , de ser amado.

Na minha primeira encíclica Redemptor Hominis, expliquei como todos os caminhos da Igreja conduzem ao homem. É facto histórico que as Igrejas cristãs, do Oriente e do Ocidente, favoreceram e propagaram ao longo dos séculos o amor pela sua própria cultura e o respeito pela cultura dos outros. Foi deste modo que se construíram magníficas igrejas e lugares de culto, cheios de riquezas arquitecturais e de imagens sagradas, tais como os ícones, por exemplo, frutos tanto da oração e da penitência como da ciência artística. Foi deste modo que se produziram estes inúmeros documentos e escritos de carácter religioso e cultural que instruíram e edificaram os povos aos quais eram destinados.

Neste contexto, é com orgulho e emoção que elevo o meu pensamento para São Cirilo e São Metódio: deixaram aos povos eslavos um património cultural que concretamente como o fruto da árvore da sua fé cristã, profundamente enraizada no amor de Deus e dos seus irmãos, que eles serviram em condições nem sempre favoráveis Desejo que a sua mensagem de unidade entre os povos, numa verdadeira fraternidade e numa vida em sociedade pacífica, seja ainda ouvida hoje nas regiões onde viveram, onde trabalharam e que tanto amaram com todo o seu fervor de apóstolos.

Quando regressardes a vossa pátria; desejo que leveis convosco os votos de felicidade, de paz e de prosperidade, tanto espiritual como material, que eu formulo para todo o povo búlgaro, sempre tão próximo do meu coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO URUGUAI


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 26 de Maio de 1979



Veneráveis Irmãos

A vossa presença recorda-me a mensagem que vos dirigi, no início do meu pontificado, por ocasião do primeiro centenário da fundação da Hierarquia eclesiástica no vosso País. Senti-me imensamente contente por um acontecimento de tanta importância, para a história religiosa da vossa terra, ter a sua celebração final na solenidade da Imaculada, com uma cerimónia que terminou aos pés da imagem de Nossa Senhora dos Trinta e Três.

Hoje, ao ver-vos aqui na vossa visita ad limina Apostolorum — e sinto presentes também os outros Irmãos no Episcopado que virão igualmente visitar Pedro — advirto vivamente que se torna mais forte a minha união convosco: força que encontra a sua perene fecundidade no desígnio segundo o qual Cristo quis construir a sua Igreja sobre Pedro, com o mandato de confirmar os seus irmãos, fazendo da sua missão com eles a unidade do colégio apostólico. Trata-se da colegialidade insistentemente acentuada pelo Concílio Vaticano II. O Bispo é o princípio e o fundamento visível da unidade da Igreja particular, de que é Pastor (Lumen Gentium LG 23); mas como membro do Colégio episcopal está obrigado a actuar solidariamente com os seus irmãos, quando surjam problemas comuns com outras comunidades eclesiais, sobretudo se esses problemas afectam o inteiro âmbito de uma mesma Nação. Por isso, me enche de alegria a imagem que oferece a Igreja no vosso País, sinal manifesto de salvação e sacramento de unidade para todos os homens ( Ibid., 1, 48), apresentando-se portanto como modelo para a convivência fraterna da Nação.

Quero deter-me particularmente num ponto, ao pôr em ressalto a operante unanimidade das vossas aspirações: a pastoral adequada e intensa das vocações religiosas e sobretudo sacerdotais. E exigência iniludível, pela qual também a minha solicitude se torna ansiosa, quando olho para Países onde, como no vosso, falta ainda uni desenvolvimento orgânico e adequado do corpo das Igrejas particulares, obrigadas, para a sua vida e a sua missão, a valerem-se da ajuda preciosa e generosa, mas precária, que pode oferecer o clero de outras nações.

Por isto dou ardentes graças ao Senhor da messe que, de há algum tempo a esta parte, vai suscitando nas vossas Dioceses um número crescente de vocações sacerdotais.

Considero supérfluo chamar a atenção para a necessidade de formar adequadamente os futuros operários da vinha. Mas permiti-me insistir em que, na vossa missão de pastores, tenha lugar prioritário o cuidado pela espiritualidade daqueles que serão vossos imediatos colaboradores, não menos que daqueles que o Senhor já pôs ao vosso lado. A solicitude para com os vossos sacerdotes deve ter todo o vigor e todas as delicadas atenções que se requerem do vosso serviço paterno, sobretudo a fim de que nas suas atitudes e na sua conduta seja determinante a inspiração sobrenatural que interprete adequadamente a essência da mensagem evangélica.

Empenhe-vos também esta animação espiritual na busca, na formação e na direcção das outras forças a que a Igreja pede hoje um contributo substancial e organizado, para o desenvolvimento da própria missão.

Assim, o vosso plano pastoral quinquenal, preparado para todo o País, poderá passar a uma fase dinâmica e executiva para a santificação do povo de Deus. Beneficiará também a renovação moral e religiosa de não pequenos sectores, como exigem necessidades muito graves e tendências funestas, sobre as quais recentemente levantastes a vossa voz.

Aprecio vivamente o vosso zelo vigilante e eficaz sobre todo o âmbito da missão específica da Igreja, que, alheia a intervenções que estão fora da sua competência, presta serviço — sem dúvida não contingente — à causa da humanidade em geral e do povo no meio do qual actua como mãe e mestra. A este respeito vós pronunciastes-vos explícita e equilibradamente, e eu próprio desenvolvi este tema fundamental no discurso de abertura da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. E um caminho indicado claramente para a evangelização num Continente que muito amo e no qual o vosso País teve e mantém um lugar de grande prestígio. Só me resta, pois, dizer-vos, num campo tão delicado, que conto muito com o vosso zelo e com o de todos os vossos colaboradores; mas quero também expressar o desejo de que a sabedoria humana e cristã dos vossos concidadãos saiba beneficiar confiadamente do Magistério e da obra da Igreja.

Desejo voltar de novo ao ponto de partida deste discurso: peregrino espiritualmente ao Santuário de Nossa Senhora dos Trinta e Três, encomendo ao seu amor maternal as vossas fadigas, as vossas penas, as vossas aspirações e as de todos os vossos sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, seminaristas, as de todos os agentes de pastoral e de todo o vosso povo.

Recebei a Bênção Apostólica que de todo o coração vos dou e desejo fazer chegar ao Cardeal António Barbieri, insigne pastor que completa, no sofrimento e na oração, o largo e valioso serviço prestado à Igreja no vosso País.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS DA ACÇÃO CATÓLICA


26 de Maio de 1979



Caríssimos jovens da Acção Católica

Sede bem-vindos a esta magnífica Praça de São Pedro!
Sede bem-vindos todos em nome do Senhor Jesus Cristo, amigo dos jovens.

Agradeço-vos vivamente a festiva manifestação de afecto que quisestes reservar-me quando passava no meio de vós para vos dar a minha cordial e paterna saudação, a vós que sois a minha alegria e a minha coroa (Ph 4,1), porque exprimis o rosto da Igreja sem mancha nem ruga(Ep 5,27), e a quantos vos acompanharam aqui: pais, educadores e responsáveis diocesanos e nacionais da Acção Católica dos Jovens; de modo particular, vá a minha gratidão ao Assistente-Geral, D. Giuseppe Costanzo, e ao Presidente Nacional, Prof. Mário Agnes, os quais pediram esta Audiência por ocasião do vosso Encontro Nacional, com que pretendeis também oferecer o vosso contributo às iniciativas que, em toda a parte, são promovidas no quadro do Ano Internacional da Criança.

1. Quisestes encontrar-vos com o Papa neste dia dedicado à memória de São Filipe de Néri, definido justamente o Apóstolo dos jovens pela sua longa e incansável actividade em favor deles. Os vossos encontros romanos realizam-se sob a sua protecção: Ele que soube tão bem reunir à sua volta os jovens dos subúrbios romanos e educá-los para os nobres ideais da fé cristã e da convivência civil! Diz-se que para socorrer os mais necessitados, não hesitava em mendigar pelas ruas: um dia, uma pessoa, sentindo-se importunada, deu-lhe um bofetão. O Santo de rosto sorridente, respondeu-lhe: «Este é para mim, agora dai-me algum dinheiro para os meus jovens». E a quem se queixava do alarido que eles faziam, costumava responder: «Desde que não pratiquem o mal, contentava-me que me partissem a cabeça». Era tanta a caridade sacerdotal que dedicava aos jovens, que não hesitou em tornar-se para eles prestidigitador de Deus, mestre de júbilo e de alegria autenticamente evangélicas, que resumia no famoso mote: «Tristeza e melancolia, fora da minha casa». Sobre o seu túmulo, pouco distante daqui, na Igreja de Santa Maria «in Vallicella», aonde daqui a pouco irei celebrar a Santa Missa, pedirei ao Santo Co-Padroeiro de Roma queira obter-vos, e a todos os jovens do mundo, serenidade de espírito, nobreza de alma e coerência a toda a prova no testemunho evangélico no ambiente em que sois chamados a viver e a actuar.

2. Sobre o vosso congresso aqui em Roma, que conclui as iniciativas por vós empreendidas neste mês de Maio, que foi para vós «O mês dos encontros», vi com satisfação o cartaz de parede que, com a sua engenhosa escrita: «Recebi, passo», sintetiza lindamente a última etapa do trabalho realizado este ano. Tal «slogan», que tirastes do fraseado radiofónico, define muito bem o compromisso cristão a que é chamado cada um de vós. Isto é, o compromisso de escutar a palavra de Deus e dos homens para depois a transmitirdes, por vossa vez, aos outros, precisamente como disse Jesus aos seus discípulos: O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os terraços (Mt 10,27). E vós sabeis como hoje se vêem sobre os terraços selvas de antenas radiofónicas e televisivas que difundem e captam o que é dito numa cabine de transmissão.

— Recebi: este primeiro termo do vosso mote quer dizer também saber escutar, aprofundar, descobrir, viver o que «recebestes» na vossa vida de grupo: nos encontros, na escola, nas associações, nas brincadeiras, nas aplicações técnicas, em que vos conheceis, trocais experiências, participais aos outros os vossos sentimentos, descobris o sinal que os outros grupos deixaram na aldeia ou no bairro, o seu entusiasmo e a sua boa vontade. Todo este património que recebeis não deve porém permanecer em vós inerte e inoperoso, mas há-de, acima de tudo, servir para promover a vossa pessoa, enriquecê-la, transformá-la em melhor, tornar-vos jovens bons. Mas sobretudo isso quer dizer saber dar ouvidos às boas inspirações, deixar-se penetrar pela graça de Deus, aspirar à santidade, segundo as palavras do Senhor: sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste (Mt 5,48).

—Passo: tudo o que vós recebeis não só não deve ficar inerte em vós, mas deve também «passar», isto é, deve ser dado, comunicado aos outros, como fizeram os Apóstolos que foram pelo mundo comunicar e anunciar a todas as gentes a mensagem de salvação que haviam recebido do seu e nosso Mestre, quando disse: Ide, pois, ensinai todas as nações ... ensinando-as a cumprir tudo o que vos tenho mandado (Mt 28,19). Também vós fareis isto, se no vosso coração vos sentirdes «verdadeiras testemunhas vivas de Cristo entre os companheiros» (Cfr. Decr.Apostolado dos Leigos, 12), e tal sereis se souberdes manifestar a vossa alegria de viver, de crescer e de amar; se souberdes vencer as seduções ilusórias dos sentidos; se conseguirdes não ser orgulhosos em relação aos outros jovens menos dotados e mais desfavorecidos em condição social; se não agirdes egoisticamente; se não fizerdes partidas; se não vos vingardes, mas souberdes viver evangelicamente. Assim de certo fareis «passar» os vossos ideais aos outros, que vendo as vossas boas obras, darão glória ao Pai celeste (Cfr. Mt. Mt 5,16).

Caros jovens, ao voltardes para casa contai aos vossos amigos o que o Papa vos sugeriu agora como recordação desta bela audiência na Praça de São Pedro. Dizei a todos que o Papa os ama, espera a sua visita e os abençoa; tal como agora dou a todos vós aqui presentes a minha especial Bênção Apostólica, como votos de que, mediante o auxílio materno da Virgem Maria, mística rosa do mês de Maio, saibais verdadeiramente «receber» e «passar» o mandato cristão da fé e da esperança, em louvor e glória de Deus.




Esta semana, pode-se dizer carregado o programa das actividades do Papa, por causa da próxima viagem à Polónia. Apesar de tudo, empenhei-me em satisfazer o vosso desejo de audiência, ao menos brevemente, para vos mostrar a minha estima e a importância que atribuo à «Caritas Internationalis».

Começo por sentir muita alegria ao verificar a implantação cada vez mais vasta das «Caritas» diocesanas, em dois terços das dioceses do mundo: são, no plano local, a expressão e o instrumento da caridade da grande comunidade cristã presidida pelo Bispo, e portanto de todas as comunidades eclesiais, paroquiais ou outras, que estão relacionadas com ela. As «Caritas» nacionais têm uma missão de primeiro plano em mais de cem países, animando e coordenando a actividade caritativa, em ligação estreita com as Conferências episcopais. Pareceu necessário também — e era já uma ideia muito cara ao meu saudoso predecessor quando era ainda Monsenhor Montini — que estes organismos nacionais fossem confederados no plano internacional na «Caritas Internationalis», para se estudarem, estimularem e harmonizarem os projectos das associações-membros. É como árvore estruturada com ramificações múltiplas. Necessário se toma acrescentar, por último, que o Conselho pontifício «Cor Unum» constitui junto do Papa, junto daquele «que preside à universal assembleia da caridade» (Cfr. Constituição Lumen Gentium LG 13), um lugar de encontro para todos os organismos da Igreja consagrados à caridade e ao desenvolvimento.

Segundo o belo nome que usais, e é a palavra fundamental do Evangelho, vós sois ordenados à «caridade». Todo o vosso mote é viver a caridade, testemunhá-la, pô-la em prática concretamente e em união com outras pessoas. Não deixemos que se desvalorize o termo caridade nem a sua realidade. Não é somente o fruto duma piedade sentimental e passageira. É o amor mais profundo que se leva ao próximo, a todas as pessoas, e em particular aos necessitados. Provêm a sua justificação e o seu dinamismo do valor que se atribui à pessoa, à sua dignidade e ao seu direito de alcançar uma vida decente, apesar da miséria material ou moral que a atinge em consequência da má sorte, de cataclismos naturais, de doença, de situações sociais injustas, etc. Basta que tal pessoa passe por uma necessidade, às vezes imediata, de alimentação, de alojamento, de vestuário, de emprego, de conforto na solidão, de visita, de apoio, para si e para os seus. E se tal pessoa tem tanto valor aos nossos olhos, é porque o tem primeiro aos olhos de Deus; é porque se identifica Cristo com ela (Cfr. Mt Mt 25,34-40); é por nos pedir Cristo que façamos por ela o que, em tal situação, nós desejaríamos para nós próprios (Cfr. Mt Mt 7,12).

Os cristãos não seriam dignos de usar este nome se não procurassem chegar a esta caridade que vem de Deus. Devem testemunhá-la pessoalmente, e ninguém está dispensado disto. Por outro lado, não há quem tenha o monopólio dela. É porém fundamental testemunharem-na os cristãos solidariamente, ser o coração destes formado nela, ser esclarecido o desejo que têm de acção caritativa e serem coordenadas as suas iniciativas. Eis o papel das associações caritativas na Igreja, especialmente das «Caritas».

Quando se define assim profundamente a caridade, já não se trata na Igreja de opor as medidas de assistência às actividades que tenham em vista o desenvolvimento. As duas coisas devem ir a par. Como deixar de estabelecer para amanhã condições de vida, tais que as misérias endémicas de hoje possam ser debeladas ou evitadas no futuro, quanto de nós depende? Porque a nossa sociedade, graças a Deus, cada vez mais se ocupa em preparar melhores dias no porvir: os cristãos devem estar presentes nesse trabalho, a seu modo, isto é, inspirados pelo amor e pela justiça, com a finalidade de promover o homem completo e de levar a que participem os interessados no seu próprio desenvolvimento. Disso vos preocupastes muito durante esta Assembleia geral. Mas, por outro lado, a nossa sociedade, no seu desejo de tudo planear, tende a minimizar como provisórios certos casos pessoais de urgências, certas situações de infortúnio imprevistas e certas categorias de marginalizados. Ora, vós sabeis que novos tipos de pobres se apresentam sem cessar em todas as nossas sociedades, à margem do «progresso». Tereis sempre pobres entre vós dizia Jesus (Mt 26,11). A «Caritas» deve conservar como primeiro objectivo, como vocação singular, a obsessão de os reconhecer, de os ajudar com um cuidado educativo e de fazer sentir o mesmo aos outros. Também procuremos sempre que as somas recolhidas para estes pobres, e às vezes vindas mesmo doutros países pobres, sejam verdadeiramente aplicadas no serviço dos pobres.

Além disso, a vossa coordenação no plano internacional, o facto de serdes reconhecidos com estatuto consultivo junto das organizações internacionais, dão-vos a possibilidade e criam-vos o dever de testemunhar a caridade cristã mesmo ao nível dessas instâncias internacionais ou intergovernamentais. É presença e é acção que têm a sua importância. O Concílio Vaticano II a isso vos anima (Cfr. Constituição Gaudium et Spes GS 90). Sabeis até que ponto a Santa Sé aprecia esta actividade internacional, em que, no plano que lhe é próprio, não hesita em participar activamente.

Oxalá se descubra em toda a parte, nas vossas palavras e acções, a Ágape do Senhor, que não tem limites. Seja este amor o fermento evangélico que ajude a fazer deste universo um mundo em que a fraternidade e a solidariedade se vivam realmente, em que os homens possam levar vida digna de filhos de Deus. Neste tempo litúrgico, imploramos especialmente o Espírito Santo, o Espírito de amor: ilumine Ele, purifique e fortifique o amor de todos os membros das «Caritas», que de todo o coração abençoo, pensando especialmente nos responsáveis e nos delegados aqui presentes.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA ÍNDIA POR OCASIÃO


DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Quinta-feira, 31 de Maio de 1979



Queridos Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

Pela terceira vez em pouco mais de um mês, tenho o gosto de estar com um grupo de Bispos da Índia que fazem a sua visita ad limina. Recordando os meus encontros com os Bispos vossos Irmãos, ofereço-vos também a vós, para vosso ânimo e fortalecimento, as reflexões que anteriormente lhes apresentei. Falei do ministério de fé que é o nosso; está no poder de Deus e é eminentemente expresso no Sacrifício Eucarístico e no Sacramento da Penitência. Falei em seguida do santo nome de Jesus, fonte da nossa fortaleza e alegre inspiração para todas as nossas actividades pastorais. E hoje gostaria de continuar a reflectir convosco sobre o nosso comum ministério de fé, exercido em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador do mundo.

Dia após dia tomamos consciência da obrigação encerrada nas palavras de Cristo, ditas antes da Ascensão: Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura (Mc 16,16). Como Bispos que recebemos este mandato, nós sabemos o que ele significa de limitações experimentadas, de oposições encontradas, de injustiças sofridas e de efeitos do pecado sentidos. E confortamo-nos constantemente com a esperança no meio do nosso trabalho, recebendo como fazemos as palavras de Deus: virtus in infirmitate perficitur (2Co 12,9). Esta, queridos Irmãos, foi também a convicção de todos os Bispos do mundo quando começaram o Concílio Vaticano II. Na sua mensagem inaugural estabeleceram: "Não possuímos riqueza nem poder terreno, mas depositamos a nossa confiança na força do Espírito de Deus, prometido à Igreja pelo Senhor Jesus Cristo" (Mensagem dos Bispos na inauguração do Concílio Vaticano II, 20 de Outubro de 1962.).

Esta deve pois ser a nossa atitude sempre, mas especialmente hoje, quando esperamos, na unidade da sociedade apostólica, juntamente com Maria Mãe de Jesus, receber de nova no Pentecostes o dom do Pai que é o Espírito, de maneira que possamos dar testemunho de Jesus e continuar entre o nosso povo o seu papel como Bom Pastor.

Só no domingo passado tive já a alegria de ordenar 26 novos Bispos, incluindo o Auxiliar de Calcutá. Não podia não ajudar a reflectir no profundo significado do rito da ordenação, quando, examinando os candidatos, perguntava: "Estais resolvidos como pais dedicados a amparar o povo de Deus e a guiá-lo no caminho da salvação, cooperando com os sacerdotes e diáconos no desempenho do vosso ministério?". São verdadeiramente duas palavras-chaves: amparar e guiar.O nosso ministério pastoral, exercido em união íntima com os nossos colaboradores, é acima de tudo endereçado ao bem do povo de Deus, do qual os nossos amados leigos são a grande maioria. Por eles damos as nossas vidas como pais dedicados, a fim de ampará-los e guiá-los no caminho da salvação. E Paulo VI completa a nossa compreensão da realidade desta nossa paternidade espiritual, quando escreve na Ecclesiam Suam: "Ao procurarmos verdadeiramente tornar-nos pastores, pais e mestres dos homens, devemos tornar-nos, nós mesmos, seus irmãos" (Paulo VI,Ecclesiam Suam, AAS 1964, 56, p. 647). E assim, na fraternidade de que nós devemos também dar exemplo, Jesus Cristo é verdadeiramente o nosso exemplar supremo — ele que é o único Filho gerado por Deus, mas que se tornou e é tão justamente chamado o primogénito entre muitos irmãos (Rm 8,29).

Neste tempo do Pentecostes amparemos o nosso povo transmitindo-lhe as palavras de ânimo do próprio Jesus: Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino (Lc 12,32). Em especial, façamos isto descobrindo a elevada dignidade do laicado dentro da comunidade da Igreja. De primeira importância a este propósito é serem os leigos, pelo Baptismo e Confirmação, encarregados pelo próprio Senhor de participar na missão salvadora da Igreja (Cfr. Lumen Gentium LG 33). Não é portanto razão pragmática aquela que nos leva a amparar e guiá-los no seu apostolado, mas uma vontade mesma de Cristo em favor do seu povo, em favor da Igreja. Em tão variadas circunstâncias, são os leigos os arautos imediatos da fé dando testemunho autêntico do Reino de Deus, que está ainda para ser revelado na sua plenitude.

Pertence aos leigos ordenar os negócios temporais na justiça e na paz, na equidade e na liberdade, na verdade e no amor — em obediência ao plano divino ia criação e da redenção. A maneira de fermento, são chamados a trabalhar pela santificação do mundo a partir do interior, começando das suas próprias famílias. E todos os seus esforços, lutas e sofrimentos em favor do Reino de Deus são de imenso valor, quando unidos com o Sacrifício de Cristo. No exemplo do laicado deve o mundo ver o amor de Cristo manifestado nos seus membros. A natureza da Igreja como comunidade de orações é rapidamente compreendida pelas assembleias de fiéis, reunidas para a adoração e louvor de Deus.

Na comunidade dos fiéis — que deve conservar sempre a unidade católica com os Bispos e a Sé Apostólica — há grandes conhecimentos de fé. O Espírito Santo está activo a iluminar as mentes dos fiéis com a sua verdade e a inflamar os seus corações com o seu amor. Mas estes conhecimentos de fé e este sensus fidei não são independentes do magistério da Igreja, que é instrumento do mesmo Espírito Santo e assistido por ele. É só quando os fiéis são alimentados pela palavra de Deus, fielmente transmitida na sua pureza e integridade, que os seus próprios carismas são plenamente activos e frutuosos. Uma vez que a palavra de Deus é fielmente proposta à comunidade e por ela aceita, produz frutos de justiça e santidade de vida em abundância. Mas o dinamismo da comunidade em compreender e viver a palavra de Deus depende de ela receber intacto o depositum fidei; e para esta exacta finalidade foi dado à Igreja um especial carisma apostólico e pastoral. É um único e mesmo Espírito de verdade que dirige os corações dos fiéis e garante o magistério dos pastores do rebanho.

Um dos maiores serviços que podemos prestar ao nosso povo está pois em lhe proclamar, dia após dia, as insondáveis riquezas de Cristo (Ep 3,8), fazendo realçar que o Cristianismo é mensagem única e original de salvação, que deve ser encontrada no nome de Jesus Cristo e só no seu nome.

Irmãos, cada um de nós deve repetidamente confirmar o sim da sua ordenação sacerdotal: devemos na verdade estar resolvidos a amparar o povo de Deus e a guiá-lo no caminho da salvação. E quando nos esforçamos por cumprir este cargo, devemos pensar que Jesus transmite aos seus discípulos o grande tesouro da palavra do Pai: Ego dedi eis sermonem tuum (Jn 17,14). Nós somos chamados a continuar a sua revelação do Pai, a transmitir a palavra de Deus.

Quando mais e mais exortamos o nosso povo ao serviço indiscriminado dos seus irmãos e ao amor universal, desejamos que ele entenda a grande dignidade que pertence a discípulos de Cristo e as reais consequências da condição de discípulo para a vida de cada dia. Com humildade, mas com convicção profunda, devemos tomar a nossa posição, aceitando claramente a exortação de São Paulo: Não vos conformeis com este século (Rm 12,2).

Tudo isto, Irmãos, se destina a descrever o compromisso que pertence aos nossos leigos, que devem corajosamente tomar o seu lugar em amar a união com os seus Bispos no pusillus grex; tudo isto insiste na tarefa sacerdotal da verdadeira evangelização e dá-nos mais profundos conhecimentos do nosso próprio ministério pastoral como Bispos da Igreja de Deus.

Queridos Irmãos, vamos mais à frente — mais à frente, juntos com cada um dos outros e com o nosso clero — no nome de Jesus: fortes na nossa comunhão de fé e amor, serenos diante dos obstáculos, constantes na oração com Maria e a Maria — e, como pais e irmãos, amparando o nosso povo na sua vocação característica de cristãos, e guiando-o no caminho da salvação.

E unidos à Igreja inteira, esperemos o Espírito Santo, o único que pode suprir a nossa fraqueza e levar a termo e à perfeição o ministério de fé que exercemos em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem seja dada honra e glória pelos séculos dos séculos. Amen.



                                                                    Junho de 1979



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE DIRECTORAS DE EMPRESAS


Sexta-feira, 1 de Junho de 1979



Senhoras e Senhores

Agradeço-vos vivamente os nobres propósitos e os sentimentos que acabais de exprimir-me. Apreciei o vosso desejo de vos encontrardes comigo, por ocasião do vosso vigésimo sétimo Congresso internacional. Acedo de bom grado, embora, como sabeis, esteja para partir para uma grande viagem à minha pátria, viagem pastoral que recomendo à vossa oração.


Discursos João Paulo II 1979 - Quinta-feira, 25 de Maio de 1979