Discursos João Paulo II 1979 - Quinta-feira, 7 de Junho de 1979

Peço-vos: rezai aqui por mim durante a minha vida e depois da minha morte.

Amen.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA IGREJA PAROQUIAL DE WADOWICE


Quinta-feira, 7 de Junho de 1979



Caríssimos habitantes de Wadowice!

É com grande comoção que chego hoje à cidade onde nasci, à paróquia onde fui baptizado e onde fui recebido a fazer parte da comunidade eclesial, ao ambiente a que estive ligado durante 18 anos da minha vida: desde o nascimento até ao exame do curso liceal.

Desejo agradecer-vos as vossas saudações, e ao mesmo tempo saudar cordialmente e dar as boas-vindas a todos. Desde o tempo em que morava em Wadowice passaram já muitos anos e o actual ambiente sofreu várias mudanças. Saúdo, por conseguinte, os novos habitantes de Wadowice, mas faço-o pensando naqueles de outrora: naquela geração que viveu o período entre a primeira e a segunda guerra mundial, que então aqui viveu a sua juventude. Com o pensamento e com o coração volto à escola primária aqui no Rynek (Praça do Mercado) e ao ginásio «Marcin Wadowita», que então frequentava. Com o pensamento e com o coração volto aos meus coetâneos, companheiros e companheiras de escola, aos nossos pais, aos mestres e professores. Alguns dos meus coetâneos ainda vivem aqui, e saúdo-os com particular cordialidade. Outros estão espalhados por toda a Polónia e pelo mundo, mas mesmo assim virão a ter conhecimento deste nosso encontro.

Sabemos como são importantes os primeiros anos de vida, da meninice, da adolescência, para o desenvolvimento da personalidade humana, do carácter. Precisamente esses anos unem-me indissoluvelmente a Wadowice, à cidade e aos seus arredores. Ao rio Skawa, às montanhas Beskidy. Por isso muito desejei voltar a vê-los, para convosco agradecer a Deus todo o bem que neste lugar recebi. Na minha oração recordo também tantos defuntos, a começar pelos meus Pais, pelo meu irmão e pela minha irmã, cuja memória para mim está ligada a esta cidade.

Humanamente desejo exprimir os sentimentos da minha profunda gratidão ao reverendíssimo Monsenhor Edward Zacher, que foi meu professor de religião no ginásio de Wadowice, e que depois proferiu o sermão na minha primeira missa, e durante as primeiras celebrações como bispo, como arcebispo e como cardeal, aqui, na igreja de Wadowice, e por fim falou também hoje por ocasião desta nova etapa da minha vida, que apenas se pode explicar pela incomensurável misericórdia divina e pela extraordinária protecção da Mãe de Deus.

Quando com o pensamento volto atrás, para observar o longo caminho da minha vida, reflicto como o ambiente, a paróquia e a minha família me levaram à pia baptismal da igreja de Wadowice, onde a 20 de Junho de 1920 me foi concedida a graça de me tornar filho de Deus, juntamente com a fé no meu Redentor. Esta pia baptismal, já a beijei uma vez solenemente no ano do Milénio do Baptismo da Polónia, quando era Arcebispo de Cracóvia. Hoje desejo beijá-la mais uma vez como Papa, sucessor de São Pedro.

Desejo, além disso, fixar o meu olhar sobre o rosto da Mãe do Perpétuo Socorro, na sua imagem de Wadowice.

E peço a todos Vós que diante da imagem desta Mãe me rodeeis com a oração incessante.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS UNIVERSITÁRIOS DE CRACÓVIA


Cracóvia, 8 de Junho de 1979



1. Meus jovens Amigos! Permiti que comece pelas recordações, porque é ainda muito recente o tempo em que me encontrava regularmente convosco nos tantos centros de pastoral para os universitários de Cracóvia. Vimo-nos em várias ocasiões, e parece-me que nos compreendíamos bem. Nunca esquecerei as nossas boas-festas natalícias partilhando da Eucaristia, os exercícios espirituais do Advento e da Quaresma, e outros encontros. Este ano tive que passar a Quaresma em Roma e, pela primeira vez, em lugar de falar aos universitários polacos de Cracóvia falei aos universitários romanos. Citar-vos-ei alguns trechos do que lhes disse na basílica de São Pedro:

«Cristo é Aquele que completou uma revolução fundamental no modo de entender a vida. Demonstrou que a vida é uma passagem, não só além da morte, mas a uma vida nova. Deste modo a Cruz tornou-se para nós Cátedra suprema da verdade de Deus e do homem. Todos devemos ser alunos — 'assíduos ou livres ouvintes' — desta Cátedra. Compreenderemos então que a Cruz é também o berço do homem novo.

É assim que aqueles que são seus alunos olham para a vida, é assim que a entendem. E deste modo ensinam aos outros. Eles imprimem este significado da vida em toda a realidade temporal: na moralidade, na criatividade, na cultura, na política e na economia. Muitas vezes se tem afirmado — como sustentavam, por exemplo, os discípulos de Epicuro nos tempos antigos, e como o fazem, no nosso tempo e por outros motivos, alguns discípulos de Marx — que este conceito da vida afasta o homem da realidade temporal, e que, de certo modo, a invalida.

A verdade é bem diferente. Só esta concepção da vida dá plena importância a todos os problemas da realidade temporal. Abre a possibilidade da sua plena colocação na existência do homem. E uma coisa é certa: tal concepção da vida não permite circunscrever o homem às coisas do temporal, não permite subordiná-lo a elas por completo. Decide pela sua liberdade. Dando à vida humana esta significação 'pascal' — ela é passagem, é passagem para a liberdade —, Jesus Cristo ensinou com a sua palavra, e ainda mais com o próprio exemplo, que ela é prova... E é esta a prova do pensamento, do 'coração e da vontade, a prova da verdade e do amor. Neste sentido ela é, ao mesmo tempo, a prova da Aliança com Deus. O conceito de "prova" liga-se intimamente com o conceito de responsabilidade. Um e outro se dirigem à nossa vontade, aos nossos actos. Aceitai, caros amigos, ambos estes conceitos — ou antes estas duas realidades — como elementos da construção da própria humanidade. Esta vossa humanidade está já amadurecida e, ao mesmo tempo, é ainda jovem. Encontra-se em fase de formação definitiva do projecto da vida. Tal formação adquire-se precisamente nos anos 'académicos', na época dos estudos superiores. É necessário assumir esta prova com toda a responsabilidade. É uma responsabilidade ao mesmo tempo pessoal — pela própria vida, pelo seu futuro projecto, pelo seu valor —, e social — pela justiça e pela paz, pela ordem moral do próprio ambiente nativo e de toda a sociedade -, é uma responsabilidade pelo autêntico bem comum. O homem, que t em um a tal consciência do sentido da vida, não destrói, antes constrói o futuro. É Cristo que no-lo ensina».

Depois de uma tarde passada com a juventude romana, em que quase todos receberam a comunhão pascal, pensei de mim para mim: como os estudantes se parecem em toda a parte ! Como em toda a parte, com igual atenção escutam a Palavra de Deus e participam na liturgia! Pensei então em vós, nos retiros espirituais dos universitários polacos de Cracóvia, no modo análogo de se recolherem, de reflectirem, de viverem o silêncio na Igreja de Santa Ana, ou na Igreja da Mãe de Deus em Nova Wies, ou até na Igreja dos Dominicanos ou dos Jesuítas, durante encontros semelhantes.

2. Pensei em vós também no México, ao encontrar-me com aquela juventude universitária no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe. Permiti ainda que vos cite algumas frases da carta que depois do meu regresso do México escrevi especialmente aos universitários da América meridional: «Durante o encontro convosco intuí que sentis muito profundamente o mal que pesa sobre a vida social das Nações de que sois filhos e filhas. Inquieta-vos a necessidade de mudança, a necessidade de construção de um mundo melhor, mais justo, mais digno do homem. Neste ponto os vossos desejos encontram a mesma corrente que se acentuou fortemente no ensinamento e no apostolado da Igreja contemporânea. Muitas vezes o Concílio Vaticano II. dá expressão a esta aspiração para tornar a vida humana sobre a terra mais humana, mais digna do homem. Esta tendência - cristã no fundo e ao mesmo tempo humana — (humanística) — tem um carácter universal: refere-se a cada homem, por conseguinte refere-se a todos os homens. Não pode levar a restrições, instrumentalizações, falsificações, e discriminações. Deve trazer em si a plena verdade sobre o homem e deve conduzir à realização da plenitude dos direitos do homem. Para que esta nobre aspiração que ressoa nas vontades e nos corações jovens possa chegar a uma realização correcta, é preciso ver o homem em todas as dimensões da sua humanidade. Não se pode reduzir o homem à esfera das suas necessidades materiais. Não se pode medir o progresso só com os valores da economia. A dimensão espiritual do ser humano deve encontrar-se no lugar justo. O homem é ele mesmo através da maturidade do seu espírito, da sua consciência, da sua relação com Deus e com o próximo. Não serão nem um mundo melhor nem uma ordem melhor da vida social, nunca o serão, a não dar precedência a estes valores do espírito humano. Recordai bem isto, vós todos que justamente desejais mudanças para uma sociedade melhor e mais justa; vós jovens que justamente contestais cada preconceito, discriminação, violência e tortura em relação aos homens. Recordai que a ordem que desejais é ordem moral; e não a alcançareis doutro modo senão assegurando a precedência a tudo o que constitui a força do espírito humano: justiça, amor e amizade».

3. Hoje alegro-me com o novo encontro convosco no quadro do jubileu de Santo Estanislau no qual tenho a felicidade de participar. Quando escutamos o Evangelho que a liturgia da solenidade de Santo Estanislau nos recorda todos os anos, diante dos olhos da nossa alma aparece Cristo Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas (Jn 10,11); Cristo que conhece as suas ovelhas e as suas ovelhas conhecem (Cfr. Jo. Jn 10,14); o Bom Pastor que procura a ovelha tresmalhada e quando a encontra põe alegremente aos ombros (Lc 15,5) e leva com alegria para o aprisco.

Que posso dizer-vos mais do que isto? Aprendei a conhecer Cristo e a fazer-vos conhecer por Ele! Ele conhece cada um de vós de modo particular. Não é um conhecimento que suscite oposições nem rebeliões, uma ciência diante da qual seja preciso fugir para salvaguardar o próprio mistério interior. Não é uma ciência composta de hipóteses, que reduza o homem às dimensões sócio-utilitárias. A sua é uma ciência cheia de simples verdades sobre o homem, e sobretudo cheia de amor.Submetei-vos a esta ciência, simples e cheia de amor, do Bom Pastor. Estai certos que Ele conhece cada um de vós mais do que cada um de vós se conhece a si mesmo. Conhece porque deu a sua vida (Cfr. Jo. Jn 15,13). Permiti-lhe encontrar-vos. As vezes o homem, o jovem, perde-se a si mesmo, no mundo que o circunda, em toda a rede das coisas humanas que o envolvem. Permiti a Cristo encontrar-vos. Que Ele conheça tudo de vós, que vos guie! É verdade que para seguir alguém é necessário ao mesmo tempo exigirmos de nós mesmos, tal é a lei da amizade Se quisermos andar juntos, devemos estar atentos ao caminho a percorrer. Se nos deslocamos na montanha é preciso seguir as indicações. Se escalamos uma montanha não podemos deixar a corda. É necessário, além disso, conservar a união com o Amigo divino que tem o nome de Jesus Cristo. É necessário colaborar com Ele.

Muitas vezes falei disto e até de modo mais amplo e mais pormenorizado do que hoje. Recordai: o que vos disse e digo, disse-o e digo-o por experiência pessoal. Sempre me maravilhei com este admirável poder que Cristo tem no coração humano: Tem-no não por uma razão qualquer, ou por um motivo qualquer, não para qualquer carreira ou proveito, mas unicamente porque ama e dá a sua vida pelos irmãos (Id. Ibid.).

4. Vós sois o futuro do mundo, da Nação, da Igreja. «De vós depende o amanhã...». Aceitai com sentido de responsabilidade a simples verdade encerrada neste canto juvenil e pedi a Cristo, por meio de Sua Mãe, para estardes em condições de a enfrentar.

Vós deveis levar para o futuro toda a experiência da história que tem o nome de «Polónia». numa experiência difícil, talvez uma das mais difíceis do mundo, da Europa, da Igreja. Não tenhais medo da fadiga, mas tende medo apenas da leviandade e da pusilanimidade. Desta difícil experiência que tem o nome de «Polónia» pode obter-se um futuro melhor, mas só com a condição de sermos honestos, sóbrios, crentes, livres de espírito e fortes nas convicções.

Sede coerentes na vossa fé!

Sede fiéis à Mãe do Belo Amor. Tende confiança n'Ela plasmando o vosso amor e formando as vossas jovens famílias.

Que Cristo permaneça para Vós «Caminho, Verdade e Vida».



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS ESTUDANTES E PROFESSORES


DA FACULDADE DE TEOLOGIA DE CRACÓVIA


Sexta-feira, 8 de Junho de 1979



Reverendíssimo e Caro Decano!

Agradeço-lhe o convite que permitiu hoje encontrar-me com a «Alma Mater», por mim tão amada, na qual fui, primeiro, estudante, em seguida, me doutorei e, onde depois da habilitação, em 1953, trabalhei por muitos anos como monitor, livre docente e professor.

Todos conhecem bem os meus cuidados — quando era ainda metropolita de Cracóvia – para que fossem reconhecidos os devidos direitos a este Ateneu, que sem dúvida os mereceu, a fim de que o seu carácter académico fosse plenamente respeitado, em conformidade com as necessidades actuais, que se diferenciam, pela sua natureza e pela sua esfera de acção, das necessidades do passado, por exemplo, desde o período em que a Faculdade de Teologia ainda pertencia à Universidade Jagelónica.

1. Seguindo estas necessidades, procurei, durante o meu ministério em Cracóvia:

1.· renovar e aumentar o número dos investigadores e assegurar-lhes as qualificações que, segundo a lei eclesiástica (em analogia com o procedimento estatal na Polónia), constituem a base da sua autonomia;

2.· assegurar a uma larga maioria de estudantes de teologia, a fundamental instrução de carácter académico, e os graus académicos correspondentes a tal instrução, canonicamente válidos. Tratava-se aqui, em particular, dos alunos dos seminários eclesiásticos — futuros sacerdotes e pastores de almas — da Arquidiocese de Cracóvia e também das dioceses de Czestochowa, de Katowice e de Tarnòw, como ainda dos alunos pertencentes às diversas Ordens e Congregações religiosas, que estudavam especialmente no Instituto dos Missionários (Lazaristas) em Cracóvia. Para este fim era necessário o sistema dos acordos de colaboração científica entre a Pontifícia Faculdade de Teologia e os acima mencionados Seminários eclesiásticos, sistema aprovado pela Santa Sé (Sagrada Congregação para a Educação Católica). Durante o último ano do meu trabalho em Cracóvia, foram iniciados os colóquios preparatórios para estipular um contrato idêntico, com o Seminário da diocese de Kielce.

2. A Faculdade de Teologia, atenta à ulterior instrução dos sacerdotes — e em parte também dos leigos — depois de terem acabado os estudos fundamentais, ampliou o sistema dos chamados estudos afins às faculdades de diverso carácter, por exemplo: estudo catequético, litúrgico, ascético, para a teologia da pastoral da família e estudo do pensamento contemporâneo. Os estudos mencionados têm a própria sede em Cracóvia. Além disso, realizam-se em Rzeszow estudos de carácter análogo para os sacerdotes da diocese de Przemysl.

3. Se a actividade acima descrita entra no chamado «cyclus institutionalis» (estudo académico fundamental), simultaneamente a Faculdade de Teologia organiza, também em conformidade com o seu carácter e com o seu estatuto, os estudos que contêm o chamado «cyclus specializationis», os quais preparam para a licenciatura e para o doutoramento. Estes estudos realizam-se principalmente em Cracóvia. Além disso, foi já estipulado um contrato com o Ordinário de Tarnòw, a fim de aí abrir um Instituto especializado de Patrologia. Carácter especial tem também o Instituto Ecclesio-Mariológico, fundado já antes em Czestochowa, de acordo com o Ordinário do lugar. Durante o meu ministério foi apresentado também o pedido para o Instituto Pastoral em Katowice.

4. A especialização exige individualizar as especialidades científicas, no âmbito das quais é exercitada com a possibilidade de conferir os graus académicos segundo a mesma especialização. E por isso me tinha dirigido ao Papa Paulo VI, mediante a Sagrada Congregação para a Educação Católica, a fim de obter autorização para conferir os graus científicos não só no ramo da teologia, mas também no da filosofia.

A especialização no campo da história da Igreja tem uma profundíssima razão de ser precisamente em Cracóvia, por esta última possuir um particular recurso de possibilidades em tal campo. E por isso a Santa Sé irá certamente ao encontro dos pedidos respeitantes à aprovação desta especialização no Ateneu de Cracóvia . Já há tempo foram apresentados os relativos pedidos, após os quais surgiu o Instituto de História da Igreja na Pontifícia Faculdade de Teologia.

Poder criar tal especialização separadamente, como a de filosofia, corresponde plenamente aos meus projectos iniciais. Isto diz respeito também à especialização filosófica sob a forma de terceira Faculdade do Ateneu de Cracóvia. Peço que seja continuada a actividade nesta direcção.

Exprimo a minha profunda alegria por poder hoje, juntamente com o meu sucessor, num tão Venerado Auditório, na presença dos Excelentíssimos Bispos e do Conselho inteiro da Faculdade, prestar homenagem ao grande passado da nossa «Alma Mater» de Cracóvia. Desejo, mais uma vez, honrar a beata Rainha Edviges, Fundadora da Faculdade de Teologia de Cracóvia. Desejo, além disso, com todo o coração e com plena convicção, confirmar a decisão histórica do meu Predecessor o Papa Bonifácio IX, expressa na Bula «Eximiae devotionis affectus», de 11 de Janeiro de 1397.

Para o Ateneu, que tanto amo, peço a bênção da Santíssima Trindade e a protecção perpétua de Maria, Sede da Sabedoria, como também o patrocínio fiel de São João de Kety, que foi aqui professor, há mais de quinhentos anos.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

DURANTE O ENCONTRO COM OS HÓSPEDES


DA IGREJA DA POLÓNIA VINDOS DE VÁRIAS NAÇÕES


Cracóvia, 9 de Junho de 1979



Veneráveis Irmãos!
Ilustres Senhores!

È - me verdadeiramente grato poder encontrar-me convosco, Hóspedes da Igreja da Polónia, vindos de várias Nações para participar nas solenes celebrações jubilares do nono Centenário do glorioso martírio de Santo Estanislau de Szczepanow, Bispo de Cracóvia. Desejo mais uma vez exprimir-vos o meu vivo agradecimento por terdes dado gentilmente a vossa adesão a tais celebrações, assegurando também a vossa presença, quando o venerando Primaz da Polónia, Cardeal Estêvão Wyszynski, e eu, então Arcebispo Metropolita de Cracóvia, vos fizemos chegar o nosso cordial convite.

1. Estas celebrações centenárias assumiram particular significado e vasta ressonância também em consequência do facto de, por misterioso desígnio da Divina Providência, em Outubro passado, da Sede de Santo Estanislau eu ter sido chamado, pelos Eminentíssimos Cardeais eleitores, para a cátedra de São Pedro. Quis agora participar, como hóspede, no solene jubileu, juntamente com os peregrinos de todo o mundo, para exaltarmos juntos a gloriosa figura do meu Santo Predecessor na sede de Cracóvia e para pedir, no início do meu Pontifica do, a sua celeste protecção para o exercício do meu novo serviço pastoral na Igreja de todo o universo.

Estanislau nasceu na primeira metade do século XI, na localidade de Szczepanow nas proximidades de Cracóvia. Pela sua profunda piedade e preparação cultural foi nomeado cónego da Catedral pelo Bispo Lamberto Zula. Após a morte de Lamberto, o Papa Alexandre II., a pedido do clero, do povo e do próprio rei, Boleslau II., o Ousado, elevou Estanislau à Sé de Cracóvia.

A história diz que as relações entre o Bispo Estanislau e o rei Boleslau II., serenas no início, se alteraram depois em consequência das injustiças e das crueldades cometidas pelo rei para com os súbditos. O Bispo de Cracóvia, autêntico «bom Pastor» (Cfr. Jo. Jn 10,14) defendeu o seu rebanho. O rei respondeu com a violência. O bispo Estanislau foi morto quando celebrava a Eucaristia. No venerado crânio do Mártir, preciosamente conservado num artístico relicário, são ainda bem visíveis os sinais dos duros golpes mortais.

2. Desde então, Santo Estanislau passou a ser o Padroeiro da Polónia; o benfeitor e o protector em particular dos pobres; mas passou a ser, sobretudo, o exemplo dos Bispos, por ter transmitido e defendido o sagrado depósito da fé com intrépido vigor e com ânimo adamantino; e foi, desde há séculos, considerado insigne testemunho da autêntica liberdade e da fecunda síntese, que se realiza no crente, entre a lealdade à Pátria terrena e a fidelidade à Igreja, que vive na perspectiva da cidade definitiva e futura (Cfr. Heb. He 13,14).

Depois de nove séculos, a personalidade e a mensagem de Santo Estanislau conservam uma extraordinária actualidade, quer pelo exemplo da sua vida de Pastor de uma porção do Povo de Deus, quer pelo testemunho cruento do seu martírio. Mas Santo Estanislau é certamente e especialmente «o homem» da sua época: o seu ministério pastoral exerce-se sob o pontificado de São Gregório VII, isto é num período em que a Igreja reivindica perante os poderosos da terra a própria liberdade e a própria missão espiritual originária. No século XI a Polónia e a Igreja na Polónia, no início do segundo século da sua história, encontraram-se também elas na órbita dos complexos e complicados problemas que então deviam viver e enfrentar quer a Europa quer o próprio Cristianismo.

Se o Episcopado Polaco se permitiu convidar tão ilustres Hóspedes, foi precisamente para pôr em evidência estes laços históricos. E é em nome destes laços que desejo agradecer-Vos esta vossa presença.

E portanto, se nesta extraordinária ocasião quero desejar alguma coisa a todos, ela é que a nossa comum meditação sobre os factos, verificados há 900 anos, nos ajude a ver ainda com maior perspicácia a missão do Cristianismo e da Igreja em relação ao mundo contemporâneo. Talvez isto tenha uma importância particular para a Europa de hoje, que se encontra numa etapa de nova busca de um caminho próprio e adequado.

O dever do Cristianismo e da Igreja não pode deixar de ser uma participação criativa neste esforço. Só deste modo, e não doutro, pode exprimir-se e actuar-se a nossa solicitude para preservar e salvaguardar o património cristão da Europa e de cada País europeu.

Com estes votos, renovo-Vos os meus sentimentos de profunda gratidão e, invocando sobre as vossas pessoas a efusão dos favores celestes, dou-vos a Bênção Apostólica, sinal da minha estima e benevolência.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS PROFISSIONAIS DOS «MASS MEDIA»


Cracóvia, 10 de Junho de 1979

Caros Amigos

Já vos encontrei longe daqui, e embora o Sucessor de Pedro possa sentir-se em sua casa em qualquer parte do mundo — visto que o seu mandato é para todas as nações (Mt 28,19) — é todavia para mim fonte de especial satisfação encontrar-vos e abrir-vos os meus braços aqui, no solo da minha terra natal. Os meus votos são por que um novo e grande enriquecimento para o vosso espírito e uma profunda paz interior vos sejam concedidos em abundância nos santuários e nos lugares sagra dos onde a fé do povo Polaco soube exprimir-se tão intensa mente.

A peregrinação é um costume de antiga tradição entre nós cristãos. Determinados lugares são considerados particularmente sacros pela santidade e virtude adquiridas por algumas pessoas que ali viveram; a sua sacralidade aumenta com o passar do tempo, por meio das orações e dos sacrifícios das multidões de peregrinos que vão visitá-los.

Assim a virtude gera novas virtudes, a graça chama a graça e a bondade de um santo ou de uma santa, conservada em recordação perene por um povo inteiro, continua a irradiar-se ao longo dos séculos, dando renovação, inspiração e reconforto ao espírito das gerações seguintes. Deste modo, somos ajudados e encorajados na difícil escalada para a virtude.

Vós talvez recordeis que um dos meus primeiros desejos, assim que fui Papa, foi o de ir em peregrinação aos Santuários dos Padroeiros nacionais da Itália: São Francisco de Assis e Santa Catarina de Sena. Senti então a necessidade de me assegurar o auxílio destes grandes Santos e de pedir nos seus Santuários a fortaleza e o conselho, que a minha nova e formidável tarefa requer. Senti, porém, também a necessidade profunda de fortalecer o meu espírito com uma peregrinação aos lugares sagrados da minha Pátria e agradeço a Deus que pela Sua bondade ma permitiu satisfazer e tornou possível precisamente este ano, em que a Polónia celebra o nono centenário do seu principal Padroeiro, Santo Estanislau.

E agora, no momento da minha partida, agradeço-vos, amigos dos «mass media» por terdes estado comigo durante a minha peregrinação. Agradeço-vos, a vós e às várias agências de comunicação que representais, por terdes - e creio poder bem afirmá-lo - trazido o mundo inteiro à Polónia, tendo-o ao meu lado e fazendo-o participar nestes preciosos dias de oração e do meu regresso a casa.

Ao exprimir-vos a minha profunda gratidão, quereria pedir-vos ainda um favor. Quereria pedir-vos que dissésseis ao mundo e às populações de cada uma das vossas terras, que João Paulo II as recordou, as teve no coração, rezou por elas em cada etapa desta peregrinação: nos Santuários da Bem-aventurada Mãe de Deus, em Varsóvia, Czestochowa, Nowy Targ e Maków; junto dos túmulos de São Wojciech e Santo Estanislau em Gniezno e Cracóvia; no Santuário da Santa Cruz em Mogila e na cela de Oswiecim (Auswitch) onde o Beato Maximiliano Kolbe passou as suas últimas heróicas horas de vida. Dizei-lhes - e é verdade - que o Papa reza por elas todos os dias, muitas vezes por dia, onde quer que se encontre, e lhes pede que rezem por ele.

E agora uma palavra especial para vós, profissionais da imprensa e das agências fotográficas, da rádio, da televisão e do cinema. Cada dia mais, observando-vos ocupados no vosso trabalho, sinto-me impressionado pela nobreza da tarefa que vos é confiada pela vossa profissão e vocação. Disse noutra altura (México, Janeiro de 1979) que através duma informação «completa, honesta e precisa» pondes cada homem ou mulher em condições de serem participantes e responsáveis do 'progresso de todos' (Communio et progressio, 34-19), Idealmente as vossas vidas são dedicadas ao serviço da verdade. Só permanecendo fiéis a este ideal merecereis o respeito e a gratidão de todos.

Quereria, com tal fim, recordar-vos o que Jesus Cristo disse durante o processo que decidiu da Sua vida — e foi este o único elemento que Ele apresentou em Sua defesa — para isto nasci e para isto vim ao mundo: a fim de dar testemunho da verdade (Jn 18,37). Aplicai-o, cada um de vós, à própria vida e ele poderá aliviar as vossas dores e aumentar a vossa coragem na maior parte das provas e das frustrações da vossa existência.

É este o pensamento que vos deixo até nos encontrarmos novamente. Levai a minha saudação e o meu agradecimento às vossas famílias e o meu especial afecto aos vossos filhos. Ao dizer-vos até à vista, a vós e à Polónia, abençoo-vos com todo o coração.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DA POLÓNIA


Cracóvia, 10 de Junho de 1979



Ilustre Senhor
Presidente do Conselho de Estado
da República Popular Polaca!
Ilustres Senhores!

1. Chegou o momento da minha despedida de Cracóvia e da Polónia. Embora esta separação não possa certamente quebrar os profundos vínculos espirituais e os sentimentos que me ligam à minha cidade, à minha Pátria e aos seus Habitantes, sinto dolorosamente nesta altura a separação. A minha Sé episcopal é todavia agora Roma e torna-se necessário que para lá regresse; lá, onde nenhum filho da Igreja, mais — poderíamos dizer — onde nenhum homem, polaco ou filho de qualquer outra nação, é estrangeiro.

Chegou agora o momento das saudações e dos agradecimentos. Quero começar por dirigir as minhas palavras de agradecimento ao Senhor Presidente do Conselho de Estado que, juntamente com os outros representantes das Autoridades estatais, quis vir aqui para saudar-me assim como há nove dias me deu as boas-vindas à terra natal em nome das Autoridades da República Polaca. Agradeço-vos esta dupla cortesia, que tanto apreciei e sempre apreciarei por tudo quanto ela exprime.

Quero, além disso, neste lugar, exprimir os meus cordiais agradecimentos pela hospitalidade que me foi oferecida, para a qual muito contribuíram também as Autoridades do Estado tanto centrais como locais. Agradeço especialmente uma vez mais o encontro no Belveder, no primeiro dia da minha visita à Polónia. Espero que esta visita, que está agora a concluir-se, contribua p ara novo desenvolvimento das relações entre o Estado e a Igreja na Polónia, e também entre a Sé Apostólica e a Polónia.

Dou-me conta de quanto a palavra «hospitalidade» é rica em delicadeza, mas ao mesmo tempo quanto ela, neste caso, contém de fadiga, quantos problemas esconde em si, quantos trabalhos de preparação, quantas decisões e enfim quanto esforço para a sua realização.

Digo pois a todos «obrigado», e quero que este «obrigado» chegue a todos aqueles a quem devo agradecimentos, e não sei se na terra polaca há algum a quem eu não seja devedor neste campo.

Creio que devo agradecer a todos. Dirijo os sinais da minha gratidão às Autoridades do Governo, às Autoridades de cada «voivodia» e às Autoridades da cidade de Cracóvia.

2. Eminentíssimo Cardeal Primaz da Polónia, dirijo também os meus vivos agradecimentos a vós pelo vosso «até à vista», expresso em nome pessoal e no de toda a Igreja na Polónia. As palavras de boas-vindas queria responder com todo o meu serviço que, devido à divina Providência e devido à vossa cordialidade, tenho a ventura e a alegria de realizar nestes poucos dias. Neste momento não me resta senão agradecer com todo o coração a Vossa Eminência, ao Episcopado, aos Sacerdotes, às Famílias religiosas masculinas e femininas e a todo o Povo de Deus na Polónia tão vivos e cordiais sentimentos, as orações que me acompanharam nesta inolvidável peregrinação desde Varsóvia através da Gniezno de Santo Adalberto, através de Jasna Gora, até Santo Estanislau em Cracóvia. Agradeço a Deus a vossa fé, o vosso apego à Sé Apostólica e ao Sucessor de São Pedro.

A minha breve permanência na Polónia reforçou ainda mais os laços espirituais que me prendem à querida Pátria e a esta Igreja da qual provenho e que desejo servir com todo o meu coração e com todas as minhas forças, graças ao meu ministério universal de Papa.

Agradeço terdes-me certificado de que vos recordais de mim na oração. Lá, além-Alpes, ouvirei espiritualmente o som dos sinos que chamam os fiéis à oração, sobretudo ao Angelus e ao mesmo tempo ouvirei o latejar do coração dos meus compatriotas.

«Deus pague» à venerável Conferência do Episcopado Polaco, presidida pelo Cardeal Primaz, pelo Metropolita de Cracóvia e pelo Bispo-Secretário. «Deus pague» a todos.

3. A visita do Papa à Polónia é sem dúvida acontecimento sem precedentes, não só neste século mas também no milénio inteiro de vida cristã polaca, tanto mais que se trata da visita dum Papa Polaco, que tem o sacrossanto direito de partilhar os sentimentos da própria Nação. Tal participação, com efeito, é parte integrante do seu ministério de Sucessor de Pedro quanto à Igreja inteira.

Este acontecimento sem precedentes é indubiamente acto de coragem de ambos os lados. Todavia, nos nossos tempos, esse acto de coragem é necessário. Urge ter a coragem de andar na direcção que ninguém seguiu até hoje, do mesmo modo que em tempos idos foi necessária coragem a Simão para dirigir-se do lago de Genezaré da Galileia a Roma, que lhe era desconheci da.

Os nossos tempos têm grande necessidade dum testemunho que exprima abertamente a vontade de aproximar entre si nações e regimes, como condição indispensável para a paz no mundo. Os nossos tempos exigem de nós que não nos fechemos nas rígidas fronteiras dos sistemas, mas procuremos tudo o que é necessário ao bem do homem; este deve encontrar em toda a parte a consciência e a certeza da sua autêntica cidadania. Gostaria de dizer: em qualquer sistema de relações e de forças.

Obrigado, pois, por esta visita, ao mesmo tempo que faço votos por que ela se revele útil e sirva no futuro aos objectivos e aos valores que tinham sido propostos.

Despeço-me de Cracóvia. Desejo-lhe nova juventude.

Desejo que ela continue a ser para os Polacos, para a Europa e para o mundo, aquela magnífica testemunha de história da Nação e da Igreja que é actualmente; desejo que o património cultural encerrado dentro dos muros de Cracóvia, cujo bem tanto está a peito ao Senhor Presidente do Estado, continue a falar com o seu inimitável conteúdo. Despeço-me da minha Pátria.

Ao partir beijo esta terra, da qual nunca se pode separar o meu coração. Abençoe-vos Deus omnipotente: Pai, Filho e Espírito Santo.



Discursos João Paulo II 1979 - Quinta-feira, 7 de Junho de 1979