Discursos João Paulo II 1979 - Segunda-feira, 24 de Setembro de 1979

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA IX CONFERÊNCIA


MUNDIAL SOBRE A LEI


24 de Setembro de 1979

Senhores

Agradeço a vossa visita no encerramento da importante conferência que leva a termo as vossas discussões em Madrid. É-me assim oferecida esta feliz ocasião de me encontrar convosco e expressar-vos a minha profunda estima e o meu incitamento ao trabalho pela paz, a que dedicais os vossos excepcionais talentos, pondo em comum as vossas experiências. O Centro Mundial da Paz mediante a Lei e as associações nele filiadas com razão se orgulham de constituir «a primeira associação a escala mundial, destinada a coordenar os esforços de milhares de juizes, jurisconsultos, professores e estudantes de direito, de todas as nações do mundo, num esforço positivo para se dedicarem aos problemas comuns da humanidade, a experiências, processos, princípios e instituições, universalmente aceites pela regra jurídica». Para este serviço deseja a Santa Sé oferecer a sua contribuição imparcial, dentro dos limites e no espírito da missão confiada à Igreja por Cristo nosso Senhor.

O rápido desenvolvimento, tanto em extensão como em profundidade, das relações entre os homens e as nações exige que seja exercido pelo homem um esforço sem precedentes, a fim de este não ser envolvido na tumultuosa vaga do interesse próprio e do instinto, de maneira que seja descoberta uma estrutura ordenada, expressão e promoção da unidade da família humana, com respeito pela dignidade suprema de cada indivíduo e de cada grupo de pessoas. Este esforço encontra na regra do direito, o imperium legis, base indispensável que lhe assegura a continuidade, a rectidão e a força criadora.

A regra do direito de maneira nenhuma supõe imobilidade rígida. Sendo fundada numa rica tradição e em duradoiros valores humanos, que para si mesmos encontram força na tradição e deste modo têm sido purificados, essa regra torna-se mais capaz que nunca de encarar com decisão as situações em contínua mudança e de imprimir nelas a marca do homem. A sua aplicação tradicional e essencial a todas as circunstâncias encontra precisamente na unificação actual da humanidade vasto e novo terreno para imaginar caminhos desconhecidos e ao mesmo tempo rejuvenescer as variadas expressões aceitas que forjou segundo as tradições dos diferentes países. A regra do direito não ignora as tensões que se originam na vida nem os aspectos de verdade contidos nos protestos e na contestação daquelas pessoas que um dado sistema legal se recusa a reconhecer como aspirações legítimas (Cfr. Pacem in terris PT 39 ss.). Mas tem confiança suficiente em si mesma, na lei do coração e da razão de que ela brota, para buscar soluções, não em adicional exasperação dessas tensões, mas antes no apelo às mais altas faculdades do homem, capazes de imaginar e criar sistemas organizados mais de acordo com o actual progresso da humanidade. Foi esta convicção que vos levou a examinar em Madrid toda a série de exigências dos nossos tempos: Direitos humanos e Acordos de Helsínquia, Lei Marítima, a codificação das regras que determinam as corporações multinacionais, os direitos da família, os dados que processam a tecnologia e o direito ao segredo, a vigilância internacional das fontes alternativas da energia, a redução progressiva do comércio das armas convencionais, a arbitragem internacional, etc.

A Santa Sé participa activamente nas conferências internacionais que tratam estes diversos problemas; e a sua contribuição original, de natureza ética, encontra o mais fértil dos terrenos quando os modelos dos sistemas legais foram melhor trabalhados, graças especialmente aos vossos esforços. Ela faz isto dum ponto de vista de mudança e de evolução que devem caracterizar a lei, porque é também característica do progresso da humanidade e das nações. Como eu já disse, a Declaração dos Direitos Humanos e a fundação da ONU tiveram certamente o intuito não só de terminar as horríveis experiências da última guerra mundial, mas também de criar a base para uma revisão contínua dos programas, sistemas e regimes, exactamente partindo deste único e fundamental ponto de vista, concretamente o bem-estar do homem ou, digamos, do indivíduo na comunidade — que deve, como factor fundamental no bem comum, constituir o critério essencial para todos os programas, sistemas e regimes (Encíclica Redemptor hominis RH 17, parágrafo 3).

Sim, o homem está na base de tudo. Deve ser respeitado na sua dignidade sem igual de pessoa. A sua dimensão pessoal deve ser respeitada: a personalidade humana e cristã não pode realizar-se, na verdade, a não ser no grau em que a exclusiva centralidade em si mesma seja rejeitada, porque tem vocação ao mesmo tempo pessoal e social. O Direito Canónico admite e favorece este aperfeiçoamento característico, porque leva a que se vença o egoísmo: a abnegação de si mesmo, como individualidade exclusiva, leva à afirmação própria numa autêntica perspectiva social, no reconhecimento e respeito do próximo como «pessoa» que tem direitos universais, invioláveis e inalienáveis, e uma dignidade transcendental (Cfr. Alocução ao Tribunal da Rota, 17 de Fevereiro de 1979).

Os valores humanos, valores morais, estão na base de tudo. A lei não os pode deixar de lado, nem nos seus objectivos nem nos meios de que lança mão. A sua autonomia rectamente ordenada é intrínseca à lei moral, na qual, além disso, ela encontra não verdadeiramente um travão ou restrição, mas o solo fértil do seu progresso dinâmico e planeado. Sabeis — e eu sei também — que é difícil definir o homem, aquilo que nele forma o seu permanente ser e a sua universalidade no tempo e no espaço, para além dos costumes e das culturas diferentes. É igualmente difícil indicar os elementos institucionais que favorecem o desenvolvimento humano em solidariedade, tomando em consideração o variar das convicções do homem e contando com a sua consciência criativa, assegurando assim a liberdade indispensável naquilo em que esta consciência pode ser formada, reformada e naquilo em que ela pode actuar. Mas a história completa do direito mostra que a lei perde estabilidade e autoridade moral, quando é tentada a fazer apelo cada vez maior à coacção e à força física, ou, por outro lado, a renunciar à sua responsabilidade — que devia manifestar-se em favor do ser ainda não nascido ou da estabilidade do matrimónio, ou, no plano internacional, em favor de populações inteiras abandonadas à opressão —, sempre, numa palavra, que cessa de buscar a verdade a respeito do homem e se deixa levar por alguma perniciosa forma de relativismo. Difícil busca, tacteante busca, mas necessária busca à qual o jurista, menos que todos, se pode eximir.

Para a Igreja, o fundamento sólido desta busca é Jesus Cristo. Mas, tudo o que descobre o crente à luz da fé, crê-o e afirma-o a respeito de todos os homens, crentes ou não crentes, pois Cristo está unido dalgum modo a todos os homens, a cada homem. Mais ainda, nisto está a nossa certeza: a vida de Cristo fala também a muitos que não são capazes de repetir com Pedro: «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo». Ele, o Filho do Deus vivo, fala ao povo também como Homem: é a sua vida que fala, a sua humanidade, a sua fidelidade à verdade e o seu amor que a todos abraça (Cfr. Encíclica Redemptor hominis RH 7, parágrafo 4).

Senhoras e Senhores, com profundo respeito pelas vossas convicções, permiti que vos convide a atender à voz de Cristo, à mensagem do Evangelho no que diz respeito ao homem. Ela não pode senão reforçar-vos no vosso desejo de construir a paz do mundo mediante a lei.

Repetindo a expressão da minha profunda estima pelo trabalho que vós já realizastes e animando-vos a continuá-lo sem descanso, invoco para vós e as vossas famílias, e para tudo o que diz respeito à vossa tarefa, à bênção de Deus todo-poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA PEREGRINAÇÃO


DA ASSOCIAÇÃO «A NOSSA FAMÍLIA»


Segunda-feira, 24 de Setembro de 1979



Queridos irmãos e irmãs

Ao agradecer vivamente à Responsável-Geral das Pequenas Apóstolas da Caridade e Presidente da Associação "A Nossa Família", pelas palavras que me dirigiu, quero saudar-vos a todos com a mais calorosa cordialidade e dar-vos as minhas mais sinceras boas-vindas a esta casa, que de melhor grado se abre àqueles que, em Cristo, sabem harmoniosamente juntar o sofrimento com a caridade. Par conseguinte, saúdo com afecto os Irmãos no Episcopado aqui presentes, e sobretudo as numerosas e queridas crianças vindas até junto do Papa com os seus Pais, e ainda as Pequenas Apóstolas, os vários Membros e os Amigos da Obra fundada por Don Luigi Monza, e os sacerdotes que vos prestam o próprio ministério. Sabei que a vossa visita me é verdadeiramente grata.

As palavras da Presidente traçaram um quadro, já por si só, eloquente e bastante para conhecer a amplitude, a intensidade de dedicação e a eficácia dos resultados que "A Nossa Família", nascida do coração zeloso de um Sacerdote milanês, demonstra com o seu luminoso testemunho cristão. Sinto-me verdadeiramente contente por conhecer esta singular Associação, que vive o mandamento evangélico do amor em formas concretíssimas, e se esforça por ser-lhe quotidianamente fiel, até servindo-se dos mais modernos métodos de cura e mostrando uma esmerada seriedade profissional.

Pela minha parte, quereria agora começar por me dirigir aos doentes e depois a quem os trata. Aos primeiros digo antes de tudo que agradeçam ao Senhor porque se encontram em boas mãos. Mas sobretudo convido-os a considerarem sempre o próprio sofrimento à luz de Cristo, porque, se é verdade que o sofrimento humano permanece sempre um grande mistério, ele recebe todavia um sentido, melhor uma fecundidade, da Cruz de Jesus. Queridos meninos, e também vós queridos pais que partilhais as suas penas: sabei que aos olhos do Senhor é precioso de modo particular precisamente o sofrimento do justo e do inocente, mais do que o do pecador; este, de facto, sofre só para si, para uma auto-expiação, enquanto o inocente faz do sofrimento um capital de redenção para os outros. Assim Cristo, que, segundo a Carta aos Hebreus, se ofereceu uma só vez para apagar os pecados de muitos (He 9,28 cfr. He 10,10). Também por isto somos cristãos: para nos assimilarmos a Ele na alegria e no sofrimento. Por conseguinte repetimos com São Paulo, escutando-lhe a verdade intima: Assim como crescem em nós os padecimentos de Cristo, crescem também por Cristo as nossas consolações (2Co 1,5). Também vós, por conseguinte, podeis repetir com o Apóstolo: como desconhecidos, ainda que bem conhecidos; como agonizantes, embora estejamos com vida; considerados tristes, mas sempre alegres; pobres, ainda que tenhamos enriquecido a muitos; como nada tendo, mas possuindo tudo (Ibid. 6, 9-10). São paradoxos que se compreendem apenas com a fé n'Aquele que foi o primeiro a vivê-los até ao fundo; e eu exorto-vos a renovardes a vossa todos os dias, porque nela reside a vossa força e afinal a vossa alegria.

A minha palavra é agora para vós, Pequenas Apóstolas, Colaboradores e Amigos da Obra de Don Luigi Monza.

E não pode deixar de ser uma palavra de sincero aplauso e de vivo encorajamento pelo que fazeis. Se o comportamento fundamental dos doentes é o da fé, o vosso deve ser o da caridade, isto é do amor, que da fé é apenas uma manifestação (Cfr. Gál Ga 5,6). Uma coisa é certa: quanto mais o vosso amor é puro e generoso, tanto mais refulge a beleza do cristianismo e quase a sedução do Evangelho. E o mundo moderno tem necessidade disto: ou seja de ver o milagre dos milagres, de tomar ao próprio cuidado aqueles que necessitam, mas do modo mais desinteressado, para derrotar o individualismo egoísta; do modo mais total, para superar as mesquinhas parcialidades do cálculo e do oportunismo; do modo mais concreto, para não nos limitarmos à esterilidade das boas intenções e das belas palavras; e também do modo mais escondido, e diria quase pudico, para não diminuir a sinceridade da própria oferta com a ostentação, em que outros podem ser mestres, mas não certamente os discípulos de Jesus. De facto, a caridade cristã, segundo a célebre página paulina, não é invejosa, não se ufana, não se ensoberbece, não é inconveniente, não procura o seu interesse, não suspeita mal, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade (1Co 13,4-6).

Perseverai, pois, com alegre coragem na vossa dedicação. E embora encontreis dificuldades que se oponham ao vosso compromisso, não só não deveis atemorizar-vos. mas até aumentar o vosso zelo, que de resto é inteiramente dedicado a um serviço altamente social, e por conseguinte também humanamente apreciável. Os obstáculos não podem esfriar a caridade, mas devem ser como centelhas que atiçam ainda mais a chama, porque omnia vincit amor (Virgílio, Qo 10,69).

O Deus do amor e da paz (2Co 13,11) abençoe largamente a vossa actividade, a fecunde com a sua graça e lhe multiplique os frutos, para benefício dos assistidos, para conforto dos seus pais, para a vossa salvação, e para que os homens vendo as vossas boas obras glorifiquem vosso Pai que está nos Céus ( Mt Mt 5,16).

E sobre todos vós aqui presentes e sobre aqueles que representais ou vos são queridos, desça também a minha mais cordial Bênção Apostólica, em penhor do conforto celeste e da minha sincera benevolência.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA COLÔMBIA EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Terça-feira, 25 de Setembro de 1979



Amadíssimos Irmãos no Episcopado

Alegro-me de estar hoje convosco neste encontro colegial que tem o seu auge com a vossa visita ad limina, depois de ter escutado e falado pessoalmente com cada um de vós em audiências sucessivas. E tal como sinto, quero dizer-vos, com palavras do apóstolo São Paulo, aquilo que me brota do coração: Dou graças incessantemente por vós ao meu Deus, pela graça que Ele vos concedeu em Jesus Cristo; porque em todas as coisas fostes enriquecidos n'Ele... (1Co 1,4 ss.).

Digo isto não para lisonjear em vão os vossos sentimentos de pastores da Igreja, zelosos e diligentes como sois na guia cuidadosa da vossa grei respectiva. Faço-o simplesmente para dar largas à minha sincera confiança no vosso múnus apostólico, antes de tudo no Seu, Senhor Cardeal, e também no de todos os Irmãos aqui presentes, e amparar-vos nos vossos espíritos, segundo o mandato de Cristo: confirma os teus irmãos (Lc 22,32); tudo isso, com impulsos daquela caridade indeclinável que, confessada com voz submissa por Pedro, confere um perfil característico a quem, por vontade do Senhor ressuscitado, há-de apascentar as suas ovelhas (Cfr. Jo Jn 21,15 ss.).

Nesta mesma caridade, que é vínculo de unidade na Igreja, desejo também abraçar e prestar homenagem às vossas comunidades diocesanas. Durante estes dias elas estiveram particulamente presentes na minha pastoral solicitude por todas as Igrejas (2Co 11,28); solicitude partilhada convosco, a quem quero tornar participantes da minha profunda satisfação, pois estou contente por ver a ordem que reina entre vós e a firmeza da fé que tendes em Cristo...; tendo, pois, recebido o conhecimento do Senhor Jesus Cristo, guiai-vos por Ele, enraizados e edificados n'Ele, tornando-vos firmes na fé... (Col 2,5 ss.).

União na caridade, fé firme e esperançosa em Cristo: há aqui uma expressão perfeita de vitalidade eclesial para aqueles que deveras lançaram raízes em Cristo e se sentem edificados sobre Ele. Para tudo isto deve dirigir-se igualmente a vossa missão primordial de mestres, evangelizadores do Povo de Deus, segundo a doutrina recebida em depósito.

1. Não faltarão aqueles que, com uma atitude de crítica fácil, pensam que esta comunidade de fé em Cristo viveria totalmente desfasada no meio de uma sociedade movida por incentivos meramente terrenos e voltada para o aproveitamento e desfrute, incluídos os justos e os honestos, dos bens materiais; eles pretendem reduzir o Evangelho a uma doutrina entre tantas de índole humanitária que pode servir muito bem de coacção para fugir aos cruciantes pra blemas humanos e sociais do nosso tempo; os mesmos pastores — como também as pessoas consagradas e os leigos imersos no apostolado — são tidos por gente néscia ao pregarem uma esperança (Cfr. 1Co 1,18 ss.), que não se concilia facilmente com as ganâncias deste mundo.

Por conseguinte ver-se-ia com agrado que as comunidades cristãs empreendessem outros caminhos de salvação e se alinhassem prioritariamente em favor do compromisso político-social, em altares de uma pretendida interpretação autêntica da doutrina evangélica que, além de "passar em silêncio a divindade de Cristo, pretende apresentá-lo como um comprometido politicamente, como um lutador contra a dominação romana e contra os poderes e, inclusive, implicado na luta de classes" (Discurso inaugural dos trabalhos da III Assembleia Geral do Episcopado latino-americano, I, 4).

2. Amadíssimos Irmãos: Quero repetir aqui alguma coisa do que já tive ocasião de dizer em Puebla perante a Assembleia do Episcopado Latino-americano: como Pastores da Igreja, tenhamos consciência de ser mestres da verdade; isto é o que os fiéis procuram em nós, quando lhes anunciamos a Boa Nova (Cfr. Ibid.I, 1). A fé em Cristo que sustenta a vida eclesial, sabei-lo muito bem, não é fruto de invenção humana nem sequer o resultado de entusiasmos ou de experiências de grupo. Nós pregamos o Filho de Deus feito homem, na sua cruz escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas poder e sabedoria para os chamados... (Cfr. 1Co 1,23). Para essa sabedoria divina, que na pessoa de Cristo assume a fraqueza e o sofrimento humanos, converge o mistério cristão da criação e da história, e nela revela-se o mistério último do homem e do seu destino. Torna-se pois necessária uma abertura para a verdade revelada a fim de entender o sentido das coisas criadas, que não é fruto de forças naturais ou de programações humanas, mas obra de um plano de Deus em que se evidenciam os seus desígnios de amor para com o homem. Pode acontecer que infelizmente o mundo não reconheça este sentido, que os homens não aceitem esta luz de esperança; é certo, porém, que Cristo é essa luz e que aqueles que o receberem chegarão a ser filhos de Deus (Cfr. Jo Jn 1,9 ss.).

Já vedes quão urgente se torna um trabalho mais intenso de evangelização, que transmita a luz verdadeira para mostrar ao mundo a missão específica da Igreja: enraizar todos os homens em Cristo. Como comunidade de fiéis, a Igreja deve ser sempre solidária perante Deus com todo o ser humano; enquanto "sacramentum salutis" deve ocupar-se da Boa Nova da salvação para a comunicar e realizar em todos os homens (Cfr. Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes GS 1). Para poder cumprir adequadamente essa tarefa é necessário que sacerdotes, religiosos e fiéis vivam em comunhão com o Magistério e com as orientações emanadas pela Jerarquia eclesiástica.

3. Com isto, amadíssimos Irmãos, propus-me salientar o que é a medula do nosso ministério: fazer Igreja anunciando sem temor a palavra de Deus (Cfr. Flp Ph 1,14), proclamando a Cristo, livre de correntes humanas de sabor sociológico, político ou psicológico (Cfr. Homilia na Catedral de São Domingos), conscientes de ser — e aqui o meu pensamento dirige-se também confiado aos sacerdotes e às almas consagradas — "companheiros e ajudantes", que servem a Deus na obra da santificação do género humano, mediante a solicita administração dos sacramentos e orientadores do Povo de Deus (Cfr. Dec. Presbyterorum ordinis ). Temos pois que encher-nos cada vez mais de Cristo a fim de podermos apresentá-l'O límpido ao mundo, para dar credibilidade ao nosso anúncio perante aqueles que o buscam com coração sincero; para que as nossas acções pela justiça em favor dos pobres e oprimidos tenham o apoio de uma oferta pessoal, a exemplo de quem nos amou até à morte e nos deu nova vida (Oração Eucarística IV).

Termino com umas palavras de São Paulo que me seria grato fossem verdadeiramente o motivo que resume a nossa vida e as nossas tarefas ministeriais: Procurai somente comportar-vos de maneira digna do Evangelho de Cristo, a fim de que, quer eu vá ter convosco, quer continue ausente, oiça dizer de vós que permaneceis firmes num só espírito, combatendo juntos pela fé do Evangelho (Ph 1,27 ss.).

Ao dar-vos o meu "até sempre", encarrego-vos, no profundo amor de Cristo, de saudar os vossos sacerdotes, seminaristas, religiosos e leigos, em nome do Papa que a todos ama, por todos reza e a todos abençoa.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE BISPO DO PARAGUAI


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Terça-feira, 25 de Setembro de 1979

: Veneráveis Irmãos no Episcopado

Bendito seja o Senhor, que me permite este encontro fraterno convosco, Pastores da Igreja no Paraguai, vindos a Roma para "ver Pedro", torná-lo participante das vossas alegrias e da vossa solicitude na evangelização do povo de Deus que vos está confiado, e fortalecer os vínculos de caridade entre as vossas sedes respectivas e a sede do Sucessor de Pedro.

Estes momentos de comunhão revitalizada que passamos juntos, depois do encontro individual com cada um de vós, oferece-me a oportunidade para dar graças a Deus pela concórdia que reina entre vós e que irradia beneficamente no contacto com os vossos sacerdotes, com os outros agentes da pastoral, sobretudo religiosos, e com os fiéis. Expresso-vos por isso a minha complacência e peço ao Senhor, como fruto deste encontro com quem foi colocado como centro e garantia de comunhão com Cristo, que a vossa unidade de sentimentos e vontades seja aperfeiçoada e robustecida para bem da Igreja no vosso País.

Se mantiverdes essa comunhão fraterna, vós e as vossas comunidades cristãs, podereis enfrentar com mais facilidade e proveito os desafios que se vos apresentam no momento actual e transparecem dos relatórios que apresentastes nesta visita ad Limina.

Sei que um dos pontos, que mais vos preocupa na vossa tarefa pastoral, é o da moralização da vida pública, familiar e individual. A ele estais dedicando os vossos esforços pessoais e também como Conferência Episcopal. Sabei que estou ao vosso lado e animo este vosso trabalho, que tem como objectivo preservar, restabelecer e consolidar o sentido moral nas consciências, a fim de que a lei de Deus e a honestidade orientem as relações sociais e familiares, como também o comportamento privado das pessoas.

É um capítulo de suma importância, dado que se não forem cultivados na prática os valores morais de uma autêntica integridade moral, desmoronam-se as bases sólidas da convivência e degrada-se o teor de vida dos cidadãos.

Devereis continuar a prestar particular atenção a uma adequada pastoral familiar, garantia de eficácia para obter um recto comportamento nos vossos fiéis. É bem sabido, de facto, que onde a família é sã, toda a sociedade recebe o seu benéfico influxo. Precisamente de uma reconhecida carência de valores, genuinamente humanos e cristãos, derivam muitos dos males que afectam a juventude de hoje. É outro capítulo, o da juventude, a que sei desejais consagrar novos cuidados especiais, porque dele depende o futuro da Igreja e também o da sociedade.

Finalmente, algumas palavras acerca de outro ponto que ocupa lugar relevante nas vossas preocupações: o problema das vocações para a vida consagrada. Conheço a situação de penúria de sacerdotes, sobretudo autóctones, que sofrem as vossas Igrejas. Mas ao mesmo tempo é-me grato notar o prometedor aumento de vocações que se vai verificando agora. Se é verdade que vos deveis comprometer generosamente, vós e as vossas comunidades cristãs, em todas as facetas da evangelização, é na busca, na esmerada preparação e no esforço pela perseverança das vocações, que vos peço empregueis as vossas melhores energias. Vale a pena consagrar-lhe toda a solicitude e desvelo. Fazei-o vós e pedi às almas consagradas — sobretudo às de vida contemplativa —, como também aos leigos de maior sensibilidade espiritual, que peçam ao Senhor da messe que mande operários para ela.

Queridos Irmãos: estas reflexões, sobre temas tão importantes para as vossas comunidades, brotam do amor que nos liga a cada membro das mesmas. Ao voltardes para as vossas sedes, dizei sobretudo aos sacerdotes e às almas consagradas que o Papa os encoraja na fidelidade a Cristo e à sua Igreja, e os tem presentes na oração quotidiana. A Virgem de Caacupé vos assista nos vossos esforços, vos conforte e vos conduza a seu Filho, o Salvador.

Com grande afecto, dou-vos a minha Bênção que peço transmitais aos vossos diocesanos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS DELEGAÇÕES DOS GOVERNOS


ARGENTINO E CHILENO


Quinta-feira, 27 de Setembro de 1979



Senhor Cardeal,

Senhores Embaixadores e ilustres Membros das Delegações argentina e chilena para as negociações relativas à mediação no diferendo sobre a zona austral:

1. As breves palavras pronunciadas por Vossa Em.cia, Senhor Cardeal, para expor os trabalhos efectuados desde o início de Maio até hoje, vieram actualizar-me quanto às informações pormenorizadas que, por intermédias pessoas e por escrito, me foram chegando pontualmente durante os últimos meses. De todas elas tomei conhecimento com a atenção requerida pela importância do assunto, cuja gravidade, Senhores Delegados, me levou a enviar aos vossos Países o próprio Cardeal Samoré no Natal passado, e a aceitar, depois, a mediação que os vossos Governos solicitaram.

Com estas iniciativas quis, como escrevi às mais altas Autoridades das vossas Nações, testemunhar a atenção que prestava às relações mútuas dos vossos Países. Levar a cabo estes gestos parecia coisa inigualável para quem considera a paz um dos maiores valores humanos, e a sua busca e realização um desejo, mais ainda, um mandato do Filho de Deus feito Homem, do Príncipe da Paz, de quem a Providência me constituiu Vigário entre os homens.

Estou, como sabeis, em vésperas de iniciar uma viagem durante a qual não me faltarão ocasiões para proclamar o interesse da Sé Apostólica pela paz, e a sua firme vontade de contribuir para a sua consolidação efectiva e permanente segundo os meios que lhe são próprios, conhecedora dos imensos benefícios que a consecução de uma concórdia mundial e verdadeira proporcionaria à humanidade inteira.

Neste contexto pareceu-me oportuno encontrar-me convosco, que estais aqui para actuar em nome dos vossos Governos e dos vossos povos; por isso, as minhas palavras querem também chegar, por vosso intermédio, a todos eles.

2. Respondi afirmativamente à solicitude de mediação, não obstante as dificuldades inerentes a tão grave responsabilidade, estimulado pelo desejo de tutelar o bem supremo da harmonia entre as Nações. Animou-me a dar essa resposta positiva, a vontade de paz manifestada pelos vossos Governos, os quais — interpretando, assim, fielmente os laços profundos entre os vossos Países — assumiram em Montevideu o compromisso solene de não recorrer à força nas relações mútuas dos dois Estados, de realizar um retorno gradual à situação militar existente no princípio de 1977, e de abster-se de adoptar medidas que pudessem alterar a harmonia em qualquer sector.

Assumir esta tripla obrigação honrou os vossos Governos e os vossos Países e levou-me a aceitar a mediação; o fiel e constante cumprimento desse Acordo constitui motivo de honra para as vossas Autoridades e as vossas Nações, e cria as condições de serenidade necessárias para não serem prejudicadas as possibilidades de êxito da mediação.

3. Congratulo-me pela confiança que os vossos Governos e vós mesmos tendes no Mediador e naqueles que, por parte da Santa Sé, participam nas negociações relacionadas com a mediação. Essa atitude é uma premissa necessária para que o mediador se sinta mais seguro nos seus esforços de aproximar as posições divergentes, esforços que estabelecem a essência mesma da mediação, que não se conclui com decisões, mas se realiza mediante conselhos. Apoiando-se nesta confiança, o mediador, depois de pedir a Deus que o iluminasse, apresenta sugestões às Partes com o fim de realizar a sua obra de aproximação, dirigida no sentido de salvaguardar os interesses fundamentais de ambas, o bem supremo da paz.

4. Apoiando-me nessa confiança — fruto também dos laços que unem os vossos Povos com a Sé Apostólica — parece-me conveniente transmitir-vos algumas ideias que me sugeriu o exame dos aspectos controversos do diferendo. Comunico-vo-las com a esperança de contribuir para a busca do caminho, do método de trabalho que vos possa conduzir melhor ao acordo pacífico, justo, honroso e definitivo que todos desejamos. E proponho-vo-las por conhecer a disposição favorável com que — como se garante no primeiro Acordo de Montevideu — as considerareis:

— Parece convir que se planeiem as negociações procurando em primeiro lugar, os pontos de convergência entre as posições de ambas as Partes; embora a controvérsia pareça bastante complicada, não deve ser impossível encontrar tais pontos, tendo em conta, além disso, que no início do ano passado as vossas respectivas, Autoridades propuseram ter conversações directas com o fim de conseguir a concórdia. Insistir neste aspecto, quer dizer, na busca dos pontos de convergência, não será inútil, mas antes proveitoso;

— Considero também oportuno que reflictais sobre as possibilidades que têm as vossas Nações de colaborar numa série de actividades, dentro e mesmo fora da zona austral. Do desenvolvimento dessas actividades podem derivar indubitavelmente vantagens para o bem-estar de ambos os Povos e também — porque não? — de outras Nações. Creio que o descobrimento e a preparação consequente de amplos sectores de cooperação criariam condições favoráveis para a busca e o encontro da solução completa para as questões mais complicadas do diferendo: solução completa e definitiva.

— É necessário restabelecer, garantir e corroborar um clima de confiança mútua, banindo, por consequência, até mesmo a suspeita ou o temor de intenções de uma Parte, que poderiam prejudicar a outra; este clima de confiança mútua deve constituir a seiva que vivifique todos os interessados, quer dizer, todos os que de algum modo se ocupam da mediação ou simplesmente vivem nas vossas Nações.

Penso que aquilo, que agora vos é dito, deveria constituir a base positiva sobre a qual se desenvolvessem continuamente as negociações sobre os diversos pontos controversos. Trata-se agora de uma questão de método, que parece impor-se, se se têm presentes os escassos resultados do período precedente, quando — como é sabido — as discussões foram afinal infrutuosas e culminaram em momentos de gravíssima tensão, tendo sido acompanhadas de preparativos militares. O novo procedimento creio que deveria caracterizar as vossas actividades nos próximos meses. Exorto-vos instantemente a que empenheis as vossas inteligências e a vossa boa vontade na busca desse novo método.

É inegável a grande influência que hoje em dia exercem os meios de comunicação social. É para desejar que eles apoiem os esforços das autoridades competentes, depois de escolherem o caminho da mediação, e que interpretem e apoiem os sentimentos autênticos dos filhos das duas Nações irmãs, que desejam manter essa paz que sempre existiu entre elas. É bonito e consolador constatar que nunca houve um conflito bélico entre os dois países, e vale a pena, portanto, evitar tudo o que possa promovei sentimentos contrários à solução do diferendo através da mediação.

5. São estas as ideias que me pareceu conveniente expor-vos no momento actual.

Tende a certeza que não vos falta, nem vos faltará, a minha recordação constante na oração: peço a Deus que vos conceda a graça de levar a cabo um trabalho proveitoso e que eu vos possa assistir com os conselhos e sugestões que sejam mais úteis em cada circunstância. Manifesto estas intenções por meio de Maria, a Virgem Santíssima, Nossa Senhora, Mãe do Bom Conselho e Rainha da Paz.

Formulo votos por que as vossas negociações sejam fecundas, positivas, cheias de sabedoria e prudência, estimuladas pela boa vontade de todos, sabendo — como de facto sabeis que vos acompanha a simpatia dos vossos compatriotas e que muitos povos vos seguem com interesse. Como penhor de tudo isso, concedo-vos a minha paternal Bênção, extensiva às vossas Nações, como testemunho do meu afecto e do meu desejo de que chegueis a superar as dificuldades de vária índole, em benefício da prosperidade e da felicidade cristãs de todos os vossos compatriotas.




Discursos João Paulo II 1979 - Segunda-feira, 24 de Setembro de 1979