Discursos João Paulo II 1979 - 28 de Junho de 1979

Como penhor de tais votos, tenho o prazer de conceder-vos a todos a mais ampla Bênção Apostólica, tornando-a extensiva aos beneméritos Missionários que trabalham em todo o mundo.






ALOCUÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO CONSISTÓRIO SECRETO POR OCASIÃO


DA NOMEAÇÃO DE 14 NOVOS CARDEAIS


30 de Junho de 1979



Veneráveis Irmãos:

Alegramo-nos profundamente de que nos seja concedido celebrar convosco este Consistório, o primeiro desde que, por secretos desígnios divinos, fomos elevado à Sede de Pedro. É um grande acontecimento na vida da Igreja. Trata-se, de facto, de criar os novos Cardeais, que depois farão parte do Sacro Colégio, daqueles que os Sumos Pontífices têm como principais conselheiros e cooperadores no governo da Igreja universal. Compete-lhes, sobretudo, de acordo com as normas estabelecidas, o direito e o dever de eleger o Romano Pontífice, sucessor daquele que Jesus Cristo constituiu «princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade, da fé e da comunhão» (Const. Lumen Gentium LG 18).

Ainda que seja relativamente restrito o número daqueles aue hoje são agregados a este Colégio — como sabeis, há alguns limites em relação ao número dos Cardeais — apesar disso, estes Nossos Veneráveis Irmãos, que estão para ser inscritos no Senado do Romano Pontífice, se assim é lícito dizer, representam, de certo modo, a Igreja universal.

1. Não sem motivo e significado, convocamos esta eleita assembleia para hoje, final do mês de Junho. É bem sabido que o nosso Predecessor, de inesquecível memória, o Papa Paulo VI, reunia frequentemente os Cardeais na sua presença, mais ou menos nesta altura, e lhes dirigia palavras muito graves, às vezes também para a nomeação de novos Membros do Sacro Colégio. Aproveitava a oportunidade do aniversário da sua eleição— 21 de Junho — ou o do início solene do seu Pontificado, que era a 30 — ou do seu onomástico, a 24. Tinha então o costume de passar brevemente em resenha os problemas internos da Igreja. É verdade que o mesmo nosso Predecessor, segundo o costume dos últimos Pontífices Romanos, falava ao Colégio dos Cardeais também na véspera do Natal, para tratar de assuntos e problemas respeitantes à Igreja e ao mundo, mas, em geral, movido por razões diversas das de Junho, e, frequentemente, desenvolvendo uma temática mais ampla. Conformando-nos, portanto, com este costume que se tornou quase tradicional, unimo-Nos ao Pontificado daquele nosso Predecessor, a que nos prendem também muitíssimos outros vínculos, como amplamente Nos referimos na Encíclica «Redemptor hominis». Assim, hoje, recordamos com particular intensidade, o Pontificado de Paulo VI, do qual, como sucessor de São Pedro, apenas nos separa o brevíssimo intervalo do ministério apostólico de João Paulo I.

2. O período decorrido após o Concílio Vaticano II distingue-se, como todos sabem, pelo facto de a Igreja inteira ter de se empenhar na realização das decisões do mesmo Sínodo universal. Estas têm apenas como objectivo a renovação da Igreja: ou seja, é necessário — para usar as palavras do nosso Predecessor — que ela «se conforme com o seu divino modelo, que constitui o seu dever fundamental» (AAS 55, 1963, p. 850). Tal renovação, à luz do mencionado Concílio, refere-se a muitos aspectos: o mais importante diz respeito ao esforço constante que a Igreja deve fazer para aprofundar continuamente a consciência da própria missão salvífica, a qual é também um perpétuo serviço pela causa fundamental do homem, das nações e de toda a família humana. Esta consciência deve incluir aquela certeza acerca da missão salvífica que deriva da fé inabalável e da humildade sincera e nos torna capazes de prosseguir, com grandeza de alma, a obra de renovação. Esta obra deve ser continuamente medida, por assim dizer, com o metro universal do Povo de Deus, o qual, enquanto participa na missão salvífica do próprio Cristo, ao mesmo tempo a completa em vários modos, conforme o «dom» recebido por cada um com o fim de conduzir os outros e a si mesmo à salvação.

Certamente é difícil, só com os critérios humanos de juizo, medir rectamente este processo de renovação, entendido em sentido lato. Às vezes pode mesmo dar-se que nos enganemos ao julgar o que acontece, porque a divina Providência tem vias próprias para conduzir os homens, a sua sociedade, as nações e a Igreja. Daqui resulta necessariamente que todo o nosso critério para fazer o balanço da situação da Igreja é insuficiente; não obstante, temos necessidade absoluta de tal balanço, especialmente em certos tempos como os de hoje. Impõe-se, pois, que, quando expomos e julgamos certos acontecimentos, nos atenha-mos, sempre e antes de mais, aos amorosos desígnios de Deus e aos seus santos juízos acerca da conduta humana.

3. Um dos principais instrumentos para realizar a renovação e a unidade específica da Igreja, quer local, quer universal, isto é, do Povo de Deus, é sem dúvida a colegialidade dos Bispos. A este propósito, é justo pôr em relevo a reunião dos Bispos da América Latina, celebrada em Puebla. Os seus frutos de uma consciência mais aguda da missão da Igreja e da sua tarefa de evangelização na América Latina, na senda do Concílio e da Exortação Apostólica «Evangelii Nuntiandi», já começam a ser recolhidos e abrem esperanças para o futuro. Certamente, os temas ali tratados eram de grande actualidade para o presente e para o futuro.

A tal reunião foi-nos concedido talvez oferecer algum contributo, tendo presidido ao seu início. É útil repetir aqui as palavras que o nosso predecessor Paulo VI pronunciou no encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano, ao falar sobre a colegialidade: «É esta íntima e essencial relação que faz do Episcopado uma ordem unitária que encontra no Bispo sucessor de Pedro não já um poder diverso e estranho, mas o seu centro e cabeça» (AAS 56, 1964, p. 1011).

É preciso acrescentar que, nestes últimos meses, na vida da Igreja houve outros acontecimentos deste género, como o «Simpósio» do Conselho das Conferências Episcopais da Europa, reunido em Roma para tratar o tema «Os jovens e a fé». Tais acontecimentos constituíram uma manifestação significativa da consciência colegial e do dever respeitante ao Ministério pastoral dos Bispos e das Conferências Episcopais. Nenhum se pode comparar, em importância, ao de Puebla. Verificámos ainda com prazer o notável trabalho realizado pelo Conselho Episcopal Latino-Americano — CELAM — na preparação daquela assembleia e a intensa participação de grande número de Prelados.

4. A reunião de Puebla fez também com que, no início do Pontificado, a nossa primeira viagem fosse ao México, passando primeiro pela República Dominicana. Deste modo, pudemos visitar, durante quase uma semana, a Igreja radicada naquela região. Ainda recordamos, com gratíssima memória, quantos encontrámos durante aquela visita. Sobretudo agradecemos a Deus e Sua Mãe, que especialmente por meio do Santuário de Guadalupe, a Ela dedicado, se tornou clementíssima Mãe e Senhora, não só do México, mas de toda a América, e, em particular, da América Latina. De modo especial, recordamos o Presidente da República de São Domingos e o Presidente do México, como também os Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas de ambas as Nações.

Mas aquela visita à Igreja Mexicana ofereceu-nos ocasião para tomar contacto, de modo quase contínuo, com o povo católico daquele Estado, o qual, movido pelo espírito de fé, se aglomerava à nossa volta, cheio de entusiasmo, onde quer que passávamos ou nos detínhamos. O nosso profundo reconhecimento, pois, à divina Providência, que, mediante esta visita no início do nosso Pontificado, nos concedeu poder testemunhar o amor e a reverência da Sé Apostólica para com aquele povo que tantas dificuldades experimentou por causa da fidelidade a Cristo e à Sua Igreja. Na viagem ao México, também nos detivemos e celebramos a Santíssima Eucaristia no lugar onde principiou a evangelização da América; e bem assim, no regresso, pudemos encontrar a comunidade cristã das Ilhas Bahamas.

5. Igualmente grato nos sentimos pela recente viagem à Polónia, que nos deu a oportunidade de rever a nossa Pátria, desde 2 a 9 de Junho; isto é, de visitar de novo a terra de onde o Senhor, nos Seus imperscrutáveis desígnios, Nos chamou para a cátedra romana de São Pedro. O motivo principal da viagem foi o jubileu de Santo Estanislau; perfazia-se o nono século desde que aquele Bispo da Sede de Cracóvia (que Nós próprio, quase seu herdeiro, governámos até há pouco) sofreu o martírio às mãos do rei.

Convidado pelos Bispos polacos, mediante o Cardeal Wyszynski, celebrámos o jubileu, juntamente com os cidadãos da Nossa Nação, quase como quem segue o curso da história da Pátria: teve início em Gniezno e conduziu a Cracóvia passando através do Monte Claro ou «Jasna Gora». Demorámo-nos sobre-tudo em Varsóvia, a actual capital da Polónia, e, enquanto permanecíamos em Cracóvia, celebrámos a Santíssima Eucaristia em Oswiecim (Auschwitz), que se tornou como que o Gólgota da nossa época, onde, no chamado «bunker» da fome, o beato Maximiliano Kolbe morreu, depois de ter oferecido a vida por um companheiro.

Enquanto fazíamos esta viagem guiados pela história, renovámos a acção de graças ao Deus Uno e Trino pelo dom do Santo Baptismo que os nossos concidadãos receberam há mil anos. Foi--Nos ainda concedida a oportunidade de saudar as vizinhas gentes Eslavas, que entraram na Igreja naquela mesma época. Enfim, implorámos os dons do Espírito Santo para que elas perseveras-sem na fé e na esperança.

Enquanto ainda está presente na Nossa memória este serviço pontifício na Nossa Pátria, desejamos, uma vez mais, pôr em relevo o significado do convite que nos dirigiram as Autoridades públicas. Com ele, não somente reconheceram estarem conscientes de que Nós — a quem cabe desempenhar o mais alto cargo na Igreja Católica — tivemos origem na sua Nação, mas também manifestaram a dignidade e a relevância que competem à índole internacional desta Nossa visita. Por isso, estamos muito grato as Autoridades que a facilitaram, quer da República, quer da Igreja, e, de modo particular, à imensa multidão daqueles que, nascidos no mesmo país em que Nós nascemos, vieram ao Nosso encontro em espírito de unidade religiosa.

6. Paulo VI, não podemos esquecer, com as suas numerosas viagens, introduziu este modo de exercer o ministério pontifício. Que tais viagens possam, no futuro, ajudar a manifestação da unidade do Povo de Deus nos vários lugares da terra, nas diversas regiões e países.

Paralelamente a estes acontecimentos, que recordamos com alegria, desenvolveu-se e ainda continua a obra constante e ordenada da Igreja, concentrada principalmente naquelas tarefas que o Colégio Episcopal se propõe desempenhar, sob a orientação do sucessor de São Pedro.

Instrumento particularíssimo de tal cooperação colegial, enquanto abarca a Igreja toda, tornou-se o Sínodo dos Bispos. Brevemente será publicada uma Exortação Apostólica em que aparecerão recolhidos os frutos dos trabalhos da Sessão Ordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada em 1977, a qual tinha como tema a catequese. Também se está preparando a Sessão seguinte para 1980, que deverá examinar o tema já devidamente aprovado: «As funções da família cristã no mundo do nosso tempo». A Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, depois que o seu Conselho, eleito na Sessão precedente, as aprovou na reunião geral, enviou para toda a parte «As Linhas Fundamentais», a fim de serem amplamente discutidas nas Conferências Episcopais.

7. Pelo que respeita aos centros de estudos católicos a nível universitário, aconteceu algo relevante, a promulgação da Constituição Apostólica «Sapientia Christiana», que, no prazo estabelecido, substituirá a vigente Constituição «Deus Scientiarum Dominus». A partir de tal momento, deixarão de ter vigor as «Normae quaedam» emanadas em 1968 e obrigatórias durante o tempo necessário até ser preparada a Nova Constituição, segundo a vontade e o espírito do Concílio Vaticano II.

Para preparar esta constituição dispenderam-se vários anos; para não falar de todo o trabalho realizado, basta recordar que foram consultadas todas as Conferências Episcopais e todos os Centros de estudos católicos a nível universitário.

Esperamos, pois, que as disciplinas sagradas recebam novo impulso e estejam à altura de consolidar a Fé, orientar bem a moral e expulsar os erros, no acatamento do Magistério da Igreja.

8. Por fim, não se deve esquecer. mas recordar, embora brevemente, o ecumenismo, que foi um dos principais objectivos do Sínodo universal (Cfr. Decr. Unitatis Redintegratio UR 1). Em síntese, pode afirmar-se que, nestes meses, se realizaram várias reuniões com os representantes das religiões cristãs, que ainda não vivem em plena comunhão connosco. Enquanto de coração nos alegramos com isso a todos exortamos instantaneamente — para que «a solicitude pela realização da unidade recaia sobre toda a Igreja» (Ibid., 5) — a perseverarem cada vez mais ardorosamente no nobre esforço de refazer esta unidade desejada por Cristo.

E pode ainda acrescentar-se que houve vários contactos com os não-cristãos, em obediência ao Concílio Vaticano II, que impôs a obrigação de, por este modo, «cooperarmos na edificação da verdadeira paz» (Cfr. Const. Gaudium et Spes GS 92).

Eis, Veneráveis Irmãos, quanto o coração nos impelia a dizer-vos. Que os Santos Apóstolos Pedro e Paulo, cuja solenidade ontem celebrámos e que testemunharam o seu amor a Cristo com o próprio sangue, protejam esta Igreja Romana e esta Sé Apostólica, com as quais vós tendes um especial vínculo. Acima de tudo, porém, pedimos a ajuda da Imaculada Mãe de Deus, a quem recomendamos, confiantes, todos vós, os Nossos irmãos e os Nossos filhos. A fim de dar-vos força no excelso cargo que ocupais na Santa Igreja, concedemo-vos, de todo o coração, a Bênção Apostólica.

E agora é-nos grato enumerar os distintíssimos Prelados que, neste Sagrado Consistório, consideramos dignos de serem incluídos no vosso eminentíssimo Colégio:

— Agostinho Casaroli, Arcebispo Titular de Cartago;

— Giuseppe Caprio, Arcebispo Titular de Apolónia;

— Marco Cé, Patriarca de Veneza;

— Egano Righi Lambertini, Arcebispo Titular de Doclea;

— Joseph-Marie Trinh van-Can, Arcebispo de Hanói;

— Ernesto Civgrdi, Arcebispo Titular de Sardica;

— Ernesto Corripio Ahumada, Arcebispo de México;

— Joseph Asajiro Satowaki, Arcebispo de Nagasaki;

— Roger Etchegaray, Arcebispo de Marselha;

— Anastásio Alberto Ballestrero, Arcebispo de Turim;

— Tomás O'Fiaich, Arcebispo de Armagh;

— Gerald Emmett Carter, Arcebispo de Toronto;

— Franciszek Macharski, Arcebispo de Cracóvia;

— Wladislaw Rubin, Bispo Titular de Serta.





ALOCUÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O CONSISTÓRIO PÚBLICO


PARA A NOMEAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS


30 de Junho de 1979



1. Eis que nos falou a palavra de Deus com a força adequada ao momento em que vivemos. De facto, na hora em que estes nossos veneráveis e queridos Irmãos no Episcopado, cujos nomes já são conhecidos da Igreja e do mundo, se preparam para receber a insígnia da dignidade cardinalícia, importa que, para eles e para nós, o significado desta dignidade se torne claro e límpido à luz das próprias palavras de Deus. Por isso, após haver escutado com gratidão estas palavras da Primeira Carta de São Pedro e do Evangelho de São Mateus, meditemos uns instantes sobre o que o Senhor quererá exprimir, por meio delas, neste momento importante e extraordinário.

2. Antes de mais, através das palavras do Apóstolo, manifesta-se a solicitude pastoral pela Igreja, isto é, pelo rebanho. São de verdade maravilhosas estas palavras! Nelas se revela toda a alma daquele a quem foi concedido, como «testemunha da paixão de Cristo», tornar-se o primeiro pastor do rebanho. Na sua solicitude pastoral pela Igreja, ele tem continuamente diante dos olhos o Cristo, que se revelou como Bom Pastor, dando a própria vida pelas ovelhas, e se há-de revelar como Pastor Supremo, naquela glória do Pai (Jn 17,24), para a qual conduz todos nós. Fixando o olhar em Cristo, o Apóstolo Pedro — «Ancião» Bispo de Roma — partilha a Sua solicitude pastoral com os outros, ensinando-os e ao mesmo tempo interrogando-os sobre o modo de, em união com Ele, se comportarem como «anciãos e superiores». Um relevo particular sobre a dedicação desinteressada e sobre o zelo criador. Ser pastor das almas quer dizer vigiar para que estas não sejam seduzidas, insidiadas e transviadas, perdendo o contacto vital com a fonte do próprio amor e da verdade. Ser pastor das almas quer dizer, enfim, confiar: confiar acima de tudo n'Aquele que sobre estas almas imortais adquiriu um direito divino à custa do próprio sangue.

Aceitai hoje esta mensagem do Primeiro Bispo de Roma, Vós Veneráveis e Queridos Irmãos, que de modo particular deveis tornar-vos participantes da solicitude pastoral do Seu indigno sucessor. Quanto mais profundamente haurirmos das fontes evangélicas esta solicitude, tanto mais ela se demonstrará eficaz e abençoada. O «tempo» actual (kairòs) da Igreja e do mundo exige que bebamos com particular diligência precisamente destas fontes.

3. A palavra de Deus, que há pouco escutámos, contém em si um apelo à coragem e à fortaleza. De modo significativo ao mesmo nos convida Cristo. Ei-lo que repete: Não temais; não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma (Mt 10,28); «não temais os homens» (Cfr. Mt Mt 10,26). Simultaneamente, ao lado destes apelos decisivos para a coragem, para a fortaleza, ressoa a advertência: «temei»; temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma (Mt 10,28). Ambos estes apelos, aparentemente opostos, estão tão intimamente ligados entre si, que um resulta do outro e mutuamente se condicionam.

Somos chamados à fortaleza e, ao mesmo tempo, ao temor. Somos chamados à fortaleza perante os homens, e ao mesmo tempo, ao temor diante de Deus, e este deve ser o temor do amor, o temor filial. E só quando um semelhante temor penetra nos nossos corações podemos ser verdadeiramente fortes, com a fortaleza dos Apóstolos, dos Mártires e dos confessores. Fortes, com a fortaleza dos pastores. O convite à fortaleza liga-se, de modo muito profundo, à tradição do cardinalato, que, até na cor das suas vestes, recorda o sangue dos mártires.

4. Cristo exige de nós sobretudo a fortaleza de confessarmos, diante dos homens, a Sua verdade, a Sua causa, sem ter em conta se estes homens são benévolos ou não em relação a esta causa, se abrirão os ouvidos e os corações a esta verdade ou se «os fecharão», de modo a não poderem ouvir. Não podemos desencorajar-nos diante de programa algum que se proponha fechar os ouvidos e a inteligência. Devemos confessar e anunciar na mais completa obediência ao Espírito da Verdade. Ele próprio encontrará os caminhos para chegar ao mais íntimo das consciências e dos corações.

Nós, porém, devemos confessar e dar testemunho com tal força e capacidade, que não recaia sobre nós a responsabilidade de a nossa geração haver renegado a Cristo diante dos homens. Devemos também ser prudentes como as serpentes e simples como as pombas (Mt 10,16).

Devemos enfim ser humildes, com aquela humildade da verdade interior, que permite ao homem viver e operar magnanimamente. Porque Deus resiste aos orgulhosos, mas dá a Sua graça aos humildes (Jc 4,6). Aquela magnanimidade, fundada sobre a humildade, fruto da cooperação com a graça de Deus, é um sinal específico do nosso serviço na Igreja.

5. Veneráveis e Queridos Irmãos, eis um programa! Um programa rico e exigente, que a Igreja liga à vossa grande dignidade.

Aceitai este programa com a mesma grande confiança com que o aceitaram os vossos predecessores nas mesmas sedes episcopais, nos mesmos cargos da Cúria Romana! Aceitai-o!

Admirai os grandes, os magníficos exemplos, que nos deixaram.

Em todo este novo caminho, estejam convosco a amadíssima Mãe da Igreja e também os Santos Apóstolos Pedro e Paulo, com cuja solenidade nos regozijámos ontem. Em tudo seja particularmente adorado Deus: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Desejo renovar-vos publicamente, veneráveis e queridos Irmãos no Episcopado, elevados à dignidade cardinalícia, a minha afectuosa estima e o meu sincero apreço pelo testemunho, que destes à Igreja e ao mundo com a vossa vida sacerdotal e episcopal, completamente entregue a Deus e gasta em benefício das almas, em todas as tarefas que vos foram confiadas pela Providência divina, ao longo da vossa vida.

Exprimo, além disso, as minhas cordiais e respeitosas saudações às Delegações dos vários Países, às Representações das numerosas Dioceses, à Delegação enviada a Roma pelo dilecto irmão, o Patriarca Dimítrios I, e a todos os que vieram aqui, formando uma jubilosa coroa aos novos Membros do Sacro Colégio.

Juntamente com os meus Irmãos no Episcopado, que hoje se tornam membros do Sacro Colégio e aos quais acabo de testemunhar a minha estima, o meu afecto e a minha confiança, exortando-os a serem corajosos, fortes, humildes e magnânimos, saúdo cordialmente as delegações dos seus países e das suas dioceses, e saúdo a todos vós, queridos Irmãos e Irmãs, que vos sentis felizes por rodear com a vossa simpatia e a vossa oração os novos Cardeais da Santa Igreja Romana. Que este acontecimento seja para todos um encorajamento!

Com grande afecto em Nosso Senhor Jesus Cristo, dirijo uma palavra de boas vindas a cada um dos presentes e às Delegações de língua inglesa que vieram a Roma para assistir a este Consistório. Hoje, de modo especial, todos nós sentimos juntos a universalidade da Igreja. Experimentamos a força e a alegria de estarmos unidos em Cristo e na sua santa Igreja católica e apostólica.

Chegue a minha saudação cordial e afectuosa até aos Bispos, sacerdotes e religiosos de língua espanhola, que quiseram vir a Roma para acompanhar os novos Cardeais nestas cerimónias, associando-se deste modo ao júbilo de toda a Igreja. Para todos, os meus melhores votos de paz e de prosperidade, com a minha Bênção.

As mesmas saudações dirijo aos meus Compatriotas, que aqui se deslocaram a fim de participar na elevação à honra cardinalícia do Arcebispo Metropolita de Cracóvia e do Secretário do Sínodo dos Bispos. Que o júbilo deste dia se una ao amor da Igreja, nossa Mãe.



                                                       Julho de 1979






AUTÓGRAFO DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA A NOMEAÇÃO DO NOVO


SECRETÁRIO DE ESTADO




Ao Nosso Venerável Irmão

AGOSTINO CASAROLI,

Cardeal da Santa Igreja Romana



Venerável Irmão Nosso

O apreço da tua personalidade singular, que há vários anos Nós próprio conhecêramos pelas virtudes sacerdotais e zelo apostólico, pela rectidão moral e maturidade de juízo, juntamente com a lembrança daquele valor que manifestaste, quase por mais de quarenta anos, na diligente e sábia condução dos assuntos públicos da Igreja, através dos dicastérios da Sé Apostólica, mesmo junto dos dirigentes dos Povos e das assembleias das Nações, fizeram não só com que, espontaneamente, pensássemos em ti, como colaborador no futuro, mas que te desejássemos no presente, depois de no início de Março deste ano, Nos ter sido arrebatado do número dos vivos o Cardeal Jean Villot; que tivemos como fiel e douto cooperador no múnus da Secretaria de Estado.

Por estas e outras causas justíssimas, Venerável Irmão Nosso, depositámos em ti no mês de Abril a Nossa confiança e pedimos-te a orientação superior daqueles assuntos que incumbem à Secretaria de Estado e ao Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja. Para uma tão grande e tão oportuna união de sentimentos e propósitos, faltava como um reconhecimento, trazido nestes dias pela elevação à dignidade cardinalícia.

Depois de meditar cuidadosamente tudo isto, enviamos com profunda satisfação esta Carta, por meio da qual, em virtude do Nosso legítimo direito e poder apostólico, te nomeamos Secretário de Estado e, ao mesmo tempo Prefeito do Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, e, ainda, Presidente da Pontifícia, Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano.

Na verdade, rectamente confiamos que tu, dadas as óptimas qualidades, por nós acima recordadas, dar-nos-ás e a esta Sé Apostólica uma preciosa, assídua e eficaz colaboração, no tratamento de assuntos que muitas vezes têm projecção universal. E isto acontece nestes tempos, em que a Igreja e o mundo são atormentados por tantos problemas e dificuldades, sem porém lhes faltar motivos que possam incutir confiança e alimentar a esperança.

Todavia, a fim de que nunca te falte algum subsídio humano, a ti que suportas ónus diários tão pesados e abraças inúmeros cargos, tanto quanto Nos é possível, manifestamos-te toda a Nossa benevolência, Venerável Irmão Nosso. E com uma fervorosa prece, imploramos de Deus-Providência a luz permanente do céu e uma completa e frutuosa actividade, com alegria e tranquilidade de ânimo.

Do Palácio Apostólico, a 1 de Julho do ano de 1979, Primeiro do Nosso Pontificado.

JOÃO PAULO PP. II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRIMEIRO GRUPO DE BISPOS DA COLÔMBIA


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Quinta-feira, 6 de Julho de 1979



Amados Irmãos no Episcopado

Recebo-vos hoje com profunda alegria, Pastores das quatro Províncias Eclesiásticas de Nova Pamplona, Barranquilla, Cartagena e Bucaramanga, vindos a Roma para a vossa visita "ad limina Apostolorum". Bem-vindos em nome de Cristo.

Formais o primeiro grupo de Bispos da Colômbia, que este ano virão à Cidade Eterna para encontrar Pedro e torná-lo participante das realizações, esperanças e dificuldades de cada uma das suas respectivas Igrejas particulares. Permiti-me que em primeiro lugar expresse o meu sincero apreço e gratidão pelas eloquentes palavras pronunciadas em nome de todos vós, pelo Senhor Arcebispo de Nova Pamplona, D. Mário Revollo, Presidente da Conferência Episcopal Colombiana. Elas manifestam, de modo inequívoco, a finalidade central da visita '"ad limina": testemunhar e consolidar essa estreita unidade de sentimentos e propósitos dos Bispos com o Sucessor de Pedro e Pastor de toda a Igreja, garantia da necessária união eclesial.

Porém nesta corrente de fé e amor eclesiais, nós que nos reunimos aqui não estamos sós. Através desse admirável e misterioso vínculo com o Corpo místico de Cristo, sentimos a presença dos vossos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis. Eles são o objectivo da nossa comum atenção e assim ela se manifestou, tanto nos colóquios individuais com cada um de vós, como neste encontro colectivo.

Levai a cada um dos membros da vossa grei a minha saudação mais cordial no amor de Cristo, o meu encorajamento a perseverar na firmeza da fé, a minha exortação a não desfalecer na esperança, o meu pedido de consolidar-se no vínculo da caridade fraterna. Que a graça do Espírito e a oração constante do Papa os anime nos seus trabalhos e no seu peregrinar quotidiano, para que sejam testemunhas vivas da ressurreição de Cristo e artífices generosos do Reino de Deus nos seus respectivos campos de trabalho.

Sei que entre as múltiplas preocupações que ocupam o vosso espírito de Pastores, há uma que tem lugar predominante: o problema das vocações sacerdotais e religiosas. Trata-se com efeito, de um tema importantíssimo para toda a Igreja, para a Colômbia e em particular para as vossas quatro Províncias Eclesiásticas.

Quero confessar-vos que este é um dos pontos ao qual o Papa presta especial. atenção, dado o enorme reflexo que tem na marcha geral da Igreja, no presente e no futuro.

Convencido disto, quero dar-vos como encargo pessoal o que indiquei no meu discurso de abertura dos trabalhos da Conferência de Puebla: que ponhais entre as vossas tarefas pastorais prioritárias o cuidado das vocações. É algo vital, imprescendivel, porque uma Igreja à qual faltem os agentes qualificados, estáveis e totalmente dedicados a esse ministério, com dificuldade poderá ser eficazmente evangelizadora.

certo que todos os membros da comunidade eclesial incluídos os leigos cuja ajuda há que apreciar e desenvolver na medida do possível — devem participar na tarefa evangelizadora da Igreja, em virtude da sua própria vocação cristã. Porém eles não podem remediar a presença insubstituível do ministro consagrado ou da alma chamada a uma específica entrega eclesial. Mais ainda: a verdadeira maturidade do laicado católico não poderá deixar de se reflectir também numa abertura prática à vida consagrada em plenitude.

No vosso cuidado pelas vocações é necessário que presteis atenção a uma tripla vertente: a procura diligente dessas vocações, a adequada preparação das mesmas e o cuidado da sua perseverança. Será oportuno para isso implantar uma pastoral vocacional bem estudada, que preste específica atenção às famílias, à escola, à juventude, aos movimentos do apostolado, centros vitais em que, se cheios de fé e bons costumes, germinam tantas decisões de entrega ao serviço de Deus e do próximo. Não considereis para ela supérfluo ou apostolicamente menos rentável, dedicar-lhe sacerdotes bem preparados e de grande espiritualidade, que se ocupem de preferência desse sector, dentro de bons planos vocacionais diocesanos e também nacionais, a que vós prestais solícita atenção. E interessai nela todos os sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos empenhados.

Não vos devem merecer menores cuidados os seminários e casas de formação religiosa que — como foi indicado em diversas ocasiões também recentes pela Santa Sé — devem sempre constituir centro de preparação de personalidades humanas equilibradas, com toda a abertura sã que requer o dia de hoje, com uma sólida base espiritual, moral e intelectual, com capacidade de vida disciplinada e espírito de sacrifício. Sem eles não se pode construir a estrutura interior de uma vocação para a Igreja e o mundo de hoje. Sem nunca esquecer um pressuposto básico: se apresentamos ideais desvalorizados, são os jovens os primeiros a rejeitá-los por neles não descobrirem um marco sobre o qual derramar toda a sua generosidade e ânsia de entrega.

Nem deixeis tão-pouco sem o devido cuidado a pastoral das vocações adultas, que são em certos ambientes e também na Colômbia um fenómeno cada vez mais frequente e prometedor.

Finalmente, estai atentos com grande diligência à perseverança de quem vive já a sua consagração total. Não tenhais medo em gastar nisso o vosso tempo e energias melhores. Na linha indicada pela nossa recente Carta aos Bispos, por ocasião da Quinta-feira Santa, sede antes de mais os verdadeiros amigos e sustentáculos, com a vossa palavra e com o vosso luminoso exemplo, dos sacerdotes e das almas consagradas. Seja a vossa vida e esforço uma ajuda preciosa, em espírito de serviço fraterno, de modo a manter neles a consciência clara da própria identidade de eleitos.

Amados Irmãos: eis algumas linhas mestras, a completar com o vosso zelo e criatividade de Pastores.

Que a minha última palavra seja um apelo fraternal à esperança e à. oração ao Senhor da messe, que não nos abandona. Que Ele faça frutificar os vossos esforços. Maria, nossa Mãe, vos acompanhe sempre. Como vos acompanha a minha oração por vós e por cada membro das vossas comunidades eclesiais, enquanto a todos abençoo com especial afecto.

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO SOBERANO CONSELHO DA ORDEM DE MALTA

Segunda-feira, 9 de Julho de 1979



Ilustríssimos Senhores

Escutei com vivo prazer as nobres palavras pronunciadas pelo Grão-Mestre da Ordem, que desejo agradecer, ao mesmo tempo que o saúdo com viva cordialidade, como também a todos vós e àqueles que aqui tão dignamente representais.

Com o encontro de hoje tomo contacto pela primeira vez, desde que fui eleito para a Cátedra de Pedro, com os Responsáveis e os Membros de uma antiga e ilustre instituição cristã e católica, como é a Ordem Soberana Militar de Malta, confiada à especial protecção de São João Baptista.

Quero dizer-vos, portanto, a minha sincera alegria ao receber-vos nesta casa do Pastor comum da Igreja universal, na qual vos distinguis não só pela história prestigiosa da Ordem, mas também pelo testemunho concreto do vosso peculiar compromisso cristão. Na vossa presença hodierna, de facto, é-me grato entrever não só um acto filial de devota homenagem e de tenaz fidelidade à Sé Apostólica, mas até, e ainda mais, um sinal claro de renovado anseio por um compromisso cada vez mais profundo de vida evangélica vivida pelo maior bem da Igreja e de todos os irmãos.

Conheço a difusão no mundo e a eficaz dedicação demonstrada pela Ordem de Malta, em tempos mais recentes, no campo de várias iniciativas assistenciais e particularmente no importante sector do serviço hospitalar. Por tudo isto que realizais neste âmbito de actividade agradeço-vos de todo o coração. Parece-me que todos os vossos esforços se colocam na linha da realização do que escrevi na minha Carta Encíclica Redemptor hominis, quando dizia que "o homem, na plena verdade da sua existência,... é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo e via que imutavelmente conduz através do mistério da Encarnação e da Redenção" (Redemptor hominis RH 14). Por conseguinte, tudo o que a Vossa Família fizer para servir e promover ulteriormente o homem no nome de Cristo, será certamente abençoado pelo Senhor, segundo as Suas palavras: Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes (Mt 25,40). E é nisto certamente que consiste o mais belo título de glória da Ordem de Malta, título que se acrescenta aos já obtidos nos séculos passados e até os supera com a força luminosa do maior mandamento evangélico.

A minha palavra, neste ponto, não pode deixar de se tornar um premente encorajamento a prosseguirdes pela via mestra da Igreja, que é a mesma via percorrida por Cristo, o qual se ofereceu a Si mesmo pela salvação de todos os homens. E, como nos assegura São Paulo, Deus é poderoso para vos cumular com toda a espécie de graças, para que, tendo sempre e em todas as coisas o necessário, vos fique ainda muito para toda a espécie de boas obras, como está escrito: Repartiu com largueza, deu aos pobres; a sua justiça permanece eternamente (2Co 9,8-9).

Em penhor destes votos, é-me grato conceder a particular Bênção Apostólica ao Grão-Mestre, aos Responsáveis e a todos os Membros da Soberana Ordem de Malta, tornando-a extensiva a todos os seus entes queridos.




Discursos João Paulo II 1979 - 28 de Junho de 1979