Discursos João Paulo II 1979 - Quinta-feira, 27 de Setembro de 1979

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE CIENTISTAS


28 de Setembro de 1979



É-me particularmente grato receber hoje os organizadores, os relatores e os participantes no Congresso internacional sobre o Problema do cosmos. A autoridade do Instituto que o promoveu, a competência dos ilustres relatores e o interesse do tema dos trabalhos suscitaram justamente a atenção de um vasto público, e também a minha, sobre esta importante iniciativa científica.

O Instituto da Enciclopédia Italiana granjeou de facto larga estima entre os homens de cultura de todo o mundo pela sua tradição de pesquisa, que já tem mais de cinquenta anos, nos diversos campos da cultura. Pesquisa sólida e séria, que tem por objectivo a verdade, animada pela preocupação moral de uma objectividade que não se deixe desviar por modas passageiras ou por interesses de parte, e todavia pesquisa bem consciente do contínuo progresso dos conhecimentos científicos, e presente nas fronteiras da fascinante aventura do homem do século XX, que está para chegar à soleira de um novo milénio.

E agora este novo fruto do trabalho do Instituto, a Enciclopédia do Novecentos, já com o seu próprio título exprime um programa. Nestas duas palavras estão de facto manifestadas em conjunto a vontade de preparar e de exprimir uma cultura presente no nosso tempo e a tensão interior para a unidade desta cultura. E dado que numa obra de tão amplo fôlego, atenta a todos os caminhos através dos quais o homem procura sinceramente a verdade, não podem faltar um espaço e um acento adequado para a temática religiosa, congratulo-me em particular pela importância que a tal temática foi atribuída, sinal eloquente da seriedade da sua apresentação.

Precisamente do vasto programa de pesquisa que conflui nesta Enciclopédia para lhe tomar depois de novo os movimentos, surgiu, no ano centenário do nascimento de Albert Einstein, o vosso Congresso sobre O problema do cosmos.Tema rico de um fascínio imenso para o homem de hoje, como também para o homem de ontem; para o homem de sempre.

Que estupenda ciência é a vossa, que no campo das pesquisas sobre a natureza se coloca em certo modo no vértice de todas as outras, enquanto a sua pesquisa não se refere a um campo particular da natureza mesma e dos seus fenómenos, mas com um magnífico impulso, que exalta e nobilita a mente do homem, procura nada menos que abraçar a imensidade do universo, penetrar-lhe a estrutura, percorrer-lhe a evolução. A cosmologia, ciência da totalidade daquilo que existe como ser experimentalmente observável, é portanto dotada de um seu estatuto epistemológico particular, que a coloca, talvez mais que qualquer outra, nos confins com a filosofia e com a religião, porque a ciência da totalidade conduz espontaneamente à pergunta sobre a totalidade mesma, pergunta que não encontra resposta no interior dessa totalidade.

É com profunda emoção que falo hoje convosco, cultores de uma ciência tão vasta, que vos apresenta a criação inteira. A vossa ciência é para o homem uma via mestra maravilhosa. A contemplação do firmamento foi sempre para o homem fonte de absoluta admiração, desde os tempos mais antigos; mas vós hoje guiais-nos, homens do século XX, para os caminhos de uma nova maravilha. São caminhos que passam através do fatigante e paciente caminho da razão, que interrogou a natureza com perspicácia e constância, com uma austera disciplina que de certo modo pôs de lado o prazer da contemplação da beleza do céu para lhe sondar cada vez mais profunda e sistematicamente os abismos. Instrumentos cada vez mais poderosos e engenhosos — telescópios, radiotelescópios, sondas espaciais — permitiram desvendar aos nossos espíritos e aos nossos olhos atónitos, objectos e fenómenos que a nossa fantasia não teria nunca ousado imaginar — cúmulos estrelares, galáxias e grupos de galáxias, quasars e pulsars ... — alargaram as fronteiras dos nossos conhecimentos à distância de biliões de anos luz, permitiram-nos retornar no tempo até ao passado mais remoto, quase às origens daquele processo de expansão do universo que constitui uma das descobertas mais extraordinárias e inesperadas do nosso tempo. A razão científica, após longo caminho, faz-nos pois redescobrir as coisas com nova maravilha; leva-nos a repropor com renovada intensidade algumas das grandes interrogações do homem de sempre: de onde vimos? para onde vamos?; leva-nos a medirmo-nos mais uma vez nas fronteiras do mistério, daquele mistério sobre o qual Einstein disse que é «o sentimento fundamental, que está ao lado do berço da verdadeira ciência» e, acrescentamos nós, da verdadeira metafísica e da verdadeira religião.

Mas também por outro motivo aprecio de modo particular a vossa ciência. Diferentemente de tantas outras ciências da natureza, que hoje são cultivadas e desenvolvidas com particular solicitude porque entregam às mãos do homem o poder para transformar o mundo em que vive, a vossa ciência é, em certo sentido, uma ciência «gratuita». Não dá poder ao homem nem para construir nem para destruir, mas secunda-lhe o desejo puro, o ideal profundo de conhecer. E isto, num mundo fortemente tentado pelo utilitarismo e pela sede de domínio, é um valor que se deve testemunhar e conservar. Reconheço-vos este mérito.

Mas, na verdade, conhecer o mundo não é coisa gratuita ou inútil, pelo contrário é sumamente necessário a fim de conhecer quem é o homem. Não foi sem razão que a visão do cosmos das diversas épocas e das diversas culturas sempre esteve intima mente ligada e influiu fortemente na visão que as mesmas cultu ras tiveram do homem. Agora, se o conhecimento das dimensões incomensuráveis do cosmos eliminou a ilusão de o nosso planeta ou o nosso sistema solar ser o centro físico do universo, nem por isso ficou o homem diminuído na sua dignidade. Pelo contrário, a aventura da ciência fez-nos descobrir e experimentar com vivacidade nova a imensidade e a transcendência do espírito humano, capaz de penetrar os abismos do universo, de perscrutar as suas leis, de traçar a sua história, elevando-se a um nível incomparavelmente mais alto do que as outras criaturas que o circundam.

Por conseguinte, afloram de novo espontaneamente aos lábios do crente do século XX as palavras do antigo salmista: Ó Senhor, nosso Deus ... Quando contemplo o firmamento, obra das Vossas mãos, a lua e as estrelas que lá fixastes, exclamo: «Que é o homem, para vos lembrardes dele, o filho do homem para dele cuidardes? Contudo, criaste-lo pouco inferior aos anjos ... (Ps 8,2 Ps 4-5 Ps 6). Como já diante da sublimidade da criação, assim também defronte ao homem, indagador do universo e das suas leis, o nosso ânimo exulta de admiração e de maravilha, pois também aqui toca ele o mistério.

E não se trata no fundo de um único e grande mistério: o que está na raiz de todas as coisas, do cosmos e da sua origem, como também daquele que é capaz de indagar sobre ele e de o compreender? Se o universo é como uma palavra imensa que, embora difícil e lentamente, pode por fim ser decifrada e compreendida, quem é que diz ao homem esta palavra? A voz e o pensamento do crente sentem-se tremer depois de vós o terdes conduzido aos caminhos e às profundidades do imenso, e todavia eu, testemunha da fé no limiar do terceiro milénio, pronuncio mais uma vez com temor e com alegria, o nome bendito: Deus, criador do céu e da terra, cujo amor nos é revelado em Cristo Senhor.

Com estes sentimentos, encorajo-vos a prosseguirdes os vossos estudos austeros, enquanto sobre todos vós, sobre os vossos trabalhos científicos e sobre os vossos entes queridos invoco a riqueza dos dons do Pantocrator, do Senhor do céu e da terra.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

CERIMÓNIA DE PARTIDA NO AEROPORTO DE FIUMICINO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Aeroporto de Fiumicino, Roma

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Agradeço do coração àqueles que se encontram aqui presentes, em particular aos Senhores Cardeais, aos Membros do Corpo Diplomático e aos Representantes do Governo Italiano. O meu pensamento reconhecido vai também para todos os que, neste momento, me seguem com o seu afecto e a sua esperança.

Saio de Roma e do solo da dilecta Itália, para realizar uma longa viagem de carácter eminentemente pastoral, em coerente sintonia com o meu supremo serviço à Igreja.

Dirijo-me, em primeiro lugar, à Irlanda, a "Ilha dos Santos", por ocasião do centenário de Nossa Senhora de Knock, em consequência do convite que me dirigiu o Episcopado dessa Nação. Desejo exprimir aos Irlandeses o devido apreço pela fidelidade adamantina, que durante os séculos manifestaram a Cristo, à Igreja e à Sé Apostólica, e também o vivo agradecimento pelo dinâmico ardor missionário, que sempre os animou ao difundirem pelo mundo inteiro a mensagem do Evangelho. Faço votos sinceros por que esta minha visita contribua para mudar aquela atmosfera de tensão, que especialmente nestes últimos tempos, provocou ferimentos e ainda — por desgraça — ruínas e morte.

Aceitando o convite do Secretário-Geral das Nações Unidas, Dr. Kurt Waldheim, vou depois à ONU. Sigo nisto as pegadas do meu Predecessor Paulo VI, de venerada memória, que há 14 anos, a 4 de Outubro de 1965, pronunciou naquela prestigiosa sede um discurso, que teve amplo eco na opinião pública internacional. As palavras que pronunciarei naquela Assembleia serão seguimento ideal daquele apelo profético do grande Papa em favor da paz e da concórdia entre os Povos.

Por fim, a convite da Conferência Episcopal dos Estados Unidos da América, e também do Presidente Carter, farei visita a algumas cidades daquela grande Nação. Encontrar-me-ei especialmente com os filhos da Igreja católica, para os confirmar e confortar na fé, e também com os demais Irmãos cristãos e ainda com os membros doutras comunidades não cristãs, a fim de intensificar os esforços comuns para aquela perfeita unidade desejada por Cristo.

Queira o Senhor guiar nestes dias os meus passos e acompanhar-me com a sua graça, para que se atinjam as finalidades espirituais que estão na base desta minha viagem. Para isto peço a todos, especialmente aos doentes e às crianças, que se lembrem de mim na oração.

Com a minha Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS NO AEROPORTO DE DUBLIM

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


Aeroporto de Dublim

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Seja louvado Jesus Cristo!

E com imensa alegria e profunda gratidão à Santíssima Trindade que hoje ponho os pés em terra irlandesa.

Venho ter convosco como servo de Jesus Cristo, como arauto do seu Evangelho de justiça e de amor, como Bispo de Roma e como Sucessor do Apóstolo Pedro. E com palavras de Pedro vos manifesto os sentimentos do meu coração: Paz a todos vós que estais em Jesus Cristo (1P 5,14).

Exprimo o meu grande apreço pela saudação de Sua Excelência o Presidente da Irlanda que, em nome de todos os cidadãos, me acolhe com a calorosa hospitalidade da sua terra.

Estou também agradecido aos meus Irmãos no Episcopado, que estão aqui a dar-me as boas-vindas em nome de toda a Igreja da Irlanda que eu muito amo. Sinto-me felicíssimo de caminhar em vossa companhia — seguindo as pegadas de São Patrício no caminho do Evangelho que ele vos deixou como opulenta herança — convencido eu de Cristo estar aqui: "Cristo diante de mim, Cristo atrás de mim,... Cristo no coração de cada homem que pensa em mim, Cristo na boca de cada homem que fala de mim".

Neste momento da minha chegada sinto a necessidade de exprimir a minha consideração pelas tradições cristãs desta terra, assim como a gratidão da Igreja católica pelo glorioso contributo prestado no decorrer dos séculos pela Irlanda na difusão da fé. Desta cidade capital envio as minhas saudações a todos os irlandeses que andam pelo mundo.

E, ao invocar as bênçãos de Deus sobre a Irlanda, confio todo o povo irlandês às orações da Bem-aventurada Virgem Maria, à intercessão de Maria Mãe de Jesus e Rainha da Paz, sob cuja protecção coloco a minha visita pastoral.

Seja louvado Jesus Cristo!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA IRLANDA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Residência Presidencial, Aras an Uachtarain

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Senhor Presidente

Desejo exprimir a minha gratidão pelo caloroso acolhimento, recebido à minha chegada à Irlanda, por parte do povo irlandês como também dos seus ilustres representantes. Exprimo a Vossa Ex.cia, Senhor Presidente, o meu sincero agradecimento pelas palavras amáveis que me dirigiu, com as quais quis honrar não só a minha pessoa, mas o Chefe da Igreja católica romana.

Era conveniente, depois da minha visita à América Latina e à minha amada terra, que eu aceitasse o convite do Episcopado irlandês para vir à vossa Ilha de Esmeralda encontrar-me com o seu povo. São muitos verdadeiramente os laços que unem o seu País à Sé de Pedro em Roma. Desde as longínquas origens do Cristianismo nesta terra, através dos séculos e até aos nossos dias, o amor dos Irlandeses pelo Vigário de Cristo não se enfraqueceu nunca, antes floresceu como exemplo de testemunho para todos. Ao receber de São Patrício a fé, o povo católico irlandês aceitou também estar a Igreja de Cristo construída sobre a rocha que se chama Pedro, e estabeleceu aquela relação de amor com o Sucessor de Pedro que foi sempre garantia para a defesa da sua fé. Tenho o prazer de declarar aqui que esta indefectível fidelidade foi igualada unicamente pela sua profunda devoção a Nossa Senhora e pela constante fidelidade aos deveres da religião.

A história da Irlanda não esteve certamente livre de sofrimentos e dores. As condições económicas e sociais levaram muitos dos seus filhos e das suas filhas, no passado, a deixarem a casa e a família, a fim de procurarem noutro lugar aquela oportunidade de viver dignamente, que não tinham encontrado aqui. A perda destas pessoas por parte da Irlanda foi, por outro lado, ganho para os Países onde elas se estabeleceram. Aqueles que ficaram não conheceram nunca o progresso sem dificuldade. Mas em meio de todas as provas mostraram os irlandeses coragem e perseverança não comuns, as quais se inspiravam na fé. Seja-me permitido, Senhor Presidente, citar aqui o passo da sua última mensagem para a festa de São Patrício em que atribuiu ao Santo Patrono da Irlanda "a fibra moral e a força espiritual que sustentaram a nação nos tempos das provas".

Desejo ardentemente, para Vossa Ex.cia e para os seus compatriotas irlandeses, que estas mesmas qualidades — herança duma fé viva, conservada e aprofundada pelos séculos — consigam levar este País a encaminhar-se para o Terceiro Milénio e atinja um bem-estar que forme verdadeira promoção para todo o seu povo, bem-estar que dê honra ao nome a à história da Irlanda. A vitalidade, que tira a sua força de mais de 15 séculos de ininterrupta tradição cristã, dar-vos-á possibilidade de enfrentar os numerosos problemas duma República moderna e ainda jovem.

A eliminação da pobreza, o apoio aos marginalizados, a perspectiva do emprego pleno para todos, especialmente para o enorme número de esplêndidos jovens, com os quais Deus abençoou a vossa terra neste momento, a criação dum bem-estar social e económico, para todas as classes sociais, constituem solicitações reais. Atingir as metas da justiça nos campos económico e social, há-de requerer que as convicções religiosas e o fervor não se apartem duma consciência moral e social. especialmente para aqueles que planificam e vigiam o processo económico, sejam eles legisladores, governantes, industriais, sindicalistas, empregados ou operários.

O papel que a vossa nação exerceu de maneira eminente na história da Europa, no campo espiritual e cultural, dar-vos-á inspiração também no futuro, a fim de poderdes dar o vosso contributo próprio e qualificado para a progressiva unidade do continente europeu, conservando-se ao mesmo tempo os valores característicos da vossa comunidade, e dando deles testemunho as correntes políticas, económicas, sociais e culturais que circulam nestes dias através da Europa.

É meu desejo que esta mesma Irlanda continue, assim como no passado, a ser uma força para a compreensão e a fraternidade, para a colaboração entre todas as nações do mundo. Muitos dos vossos compatriotas trabalham já em todas as partes do mundo — e recordo agora com particular gratidão os muitos missionários vossos — que levaram, com as suas fadigas e o seu ardor, com a sua dedicação desinteressada e generosa, a assistência de que tantos nossos irmãos e tantas irmãs têm necessidade noutras partes do mundo, a fim de progredirem no seu desenvolvimento e poderem satisfazer as carências fundamentais.

Os exilados irlandeses e os missionários irlandeses foram a toda a parte do mundo, e aonde quer que chegaram aí fizeram que o nome da Irlanda fosse amado e honrado. A história da Irlanda foi e é fonte de inspiração humana e espiritual para as populações de todos os continentes. A Irlanda herdou nobre missão cristã e humana, e o seu contributo para o bem-estar do mundo e para o nascimento duma nova Europa pode ser hoje tão grande, quanto o foi nos dias mais luminosos da história da Irlanda. E esta a missão, ë isto o que se requer da Irlanda nesta geração.

Por fim, Senhor Presidente, quero lançar um apelo em favor da paz e harmonia entre todos os povos desta ilha. A sua tristeza pela contínua agitação, a injustiça e a violência na Irlanda do Norte é também tristeza minha pessoal, é também dor minha. Por ocasião da Festa de São Patrício em 1972, o meu amado e venerado Predecessor, o Papa Paulo VI, cujo amor pela Irlanda será sempre recordado com reconhecimento, escreveu ao Cardeal Primaz de então, William Conway: "A fé cristã deve convencer todos os interessados de que a violência não é solução aceitável para os problemas da Irlanda. Mas ao mesmo tempo o sentido cristão dos valores convence os homens de que a paz definitiva pode ser construída só sobre os sólidos fundamentos da justiça". Estas palavras conservam ainda hoje todo o seu significado.

Agradeço a Vossa Ex.cia uma vez mais o seu acolhimento amável e caloroso. De coração o abençoo, a sua terra e o seu povo.

Dia agus Muire Libh

Beannacht Dé is Muire libh.

O Senhor e Maria estejam contigo. Oxalá a bênção do Senhor e a bênção de Maria estejam contigo e com o povo da Irlanda, sempre.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM O OS MEMBROS DO GOVERNO

E DO CONSELHO DE ESTADO


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Nunciatura Apostólica da Irlanda

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Senhor Taoiseach

Sinto-me feliz de poder encontrar aqui todos os membros do Governo da Irlanda. Representais as aspirações, as necessidades e o futuro do Povo Irlandês, mas também o potencial e as promessas de futuro que encerra a história passada do vosso País. O povo da Irlanda teve longa história de sofrimento e luta para conseguir a própria coesão como Estado moderno e conseguir aquele grau de bem-estar a que tem direito qualquer nação.

É vosso privilégio servir o povo, em seu nome e para o seu progresso, graças ao mandato que o povo vos confiou. Mas há também princípios e imperativos duma ordem superior, sem os quais nenhuma sociedade pode nunca ter esperança de promover o bem comum. Não é necessário que eu explique em pormenor quais são as exigências da justiça, da convivência pacífica na sociedade, do respeito e da tutela da dignidade que derivam da natureza mesma e do destino de cada ser humano, criado como foi pelo amor de Deus. É vossa missão traduzir, de maneira concreta e prática, a colaboração de todos os cidadãos na consecução destes sublimes ideais.

Uma Irlanda que seja próspera, pacífica e animada pelo ideal de relações fraternas entre os seus cidadãos, é também factor que há-de contribuir para um pacífico e justo futuro da Europa e de toda a família das nações. Hoje, em Drogheda, elevei solene e ardente apelo pela justiça, pela paz e pela reconciliação, com especial referência à situação na Irlanda do Norte, situação que não pode deixar indiferente nenhum irlandês, nenhum cristão e certamente também não o Papa. Faço ardentes votos ao céu para que todo o povo desta Ilha encontre a coragem e o modo de resolver um problema que por sua natureza não é religioso, mas, que tem a sua origem numa multiplicidade de causas históricas, sociais, económicas e políticas.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM O CORPO DIPLOMÁTICO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Nunciatura Apostólica de Dublim

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Excelências, Senhoras, Senhores

É grande satisfação para mim encontrar-me convosco já no primeiro dia da minha presença na Irlanda. Estou sensibilizado com o vosso acolhimento caloroso.

Atribuo grande importância à viagem pastoral que principiei hoje, por diversas razões que desejo evocar diante de vós. Como Sucessor de Pedro na Sé de Roma, fui encarregado de maneira particularíssima da Igreja universal e de todos os seus membros. Depois de ir ao México para a terceira Assembleia Geral do Episcopado latino-americano, e depois de participar na Polónia nas cerimónias comemorativas de Santo Estanislau, era normal que eu viesse a esta ilha onde, desde os primeiros tempos da sua evangelização até aos nossos dias, a fé cristã e o laço de unidade com a Sé de Pedro se mantiveram sem interrupção.

São Patrício foi o primeiro Primaz da Irlanda. Mas foi sobretudo quem soube colocar na alma irlandesa uma tradição religiosa tão profunda que pode cada cristão na Irlanda dizer-se, com justo título, herdeiro de São Patrício. Era um irlandês autêntico, era um cristão autêntico: o povo irlandês soube conservar intacta esta herança através de séculos de provocações, de sofrimentos e de perturbações sociais e políticas, tornando-se deste modo exemplo para todos quantos estão persuadidos que a mensagem de Cristo desenvolve, e reforça nos povos, as aspirações mais profundas à dignidade, à união fraterna e à verdade. Vim aqui para animar o povo irlandês no seu apego à Mensagem de Cristo.

Quero também prestar homenagem à Igreja irlandesa, com esta visita, pela parte que tomou na evangelização do continente europeu, e também dos outros continentes. Não se pode considerar o Cristianismo na Europa sem fazer referência ao trabalho maravilhoso realizado pelos missionários e monges irlandeses. Este trabalho está na origem de muitas comunidades cristãs florescentes na Europa. Estou também persuadido que os valores, que se encontram profundamente enraizados na história e na cultura deste povo, constituem força permanente para construir esta Europa em que a dimensão espiritual do homem e da sociedade constitui a garantia única de unidade e de progresso.

Como Chefe visível da Igreja e servidor da humanidade, venho a esta ilha assinalada pelos graves problemas quanto à situação na Irlanda do Norte. Como acabo de afirmar em Drogheda, tinha grande desejo de ir levar pessoalmente ao povo da Irlanda do Norte uma mensagem de paz e de reconciliação, mas as circunstâncias não mo permitiram. Foi portanto de Drogheda que lhe falei, afirmando uma vez mais que o sentido cristão dos valores deve convencer aqueles, que estão dominados pela cadeia da violência, de que esta não poderá nunca ser a solução dos problemas humanos e de que a paz verdadeira deve fundar-se na justiça. Em nome de Cristo, lancei um apelo à reconciliação.

Estou também a caminho das Nações Unidas, onde fui convidado a dirigir-me à Assembleia geral. Os meus predecessores na Sé de Pedro exprimiram muitas vezes a esta Organização os seus incitamentos e a sua estima, porque é o "forum" em que todas as Nações se podem encontrar e juntas buscar soluções aos numerosos problemas do mundo actual. Dirijo-me portanto às Nações Unidas como mensageiro de paz, de justiça e de verdade, e desejo exprimir a minha gratidão a todos aqueles que se devotam à colaboração internacional com vistas em preparar um futuro seguro e pacífico para a humanidade.

Por último, faço votos por que as orações de todos os crentes e o apoio de todos os homens e de todas as mulheres de boa vontade me acompanhem durante este périplo internacional que hoje começo na Irlanda, e terminará a 7 de Outubro na capital dos Estados Unidos da América.

Expresso-vos uma vez mais o meu reconhecimento pela vossa presença aqui, e peço a Deus todo-poderoso que vos abençoe, a vós e às vossas famílias, e vos conserve no vosso importante trabalho em serviço da humanidade.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES

DE OUTRAS IGREJAS


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Convento das Dominicanas de Dublim

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Meus queridos irmãos em Cristo

Permiti-me que vos saúde no amor do nosso comum Senhor e Salvador, e com as palavras do seu servo e apóstolo Paulo: Graças a vós e paz da parte de Deus, Pai Nosso, e do Senhor Jesus Cristo (Ep 1,2).

Sinto-me feliz par ter a oportunidade de me encontrar convosco no santo nome de Jesus e de rezar convosco. Para todos nós, que hoje estamos aqui, é verdadeiramente encorajante e edificante a grande promessa contida no Evangelho: Porque onde dois ou três estão reunidos no Meu nome, Eu estou no meio deles (Mt 18,20). E assim experimentamos uma alegria extraordinária ao sabermos que Jesus Cristo está connosco.

Sabemos que Ele está perto de nós com a força do seu Mistério Pascal, e que do seu Mistério Pascal nós recebemos luz e força para caminharmos naquela a que São Paulo chama a novidade de vida (Rm 6,4).

Que enorme graça é para todo o mundo cristão o facto de, neste nosso dia, o Espírito Santo suscitar profundamente nos corações humanos um real desejo desta "novidade de vida". E que enorme dom de Deus é o facto de que existe hoje entre os cristãos uma consciência mais profunda da necessidade de estarmos perfeitamente unidos em Cristo e na sua Igreja: de sermos uma coisa só, segundo a recomendação de Cristo, como também são uma só coisa Ele e o Pai (Jn 17,11).

O nosso desejo de unidade dos cristãos nasce de uma necessidade de sermos fiéis à vontade de Deus, revelada por Cristo. A nossa unidade em Cristo, além disso, condiciona a eficácia da nossa evangelização; determina a credibilidade do nosso testemunho perante o mundo. Cristo pediu pela unidade dos seus discípulos, precisamente para que o mundo creia (Jn 17,21).

Hoje foi realmente um dia memorável na minha vida: pude abraçar no amor de Cristo os meus irmãos cristãos separados, e confessar à uma com eles que Jesus Cristo é o Filho de Deus (1Jn 4,15); que é o Salvador de todos os homens (1Tm 5,10); que é o único Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus (1Tm 2,5). De Drogheda lancei esta tarde um apelo para a paz e a reconciliação, segundo a suprema vontade de Cristo, do único que pode unir os corações dos homens na fraternidade e no testemunho comum.

Nunca seja posto em dúvida o compromisso da Igreja católica e da Sé Apostólica de Roma para conseguir a unidade dos cristãos. Em Novembro passado, quando me encontrei com os membros do Secretariado para a União dos Cristãos, falei do "intolerável escândalo da divisão entre os cristãos". Disse que o movimento para a unidade não deve parar enquanto não for alcançado o seu objectivo; e exortei os Bispos, os sacerdotes e os leigos católicos a um enérgico compromisso para levarem avante este movimento. Naquela ocasião disse: "A Igreja católica, fiel ao caminho empreendido com o Concílio, não só quer ir avante no caminho que leva ao restabelecimento da unidade, mas está desejosa, com os seus meios e em plena submissão à acção do Espírito Santo..., de reforçar a todos os níveis o seu contributo para este grande movimento de todos os cristãos" (Discurso, 18 de Novembro de 1978). Renovo este compromisso e esta promessa hoje aqui na Irlanda, onde a reconciliação entre os cristãos reveste especial urgência, mas onde ela encontra também particulares recursos na tradição da fé cristã e da fidelidade à religião, características tanto das comunidades católicas como das protestantes.

A obra de reconciliação, o caminho para a unidade pode ser longo e difícil. Mas, como no caminho de Emaús, o próprio Senhor está connosco ao andarmos, sempre comportando-se como se tivesse que ir mais longe (Lc 24,28). Estará connosco até chegar o momento tão esperado em que poderemos alegrar-nos juntos ao reconhecê-lo nas Sagradas Escrituras e no partir do pão (Lc 24,35).

Entretanto, a renovação interior da Igreja católica, em plena fidelidade ao Concílio Vaticano II, à qual dediquei todas as minhas energias no início do meu ministério pontifício, deve continuar com o mesmo vigor. Esta renovação é, de per si, contributo indispensável para a obra da unidade dos cristãos. Enquanto nós, nas nossas respectivas Igrejas, progredimos no aprofundamento das Sagradas Escrituras, na fidelidade à antiga tradição da Igreja cristã e na continuidade com ela, na nossa busca de santidade e de autenticidade de vida cristã, devemos também tornar-nos cada vez mais unidos a Cristo, e por conseguinte mais unidos entre nós em Cristo.

Só ele, mediante a acção do Espírito Santo, pode levar as nossas esperanças à realização. Nele depomos toda a nossa confiança: em Jesus Cristo nossa esperança (1Tm 1,1). Apesar da nossa fraqueza humana e dos nossos pecados, apesar de todos os obstáculos, nós aceitamos em humildade e com fé o grande princípio enunciado pelo nosso Salvador: Aquilo que é impossível aos homens, é possível a Deus (Lc 18,27).

Oxalá este dia assinale verdadeiramente, para todos nós e para aqueles que nós servimos em Cristo, a ocasião para uma fidelidade ainda maior, em oração e penitência, à causa de Jesus Cristo e à sua mensagem de verdade e amor, de justiça e paz. Oxalá a nossa comum veneração e o nosso amor pela santa e inspirada palavra de Deus nos unam cada vez mais, enquanto continuamos a estudar e a examinar juntos, os importantes assuntos relativos à unidade eclesial em todos os seus aspectos, como também a necessidade de serviço comum a um mundo que precisa dele.

A Irlanda, queridos irmãos em Cristo, tem necessidade, de modo particular e com particular urgência, de um serviço comum por parte dos cristãos. Todos os cristãos irlandeses devem colocar-se juntos em defesa dos valores espirituais e morais, contra a pressão do materialismo e do permissivismo moral. Os cristãos devem unir-se para se oporem a toda a violência e a todo o atentado contra a pessoa humana — de onde quer que provenham — e para encontrar respostas cristãs ao grave problema da Irlanda do Norte. Nós devemos ser, todos, ministros de reconciliação. Com o exemplo e com a palavra, devemos procurar levar os cidadãos, as comunidades e os políticos para os caminhos da tolerância, da cooperação e do amor. Nenhum temor de críticas, nenhum risco de ressentimentos deve afastar-nos deste dever. A caridade de Cristo impõe-no-lo. Precisamente porque nós temos um Senhor em comum, Jesus Cristo, devemos aceitar juntos a responsabilidade da vocação que dele recebemos.

Queridos irmãos, com uma convicção ligada à nossa fé, advertimos que o destino do mundo está em perigo, porque foi desafiada a credibilidade do Evangelho. Só em perfeita unidade podemos, nós cristãos, dar adequado testemunho à verdade. E assim a nossa fidelidade a Jesus Cristo impele-nos a fazer mais, a rezar mais, a amar mais.

Oxalá Cristo, o Bom Pastor, nos consiga mostrar o modo de guiarmos o nosso povo ao longo do caminho do. amor e para a meta da perfeita unidade: em louvor e glória do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amen.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM OS JORNALISTAS E PROFISSIONAIS DA INFORMAÇÃO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Sala do Convento das Dominicanas em Dublim

Sábado, 29 de Setembro de 1979



Meus amigos das Comunicações Sociais

Durante a minha visita à Irlanda, desejo deixar a todos vós um pensamento particular, uma palavra especial para cada um de vós, a fim de que no futuro possais recordar isto: o Papa durante a sua visita pastoral à Irlanda disse muitas coisas a muitas pessoas, mas esta mensagem dirigiu-a a mim.

Esta mensagem é o segundo dos dois grandes mandamentos de Jesus: "Ama o próximo como a ti mesmo". Esta mensagem e este mandamento deveriam ter um significado especial para vós, porque o vosso trabalho vos torna hóspedes de honra em milhões de casas de todo o mundo.

Em toda a parte se ouvem as vozes por vós transmitidas, em toda a parte se vêem as imagens por vós captadas, ern toda a parte se lêem as palavras por vós escritas. 1á está o vosso próximo. Lá está uma pessoa que vós deveis amar, por cujo bem-estar pessoal deveis trabalhar — e às vezes também sacrificar o vosso sono e a vossa alimentação. Vós sois os instrumentos através dos quais aquela pessoa — e milhões de outras — goza de mais vasta experiência e é ajudada a tornar-se membro mais activo da comunidade mundial, verdadeiro próximo para os outros.

A vossa profissão, por sua natureza, torna-vos servidores, servidores voluntários da comunidade. Muitos membros daquela comunidade poderão diferir de vós por opiniões de ordem política ou económica, por convicções de ordem religiosa ou moral. Como bons transmissores, deveis servi-los igualmente, com amor e segundo a verdade; ou melhor, com amor pela verdade. Como bons transmissores, deveis construir pontes que unam e não muros que dividam. Como bons transmissores, deveis trabalhar com a convicção de o amor e o serviço do próximo serem o dever mais importante da vossa vida.

Toda a vossa solicitude, por conseguinte, será pelo bem da comunidade. Vós alimentá-la-eis com a verdade. Iluminar-lhe-eis a consciência e servireis de construtores de paz. A comunidade indicareis ideais que a façam tender para um modelo de vida e um comportamento dignos da sua potencialidade e da sua dignidade humana.


Discursos João Paulo II 1979 - Quinta-feira, 27 de Setembro de 1979