Discursos João Paulo II 1980 - Sábado, 9 de Fevereiro de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA COMISSÃO


«JUSTITIA ET PAX»


9 de Fevereiro de 1980



1. É com alegria que vos saúdo a todos aqui, esta manhã, membros da Pontifícia Comissão «Justiça e Paz» e membros do seu Secretariado, que participantes na XIII Assembleia geral da Comissão, que é também a terceira depois da aprovação definitiva dos seus estatutos.

Vindos de diferentes continentes, consagrastes estes dias, fora de Roma, a uma aprofundada reflexão comum, tendo cada um contribuído para a compreensão dos problemas da ordem do dia, trazendo a experiência da própria vida, da pátria, da Igreja no seu país e da sua própria cultura.

2. Recordo-me ainda muito bem do nosso primeiro encontro, alguns meses depois da minha eleição para a Sé de Pedro. Nessa ocasião disse-vos: «Eu conto convosco, conto com a Pontifícia Comissão «Justiça e Paz» para me ajudar e para ajudar toda a Igreja a revelar-se aos homens deste tempo... Não tenhais medo!... Escancarai as portas a Cristo!» (L'Osservatore Romano, 9 de Dezembro de 1978, p. 4). Quero hoje repetir-vos uma vez mais que conto com todos vós, sabendo que é vosso desejo dar esta ajuda a mim próprio e a toda a Igreja.

Trata-se de uma missão nobre que é, antes de mais, um serviço. Com efeito, esta Comissão foi criada para isso: para estar ao serviço do Papa, dos Bispos e, portanto, de toda a Igreja. Este serviço que prestais à Igreja dentro da Cúria romana é uma razão de legítimo orgulho e de alegria interior; é também uma razão de acção de graças a Deus de quem somos todos servidores, e a Cristo «centro do Cosmos e da história» (Redemptor hominis RH 1), e, por consequência, centro da nossa vida, dos nossos esforços e do nosso trabalho.

3. No decorrer do vosso encontro em Nemi, discutistes muitos assuntos que se revestem de um interesse particular para a Igreja e para o mundo dos nossos dias. Examinastes, de novo e de modo particular, o tema fundamental que é uma das razões de ser da vossa Comissão — o desenvolvimento. Trata-se de uma realidade em. constante evolução no decorrer destes últimos dez anos, pondo problemas que devem ser abordados em cada reunião, num contexto diferente, dado que tal realidade não deixa nunca de se referir às exigências fundamentais que são o bem das pessoas e da sociedade. Sei que abordastes este problema para perceber a palavra própria que a Igreja poderá oferecer como contribuição ao debate em que estão interessadas muitas pessoas, muitos grupos e sociedades diferentes.

No que se refere ao desenvolvimento, quero aqui lembrar quanto disse na vigésima Conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Novembro passado: «Mas o aperfeiçoamento da pessoa supõe... a realização concreta das condições sociais que formam o bem comum de cada comunidade política nacional, como do conjunto da comunidade internacional. Tal desenvolvimento colectivo, orgânico e contínuo, é o pressuposto indispensável para assegurar o exercício concreto dos direitos do homem, tanto dos que têm conteúdo económico como dos que dizem directamente respeito aos valores espirituais. Tal desenvolvimento requer, todavia, para constituir a expressão de uma verdadeira unidade humana, ser obtido apelando para a participação livre e para a responsabilidade de todos, no campo público como no campo privado, a nível interior como a nível internacional» (Discurso à FAO, 12 de Novembro de 1979).

4. No momento em que se anuncia o Terceiro Decénio do Desenvolvimento, proclamado pelas Nações Unidas, no momento também em que tantos povos se debatem com problemas esmagadores no referente ao seu futuro económico e social, a Igreja não se pode furtar ao seu dever de estar presente, de testemunhar com a sua palavra, de estender a mão para ajudar. Ela fá-lo-á, porque sabe ser a voz evangélica que proclama sempre que a medida de todo o desenvolvimento real é a integridade e o respeito da pessoa humana.

Esta palavra da Igreja, e a preocupação de todos os cristãos, devem ser sempre a expressão da inspiração evangélica. Sendo assim, a Igreja deve encorajar as forças vivas da sociedade a porem em prática os recursos disponíveis para dar solução aos problemas que atingiram uma complexidade até agora desconhecida. Ela oferecerá a sua contribuição em função e de acordo com a sua própria missão. O meu grande predecessor, o Papa Paulo VI, punha em relevo esta exigência evangélica quando dizia, na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, que «a evangelização não seria completa se ela não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social dos homens. E por isso que a evangelização comporta uma mensagem explícita — como ele dizia —, adaptada às diversas situações e continuamente actualizada: sobre os direitos e deveres de toda a pessoa humana...; sobre a vida em comum da sociedade; sobre a vida internacional, a paz, a justiça e o desenvolvimento» (Evangelii nuntiandi EN 29).

5. É este o caminho para definir, em cada etapa e no contexto de cada nova situação, o papel e a contribuição da Igreja no domínio do desenvolvimento. Guiados por esta palavra, podemos procurar todos, vós e eu, exprimir em termos claros a mensagem do Evangelho para os homens que vivem hoje em condições que evoluíram profundamente.

Um dos factores determinantes, no novo contexto do desenvolvimento, é a interacção existente entre os problemas do desenvolvimento e as ameaças contra a paz que, na hora actual, apresentam formas novas e reais. Tive ocasião de lembrar, perante a Assembleia geral da Organização das Nações Unidas, no dia 2 de Outubro transacto, a regra constante da história do homem que indica a relação estreita existente entre os direitos do homem, o desenvolvimento e a paz: «Esta regra baseia-se na relação entre os valores espirituais e os valores materiais ou económicos. Nesta relação o primado pertence aos valores espirituais em atenção à própria natureza desses valores e aos motivos que se relacionam com o bem do homem. O primado dos valores do espírito define o significado dos bens terrestres e materiais bem como o modo de os utilizar e, por isso mesmo, está na base da paz justa. O primado dos valores espirituais contribui, por outro lado, para que o desenvolvimento técnico e o desenvolvimento da civilização estejam ao serviço daquilo que constitui o homem, o que é o mesmo que dizer que lhe permitem o acesso pleno à verdade, ao desenvolvimento moral, à possibilidade de usufruir totalmente dos bens da cultura que herdámos, e à multiplicação destes bens pela nossa criatividade» (Discurso às Nações Unidas, 14).

6. Na minha mensagem para o Dia Mundial da Paz falei das ameaças que têm a sua origem em todas as formas de «não verdade». A paz é ameaçada quando «reina a incerteza, a dúvida e a desconfiança» (Mensagem para a celebração de Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 1980, n. 4). A incerteza e a mentira criam um clima que afecta os esforços tendentes a realizar, na paz e na fraternidade, o total desenvolvimento dos povos, das pessoas e das sociedades. Um tal clima existe, nos nossos dias, em numerosos domínios da vida colectiva e corre-se o risco de afectar o pensamento e a acção daqueles que se esforçam por assegurar a cada homem e a cada mulher um futuro melhor. Por isso têm as nações o dever de reverem sem cessar as suas posições para que se comprometam num movimento que faça passar «de uma situação mais humana, tanto na vida nacional como na internacional» (Ibidem, 8). Isto exige ser-se capaz de renunciar aos «slogans» e às expressões estereotipadas, para procurar e afirmar a verdade, que é a força da paz. Isto significa ainda estar pronto a colocar, na base e no coração de toda a inquietação política, social ou económica, o ideal e a dignidade da pessoa humana: «Todo o ser humano possui uma dignidade tal que, embora a pessoa exista sempre num contexto social. e histórico concreto, não poderá nunca ser diminuída, ultrajada ou destruída, mas que, ao contrário, deve ser respeitada e protegida, se se quer realmente construir a paz» (Discurso à XXXIV Assembleia geral da ONU, 2 de Outubro de 1979, 12).

7. Os estragos da «não-verdade» manifestam-se na actualidade de modo contundente, com as ameaças de guerra que persistem ou com as que de novo se patenteiam; mas são também visíveis em muitos outros domínios, como os da justiça, do desenvolvimento e dos direitos do homem. Como afirmei na minha encíclica Redemptor hominis (Cfr. Redemptor hominis RH 15) o homem moderno parece ameaçado pelas suas próprias criações e corre o risco de perder o verdadeiro sentido da realidade e o verdadeiro significado das coisas, alienando-se nas suas próprias produções porque não refere constantemente todas as coisas a uma visão centrada sobre a dignidade, a inviolabilidade e o carácter sagrado da vida humana e de todo o ser humano.

É aqui que se manifesta a importância da vossa missão e do vosso trabalho como membros da Pontifícia Comissão «Justiça e Paz». Pertence-vos a vós apresentar, nas relações sociais, aos homens do nosso tempo, o ideal do amor. Este amor social deve ser um contrapeso ao egoísmo, à exploração e à violência; deve ser a luz de um mundo cuja visão corre o risco de ser constantemente obscurecida pelas ameaças da guerra, pela exploração económica ou social e pela violação dos direitos humanos; deve conduzir à solidariedade activa com todos aqueles que querem promover a justiça e a paz no mundo. Este amor social deve reforçar o respeito pela pessoa e salvaguardar os valores autênticos dos povos e das nações bem como as suas culturas. Para nós, o princípio deste amor social, da solicitude da Igreja para com o homem, encontra-se no próprio Jesus Cristo, como o testemunham os evangelhos.

A todos, a vós, caro Senhor Cardeal, que sois uma testemunha infatigável do amor de Cristo para com todos os povos, a vós, caros Irmãos no Episcopado, e a vós todos, membros da Pontifícia Comissão «Justiça e Paz» e do secretariado, dou de todo o coração a minha Bênção, assegurando-vos que recomendo ao Senhor o vosso trabalho: peço-lhe que abençôe Ele mesmo e faça frutificar os vossos esforços generosos.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MONGES E MONJAS


DA ORDEM BASILIANA DE SÃO JOSAFAT


Quinta-feira, 14 de Fevereiro de 1980



Caríssimos irmãos e irmãs no Senhor

Acedi de boa vontade ao desejo de uma Audiência especial, expresso a seu tempo pelo vosso Reverendo Padre Proto-Arquimandrita, pois sei que importância atribuís a este encontro, com que pretendeis solenizar a conclusão do XVI Centenário da morte de São Basílio Magno, em que as vossas Ordens, juntamente com outras, se inspiram, como Fundador e insuperado Modelo.

Ao agradecer ao Reverendo Padre Isidoro Patrylo as palavras tão corteses com que interpretou os sentimentos comuns, dirijo a todos a minha saudação cordial: a vós aqui presentes, como também aos monges e às monjas das vossas Ordens que, nas várias Comunidades dispersas pelo mundo, se esforçam por viver a fiel observância religiosa, apesar das dificuldades não leves que certas situações lhes reservam.

O testemunho de corajoso apego a Cristo, à Igreja e à Regra, que vos é oferecido por estes Irmãos e estas Irmãs, deve servir de exemplo a todos vós e estimular-vos a cada vez mais generosa e coerente adesão à graça singular da vocação, seguindo as pegadas daquele para quem olhais como para legislador e mestre.

A lição de São Basílio, penetrada como está por um autêntico "census Christi", mantém-se actualíssima até nos nossos dias. Não é significativo, a este propósito, começar a Regra pela afirmação da centralidade do mandamento do amor a Deus e ao próximo, a cujas exigências a espiritualidade moderna é tão sensível e presta tão grande atenção? O itinerário ascético, que São Basílio traça, todo se orienta para a realização deste ideal.

Se o monge se empenha em purificar o coração mediante a prática da pobreza, do silêncio, do desapego e daquela típica virtude basiliana que é a "atenção a si", fá-lo porque a sabedoria, que leva ao conhecimento e portanto ao amor de Deus, floresce nos corações puros. Também a dedicação humilde e assídua à oração e ao recolhimento, que tantas vezes recomenda a Regra, encontra justificação na confiança, fundada na palavra de Cristo, de poder chegar assim mais depressa a ter Deus "no coração da alma" (Cfr. Parvum Ascetikon, Q. II, nn. 14 ss. e noutros pontos).

O outro pólo do "mandamento máximo", o amor do próximo, tem raízes profundas no coração humano. Bem o sabe São Basílio: "Quem é que ignora — pergunta — que o homem é animal dotado de amor e comunicabilidade, e não alguma coisa selvagem e feroz?" (Ibid., Q. II, n. 67). O Bispo de Cesareia conhece, ainda, porém, a grande perturbação que trouxe o pecado ao coração humano. Não se cansa, por isso, de recordar aos seus monges que a possibilidade de uma pessoa se dedicar com amor às obras de misericórdia para com o próximo, é fruto de luta prolongada e dura com o próprio orgulho, com os pensamentos maus e com o seu egoísmo. Só quem sabe conservar o coração "intacto" (Ibid., n. 85), subtraindo-o às sugestões dos entusiasmos passageiros e dispersivos (Cfr. ibid., n. 83), pode exprimir na sua vida uma autêntica capacidade de doação. Nesse esforço altruísta, encontrará ele, por outro lado, o segredo da plena realização pessoal, pois "quem ama o próximo aperfeiçoa a sua caridade para com Deus, porque Ele próprio recebe em si tudo o que é feito para bem do próximo" (Ibid., n. 77).

São estas algumas "pérolas" do riquíssimo tesouro encerrado no "escrínio" da Regra. A vós toca tirar dele proveito, mediante o esforço, cada dia renovado, de traduzir na vida quanto a reflexão pessoal sobre as lições do vosso mestre e pai vos fizeram descobrir. Com as suas mesmas palavras desejo também eu exortar-vos cordialmente a conservardes na vossa vida este primado do amor a Deus e ao próximo, dedicando-vos com solicitude incansável "a quanto há de mais eminente e perfeito: de maneira que passeis cada período da vossa vida na busca das coisas melhores e na aprendizagem das mais úteis" (Parvum Ascetikon, Proem., nn. 7-8).

Com estes auspícios, invoco sobre vós e sobre o vosso compromisso religioso, que é activo e contemplativo ao mesmo tempo, a abundância dos favores celestiais, ao mesmo tempo que, levado de particular efusão de afecto, concedo a vós e aos que formam as vossas respectivas Ordens a propiciatória Bênção Apostólica.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DIRIGENTES E PESSOAL DA RAPTIM


15 de Fevereiro de 1980



Queridos irmãos e irmãs

Tenho o prazer de receber-vos nesta casa ao celebrar-se felizmente o 25° aniversário da abertura em Roma da Agência italiana da vossa organização.

Saúdo-vos muito cordialmente, agradecendo-vos terdes desejado esse encontro. Quero também assegurar-vos o meu apreço pela vossa singular actividade, ao mesmo tempo que me apraz recordar aqui o significado da sigla RAPTIM, que vos distingue; ela é o acróstico da palavras: « Romana Associatio Pro Transvehendis Itinerantibus Missionariis ». A expressão é muito eloquente, e mais eloquente é a realidade indicada: isto é, a aproximação da Sé Apostólica, e o propósito de favorecer as deslocações dos missionários de Cristo pelo mundo inteiro. Pois bem, desejaria que este programa fosse sempre o vosso distintivo de honra.

Ambiciono sinceramente que valham para cada um de vos as belas palavras, que o Apóstolo João escreve ao desconhecido destinatário da sua Terceira Carta: Caríssimo, tu procedes fielmente em tudo o que fazes para com os irmãos, apesar de serem estrangeiros. Eles deram testemunho da tua caridade diante da Igreja. Farás bem provendo-os do necessário para a viagem de modo digno de Deus... Portanto, devemos recebê-los, para cooperarmos com eles na verdade (3Jn 1,5-8). Este texto poderia ser até certa medida o vosso luminoso ponto de referência e motivo de estímulo para a vossa actividade. Além disso, vale sem dúvida também para vós o dito de Jesus, que promete recompensa certa a quem der, uma pequena ajuda que seja, a um discípulo Seu; com efeito, quem ajuda um missionário terá a recompensa de missionário (Cfr. Mt 10,40-42). Assim vós participais do entusiasmo e do amor prático, que tanto caracterizaram a Igreja desde as suas origens.

Animo-vos paternalmente a que prossigais com empenho, segundo o caminho que iniciastes há 25 anos. Será coisa seguramente muito frutuosa, se procurardes unir sempre esta dimensão espiritual à competência técnica que vos é própria. Não vigore nunca uma sem a outra, para não correrdes o perigo de ficar só em boas intenções ou vos limitardes a ser empresa meramente profana.

E o Senhor vos encha das Suas graças, em penhor das quais vos concedo cordialmente a Bênção Apostólica, que tenho o prazer de tornar extensiva a todos os que trabalham na vossa organização nos vários continentes.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À JUNTA E AO CONSELHO PROVINCIAL DE ROMA


Sábado, 16 de Fevereiro de 1980



Senhor Presidente

Esta visita que Vossa Excelência — juntamente com os Excelentíssimos Assessores e Conselheiros Provinciais de Roma — me faz hoje, e as significativas palavras, com que realçou o sentido e valor desta prova de deferência e interesse pelo Papa, despertam no meu ânimo profundo apreço.

Agradeço comovidamente a Vossa Excelência, e a todos os ilustres visitantes que o rodeiam, esta presença que desperta no meu coração aquela que tenho sempre diante dos meus olhos, da dilecta população romana e da Província inteira, população que não cessa de circundar de afecto e veneração o próprio Pastor, nas visitas às Paróquias e às Comunidades cristãs.

A ocasião leva-me também a exprimir a minha satisfação pelas relações reciprocamente respeitosas, que medeiam entre essa Administração Provincial e a Autoridade Eclesiástica, e ao mesmo tempo para dar expressão aos meus votos e auspícios.

O primeiro voto e auspicio é que a Província romana, que forma a parte mais celebrada do antigo Lácio, não venha nunca a perder a consciência do seu singular património moral e religioso, no qual entra também a herança espiritual de São Bento, de que Vossa Excelência, Senhor Presidente, fez oportuna menção, herança que, passados quinze séculos, brilha ainda na Europa e no mundo como lâmpada de fraternidade, unidade e concórdia.

Seja este património fonte de inspiração para moderno desenvolvimento e para estímulo de recuperação daqueles valores, de que hoje sentimos mais urgente a carência na nossa sociedade, tão provada pela violência cega e absurda. Desejo-vos que tenhais sempre urna solicitude incondicionada tanto pela promoção dos valores superiores mais altos do espírito como pela prosperidade dos cidadãos e pelas reais necessidades que sofrem. Dir-vos-ei, com as mesmas palavras do meu venerado Predecessor Paulo VI, tende "mais vigilante e mais activo cuidado onde as necessidades do povo forem maiores; as necessidades, por exemplo, de bom acolhimento às pessoas que afluem à Cidade Eterna — peregrinos, turistas e imigrados; as necessidades sanitárias das classes menos favorecidas; e as necessidades da cultura, a profissional especialmente, que é padrão do desenvolvimento económico e civil do nosso tempo" (Cfr. Insegnamenti di Paolo VI, 1963, pág. 72).

A Província de Roma deve conservar o seu aspecto mais característico e inconfundível que é o aspecto cristão, a que o património histórico e artístico deve imprimir animação viva e nova, que seja sempre digna da sua verdadeira nobreza. Estou certo que essa Administração — ao lado do empenho e dos esforços para garantir trabalho, casa e instrução a todos, com particular atenção aos jovens — não deixará de considerar também as exigências da vida religiosa da população, quanto ela é da sua competência.

Desejo, por último, que deste modo as relações recíprocas entre a Autoridade eclesiástica e a civil da Província de Roma contribuam mais e mais — cada uma na sua esfera de actividade — para conservar entre a população, no ânimo dos cidadãos e, diria, na atmosfera mesma desta terra, aquelas características inconfundíveis de dignidade e costumes morais, que foram impressas por séculos de história civil e religiosa, e não devem diminuir nunca na consciência de um povo civilizado.

Com estes pensamentos e estes votos, ao mesmo tempo que exorto todos vós a continuar a obra destinada à promoção do bem comum, invoco para vós, da parte do Senhor, amparo e protecção, de que deseja ser penhor a Bênção que de coração concedo, alargando-a à população inteira por vós representada.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO CONSELHO NACIONAL


E AOS SECRETÁRIOS REGIONAIS


PARA AS VOCAÇÕES


Sábado, 16 de Fevereiro de 1980



Alegro-me sinceramente por este encontro convosco, mesmo que seja brevemente, Membros do Conselho Nacional e Secretários Regionais para as Vocações, reunidos nestes dias em Roma para juntos reflectirdes sobre os problemas concernentes à «promoção vocacional», sob os cuidados da Conferência Italiana dos Superiores Maiores.

1. Devo manifestar-vos, antes de tudo, a minha viva satisfação e o meu paterno encorajamento pelo vosso especial empenho pastoral, difícil e delicado — é verdade — mas altamente meritório em relação a toda a Igreja.

A vocação religiosa, como a sacerdotal, é um dom admirável que Cristo concedeu à sua Esposa, e, portanto, por ela deve ser guardado e conservado com zeloso amor. A Igreja toda, para tal fim, é empenhada a rezar incessantemente, vigiar. assiduamente, proclamar com fé o valor imorredoiro da consagração total e definitiva a Deus, e no multiplicar a própria generosidade a fim de que se difunda o ideal da vocação vivida na prática constante dos conselhos evangélicos da castidade, pobreza e obediência, de modo que não faltem, no harmonioso desenvolvimento do Corpo Místico, homens e mulheres que nos mosteiros,. nas escolas e hospitais, e nas missões, pela constante e humilde fidelidade à sua consagração, honrem a Esposa de Cristo, e prestem os mais generosos e diversos serviços a todos os homens (Cfr. Lumen Gentium LG 46).

2. Certamente, para viver em plenitude as exigências da vocação religiosa ou sacerdotal, são necessários constante espírito de sacrifício e domínio de si. Mas vale a pena enfrentar tais dificuldades para responder com ardente generosidade ao convite de Jesus: «Segue-me!» (Cfr. Mt 19,21 Lc 18,22). Tal capacidade de doação a Jesus está, por acaso, diminuída nos homens e nas mulheres da nossa época? Penso que todos estamos convictos que os homens e as mulheres de hoje, e em particular os jovens e as jovens, têm uma tal exigência de verdade, de justiça, de amor, de solidariedade, de ideal, que os torna disponíveis a viver em profundidade a experiência exaltante da vocação religiosa.

E o auspício comum é que haja muitos a seguir o convite de Cristo, recordando as palavras de Santo Agostinho: «Non sitis pigri qui potestis, quibus adspirat Deus apprehendere gradus meliores... Aspice eum quite ducit, et non respicias retro, unde te educit. Quite ducit, ante te ambulai; unde te educi, post te est. Ama ducentem...» «Não sejais negligentes, vós que podeis, vós que sois convidados por Deus a subir mais alto... Olha para aquele que te guia, e não olhes para trás, de onde ele te tirou. Aquele que te guia, caminha à tua frente; o lugar de onde te faz sair, está por detrás de ti. Ama aquele que te guia...» (Enarr. in Psal. 76, 16; PL 36, 368 s).

3. Ao concluir este nosso breve encontro, desejo dirigir o meu pensamento a todos os Religiosos e Sacerdotes que vivem dia a dia a sua vocação, fiéis ao empenho assumido, humildes e escondidos construtores do Reino de Deus, que irradiam pelas suas palavras, comportamento e vida a luminosa alegria da escolha feita. São justamente tais religiosos e sacerdotes que, mediante o seu exemplo, estimularão tantos a acolher no seu coração o carisma da vocação. Recordo-lhes o que recomendou o Concílio Vaticano II: «Solicitamente cuidem os religiosos que através deles a Igreja possa, de facto, manifestar sempre melhor Cristo tanto aos fiéis como aos infiéis. Por eles a Igreja apresenta Cristo, ora contemplando no monte, ora anunciando o Reino de Deus às multidões, ora curando os enfermos e feridos e convertendo os pecadores ao bom caminho, ora abençoando as crianças e fazendo bem a todos, mas sempre obediente à vontade do Pai que O enviou» (Cfr. Lumen Gentium LG 46).

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe sempre no vosso ministério, tornando-o fecundo de bem para a Igreja.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA VISITA


À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE LATERANENSE


16 de Fevereiro de 1980



1. Depois das minhas recentes visitas à Universidade de São Tomás de Aquino e à Universidade Gregoriana, não podia faltar — caríssimos Irmãos e Filhos, superiores, professores, alunos e ex-alunos da Pontifícia Universidade Lateranense — um encontro convosco, igualmente agradável e significativo, dada a importância que este insigne Centro de estudos reveste diante do mundo católico e dado ainda o apertado laço que, por vontade dos Sumos Pontífices, sempre o uniu e une com a Sé Apostólica. Como se encontra junto à Patriarcal Basílica de São João — a Catedral do Papa —, ele exprime eloquentemente, diria até com a sua mesma colocação topográfica, singular posição de dignidade e de responsável compromisso no campo das ciências sagradas, tendo em vista as necessidades espirituais da diocese de Roma, que possui aqui ao lado o seu Seminário Maior, e tendo também em vista outras Igrejas particulares que enviam para aqui os próprios estudantes.

E porém desejo meu, antes de tudo, apresentar uma calorosa e distinta saudação a todos os representantes e aos membros da vida académica. Saúdo afectuosamente o Senhor Cardeal Vigário na sua qualidade de Grão-Chanceler e, com ele, os Purpurados e os Prelados que formam coroa à sua volta, saúdo o Comissário, Monsenhor Pangrazio, e o Reitor Magnífico, os colaboradores da Reitoria, seguindo a ordem das várias Faculdades e Institutos, e quantos numas e noutros trabalham: os decanos e os presidentes, os professores e os jovens. A saudação abrange também aqueles que pertencem às diversas sedes de estudo, que, por meio de filiação, se ligaram a esta Lateranense, para garantia de um conveniente nível didáctico e da necessária continuidade na investigação científica: embora sejam comunidades fisicamente longínquas, eu considero-as esta tarde presentes no meio de nós, como rebentos vitais e viçosos de uma planta fecunda. E apraz-me, já na abertura, dirigir uma palavra a essas filiações que, se no caso testemunham disponibilidade para a assistência, vontade de colaboração e — queria quase dizer — pronunciado sentimento da «comunhão cultural», recordam também de algum modo aquela relação, que a Sacrossanta Igreja Lateranense, tamquam mater et caput, tem com as Igrejas espalhadas pelo mundo.

2. Vós constituís, portanto, a título especial a Universidade do Papa: título indubiamente honroso, mas por isso mesmo também oneroso (Honor-onus). Queremos agora reflectir naquilo que traz consigo, em concreto, a mencionada qualificação.

Já só ao dizer Universidade Católica — como ensina o Concílio Vaticano II —, se quer dizer escola de grau superior que «realiza» uma presença pública, constante e universal, do pensamento cristão, e serve para demonstrar como Fé e Razão convergem na verdade única (Cfr. Decr. Gravissimum Educationis GE 10). E dizendo Universidade eclesiástica — como recordei na recente Constituição Apostólica Sapientia Christiana (Const. Apost. Sapientia Chistiana III) — entende-se uma daquelas «que se ocupam especialmente da Revelação cristã e das disciplinas que lhe estão ligadas, e, por isso, mais intimamente se ligam à própria missão evangelizadora da Igreja». E que se deverá, mais ainda, entender quando se diz Universidade Pontifícia? Bem compreendeis que estes adjectivos mencionados não estão entre si sem articulação recíproca, mas pelo contrário se encontram ordenados «in crescendo» a partir da base, já de per si tão nobre e digna, da existência mesma de uma Universidade, que é domicílio eleito da ciência «qua talis» e lugar metodologicamente apropriado e constituído, para as investigações necessárias até se chegar a tal ciência. Uma Universidade Pontifícia aparece, como no vértice, na sua função indispensável educativa e didáctica ao serviço da fé cristã: serviço que, no caso desta Universidade, se concretiza no dever específico de fornecer adequada preparação pastoral e doutrinal aos Seminaristas e aos Sacerdotes, para ajuda do ministério nas respectivas dioceses. Quem sai do Latrão, precisamente devido ao que recebeu nele, é chamado a missões de particular responsabilidade para a animação do Povo de Deus e até para a formação permanente do Clero.

Esta convergência de articulações e títulos não. pode deixar de ter rigoroso fundamento, à maneira de ponto de partida obrigatório: a fidelidade a toda a prova aos conteúdos autênticos do Clero e, portanto, ao órgão que os propõe e interpreta, isto é, ao Mistério vivo dos legítimos Pastores da Igreja, a começar pelo do Romano Pontífice. Eis a razão porque, numa Universidade como esta, o natural rigor do procedimento científico se relaciona intimamente com o respeito absoluto da Redenção divina, confiada à Cátedra de Pedro. Estes elementos fundamentais são os indeclináveis pólos de referência, de que não lhe será nunca lícito desviar-se ou apartar-se, sob pena de inutilizar a sua identidade. Com efeito, faltando um, desceria a Universidade ao nível de escola de ordem secundária, em que por motivos óbvios não pode haver nem investigação nem descoberta, nem criatividade; faltando o outro — digo, a fidelidade ao que está revelado —, ela encaminhar-se-ia para fatal decadência quanto àquele altíssimo «ministério de magistério», que a própria Igreja, como primeira destinatária do Euntes... docete de Cristo ressuscitado (Mt 28,19), lhe confiou ao erigi-la. E, num caso como noutro, não poderia ela fugir a um sério perigo: o de não corresponder às razões da Ciência ou às da Fé.

3. São palavras exageradas estas? Não, sem dúvida, se considera-mos quanto é exigente o actual contexto cultural, e quanto é urgente, ao mesmo tempo, e quão necessária a activa, fecunda e estimulante circulação nela, do pensamento católico. Os nossos tempos, Irmãos e Filhos caríssimos, não são tempos de ordinária administração, em que seja permitido descansar em hábitos de passiva estagnação, ou possa julgar-se que basta repetir, pouco mais que mecanicamente, conceitos e fórmulas. Os homens do nosso tempo, bem mais que os das gerações passadas, muito desenvolveram o próprio sentido crítico: querem ver, querem saber, querem dar-se conta e quase tocar com a mão. E têm razão. Ora, se isto vale para as disciplinas profanas, mais vale para as sagradas, para a teologia dogmática e para a teologia moral sobretudo, nas quais aquilo que se aprende não fica suspenso no vácuo; tem, deve ter, aplicação prática e — reparai bem — pessoal em toda a força do termo. Dir-me-eis que também as leis da química, da física, da biologia, etc., comportam semelhantes aplicações; é verdade, mas diversíssimo é o sentido e de muito maior consequência é o alcance de certos dogmas religiosos e certas leis morais, que a luz da Revelação divina estabelece. Nestes sectores, de facto, há a responsabilização directa das pessoas, porque se trata de verdades vitais, que atingem a consciência de cada indivíduo e interessam a sua vida presente e futura.

Não me porei todavia a repetir tudo quanto já afirmei na sede da Universidade Gregoriana. Direi simplesmente que, se toda a Universidade deve ser forja de saber científico, a Universidade Pontifícia deve funcionar — graças ao esforço generoso e coordenado de todos os seus elementos — como centro propulsor de uma ciência teológica segura e abundante, aberta, dinâmica e juvenil, a burbulhar — como água puríssima de fonte — de uma inexausta reflexão a respeito da Palavra de Deus. Esta é precisamente a missão que tem pois também sobre ela — como sobre cada cristão — pesa o dever de estar sempre pronta a responder a quem quer que peça razão da esperança que está em nós (Cfr. 1P 3,15).

4. Mas tendo presentes a fisionomia peculiar e as características da Lateranense — como a sua dependência directa do Papa, o papel que nela desempenha o Clero secular e o seu destino primário em favor do sacerdócio ministerial —, parece-me que tanto mais claro, convincente e crível será o seu testemunho, quanto mais e melhor o ensino nela dado, e a investigação que nela se realiza, corresponderem a certos critérios. Desejo, por isso, recordá-los e recomendá-los.

a) O primeiro critério — como já insinuei — é a fidelidade, que deve entender-se não em sentido genérico nem, menos ainda, no sentido minimizante de a pessoa se manter dentro dos confins da ortodoxia, evitando desvios e posições em contraste com os enunciados do Símbolo Apostólico, dos Concílios Ecuménicos, do Magistério ordinário e extraordinário. Não basta! Fidelidade quer ser, deve ser, decidida e estável orientação, que inspira e segue de perto a investigação: significa colocar aquela Palavra de Deus, que a Igreja «ouve religiosamente» (Cfr. Const. Dogm. Dei Verbum DV 1), na origem mesma do processo teológico e referir a ela cada uma das aquisições e conclusões, a que sucessivamente se vai chegando; inclui confronto atento e permanente com o que a Igreja crê e professa. Fidelidade não significa esquivar responsabilidades, não é atitude falsamente prudente que renuncie a aprofundar e a meditar; leva, pelo contrário, a indagar, a esclarecer e a elaborar — quanto é possível — a verdade em todas as riquezas de que Deus a dotou; preocupa-se com a sua mais conveniente apresentação. A fidelidade é exercício de obediência: é reflexo daquela «obediência de fé», de que fala São Paulo (Rm 1,5 Rm 16,26 cfr. Rm 10,16).


Discursos João Paulo II 1980 - Sábado, 9 de Fevereiro de 1980