Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 6 de Outubro de 1979

A dolorosa experiência da história da minha Pátria, a Polónia, ensinou-me quanto é importante a soberania nacional quando tem ao seu serviço um Estado digno de tal nome e livre nas suas decisões: quanto é importante para a protecção não só dos legítimos interesses materiais do povo, mas também da sua cultura e da sua alma. A vossa Organização é Organização de Estados fundada no respeito da absoluta soberania nacional de cada um deles, na participação paritária nas tarefas comuns e na solidariedade entre os vossos povos. A legítima exigência, por parte dos Estados, de participarem numa base de igualdade nas decisões comuns da organização deve ser acompanhada pelo desejo de promover no interior de cada país uma participação cada vez mais real dos cidadãos nas responsabilidades e decisões da nação, segundo as formas que têm em conta as particulares tradições, dificuldades e experiências históricas.

De qualquer forma, embora tais dificuldades e experiências possam exigir por vezes medidas excepcionais e certo período de maturação em vista do acesso a novas responsabilidades, essas nunca, mesmo nunca, justificam uma ofensa à dignidade inviolável da pessoa humana e aos direitos autênticos que lhe tutelam a dignidade. Se algumas ideologias e modos de interpretar a legítima preocupação quanto à segurança nacional tivessem como resultado a servidão ao Estado por parte do homem, dos seus direitos e da sua dignidade — tais ideologias deixariam, no mesmo instante, de ser humanas, e tornar-se-iam, por contradição interna, inconciliáveis com um conteúdo cristão. É princípio fundamental do pensamento da Igreja que a organização social esteja ao serviço do homem, e não o contrário. Vale isto ainda nos mais altos níveis da sociedade onde se exerce o poder de coerção, e onde os abusos, quando existem, são particularmente graves. Além disso, uma segurança, na qual os povos não se sintam interessados porque não os protege na sua autêntica humanidade, é uma farsa; na medida em que se torna mais rígida, mostra sintomas de crescente debilidade e de ruína eminente.

Sem interferências indevidas, a vossa Organização, no espírito com que enfrenta todos os problemas de sua competência, muito pode conseguir em todo o continente para fazer avançar um conceito de Estado e de soberania que seja realmente humano e, precisamente por isto, seja a base para a legitimição dos Estados e das suas reconhecidas prerrogativas ao serviço do homem.

O homem! O homem é o critério decisivo que coordena e dirige todos os vossos esforços, o valor vital cujo serviço exige incessantemente novas iniciativas. As palavras mais plenas de significado para o homem — palavras como justiça, paz, desenvolvimento, solidariedade, direitos humanos — ficam por vezes diminuídas no significado por causa de uma teorização sobre que recai a suspeita de uma censura ideológica facciosa e sectária. Desta maneira perdem a força de mobilização e o atractivo, que só poderão ser recuperados se o respeito pela pessoa humana e a actividade em favor da mesma forem postos de novo explicitamente no centro de todas as considerações. Quando falamos de direito à vida, à integridade física e moral, à alimentação, à casa, à instrução, à saúde, ao trabalho e à participação nas responsabilidades na vida da nação, falamos da pessoa humana. Aquela pessoa humana que a fé nos faz reconhecer como criada à imagem de Deus e destinada a uma meta eterna. Aquela mesma pessoa humana, que frequentemente se encontra ameaçada e esfomeada, sem tecto nem trabalho decentes, sem possibilidades de acesso ao património cultural do seu povo ou da humanidade e sem voz para fazer ouvir as suas angústias. A grande causa do pleno desenvolvimento na solidariedade devem dar nova vida aqueles que, embora em diversos graus, já gozam destes bens, em benefício de todos aqueles — e são ainda tantos no vosso continente — que estão privados deles em medida por vezes dramática.

O desafio do desenvolvimento merece toda a vossa atenção. Ainda neste campo aquilo que vós conseguirdes poderá servir de exemplo à humanidade. Os problemas das áreas rurais e urbanas, da indústria e da agricultura e do ambiente são em larga medida dever comum. A procura resoluta de tudo isto ajudará a difundir no continente um sentimento de fraternidade universal que ultrapassa as fronteiras e os regimes políticos. Sem prejuízo das responsabilidades dos Estados soberanos, descobrireis, como exigência lógica para vós, ocupar-vos dos problemas como o desemprego, a emigração e o comércio enquanto ocupação comum, cuja dimensão continental exige, em formas cada vez mais intensas, soluções mais orgânicas a nível continental. Tudo aquilo que fizerdes pela pessoa humana deterá a violência e as ameaças de subversão e de contra-estabilização. Porque, aceitando resolutamente as revisões exigidas por "este fundamental ponto de vista, que é o bem do homem — digamos, da pessoa na comunidade — e que, qual factor fundamental do bem comum, deve constituir o critério essencial de todos os programas, sistemas e regimes" (Redemptor Hominis RH 17), vós dirigis as energias dos vossos povos em direcção à satisfação pacífica das suas aspirações.

A Santa Sé considerar-se-á sempre satisfeita de oferecer o seu desinteressado contributo a esta obra. As Igrejas locais das Américas farão o mesmo, no contexto das suas diversas responsabilidades. Favorecendo o progresso da pessoa humana, da sua dignidade e dos seus direitos, prestam um serviço à sociedade terrena, à sua coesão e às suas legítimas autoridades. A plena liberdade religiosa, que elas pedem, é para servirem não para se oporem à legítima autonomia da sociedade civil e dos seus particulares instrumentos de acção. Quanto mais os cidadãos estiverem à altura de exercer normalmente a sua liberdade na vida da nação, tanto mais rapidamente as comunidades cristãs poderão dedicar-se à missão central da evangelização, ou seja, a pregar o Evangelho de Cristo, fonte de vida, de fortaleza, de justiça e de paz.

(em inglês):

Com fervorosas orações pela prosperidade e concórdia, invoco sobre esta importante Assembleia, sobre os Representantes de todos os Estados membros e sobre as suas famílias, sobre todos os dilectos povos das Américas, os celestes favores e a bênção de Deus Omnipotente.

(em francês):

A minha presença aqui, na Sala das Américas, perante esta Assembleia que se consagra à colaboração interamericana, gostaria de exprimir ao mesmo tempo um desejo e uma oração. O meu desejo é que, em todas as nações deste continente, nenhum homem, nenhuma mulher, nenhuma criança se sinta alguma vez abandonado pelas legítimas Autoridades às quais está disposto a entregar toda a sua confiança na medida em que estas Autoridades operam para o bem comum. A minha oração é por que Deus Omnipotente ilumine os povos e os governantes para que possam descobrir formas sempre novas de colaboração a fim de construírem uma sociedade fraterna e justa.

(em português):

E mais uma palavra, antes de vos deixar com muita pena, confesso — depois desta primeira e breve visita à vossa veneranda Organização. No princípio do ano, quando da minha viagem ao México, eu já tinha tido a oportunidade de admirar, pela população local: o entusiasmo, a espontaneidade e a alegria de viver das gentes deste Continente. Estou convencido de que vós haveis de saber preservar o rico património humano e cultural dos vossos Povos: e, também com isso, haveis de saber manter as bases indispensáveis para o verdadeiro progresso, o qual, sempre e em toda a parte, é constituído pelo respeito da suprema dignidade do homem.






VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

ENCONTRO COM OS FUNCIONÁRIOS

DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS


SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

Sábado, 6 de Outubro de 1979



Caros Amigos

Obrigado por terdes vindo saudar-me. A todos vós paz e alegria!

Todas as vezes que tenho a oportunidade de encontrar um grupo de pessoas experimento grande alegria, porque vejo em vós os meus irmãos e as minhas irmãs, filhos do mesmo Deus que é nosso Pai e nos criou com beleza e generosidade únicas: a grande beleza de sermos homens livres, capazes de conhecer a verdade, de nos oferecermos reciprocamente amor e compreensão e de unirmos os nossos esforços para transformar o mundo em lugar melhor para vivermos.

Nos últimos dias encontrei muitas pessoas diversas: na Irlanda, nas Nações Unidas, nas cidades e nas aldeias da América, nesta grande Organização dos Estados Americanos. Senti-me feliz de estar no meio delas, mas sobretudo alegrei-me ao ver quão profunda é a sua convicção na possibilidade de levarem paz e bem-estar a todos os homens, mulheres e crianças do mundo. Assim, quereria confirmar-vos também a vós na devoção à verdade e à justiça, sem o quê paz alguma poderá jamais existir.

Uma das tentações do mundo moderno é um materialismo crescente na visual dos indivíduos e da própria sociedade. Muitos são enganados por ele; são levados a pensar que dinheiro, prazer, comodidade e auto-indulgência podem substituir os valores espirituais.

Assim, convido-vos a todos vós a não perderdes de vista as coisas que têm realmente valor, as coisas do espírito; e recordemos sobretudo que é Deus quem dá significado à nossa vida.

A todos vós, jovens e anciãos, digo: não deixeis as coisas materiais da vida afastarem-vos das coisas que verdadeiramente contam: o amor de Deus por vós e o vosso amor recíproco.

Deus vos abençoe!

Queridos amigos de língua espanhola!

Acabei de visitar a sede da Organização dos Estados Americanos onde me encontrei com os Representantes desta área geográfica, aos quais levei uma mensagem de paz, de amizade, de encorajamento, e de colaboração da parte da Igreja.

O interesse do Papa, por este organismo internacional regional, é também interesse por cada um dos vossos Países e por cada um de vós, como grupos familiares ou como pessoas.

A saudação, que dirigi aos Representantes dos Estados Americanos, dirijo-a agora a vós com toda a minha cordialidade. Peço também a Deus que possais olhar para este Organismo com olhos de esperança e como sendo um lugar onde encontram eco as vossas legitimas aspirações orientadas para metas de maior dignidade humana e cristã.

Sei muito bem que nesta minha viagem pelos Estados Unidos vou também encontrando, dispersos entre as grandes multidões e cidades, numerosos grupos da comunidade hispânica. Ninguém se sinta esquecido pelo Papa, mas sim respeitado e amar do, não só como cristão e filho de Deus, mas também na sua. dignidade de homem, com os seus peculiares valores culturais e pessoais.

Exorto-vos, exorto os vossos amigos e todos os hispano-americanos a que alimenteis sentimentos de solidariedade e conserveis os vossos valores humanos e cristãos, com vigor e constância.

Recebei todos, por fim, a minha saudação de amigo e a minha afectuosa Bênção.










VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

ENCONTRO COM OS MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO

COM MISSÃO EM WASHINGTON

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

Sábado, 6 de Outubro de 1979



Durante esta visita tão apreciada e de tanta responsabilidade ao mesmo tempo, sinto-me particularmente feliz pela, ocasião que me foi dada esta tarde de me encontrar com os Membros do Corpo Diplomático com missão em Washington.

A vossa presença aqui honra-me. E honra não só prestada à minha pessoa, mas ao Chefe da Igreja Católica, e agradeço vos muito cordialmente. Vejo também neste gesto de cortesia um encorajamento para a actividade da Igreja Católica e da Santa Sé ao serviço da humanidade. Esta solicitude ao serviço da humanidade é comum ao Corpo Diplomático e à Santa Sé. Cada um actua no próprio âmbito realizando com perseverança a sua tarefa, mas estão ambos unidos pela grande causa da compreensão e da solidariedade entre os povos e as nações.

Vós tendes um nobre cargo. Apesar das dificuldades, dos contratempos e das derrotas inevitáveis, a diplomacia haure a sua importância do facto de ser um dos caminhos a percorrer quando se procura a paz e o progresso de toda a humanidade. "A diplomacia — dizia o meu predecessor Paulo VI — é a arte de construir a paz" (Paulo VI, Discurso ao Corpo Diplomático, Roma, 12 de Janeiro de 1974). Os esforços dos diplomatas para estebelecerem a paz ou a manterem, quer a um nível bilateral quer multilateral, nem sempre são coroados de bom êxito. É necessário, em todo o caso, encorajá-los, hoje como ontem, de modo a suscitar novas iniciativas e traçar novos caminhos, com aquela paciência e aquela tenacidade que são as qualidades preeminentes dos diplomatas.

E como eu falo em nome de Cristo, que se proclamou ele próprio o caminho, a verdade e a vida (Jn 14,6), quereria também chamar a atenção sobre outras qualidades que me parecem indispensáveis se se quer que a diplomacia, no momento actual, corresponda às esperanças que nela se depõem. E necessário de facto que os valores supremos, tanto morais como espirituais, sejam cada vez mais profundamente integrados nos objectivos que tem em vista os povos e nos meios postos em campo para os atingir.

A verdade é a primeira, exigência moral que deve prevalecer nas relações entre as Nações e os povos. Para o Dia Mundial da Paz do 1° de Janeiro de 1980 escolhi como tema: "A verdade força da paz". Estou persuadido que os Governos e as Nações que vós representais se associarão, ainda esta vez come já fizeram de maneira tão admirável no passado, nesta grande empresa: impregnar de verdade todas as relações, políticas ou económicas, bilaterais ou multilaterais.

Ora muito frequentemente se encontra a mentira na nossa vida, quer a nível pessoal quer colectiva, fazendo surgir suspeitas onde a verdade é indispensável. O diálogo apresenta-se então difícil, e isto torna quase impossível toda a colaboração ou acordo. Estabelecer a verdade em todas as nossas acções quer dizer trabalhar pela paz, o que permite encontrar aos problemas mundiais soluções conformes com a razão e a justiça, conformes, numa palavra, com a verdade do homem.

E aqui refiro me ao segundo ponto que quereria recordar-vos. Para que a. paz seja real e duradoura, deverá ser humana. O desejo de paz é universal. Oculta-se no coração de todos os seres humanos, e não pode satisfazer-se a não ser sob a condicão de a pessoa humana ser colocada no centro de todos os esforços para alcançar a unidade e a fraternidade das Nações.

A vossa missão de diplomatas é fundada sobre o mandato que recebestes dos que têm a responsabilidade do bem-estar das vossas Nações.

E não se pode separar este poder, em que tendes parte, das exigências objectivas da ordem moral e do destino de todos os seres humanos. Permito-me citar ainda o que declarei na minha primeira Encíclica: "O dever fundamental do poder é a solicitude pelo bem comum da sociedade; daqui dimanam os seus direitos fundamentais. Em nome precisamente destas premissas, respeitantes à ordem ética objectiva, os direitos do poder não podem ser entendidos de outro modo que não seja a base do respeito pelos direitos objectivos e invioláveis do homem. Aquele bem comum que a autoridade no Estado serve, será plenamente realizado somente quando todos os cidadãos estiverem seguros dos seus direitos. Sem isto, chega-se ao descalabro da sociedade, à oposição dos cidadãos contra a autoridade, ou então a uma situação de opressão, de intimidação, de violência ou de terrorismo, de que nos forneceram numerosos exemplos os totalitarismos do nosso século. É assim que o princípio dos direitos do homem afecta profundamente o sector da justiça social e se torna padrão para a sua fundamental verificação na vida dos Organismos políticos" (Redemptor hominis RH 17).

Estas reflexões são extremamente importantes no campo que vos preocupa directamente: a busca da paz internacional, da justiça entre as nações e a cooperação de todos os povos na solidariedade.

Em última análise, o bom êxito da diplomacia será hoje a vitória da verdade sobre o homem.

Invoco a bênção de Deus Omnipotente sobre a vossa missão, que encerra a dupla exigência de defender o vosso país e contemporaneamente manter a paz universal. Sobre vós, que sois os artífices da paz, sobre os vossos parentes e as vossas famílias que vos amparam e encorajam, e enfim sobre todos aqueles que têm confiança no vosso serviço, empenhado a fim de que a própria dignidade de pessoa humana seja reconhecida e respeitada. A paz de Deus reine sempre nos vossos corações!









VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

ENCONTRO COM OS ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE CATÓLICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

Washington, 7 de Outubro de 1979



Queridos estudantes da Universidade Católica

A minha primeira saudação, ao chegar a esta esplanada, é para vós.

A todos vos ofereço a paz e a alegria do Senhor Jesus Cristo.

Foi-me dito que passastes toda a noite da vigília em oração, pedindo a bênção de Deus para a minha visita. Agradeço-vos do íntimo da alma terdes expresso tão maravilhosamente a comunhão comigo e terdes-me oferecido tão belo presente.

Era meu desejo poder-vos falar longamente, gostava de ouvir-vos e averiguar o que pensais de vós mesmos e do mundo. Mas breve é o tempo que me está concedido.

Uma coisa me dissestes já: escolhendo dar-me as boas-vindas com a oferta das vossas orações, mostrastes saber o que é mais importante na vossa vida: o vosso contacto com Deus, a vossa busca do significado da vida ouvindo Cristo que vos fala por meio das Sagradas Escrituras.

Alegra-me saber que a reflexão sobre os valores espirituais e religiosos faz parte do desejo que tendes de viver em plenitude este período da vossa vida. As considerações materialistas e as apreciações unilaterais nunca são suficientes para encher o coração e a mente da pessoa humana.

A vida, reduzida apenas à dimensão de posse, de consumismo e de valores temporais, não consentirá nunca que descubrais e gozeis plenamente a riqueza da vossa humanidade. E só em Deus — em Jesus, Deus feito Homem — que podereis compreender plenamente aquilo que sois. Ele vos descobrirá a verdadeira grandeza de vós mesmos quer dizer, que fostes remidos por Ele e nobilitados pelo Seu amor, que vos tornastes verdadeiramente livres n'Aquele que disse: Se o Filho vos libertar, sereis realmente livres (Jn 8,36).

Sei que vós, como os estudantes do mundo inteiro, estais angustiados com os problemas que pesam sobre a sociedade que vos rodeia a vós e ao mundo. Enfrentais estes problemas, explorai-los, estudai-los e aceitai-los como um desafio. Mas fazeis tudo isto à luz de Cristo. Ele é o caminho, a verdade e a vida (Jn 14,6). Ele coloca a vida humana na justa dimensão da verdade e do amor autêntico. O verdadeiro conhecimento e a verdadeira liberdade estão em Jesus. Tornai Jesus participante da vossa fome de verdade e de .justiça, fazei-o participar do vosso esforço pelo bem-estar da jovem geração a que pertenceis.

Gozai os privilégios da vossa juventude: o direito a serdes dinâmicos, criativos e espontâneos; o direito a estardes cheios de esperança e de alegria; a possibilidade de explorar o mundo maravilhoso da ciência e do saber, e sobretudo a possibilidade de vos dardes a vós mesmos aos outros num serviço generoso e cheio de alegria.

Despeço-me de vós com esta oração: revele-se o Senhor Jesus a cada um de vós, dê-lhe a força de não se deter em professar que é cristão e faça-lhe descobrir que só Ele lhe pode encher a alma.

Aceitai vós a Sua liberdade, acolhei a Sua verdade e sede mensageiros da certeza de terdes sido plenamente libertos pela morte e pela Ressurreição do Senhor Jesus. Esta será a nova experiência, a decisiva experiência que fará nascer, por meio de vós, uma sociedade mais justa, um mundo melhor.
Deus vos abençoe e a alegria de Jesus Cristo esteja sempre convosco.






VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

VISITA AO SANTUÁRIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

Washington, 7 de Outubro de 1979



O meu primeiro desejo, neste Santuário Nacional da Imaculada Conceição, é o de elevar o meu pensamento e dirigir o meu coração para a mulher da história da salvação. No desígnio eterno de Deus, esta mulher, Maria, foi escolhida para ser introduzida no plano da Encarnação e da Redenção. Este desígnio de Deus pôde-se realizar por meio da sua livre decisão, tomada em obediência à vontade divina. Através do seu "sim", um "sim" que se difunde e reflecte em toda a história, Ela consentiu em ser Virgem Mãe do nosso Deus Salvador, escrava do Senhor e ao mesmo tempo Mãe de todos os fiéis que por séculos e séculos se tornaram irmãos e irmãs do seu Filho. Graças a Ela, o Sol da justiça pôde resplandecer no mundo. Graças a Ela, o grande Salvador da humanidade, o reconciliador dos corações e das consciências, seu Filho, o Deus-Homem, Jesus Cristo veio transformar a condição humana e, por meio da Sua morte e ressurreição, aliviar a família humana inteira.

Como um grande sinal aparecido nos céus na plenitude dos tempos, a mulher domina toda a história como Virgem mãe do Filho e como Esposa do Espírito Santo, ao serviço do género humano. E a mulher torna-se também, associada com o seu Filho, sinal de contradição para o mundo, e ao mesmo tempo sinal de esperança que todas as gerações chamarão Bem-aventurada. A mulher que espiritualmente concebeu antes de fisicamente conceber, a mulher que aceitou a Palavra de Deus, a mulher que foi inserida íntima e irrevogavelmente no mistério da Igreja, exercendo uma maternidade espiritual quanto a todas as gentes. A mulher que é honrada como Rainha dos Apóstolos, apesar de não se inserir na constituição jerárquica da Igreja, exactamente esta mulher tornou possível toda a jerarquia, dando ao mundo o Pastor e o Bispo das nossas almas. Esta mulher, esta Maria do Evangelho que não é mencionada como presente na última ceia, volta ainda aos pés da Cruz para levar a termo o seu contributo para a história da salvação.

Com o seu acto corajoso, ela prefigura e antecipa a coragem de todas as mulheres através dos tempos, coragem que ajuda a levar Cristo a cada geração.

Durante o Pentecostes, a Virgem Mãe uma vez mais se nos apresenta a exercer o seu papel em união com os Apóstolos, com a Igreja e dentro da Igreja. E uma vez mais pôde ela, por obra do Espírito Santo, levar ainda Jesus, na plenitude do seu Corpo, à Igreja, sem nunca O deixar, sem nunca O abandonar, mas continuando a amá-lo e a alimentá-lo através dos séculos.

Esta é a mulher da história e do destino que nos inspira hoje, a mulher que nos fala de feminilidade e dignidade humana e nos comove, e que é a expressão máxima de consagração total a Jesus Cristo, em cujo nome estamos hoje reunidos.









VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

ENCONTRO COM AS RELIGIOSAS

NO SANTUÁRIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

Washington, 7 de Outubro de 1979



Queridas Irmãs

A graça, o amor e a paz de Deus nosso Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo estejam convosco.

Estou satisfeito por ter ocasião de vos falar hoje. Estou contente por esta oportunidade, pela estima que nutro pela vida religiosa e pela gratidão que sinto em relação às Irmãs, pelo seu inestimável contributo na missão e na vida autêntica da Igreja.

Estou contente sobretudo por nos encontrarmos reunidos aqui, no Santuário Nacional da Imaculada Conceição, pois a Virgem Maria é o modelo da Igreja, a Mãe dos fiéis e o exemplo perfeito de vida consagrada.

1. No dia do Baptismo recebemos o maior dos dons que Deus pode conceder aos homens e às mulheres. Não há honras ou reconhecimentos que lhe possam igualar o valor. Porque fomos libertados do pecado e unidos a Jesus Cristo e ao Seu corpo, a Igreja. Naquele dia, e em todos os dias que se lhe seguiram, fomos escolhidos para sermos santos e imaculados diante de Seus olhos, na caridade (Ep 1,4).

Nos anos que seguiram o nosso baptismo, aumentou a nossa consciência — e até a nossa maravilha — do mistério de Cristo. Escutando as Bem-aventuranças, meditando sobre a Cruz, conversando com Cristo na oração e recebendo-O na Eucaristia, fomo-nos encaminhando para o dia, para aquele particular momento da nossa vida, em que ratificámos solenemente, com plena consciência e liberdade, a nossa consagração baptismal. Afirmámos a nossa determinação de viver sempre em união com Cristo, e de sermos, graças aos dons que nos foram concedidos pelo Espírito Santo, membros generosos e dedicados do Povo de Deus.

2. A vossa consagração religiosa baseia-se neste fundamento comum do Corpo de Cristo que é compartilhado por todos os Cristãos. No desejo de aperfeiçoar e intensificar o que Deus iniciou em nossas vidas com o baptismo, e compreendendo que Deus vos ofereceu de verdade o dom dos conselhos evangélicos, tendes procurado seguir Cristo de mais perto, ajustar, com maior cuidado, as vossas vidas à de Jesus Cristo, dentro e através de determinada comunidade religiosa. É esta a essência da consagração religiosa: professar, no interior e para o bem da Igreja, a pobreza, a castidade e a obediência, em resposta ao particular convite de Deus, para O glorificar e servir numa maior liberdade de coração (Cfr. 1Co 7,34-35) e para que as vossas vidas se conformem mais intimamente a Cristo, tomando como exemplo a Sua vida e a de Sua Mãe bendita (Cfr. Perfectae Caritatis PC 1 Lumen Gentium LG 46).

3. A consagração religiosa não aprofunda apenas a vossa adesão pessoal a Cristo, mas reforça também a vossa relação com a Sua esposa, a Igreja. A consagração religiosa é um modo peculiar de viver na Igreja, uma maneira particular de aderir à vida de fé e de serviço, iniciada com o Baptismo.

Por seu lado, a Igreja ajuda-vos a reconhecer a vontade de Deus. Tendo aceitado e confirmado os carismas dos diversos Institutos de que provindes, ela une assim a vossa actividade religiosa à celebração do Mistério Pascal de Cristo.

Sois chamadas pelo próprio Jesus a verificar e a tornar evidentem, nas vossas vidas e na vossa actividade, a vossa relação profunda com a Sua Igreja. Este elo de união com a Igreja deve manifestar-se, de igual modo, no espírito e no empenhamento apostólico de cada Instituto Religioso. Isto porque a fidelidade a Cristo, sobretudo na vida religiosa, nunca se pode separar da fidelidade à Igreja. Este aspecto eclesial da vocação religiosa consagrada traz consigo, para os próprios Institutos e para todos os indivíduos que deles fazem parte, muitas e importantes consequências no plano prático. Ele implica, por exemplo, maior testemunho público do Evangelho, porquanto vós representais, de modo especial como religiosas, o vínculo nupcial entre a Igreja e Cristo. A dimensão eclesial exige, além do mais, por parte dos indivíduos e de todos os Institutos, a fidelidade aos carismas que Deus, no princípio, deu à Sua Igreja através dos vossos fundadores e das vossas fundadoras. Quer isto dizer que os Institutos são chamados a continuar a promover, com fidelidade dinâmica, os carismas corporativos que se referem ao carisma originário, que foi autenticado pela Igreja, e satisfaz ainda importantes necessidades do povo de Deus. Um bom exemplo, a este propósito, é o sistema escolar católico, que tem sido de inestimável valor para a Igreja nos Estados Unidos, e meio excelente não só para transmitir o Evangelho de Cristo aos Estudantes, mas também para penetrar toda a comunidade com a verdade de Cristo e com o Seu amor. É este um dos apostolados aos quais as religiosas deram, e continuam a dar, incomparável contributo.

4. Queridas Irmãs em Cristo: Nas vossas vidas, Jesus deve ser sempre o primeiro. A Sua pessoa deve ser o centro da vossa actividade — da actividade de todos os dias. Nenhuma outra pessoa nem nenhuma outra actividade devem ter primazia sobre Ele. Porque toda a vossa vida foi a Ele consagrada. Afirmamos com São Paulo: Assim poderá conhecê-l'O, a Ele, à força da Sua Ressurreição e à comunhão nos Seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte (Ph 3,10).

Cristo só continuará a ser o primeiro nas vossas vidas, quando ocupar o primeiro lugar nas vossas mentes e nos vossos corações. Por isso deveis unir-vos continuamente a Ele na oração. Sem oração a vida religiosa não tem significado. Perde o contacto com a sua nascente, esvazia-se na substância, e já não pode atingir a sua finalidade. Sem oração não haverá para vós nem alegria, nem esperança, nem paz. Porque é a oração que vos mantém em contacto com Cristo. São para nós motivo de reflexão as palavras incisivas da Evangelica Testificatio: "Não esquecer o testemunho da História: a fidelidade à oração ou o seu abandono são a prova da vitalidade ou da decadência da vida religiosa" (Evangelica Testificatio, 42).

5. Na vida religiosa actuam duas forças dinâmicas: o vosso amor a Jesus — e, em Jesus, a todos aqueles que Lhe pertencem — e o Seu amor por vós.

Não podemos viver sem amor. Se não encontrarmos o amor, se o não experimentarmos e o não fizermos nosso, se não participamos inteiramente do amor, a nossa via, não tem significado. Sem amor ficamos incompreensíveis a nós mesmos (Cfr. Redemptor Hominis RH 10).

Por isso cada uma de vós tem necessidade de viver com o Senhor uma vibrante relação de amor, uma profunda união de amor com Cristo, vosso esposo, um amor como este de que nos fala o salmo: Vós, Senhor, sois o meu Deus, anseio por Vós. A minha alma está sedenta de Vós, e o meu corpo por vós anela, numa terra árida, exausta, sem água. Desejo contemplar-Vos no Santuário para ver o Vosso poder e a Vossa glória (Ps 63,1-2).

Todavia, muito mais importante do que o vosso amor por Cristo é o amor de Cristo por vós. Vós fostes chamadas por Ele, fostes feitas membros do Seu corpo, consagradas numa vida de conselhos evangélicos, e destinadas, por Ele, a participar da missão por Cristo confiada à Igreja: a Sua própria missão de salvação. Por este motivo centra-se a vossa vida na Eucaristia. Na Eucaristia celebrais a Sua morte e Ressurreição e recebeis d'Ele o Pão da vida eterna. E sobretudo na Eucaristia que vos unis Àquele que é o objecto de todo o vosso amor. É aí, com Ele, que encontrais motivos sempre mais válidos para amar e servir os Seus Irmãos e Irmãs. É aí, com Ele — com Cristo —, que encontrais cada vez maior compreensão e participação na vida do povo de Deus. E é aí que vós encontrais a força para perseverar no vosso compromisso de serviço abnegado.

6. O vosso serviço na Igreja é, portanto, prolongamento de Cristo, aquele a quem dedicastes a vossa vida. Porque não sois vós que vos evidenciais, mas Cristo Jesus nosso Deus. Como João Baptista, vós sabeis que, para Cristo se evidenciar, deveis pôr-vos de lado. Por isso deve a vossa vida caracterizar-se por completa disponibilidade: prontidão em fazer o que exigem as necessidades da Igreja, prontidão em dar testemunho do Cristo que amais.

A necessidade deste testemunho público torna-se apelo constante à conversão interior, à justiça e à santidade de vida por parte , de todos os religiosos. Toma-se também convite para cada Instituto reflectir sobre a pureza do seu testemunho eclesial comunitário. É por este motivo que, no passado mês de Novembro, no meu discurso à União Internacional das Superioras-Gerais, afirmei que não é para depreciar o facto de a vossa consagração a Deus se dever manifestar no sinal exterior permanente de um simples e próprio habito religioso. Esta não é apenas convicção pessoal; é também o desejo da Igreja, expresso muitas vezes por um grande número de fiéis.

Como filhas da Igreja — título amado por tantos vossos grandes santos — vós sois chamadas a uma generosa e amorosa adesão ao magistério autêntico da Igreja, que é sólida garantia da fecundidade de todo o vosso apostolado e condição indispensável para a apropriada interpretação dos "sinais dos tempos".

7. A vida religiosa ocupa, hoje como sempre, um lugar de grande relevo na Igreja. Na vida mesma de Jesus encontramos a oração de contemplação, e ela fez parte da vida dos religiosos de todas as épocas. Por isso aproveito esta oportunidade — como o fiz em Roma, no México e na Polónia — para encorajar todos os que fazem parte de comunidades contemplativas. Sabei que ocupareis sempre lugar importante na Igreja, na sua missão de salvação, no seu serviço à inteira comunidade do povo de Deus. Continuai — com fidelidade, com confiança e com a oração — a rica tradição que vos foi transmitida.

Para concluir, recordo-vos, com sentimentos de admiração e de amor, que a finalidade da vida religiosa é a de honrar e glorificar a Santíssima Trindade e, através da vossa consagração, a de ajudar a humanidade, a atingir a plenitude de vida no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Procurai, em todos os vossos projectos e em todas as vossas actividades, ter sempre diante de vós este fim. Não podereis prestar maior serviço; não podereis receber recompensa maior. Queridas Irmãs, agora e sempre, seja dada glória a Jesus Cristo!






Discursos João Paulo II 1979 - Sábado, 6 de Outubro de 1979