Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 29 de Setembro de 1979

Vós inspirareis a comunidade, acendereis os seus ideais, estimulareis a sua imaginação — se necessário, provocá-la-eis — a fim de que possa dar o melhor de si mesma, o melhor como homens, o melhor como cristãos. Vós não cedereis a lisonja alguma, nem cedereis perante ameaças que tendam a desviar-vos da total integridade na realização do vosso serviço profissional para com aqueles que são não só o vosso próximo, mas vossos irmãos e irmãs na família de Deus, Pai de todos nós.

Vós considerais-vos realistas teimosos, e eu compreendo bem as realidades contra as quais deveis combater. Mas esta é a palavra do Papa para vós. Não é coisa pouca a que vos pede, não é um desafio indiferente o que vos lança. Desafia-vos a construir, aqui, na comunidade irlandesa e na comunidade mundial, o reino de Deus, reino de amor e de paz.

Agradeço-vos sinceramente o trabalho que estais a realizar durante esta minha visita. Peço-vos leveis o meu obrigado e o meu afecto às vossas famílias, enquanto para vós e para elas formulo esta linda oração irlandesa: "Oxalá Deus te tenha na palma da mão. Oxalá Deus te mantenha a ti e aos teus entes queridos na sua paz".



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM OS BISPOS CATÓLICOS

PROVENIENTES DE DIVERSOS PAÍSES


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Sábado, 29 de Setembro de 1979



Caros Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

Terem vindo muitos de vós de diversos Países participar comigo nos vários momentos da minha visita, é tributo prestado tanto à Irlanda como a vós mesmos, porque é facto que mostra sentirdes-vos unidos com o Bispo de Roma na sua solicitude por todas as Igrejas (2Co 11,28), e ao mesmo tempo mostra quererdes honrar a fé da Igreja na Irlanda.

Não é acaso verdade terem as Comunidades cristãs, que vós representais, uma obrigação de reconhecimento para com a Igreja na Irlanda? Vós, que vindes doutras nações europeias, sentis especiais relações com o povo que ofereceu tantos e tão grandes missionários, que nos séculos passados viajaram incansavelmente através das montanhas e dos rios, e através das planícies da Europa, para reforçar a fé quando estava a enfraquecer, para reavivar as Comunidades cristãs e pregar a Palavra do Senhor. A vitalidade da Igreja na Irlanda tornou possível o estabelecimento de muitas comunidades vossas. Peregrinari pro Christo, ser viajante, peregrino, por Cristo — eis o motivo que os moveu a deixarem a sua querida terra natal. E nova vida foi dada à Igreja na Europa com esse viajar deles. Também em outros continentes, os imigrados, os sacerdotes e os missionários irlandeses fundaram novas dioceses e paróquias, construíram igrejas e escolas, e a sua fé, às vezes apesar de enormes dificuldades, conseguiu levar às novas regiões e infundir nas novas comunidades o mesmo único amor a Jesus e Sua Mãe, e a mesma fidelidade e afeição pela Sé Apostólica em Roma, como tinham aprendido na sua pátria.

Quando reflectimos nestas realidades históricas, e quando ao mesmo tempo somos testemunhas, durante esta visita, da piedade, da fé e da vitalidade da Igreja irlandesa, não podemos deixar de nos sentir abençoados para estes momentos. A vossa presença aqui será, por sua vez, encorajamento para o Episcopado irlandês e para os cristãos irlandeses porque, ao verem-vos reunidos à volta do Bispo de Roma, verão que o Colégio episcopal inteiro oferece auxílio aos pastores locais e toma a sua parte de responsabilidade quanto à Igreja que está na Irlanda. Oxalá o vosso amor pela Irlanda e o vosso apreço pelo lugar da Irlanda na Igreja se manifestem na oração para que volte quanto antes a paz a esta bela ilha. Guiai o vosso povo fiel nesta assídua e incessante oração ao Príncipe da Paz, por meio da intercessão de Maria, Rainha da Paz.

O povo desta amada terra, ao ver-vos reunidos ao lado dos Bispos irlandeses à roda do Bispo de Roma, é testemunha daquela particular união que forma a alma dessa colegialidade episcopal e uma união de espírito e de coração, uma união de zelo e dedicação para se construir o Corpo de Cristo, que é a Igreja. Esta profunda união, esta sincera "comunhão", é que infundem profundidade e significado ao conceito de colegialidade e levam esta além de simples colaboração prática ou identidade de vistas. Torna-se então laço que verdadeiramente une os Bispos de todo o mundo com o Sucessor de Pedro e eles entre si, para desempenharem cum Petro et sub Petro o ministério apostólico que o Senhor confiou aos Doze. Saber que tais são os sentimentos que animam a vossa presença aqui comigo, não só me alegra mas sustenta-me ainda no meu ministério pastoral único e universal.

Desta união de todos os Bispos derivaram, para cada Comunidade eclesial e para a Igreja inteira, abundantes frutos de unidade entre todos os fiéis, quer com os seus Bispos quer com o Chefe visível da Igreja universal.

Agradeço-vos terdes partilhado comigo o privilégio e a graça sobrenatural desta visita. Oxalá o Senhor Jesus vos abençoe a vós e às vossas dioceses, com frutos cada vez mais abundantes de união de mentes e corações. E oxalá cada cristão, em toda a parte, e toda a Igreja de Deus, se tornem, cada vez mais, sinal e presença de esperança para toda a humanidade.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM A COMUNIDADE POLACA DA IRLANDA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 30 de Setembro de 1979



Queridos compatriotas

Obrigado a todos vós, que viestes de toda a parte da Irlanda, para este encontro incluído no programa da minha visita a este País. É a terceira vez, no meu primeiro ano de Pontificado, que saio de Roma: agora para dirigir-me à Irlanda e aos Estados Unidos. O motivo particular desta viagem é o convite do Secretário-Geral das Nações Unidas, que não podia recusar.

A minha visita à Irlanda no princípio desta viagem de responsabilidade tem significado especial. Quero exprimir a minha gratidão a todos vós, presentes pela vossa fraternal solidariedade com o Papa, cuja Pátria é também a vossa. Sei que esta solidariedade foi demonstrada pelas vossas orações constantes e pelos outros actos de piedade em ajuda do meu serviço pastoral. Para a minha alta missão, preciso desta ajuda imensa.

Ao mesmo tempo queria desejar a todos vós a bênção de Deus sobre a vida que levais na Irlanda, enquanto vos mantendes ainda profundamente ligados aos hábitos polacos, à cultura e às tradições polacas. Foi da Polónia que trouxestes a vossa fé, um laço de união espiritual com o Bispo de Roma, e com toda a Igreja Católica. Oxalá esta unidade vos ajude não só a obter a vossa salvação e a dos vossos próximos, mas a conservar este aspecto espiritual característico da nossa identidade. nacional, da nossa presença na história europeia e do nosso contributo na luta pela paz, pela justiça e pela liberdade.

Queria repetir os mesmos votos expressos a 16 de Maio, quando falei a mais de 6.000 polacos durante a audiência especial em Roma: "Neste encontro excepcional de hoje, nós devemos desejar uns aos outros — com a ajuda da graça de Deus e por intercessão de Maria Mãe da Igreja que é Nossa Senhora de Jasna Gora, Rainha da Polónia, com a intercessão de Santo Estanislau, de Santo Adalberto e de todos os Santos e Beatos polacos, até ao Beato Maximinano Kolbe e, à Beata Maria Teresa Ledochowska — que todos nós, onde quer que estejamos, demos testemunho da maturidade da Polónia, tornemos mais fundamentado o nosso direito de cidadãos entre todos os Países da Europa e do mundo, e sirvamos este nobre ideal: testemunhar o universalismo cristão".

Este é o meu sincero augúrio a vosso respeito, e com este espírito abençoo-vos a todos vós e às vossas famílias, aos vossos Pastores, aos Sacerdotes e a toda a Polónia.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

VISITA AO CENTRO MONÁSTICO DE CLONMACNOIS

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 30 de Setembro de 1979



Caros Irmãos e Irmãs

Esta visita a Clonmacnois oferece-me ocasião de prestar homenagem às tradições de fé e vida cristã na Irlanda.

Desejo, em especial, evocar e honrar o grande contributo monástico oferecido à Irlanda neste lugar sagrado durante não menos de 1.000 anos, cuja influência se estendeu a toda a Europa por obra de monges missionários e estudantes desta escola monástica de Clonmacnois.

Quando vemos as obras de fé, devemos dar graças a Deus. Graças a Deus pelas origens desta fé apostólica na Irlanda. Graças a Deus pelos Santos e os Apóstolos e todos aqueles que lançaram a semente desta fé e a mantiveram viva, e "fizeram a vontade de Deus através dos séculos". Graças a Deus pela generosidade da fé que produziu frutos de justiça e santidade de vida. Graças a Deus por ter preservado a fé na sua integridade e pureza de doutrina. Graças a Deus pela continuidade da mensagem dos Apóstolos, transmitida intacta até hoje.

Não esqueçais nunca o louvor e a promessa que expressou São Columbano a Bonifácio IV em Roma: "Nós irlandeses... somos discípulos de São Pedro e São Paulo...; conservamos intacta a fé católica que primeiro recebemos de vós".

Esta fé católica está hoje na Irlanda intacta, viva e activa. Pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo e a força da sua graça, pode e deve continuar a ser sempre assim na Irlanda.

Clonmacnois foi largos anos centro duma apreciada escola de arte sacra. O Relicário de São Manchan, que ainda hoje se encontra sobre o altar, é magnifico exemplo desta actividade. Parece-me este o lugar indicado para exprimir o meu reconhecimento pelas obras-primas de arte sacra irlandesa, de que vários exemplares me foram oferecidos por ocasião desta minha visita.

A arte irlandesa está muitas vezes impregnada da fé profunda e devoção do povo, expressa pela sensibilidade pessoal dos seus artistas. Cada peça de arte — seja religiosa ou profana, seja pintura, escultura, poesia ou qualquer forma de artesanato realizada com amorosa mestria — é sinal e símbolo do imperscrutável segredo da existência humana, da origem do homem e do seu destino, do significado da vida e do trabalho. Fala-nos do significado do nascimento e da morte, da grandeza do homem.

Louvado seja Jesus Cristo.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS A GALWAY

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 30 de Setembro de 1979



Agradeço ao Bispo de Galway e Kilmacduagh e ao estimado Presidente da Câmara da cidade de Galway estas calorosas boas-vindas. Tenho o prazer de vir hoje ao Ocidente da Irlanda, a esta linda Baía de Galway.

A ti, querido Irmão, pastor da Sé Ocidental que, na época de São Patrício, estava "além-fronteiras da terra habitada", mas que é agora o ponto de encontro entre a Europa e as Américas, a ti e aos teus sacerdotes, religiosos e leigos, dirijo uma palavra de especial saudação. Honra a vossa Diocese e a vossa Cidade terem-me convidado a encontrar-me com os representantes de toda a juventude da Irlanda. No meio de vós encontrarei o futuro da Irlanda, aqueles que hão-de levar a chama da fé cristã no século vinte e um.

Por ocasião desta primeira visita do Vigário de Cristo na terra ao povo do Ocidente da Irlanda, desejo pedir o auxílio das vossas orações pela minha missão universal como Bispo de Roma. De modo especial conto com as vossas orações quotidianas por minha intenção no lar das vossas famílias, quando pais e filhos invocarem juntos o auxílio do Senhor Jesus e da sua Mãe Maria.

Deus abençoe esta cidade e todos os seus habitantes, conceda a sua força aos fracos e aos doentes, a sua coragem àqueles que lutam, a sua paz e a sua alegria a todos.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM OS DOENTES NO SANTUÁRIO DE KNOCK

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 30 de Setembro de 1979



Queridos irmãos e irmãs

São frequentes nos Evangelhos as referências ao particular amor e interesse de Nosso Senhor pelos doentes e por todos aqueles que sofrem. Jesus amou os que sofrem, e esta sua atitude transferiu-se para a sua Igreja. Amar os doentes é uma coisa que a Igreja aprendeu de Cristo.

Sinto-me feliz, hoje, por me encontrar junto dos doentinhos e dos diminuídos. Vim para prestar testemunho do amor de Cristo por vós, e dizer-vos que também a Igreja e o Papa vos amam. Nutrem por vós respeito e estima. Estou convencido que há alguma coisa de verdadeiramente particular na vossa missão na Igreja.

Com o seu sofrimento e a sua morte, Jesus tomou sobre si todo o sofrimento humano conferindo-lhe novo valor. De facto, ele chama cada doente, chama cada pessoa que sofre, a colaborar conSigo na salvação do mundo.

Por isso, a dor e o sofrimento nunca são suportados por uma só pessoa nem em vão. Embora seja difícil compreender o sofrimento, Jesus explicou que o valor do sofrimento de cada pessoa está ligado ao seu próprio sofrimento, ao seu próprio sacrifício. Por outras palavras, com os vossos sofrimentos vós ajudais Jesus na sua obra de salvação. Esta grande verdade é difícil de exprimir com precisão, mas São Paulo explica-a assim: Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja (Col 1,24).

A vossa chamada para o sofrimento requer uma fé forte e paciência. Sim, isto quer dizer que vós sois chamados para o amor com uma particular intensidade. Mas recordai que a Bem-aventurada Mãe de Deus está junto de vós, tal como estava junto de Jesus, aos pés da Cruz. E nunca vos deixará sozinhos.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM OS ENCARREGADOS DO SANTUÁRIO DE KNOCK

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Domingo, 30 de Setembro de 1979



Queridos irmãos e irmãs no Senhor

Como pastor, experimento no meu coração uma alegria particular ao dirigir algumas palavras também às empregadas e aos empregados da Sociedade do Santuário de Knock, e aos directores das peregrinações de Cnoc Mhuire, o monte de Maria.

A celebração eucarística desta tarde faz-me pensar nas gratas recordações de tantas peregrinações em que tomei parte, na minha terra natal, ao Santuário de Jasna Góra, a Montanha da Luz, a Czestochowa, e a outras localidades polacas; recorda-me também a minha visita ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no México.

Conheço, por experiência directa, o valor dos serviços que vós assegurais a fim de permitir a cada peregrino sentir-se à vontade neste Santuário, e para ajudar os peregrinos a transformarem cada visita num encontro de amor com Maria, a Mãe da Divina Graça. De modo especial, vós sois os servidores da Mãe de Jesus. Ajudais as pessoas a aproximarem-se d'Ela, a receberem a sua mensagem de amor e dedicação, a confiarem-Lhe toda a vida a fim de serem verdadeiras testemunhas do amor do Seu Filho.

Sois também os servidores dos vossos irmãos e das vossas irmãs. Ajudando e guiando os numerosos peregrinos, e especialmente os doentes e os diminuídos, vós realizais não só uma obra de caridade, mas também uma tarefa de evangelização. Oxalá esta visão vos inspire e vos dê força a fim de que todas as tarefas, que generosamente aceitais desempenhar, possam tornar-se um testemunho vivo da Palavra de Deus e da Boa Nova.

Rezo por vós, agradeço-vos e invoco sobre vós abundantes graças, de bondade e santidade de vida. Recebei a minha bênção, que vos concedo cordialmente como também a todos os vossos entes queridos.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

ENCONTRO COM OS BISPOS DA IRLANDA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


Convento das Dominicanas, Dublim

Domingo, 30 de Setembro de 1979



Meus queridos Irmãos

1. Mais uma vez ainda quero que saibais quão profundo é o meu reconhecimento para convosco, por me terdes convidado a vir à Irlanda. Para mini esta visita realiza um profundo desejo do meu coração: o de vir, como servo do Evangelho e como peregrino, ao Santuário de Nossa Senhora de Knock, por ocasião do seu centenário.

Venho também como o vosso irmão Bispo de Roma e desejei muitíssimo este dia, a fim de que pudéssemos celebrar juntos a unidade do Episcopado em Nosso Senhor Jesus Cristo; a fim de que pudéssemos dar testemunho público da dimensão da nossa colegialidade episcopal; e a fim de que pudéssemos reflectir juntos sabre o papel da chefia pastoral na Igreja, particularmente a respeito da nossa responsabilidade comum para o bem-estar do povo de Deus na Irlanda.

Temos particularmente consciência da missão especial que nos foi confiada como Bispos. De facto, "em virtude da consagração sacramental e mediante a comunhão jerárquica" (Lumen Gentium LG 22), nós somos constituídos membros do Colégio encarregado da missão pastoral de Nosso Senhor Jesus Cristo.

2. A Colegialidade episcopal, que nós compartilhamos, manifesta-se de modos diversos. Hoje exprime-se de forma bastante importante: o Sucessor de Pedro está presente convosco, a fim de vos confirmar pessoalmente na vossa fé, no vosso ministério apostólico, e, juntamente convosco, exercer o cuidado pastoral dos fiéis da Irlanda. Assim, a minha peregrinação, como pastor da Igreja universal, é vista na sua profunda medida de comunhão eclesial e jerárquica. E, através da acção do Espírito Santo, o ensinamento sobre a colegialidade encontra expressão e actuação neste lugar e neste momento.

No meu primeiro discurso ao Colégio dos Cardeais e ao mundo depois da minha eleição para a Sé de Pedro, pedi "uma reflexão mais profunda sobre aquilo que a colegialidade episcopal comporta" (L'Oss. Rom ). Estou também convencido que o meu encontro com a Conferência Episcopal levará hoje a melhor compreensão da natureza da Igreja vista como povo de Deus, "que vai buscar os seus membros a todos os povos da terra, e os torna cidadãos dum reino, de natureza celeste e não terrena" (Lumen Gentium LG 13).

3. Estamos vivendo, neste nosso encontro, a experiência do povo de Deus na Irlanda, primeiramente na dimensão "vertical", remontando através de todas as gerações até ao autêntico início da Cristandade neste País, tal como era. Ao mesmo tempo temos consciência da dimensão "horizontal", verificando quanto o Povo de Deus na Irlanda está ligado, na unidade e na universalidade da Igreja, a todos os povos da terra, e quanto participa no mistério da Igreja universal e no seu grande encargo de salvação. Os Bispos da Irlanda têm, sobretudo, a sua própria participação neste encargo da vida da Igreja inteira, pois compartilham a missão do Colégio episcopal: cum Petro et sub Petro. Por conseguinte, este encontro do Papa com os Bispos da Irlanda é muitíssimo importante e particularmente eloquente, tanto para a Irlanda como para a Igreja universal.

4. A base da nossa identidade pessoal, da nossa união comum e do nosso ministério, encontra-se em Jesus Cristo Filho de Deus e Sumo Sacerdote do Novo Testamento.

Por este motivo, Irmãos, a minha primeira exortação, ao vir hoje ao meio de vós, é esta: correr com os olhos fixos em Jesus, autor e consumados da fé (He 12,2). Uma vez que somos Pastores deste rebanho, devemos logicamente olhar para aquele que é Sumo Pastor — Príncipe dos Pastores como o chama Pedro na sua primeira Carta 5, 4 — a fim de que nos ilumine, nos sustenha e nos dê a alegria de servir o rebanho, guiando-o pelos caminhos rectos, por amor do Seu Nome (Ps 23,3).

Porém a eficácia do nosso serviço à Irlanda e a toda a Igreja depende da nossa relação pessoal com Aquele que São Pedro chama Pastor e guarda das vossas almas (1P 2,25). A base segura da nossa autoridade pastoral é pois uma profunda relação pessoal de fé e de amor com Jesus Cristo Nosso Senhor. Como os Doze, também nós fomos chamados para estar com Ele, para sermos seus companheiros (Cfr. Mc Mc 3,14). Podemos apresentar-nos como chefes religiosos do nosso povo, na situação que envolve profundamente a sua vida quotidiana, só depois de termos estado em piedosa comunhão com o Mestre, só depois de termos descoberto, na fé, que Deus fez de Cristo a nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção (1Co 1,30). Na nossa vida somos chamados a ouvir, guardar e realizar a Palavra de Deus. Na Sagrada Escritura, especialmente no Evangelho, encontramos constantemente Cristo: e mediante o poder do Espírito Santo, as suas Palavras tornam-se luz e forca para nós e para o nosso povo. As suas palavras contêm um, poder especial de conversão e nós aprendemos por meio do seu exemplo.

Através do contacto na oração com o Jesus do Evangelho, nós, seus servos e apóstolos, absorvemos progressivamente a sua serenidade, assumimos as suas atitudes. Adquirimos, sobretudo, esta atitude fundamental do amor pelo seu Pai, de tal modo que experimenta cada um de nós profunda alegria e satisfação na verdade da nossa relação filial: Diligo Patrem (Jn 14,31) Pater diligit Filium (Jn 3,35). A nossa relação com Cristo encontra a sua mais alta e única expressão no Sacrifício Eucarístico, no qual actuamos plenamente in persona Christi.

A nossa relação pessoal com Jesus é pois garantia de confiança para nós e para o nosso ministério. Na nossa fé encontramos a vitória que vence o mundo. Visto estarmos unidos a Jesus e sermos por Ele amparados, não há desafio que não possamos enfrentar, não há dificuldade que não possamos superar, não há obstáculo que não possamos vencer mediante o Evangelho. De facto, o próprio Cristo garante que Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas (Jn 14,12). Sim, Irmãos, a resposta a tantos problemas encontra-se só na fé — fé manifestada e sustentada pela oração.

5. A nossa relação com Jesus constituirá a base mais frutuosa da nossa relação com os nossos sacerdotes, se nos esforçarmos por ser seus irmãos, pais, amigos e guias. Na caridade de Cristo nós somos chamados a ouvi-los e a compreendê-los; a trocar pontos de vista a propósito da evangelização e da missão pastoral que eles compartilham connosco, como cooperadores da ordem episcopal. Devemos ser, para toda a Igreja mas especialmente para os sacerdotes, um sinal visível e humano do amor de Cristo e da fidelidade da Igreja. Deste modo nós amparamos os nossos sacerdotes com a mensagem evangélica, confortando-os com a certeza do magistério e fortificando-os contra as pressões a que devem resistir. Com a palavra e com o exemplo devemos convidar constantemente à oração os nossos sacerdotes.

Somos chamados a mostrar generosamente aos nossos sacerdotes aquela atenção humana, aquele interesse pessoal, aquela estima sincera através da qual eles compreenderão imediatamente o nosso amor. Não obstante a multiplicidade das nossas obrigações, os nossos sacerdotes devem reconhecer em nós o reflexo fiel do Pastor e Guarda das suas almas (Cfr. 1P 2,25).

Os nossos sacerdotes fizeram muitos sacrifícios, inclusivamente a renúncia ao matrimónio por amor do Reino dos Céus; e devem ser firmemente encorajados a perseverarem. A fidelidade a Cristo e as exigências da dignidade e da liberdade humana requerem que eles se mantenham constantes no seu propósito.

A solicitude pastoral que temos pelos sacerdotes deve, além disso, manifestar-se em relação aos nossos seminaristas. Exerçamos também pessoalmente a nossa responsabilidade sobretudo introduzindo-os na familiaridade com a palavra de Deus e ocupando-nos de toda a formação que recebem, seja na Irlanda seja noutra parte, incluindo Roma. Na minha carta aos Bispos da Igreja, por ocasião da Quinta-feira Santa, escrevi: "A plena reconstituição da vida dos seminários, em toda a Igreja, será a melhor prova de que foi conseguida aquela renovação para a qual o Concílio orientou a Igreja".

6. À imitação de Cristo o Bispo encontra-se perante os leigos como alguém que serve. Os leigos constituem a grande maioria do rebanho de Jesus Cristo. Mediante o Baptismo e a Confirmação, o próprio Cristo fá-los participar na sua missão de salvação. Juntamente com o clero e os religiosos, os leigos constituem a única comunhão da Igreja: raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido (1P 2,9).

A maior expressão do serviço do Bispo aos leigos é proclamar a Palavra de Deus que atinge o ponto máximo na Eucaristia (Cfr. Presbyterorum Ordinis PO 5). Como fiel servidor da mensagem evangélica, cada Bispo é chamado a expor ao seu povo "o mistério de Cristo na sua integridade" (Christus Dominus CD 12). Como o Bispo proclama a dignidade dos leigos, é também missão sua fazer tudo o que possa a fim de promover a participação deles na evangelização, levando-os a assumirem todas as responsabilidades que lhes são próprias dentro da realidade temporal. Segundo as palavras de Paulo VI, "o campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado, da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos 'mass media' " (Evangelii Nuntiandi EN 70). E há outras esferas de actividade nas quais eles podem efectivamente trabalhar para a transformação da sociedade.

Em conformidade com a vontade de Deus, a família cristã é um sujeito de evangelização de imensa importância. Em todas as questões morais de uma vida verdadeiramente cristã, os leigos olham para os Bispos como seus chefes, pastores e pais. Os Bispos devem responder sistematicamente ao forte grito da humanidade, de ordinário não expresso com palavras, todavia muito real: Queríamos ver Jesus (Jn 12,21). E nisto os Bispos têm papel de grande importância: mostrar Jesus ao mundo; apresentá-lo de modo autêntico e convincente — Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Jesus Cristo, caminho, verdade e vida, Jesus Cristo, homem de oração.

7. Os Bispos são chamados a ser verdadeiros Pais do seu povo; excelentes no espírito de amor e solicitude por todos (Cfr. Christus Dominus CD 16). Devem ter cuidado especial por aqueles que vivem à margem da sociedade. Entre estes, os que mais necessitam do cuidado dos Bispos são os presos. Meus queridos Irmãos, não vos descuideis de prover às suas necessidades espirituais e de vos preocupar pelas suas condições materiais e pelas das suas famílias.

Esforçai-vos por oferecer aos presos um cuidado espiritual e uma orientação, tais que os ajudem a afastarem-se do caminho da violência e do crime, e a fazerem, da prisão que sofrem, período de autêntica conversão a Cristo e de experiência pessoal de amor.

Tende cuidado especial pelos jovens presos. Muito frequentemente, as suas vidas revoltadas são devidas mais à negligência da sociedade, do que à sua maldade pessoal. A prisão deve ser para eles sobretudo uma escola de reabilitação.

8. À luz da nossa consagração a Jesus e ao seu Evangelho, à luz também da nossa responsabilidade colegial, o nosso encontro hodierno, aqui, assume importância especial devido às dificuldades actuais da Irlanda, relativas a toda a situação da Irlanda do Norte. Estas circunstâncias levaram alguém a desaconselhar-me fazer uma peregrinação à Irlanda. Estas graves dificuldades, todavia, mais importante tornaram ainda estar eu aqui, a compartilhar de perto, com todos vós, estas insólitas tribulações e a pedir, em união convosco, o auxílio de Deus e o bom conselho humano.

Estas razões, que me levaram a vir aqui, adquirem maior eloquência, se forem colocadas no quadro da minha visita às Nações Unidas, onde será meu privilégio e dever, procurar os caminhos de uma vida de paz e de reconciliação para o mundo inteiro.

Tenho a certeza que os Pastores da Igreja da Irlanda compreendem melhor e sentem mais profundamente os dolorosos problemas do momento actual. O seu dever, como já tive ocasião de salientar outras vezes, é guiar e amparar o rebanho, o povo de Deus. Mas só de um modo único poderão cumprir este dever: sofrendo com quem sofre e chorando corn quem chora (Cfr. Rom Rm 12,15).

Neste ponto, eu tiro as minhas convicções tanto do Evangelho como da experiência pessoal e histórica que tive na Igreja e na Nação de que provenho. Durante os dois últimos séculos, a Igreja na Polónia afundou de modo muito especial as suas raízes na alma da Nação. Em parte, o motivo deve-se ao facto de os seus Pastores, Bispos e sacerdotes, não terem hesitado compartilhar os dramas e sofrimentos dos seus compatriotas. Encontravam-se entre os deportados na Sibéria no tempo dos Czares. Encontravam-se nos campos de concentração no tempo do indizível terrorismo nazista durante a última guerra. Este sacrifício voluntário e esta dedicação confirmaram com extrema plenitude a verdade acerca do sacerdote, ou seja, que ele é escolhido de entre todos os homens... a favor dos homens (He 5,1).

9. Devido a esta fidelidade para com os seus irmãos e irmãs e os seus compatriotas, devem os filhos e as filhas da mesma pátria, os pastores e especialmente os Bispos reflectir de antemão como evitar os derramamentos de sangue, os ódios e o terror, como trabalhar pela paz e preservar o povo daqueles terríveis sofrimentos.

Foi esta a mensagem que Paulo VI repetiu mais de trinta vezes invocando a paz e a justiça para a Irlanda do Norte. Nunca cessou de condenar a violência e de fazer apelo à justiça. Na solenidade do Pentecostes de 1974, escreveu ao Cardeal Conway: "Rezamos ardentemente a fim de que cesse toda a violência, venha de que parte vier, pois é contrária à lei de Deus e à vida cristã e civil; rezamos para que seja restabelecido um clima de mútua confiança e de diálogo na justiça e na caridade em resposta à consciência cristã comum e à voz da razão; e por que sejam identificadas e eliminadas as causas reais e ocultas desta perturbação social — que não podem ser reduzidas a diferenças de natureza religiosa".

Estes esforços, veneráveis e queridos Irmãos, devem ser continuados. A fé e a ética social pedem-nos respeito pelas autoridades constituídas do Estado. Mas este respeito encontra também a sua expressão em actos individuais de mediação, na persuasão, na influência moral, e abertamente em pedidos firmes. De facto é verdade, como diz São Paulo, que quem exerce a autoridade tem a espada na mão (Cfr. Rom Rm 13,4), autoridade à qual renunciamos em conformidade com a recomendação clara de Cristo a Pedro no jardim do Getsémani (Cfr. Mt Mt 26,52); todavia, precisamente porque não temos defesas, temos especial direito e dever de influenciar aqueles que detêm a espada da autoridade. Porque é bem sabido que, no campo da acção política como em qualquer outra parte, nem tudo se pode obter por meio da espada; há razões mais profundas e leis mais fortes, às quais os homens de acção e os povos estão sujeitos. É nosso dever discernir estas razões e, à sua luz, tornarmo-nos, perante as autoridades, porta-vozes da ordem moral. Esta ordem é superior à força e à violência. Nesta superioridade da ordem moral está expressa toda a dignidade dos homens e das nações.

10. Saliento com profunda satisfação um particular significado, na série dos acontecimentos conexos com a minha viagem à Irlanda. É muito significativo que o convite que o Episcopado me fez através dos seus quatro Arcebispos tenha sido seguido de um convite que outras Igrejas me dirigiram, especialmente os Anglicanos irlandeses. Aproveito a ocasião para salientar mais uma vez este facto e exprimir-lhes os meus renovados agradecimentos e o meu apreço. Vejo nesta circunstância um sinal de esperança muito prometedor. Em consideração dos motivos que já bem conheceis, não pude aceitar este convite verdadeiramente ecuménico, visitando Armagh na Irlanda do Norte nem mesmo passar de Drogheda. Todavia, a eloquência desta prontidão ecuménica corresponde na realidade ao que foi expresso na minha primeira Encíclica: "Na presente situação histórica da cristandade e do mundo, não se apresenta outra possibilidade para se cumprir a missão universal da Igreja, pelo que respeita aos problemas ecuménicos, senão esta: procurar lealmente, com perseverança, com humildade e também com coragem as vias de aproximação e de união... Devemos buscar a união, portanto, sem nos deixarmos vencer pelo desânimo perante as dificuldades que se possam apresentar ou acumular ao longo de tal caminho; caso contrário, não seríamos fiéis à palavra de Cristo, não executaríamos o seu Testamento. E será lícito correr tal risco?" (Redemptor Hominis RH 6).

O testemunho da fé em Cristo, que compartilhamos com os nossos irmãos, deve continuar a expressar-se não só no pedido de plena unidade, mas também no pedido e no esforço para a reconciliação e a paz nesta amada terra. Esta união de esforço deve levar-nos a tomar em consideração o inteiro mecanismo da luta, da crueldade e do ódio crescente, com o fim de vencer o mal com o bem (Rm 12,12).

Que coisa, portanto, devemos fazer? Eu sinceramente espero que, ao cabo dum esforço contínuo, vós e os nossos irmãos na fé tornar-vos-eis porta-vozes das razões justas da paz e da reconciliação, perante aqueles que se servem da espada e aqueles que morrem à espada. Como é triste pensar em todas as vidas que se perderam, especialmente nas dos jovens! Que terrível perda para o seu país, para a Igreja e para a humanidade inteira!

11. Veneráveis pastores da Igreja da Irlanda: este serviço à justiça e ao amor social, que vos diz respeito neste particular momento, é certamente difícil.

É difícil mas é vosso dever! Não temais: Cristo está convosco! Ele vos dará o seu Santo Espírito: o espírito de conselho e de fortaleza. E embora este Espírito de Deus seja frequentemente repelido, no coração do homem e na história da humanidade, pelo "espírito deste mundo" e pelo "espírito das trevas", todavia a vitória final não é senão a do amor e da verdade.

Continuai com perseverança o difícil serviço que vos é próprio, fazendo todas as coisas em nome do Senhor (Col 3,17). Tende a certeza que no vosso ministério encontrais o meu apoio e o da Igreja universal. E todos os homens e as mulheres de boa vontade estão em pé junto de vós, na busca da paz, da justiça e da dignidade humana.

Queridos Irmãos: em nome de Jesus Cristo e da sua Igreja agradeço-vos, e por vosso intermédio a toda a Irlanda. Agradeço-vos a vossa fidelidade ao Evangelho, o vosso contributo contínuo na difusão da fé católica, o vosso autêntico e insubstituível serviço prestado ao mundo.

Em tudo o que se refere ao futuro, Irmãos, coragem e confiança! Caminhai à luz do mistério pascal — aquela luz que nunca deverá ser apagada na vossa terra! Andai para a frente com a força do Espírito Santo, com os méritos de Jesus Cristo!

E alegrai-vos, com grande prazer, da infalível intercessão e protecção de Maria, Grande Maria, Mãe de Deus, Rainha dos Apóstolos, Rainha da Irlanda, Rainha da Paz!

Irmãos, vamos para a frente juntos, para o bem da Irlanda e para a glória da Santíssima Trindade. E, por conseguinte, "tenhamos os nossos olhos fixos em Jesus, que inspira e aperfeiçoa a nossa fé".



                                                                   Outubro de 1979



Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 29 de Setembro de 1979