Discursos João Paulo II 1979 - 26 de Novembro de 1979

3. Mas há sobretudo outro motivo, que justifica e exige o estado religioso. Num tempo e num mundo em que está iminente o risco de se construir o homem numa só dimensão, que inevitavelmente acabará por ser a historicista e imanentista, são chamados os Religiosos a manter alto o valor e o sentido da oração adoradora, não isolada mas participando no empenho vivo dum generoso serviço prestado aos homens, a qual exactamente nessa participação vai encontrar possibilidade e entusiasmo.

Trata-se dum programa de vida que, mais ainda do que do Clero secular, é especialmente próprio dos Religiosos desenvolver e encarnar, mediante a fé e a alegre observância dos conselhos evangélicos, insistindo especialmente na imediata comunhão com aquele que habita na luz inacessível, que não foi nem pode ser visto por homem algum (1Tm 6,16) . De vós devem os homens aprender a dar-Lhe honra e reconhecer-lhe o poder eterno (Ibid.), sem isto esterilmente os separar dos seus compromissos temporais; pelo contrário, de maneira que estes fiquem até salutarmente focados e fecundamente orientados para se elevarem até Cristo, no qual foram também reunidas todas as coisas que há no céu e na terra (Ep 1,10).

A sociedade actual quer ver nas vossas Famílias quanta harmonia existe entre o humano e o divino, entre as coisas visíveis e as invisíveis (2Co 4,18), e quanto as segundas superam as primeiras, nunca porém banalizando-as ou humilhando-as, mas vivificando-as e elevando-as até à medida do plano eterno da salvação. Oração e trabalho, acção e contemplação: são binómios, que nunca sofrem em Cristo contraposições antitéticas, mas pelo contrário chegam à maturidade em mútua complementaridade e fecunda integração. Pois bem, a missão do testemunho dos Religiosos é exactamente esta: mostrar ao mundo de hoje quanta humanidade está inerente ao mistério de Cristo (Cfr. Tit Tt 3,4) e ao mesmo tempo quanto de transcendente e de sobrenatural é requerido pelo compromisso entre uns homens e outros (Cfr . Sl. Ps 127).

4. Esta síntese harmoniosa constitui também, afinal, o verdadeiro motivo da vossa penetração e da vossa atracção sobre os homens e em especial sobre os jovens de hoje. E é também, baseada num são equilíbrio entre valores humanos e cristãos, que a vida religiosa pode renovar-se, purificar-se e resplandecer cada vez mais, como está nos desejos de todos. Não faltarão certamente dificuldades, riscos e tensões, que bem conheceis. Mas não deve haver a ilusão de resolver as inevitáveis provas recorrendo a uma óptica unicamente mundana ou, pelo contrário, desencarnada.

A mais adequada medida de comportamento só pode ser o exemplo de Jesus e a nossa puríssima fé n'Ele. É do Evangelho, de facto, que nos vêm o sentido duma adesão inextinguível à vontade do Pai e, ao mesmo tempo, audácia não temerária nas nossas decisões, o sentido de corajosa projecção para o futuro, e ao mesmo tempo uma prudente conservação do rico património espiritual adquirido no passado.

Não é possível nenhum passo para a frente nem para nenhuma outra direcção, a não ser partindo dos que foram dados até aqui; mas, vice-versa parar nestes é sinal de estagnação estéril. Por outro lado, ir avante no sentido evangélico consegue-se, é claro, a nível de santidade individual, mas também de público testemunho que se dê a Cristo; ora, Ele é senhor da história humana inteira, não só da passada mas também da presente e ainda da que está à nossa frente, e exige por isso adesão sempre total mas sempre adequada. O Apóstolo Paulo, recordando aos Gálatas que em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão têm valor, mas sim a fé que actua pela caridade (Ga 5,6), deu a todos os cristãos um princípio hermenêutico fundamental que os torna reconhecíveis como existentes no mundo, princípio que evidentemente mais ainda deve valer para os Religiosos: quando se está fortemente «unido com a Cabeça», que é Cristo (Col 2,19), não se teme nenhuma mudança de condicionamento histórico, nenhuma inculturação nem nenhum obstáculo, porque tudo isto, pelo contrário, se torna matéria válida de progresso interior, de claro testemunho e de eficácia apostólica; contanto que em todas as coisas se multiplique o hino de louvor para glória de Deus (2Co 4,4).

É daqui que todos devemos haurir coragem e confiança. E de vós, em particular, espera a Igreja muito quanto a exemplo que leve a uma radical comunhão com Cristo, a qual naturalmente há-de frutificar em generoso compromisso em favor dos homens.

5. Estes pensamentos proponho com instância tanto a vós como a todos os que dignamente representais: meditai-os e tende-os sempre presentes, não só nos momentos consagrados à oração, mas também e sobretudo no desempenho até minucioso das várias actividades educacionais, assistenciais, culturais, missionárias e de promoção em geral, actividades que tanto vos são próprias. Exactamente nos Consagrados, mais que em todos os outros baptizados, deve brilhar perfeita simbiose, como em Jesus, entre os momentos de transfiguração (Cfr. Lc Lc 2,28-36) e os de profunda inserção no grande número, que é exigente e está à espera no sopé do monte (Cfr. Ibid. 9, 37-43).

Se tal encargo não é fácil, se requer muito esforço ascético e mais ainda a abundante e indispensável graça de Deus, estai certos que não vos faltam a minha paternal assistência e o conforto da minha pobre mas constante oração, para que o Senhor faça resplandecer a Sua face sobre vós (Nb 6,25) e em vós vejam os homens resplandecer o glorioso evangelho de Cristo (2Co 4,4).

A estes bons votos apraz-me juntar a minha especial Bênção Apostólica, que torno extensiva com igual benevolência a todos os vossos queridos e beneméritos Irmãos.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ANTES DE PARTIR PARA A TURQUIA


Aeroporto de Fiumicino

Quarta-feira, 28 de Novembro de 1979



Agradeço muito do coração aos venerados Cardeais, aos Bispos, ao Decano do Corpo Diplomático junto da Santa Sé, ao Ministro Adolfo Sarti e às, outras Autoridades italianas, como ainda a todos quantos desejaram apresentar-me saudações no principio da minha breve viagem ao Oriente.

Como já manifestei, no primeiro anúncio desta minha nova peregrinação segundo as pegadas do meu Predecessor Paulo VI, que no fim do mês de Julho de 1967 foi à Turquia, dirijo-me a esta Nação para continuar com renovado empenho o esforço no sentido da unidade de todos os cristãos, tendo presente uma das finalidades dominantes do Concílio Vaticano II; para mostrar, além disso, a importância que a Igreja católica atribui às relações com as veneráveis Igrejas ortodoxas nas vésperas de se iniciar o diálogo teológico; e, por último, para expressar o meu sincero afecto e a minha profunda caridade para com todas aquelas Igrejas e os seus Patriarcas, em particular para com o Patriarcado ecuménico.

Por isso, depois de apresentar como devo os cumprimentos às Autoridades da República, da Turquia em Ancara, irei a Istambul para encontrar-me com Sua Santidade o Patriarca ecuménico Dimitrios I e participar na solene celebração em honra de Santo André. Depois, irei a Éfeso, cidade em que no ano de 431 se realizou o terceiro Concílio ecuménico, no qual a Virgem Maria foi proclamada "Theotókos", isto é, "Mãe de Deus"; e farei também uma visita a Izmit.

Queira o Senhor Deus, pela maternal intercessão de Maria Santíssima, acompanhar com a Sua graça os meus passos por este caminho de grande esperança, que representa outra etapa importante com rumo na plena e perfeita unidade de todos os cristãos.

Por estas altas intenções religiosas e ecuménicas peço, neste momento, a fervorosa oração de todos os filhos da Igreja e a sua serena disponibilidade para a voz do Espírito.

Com a minha Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À COMUNIDADE CATÓLICA DE ANCARA


Quinta-feira, 29 de Novembro de 1979



Queridos Irmãos e Filhos
Queridos Amigos

1. E alegria imensa para mim, sucessor de São Pedro no Colégio Apostólico e na Sé Romana, dirigir-me hoje a vós com as mesmas palavras que São Pedro dirigia, há 19 séculos, aos cristãos que eram, então como hoje, uma minoria nesta terra, disseminados pelo Ponto, a Galácia, a Capadócia...: a vós graça e paz em abundância (1P 1,1-2).

Como Pedro, queria, antes de mais, dar graças pela esperança viva que está em vós e que provém de Cristo ressuscitado; queria exortar cada um de vós a estar reconhecido a Deus e firme na fé, como "filhos obedientes", mantendo puras as vossas almas na obediência à verdade, numa fraternidade sincera, com proceder honesto no meio das gentes a fim de que, vendo as vossas boas obras, os homens glorifiquem a Deus (Cfr. ibid. 1, 3.14.22; 2, 12).

O Apóstolo preocupa-se igualmente com mencionar a lealdade para com as autoridades civis: Comportai-vos como homens livres, não como aqueles que jazem da liberdade como que um véu para encobrir a malícia, mas como servos de Deus (1P 2,16).

Sim, queria convidar-vos a considerar particularmente vossa esta carta escrita aos que vos precederam nesta terra, a relê-la atentamente e a meditar cada uma das suas afirmações. Chamo, neste momento, a vossa atenção sobre uma das suas exortações: Estai sempre prontos a responder, para vossa defesa, com doçura e respeito, e em boa consciência, a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança (Ibid. 3, 15-16).

2. Estas palavras são a regra de ouro nas relações e contactos que o cristão deve travar com os seus concidadãos que têm uma fé diferente. Hoje, vós cristãos residentes aqui na Turquia, tendes o ensejo de viver enquadrados num Estado moderno — que prevê para todos a livre expressão da sua fé, sem se identificar com nenhuma —, e com pessoas que, na grande maioria, embora não partilhando a fé cristã, se declaram "obedientes a Deus", "submissos a Deus", e mesmo "servos de Deus", segundo as suas próprias palavras, que se identificam com as já citadas de São Pedro (Cfr. ibid. 2, 16); eles têm, portanto, como vós, a fé de Abraão no Deus único, omnipotente e misericordioso. Vós sabeis que o Concílio Vaticano II se pronunciou abertamente sobre este tema, e eu próprio, na minha primeira encíclica, Redemptor hominis, lembrei que "o Concílio... exprimiu a sua estima para com os crentes do Islão, cuja fé se refere também a Abraão" (Redemptor hominis RH 11).

Permiti-me recordar aqui, convosco, as palavras da Declaração conciliar Nostra aetate: "A Igreja olha também com estima para os muçulmanos. Adoram eles ('connosco', lê-se noutro documento do Concílio, Constituição Lumen Gentium, LG 16) o Deus Único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens e a cujos decretos, mesmo ocultos, procuram submeter-se de todo o coração, como a Deus se submeteu Abraão, que a fé islâmica de bom grado evoca. Embora sem o reconhecerem como Deus, veneram Jesus como profeta, e honram Maria, sua mãe virginal, à qual par vezes invocam devotamente. Esperam pelo dia do juízo, no qual Deus remunerará todos os homens, uma vez ressuscitados. Têm, por isso, em apreço a vida moral e prestam culto a Deus, sobretudo com a oração, a esmola e o jejum" (Declaração Nostra aetate NAE 3).

E, pois, pensando nos vossos concidadãos, bem como no vasto mundo islâmico, que eu exprimo, hoje de novo, a estima da Igreja católica por estes valores religiosos.

3. Meus irmãos, quando penso neste património espiritual e no valor que ele representa para o homem e para a sociedade, na sua capacidade de oferecer, sobretudo aos jovens, uma norma de vida, de colmatar o vazio deixado pelo materialismo, de dar um fundamento seguro à organização social e jurídica, pergunto-me se não será urgente — hoje quando cristãos e muçulmanos se encontram num novo período da história — reconhecer e desenvolver os laços espirituais que nos unem, para assim "promoverem e defenderem — como nos convida o Concílio — a justiça social, os bens morais, e a paz e liberdade para todos os homens" (Ibid.).

A fé em Deus, professada pelos descendentes espirituais de Abraão — cristãos, muçulmanos e hebreus —, quando é vivida tão sinceramente que penetre a vida, torna-se princípio seguro da dignidade, da fraternidade e da liberdade dos homens, e causa determinante de rectidão no comportamento moral e na vida em sociedade. Mais: como consequência desta fé em Deus criador e transcendente, o homem encontra-se no vértice da criação. Foi criado, como ensina a Bíblia, à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27); para o Corão, livro sagrado dos muçulmanos, embora o homem tenha sido feito do pó, Deus insuflou-lhe o seu espírito e dotou-o de ouvido, de vista e de coração, quer dizer, de inteligência (Sura 32, 8).

O universo, para o muçulmano, está destinado a submeter-se ao homem enquanto representante de Deus; a Bíblia afirma que Deus ordenou ao homem que submetesse a terra, e ainda que a cultivasse e guardasse (Gn 2,15). Como criatura de Deus, o homem tem direitos que não podem ser violados, mas está sujeito, de igual modo, à lei do bem e do mal que se baseia na ordem estabelecida por Deus. Graças a esta lei, o homem nunca se submeterá a nenhum ídolo. O cristão guarda o mandamento solene: Não terás outro Deus além de mim (Ex 20,3). Por seu lado, o muçulmano dirá sempre: "Deus é o maior".

Queria aproveitar este encontro e a ocasião que me é oferecida pelas palavras escritas por São Pedro aos vossos antepassados, para vos convidar a considerar cada dia as raízes profundas da fé em Deus, em Quem acreditam também os vossos concidadãos muçulmanos, para fazerdes dela o principio de uma colaboração em favor do progresso do homem, do estímulo ao bem, da extensão da paz e da fraternidade na livre profissão da fé própria de cada um.

4. Esta atitude, caros Irmãos e Irmãs, está a par da bem meritória fidelidade das vossas comunidades cristãs aqui representadas. uma fidelidade herdeira de um grande passado. Falámos já da carta de São Pedro; poderíamos referir-nos, de igual modo, à estima de São Paulo e de São João pelas Igrejas da Ásia menor. Um autor profano do início do século II — Plínio o Moço — descrevia, com admiração, a vida dos discípulos de Cristo, o que é testemunho precioso aos olhos da história. Mas como esquecer o período florescente que se seguiu, em particular o tempo dos Padres da Igreja?

E dado que São Pedro fala da Capadócia, o meu pensamento voa, espontaneamente, para São Basílio Magno (329-379), uma das glórias mais notáveis da Igreja desta região, tanto mais que passa este ano o décimo sexto centenário da sua morte. Tenho a alegria de vos comunicar que um documento pontifício, ilustrando a figura deste grande Doutor, virá coroar este memorável aniversário.

5. Hoje mesmo, embora modestas, as vossas comunidades são ricas devido à presença de diferentes tradições e a serem constituídas por pessoas provenientes de diversas partes do mundo. Este facto oferece-vos a ocasião de exprimir reciprocamente a vossa fé e a vossa esperança e de dardes, aqui, importante testemunho de unidade e fraternidade.

Guardai sempre a coragem e a intrepidez da vossa fé. Aprofundai-a., De Cristo, pedra angular, aproximai-vos, sem cessar, como pedras vivas, seguros de alcançardes o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas. A partir de agora o Senhor Jesus torna-vos membros do seu corpo; como Filho de Deus faz-vos participar da sua natureza divina e do seu Espírito. Saciai-vos, com alegria, na fonte jorrante da Eucaristia. Encha-vos Ele da sua caridade! Senti-vos em comunhão com a Igreja universal que o Papa, na sua humilde pessoa, representa perante vós. O vosso testemunho é tanto mais precioso quanto é diminuto em número, que não em qualidade.

Por mim, desejava declarar-vos o meu profundo afecto e a minha confiança. Ficamos unidos pelos laços da oração. Recomendo a Cristo e a sua Mãe Santíssima, todas as necessidades humanas e espirituais da vossa comunidade, de cada uma das vossas famílias. Vai um pensamento especial para os vossos filhos, os vossos doentes, e para os que se encontram em dificuldade. Sejam todos reconfortados com o amor de Deus e a ajuda dos irmãos! De todo o coração vos abençoo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO PATRIARCA ECUMÉNICO DIMÍTRIOS I


Catedral de São Jorge, Istambul

Quinta-feira, 29 de Novembro de 1979



Seja louvado o nome do Senhor

Santidade,

Seja louvado o Senhor que nos concedeu a graça e a alegria deste encontro aqui, na vossa sé patriarcal!

É com profundo afecto e fraterna estima que vos saúdo, Santidade, bem como ao santo Sínodo que vos rodeia e, através da vossa pessoa, saúdo todas as Igrejas por vós representadas.

Não posso esconder a alegria de me encontrar nesta terra de antiquíssimas tradições cristãs e nesta cidade rica de história, de civilização e de arte, que a fazem figurar entre as mais belas do mundo. Hoje como ontem. Para os cristãos do mundo inteiro, habituados a ler e a meditar os escritos do Novo Testamento, são familiares estes lugares, tal como os nomes das primeiras comunidades cristãs de numerosas cidades que se encontram hoje em território da Turquia moderna.

Cristo é a nossa paz, escreve São Paulo aos primeiros cristãos de Éfeso (Ep 2,14). E acrescenta: Deus que é rico em misericórdia, movido pela imensa caridade com que nos amou, restituiu-nos h vida juntamente com Cristo, justamente quando estávamos mortos pelos nossos pecados — assim fostes salvos, sim, mas de graça —, e com Ele nos ressuscitou... (Ep 2,4-6).

Esta proclamação de fé na economia divina para a salvação dos homens ecoa nesta terra, repercute-se e renova-se de geração em geração. E está destinada a propagar-se até aos confins da terra.

Os dogmas fundamentais da fé cristã — a Trindade e o Verbo de Deus encarnado e nascido da Virgem Maria — foram definidos por Concílios ecuménicos havidos nesta cidade ou nas cidades vizinhas (Cfr. Decreto Unitatis Redintegratio UR 14). A primeira formulação da nossa profissão de fé, do credo, teve lugar nesses primeiros Concílios celebrados conjuntamente pelo Oriente e pelo Ocidente. Niceia, Constantinopla, Éfeso e Calcedónia são nomes conhecidos de todos os cristãos e particularmente familiares a todos os que rezam, estudam e trabalham, das mais diversas formas, pela unidade total entre as nossas duas Igrejas irmãs.

Temos em comum não apenas estes concílios decisivos, que são, diríamos, pontos fundamentais na vida da Igreja, mas durante um milénio, estas duas Igrejas irmãs souberam crescer e articular em conjunto as suas grandes e vitais tradições.

Queria que a visita que hoje realizo tivesse o sentido de um encontro na fé apostólica comum, para caminharmos juntos rumo a essa unidade total, ferida por tristes circunstâncias históricas, sobretudo no decorrer do segundo milénio. Como não exprimir a nossa firme esperança em Deus de que surgirá depressa nova era?

Por tudo isso, sinto-me feliz, Santidade, ao encontrar-me aqui para exprimir a profunda consideração e a, fraterna solidariedade da Igreja católica para com as Igrejas ortodoxas do Oriente.

Agradeço-vos, desde já, o vosso caloroso acolhimento.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO PATRIARCA ARMÉNIO DE ISTAMBUL


SHNORK KALUSTIAN


Quinta-feira, 29 de Novembro de 1979



Querido Irmão em Cristo

Foi com santa emoção que mesmo agora transpus o limiar deste edifício que representa para mim a vossa antiga Igreja apostólica arménia.

Repito as palavras "santa emoção", porque a vossa Igreja, com a sua história, passada e presente, afigurou-se-me sempre como o símbolo da grande e misteriosa união das riquezas espirituais e Culturais do Oriente e do Ocidente, no sentido mais geral destes termos.

E agora estou aqui. Vim saudar-vos, meu Irmão em Nosso Senhor Jesus Cristo. Vim saudar na vossa pessoa a Jerarquia e sobretudo Sua Santidade Vasken I, Supremo Patriarca e "Catholicos" de todos os Arménios. Vim saudar todos os meus irmãos e as minhas irmãs da vossa Igreja.

A minha visita de hoje será o testemunho daquela unidade que já existe entre nós, e o testemunho da minha firme decisão de continuar, com a graça de Deus, o esforço para se chegar à plena comunhão entre as nossas Igrejas. E neste momento duas razões me levam a afirmá-lo.

A primeira é uma razão fundamental, que muitas vezes se tende a esquecer no esforço superficial para descobrir porque é que o Bispo de Roma une, com tanta naturalidade, o empenho no cuidado pastoral da Igreja católica com a responsabilidade pela unidade de, todos os cristãos. A razão está na palavra mesma de Nosso Senhor e Salvador, que pediu por aqueles que o seguiam: para que todos sejam uma só coisa; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti (Jn 17,21). Jesus Cristo deseja muitíssimo a plena unidade e a comunhão entre todos os cristãos. Enquanto estamos separados uns dos outros, não podemos realizar este elemento essencial da nossa vocação. E assim, não devemos ter outra coisa em vista se queremos encontrar a razão por que buscamos uma comunhão perfeita entre as nossas Igrejas.

A segunda razão é a seguinte: os esforços realizados até agora para restabelecer a plena unidade entre os cristãos têm dado resultados animadores. Em Maio de 1970, por ocasião da visita ao meu predecessor Paulo VI de Sua Santidade Vasken I, que provinha da cidade santa de Echmiadzin, o Papa e o "Catholicos" afirmaram, numa declaração comum, que "a unidade não pode ser conseguida enquanto todos, pastores e fiéis, não procurarem conhecer-se mutuamente. Por isso, é necessário conseguir que os teólogos se empenhem num estudo comum, que leve a conhecimento mais profundo do mistério de Nosso Senhor Jesus Cristo".

Não eram palavras vãs. Exigiam séria resposta por parte dos pastores e dos fiéis, e por parte dos teólogos de ambas as Igrejas. Estes aplicam-se já seriamente em lhes dar execução. Realizaram-se debates teológicos. Fizeram-se estudos em comum. Houve trocas de estudantes. Está-se tornando cada vez mais frequente entre nós a participação das alegrias e das dores das nossas comunidades, e também o trabalho comum para que a palavra de Cristo seja cada vez mais conhecida e amada, a fim de que a palavra do Senhor se difunda e seja glorificada (2Th 3,1).

Mais tarde encontrar-nos-emos para rezar juntos: Oxalá esse acto comum exprima o desejo de que a nossa colaboração cresça e se desenvolva, com a; bênção de Deus Pai e sob a direcção do Espírito Santo, que nos foi prometido, por Cristo como Conselheiro que nos ensina todas as coisas e nos recorda tudo o que Ele revelou (Cfr. Jo Jn 14,26).



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À COMUNIDADE ARMÉNIA CATÓLICA


Catedral Arménia de São João Crisóstomo

Istambul, 29 de Novembro de 1979



Querido Irmão
Queridos irmãos e irmãs
da Arquidiocese arménia católica de Istambul

É com alegria que dou graças a Deus ter-me permitido vir a Istambul e passar estes poucos momentos convosco. Momentos demasiado curtos tanto para vós como para mim.

Conheço a vossa fidelidade na fé, a vossa coesão em torno do vosso Arcebispo, o vosso esforço incessante por manter viva a comunidade, as suas belas tradições e o seu rico património de espiritualidade. Sei também da vossa afeição meritória pela pessoa do Papa, da vossa vontade de continuar em comunhão total com a Sé Apostólica de Roma.

Esta fidelidade e esta afeição enraizam-se numa longa história que produziu frutos cristãos admiráveis durante os séculos, em diversos países do Oriente, e muitas vezes foi marcada por grandes provações e mesmo por profundos sofrimentos. A recordação desta história comovente é mais um motivo para vos prestar hoje fervorosa homenagem, para vos trazer, a vós e aos vossas irmãos, conforto e coragem, e para vos desejar pleno desenvolvimento na paz.

Pela minha parte, conheci e muito apreciei os cristãos arménios na minha própria pátria, na Polónia. Desde a minha juventude, familiarizei-me com as suas comunidades, como com outras Igrejas orientais. Quis Deus que esta experiência providencial me ajudasse a lutar pela estima e compreensão recíproca, bem como pelo estreitamento de laços fraternos que deveriam unir todas as Igrejas de Cristo!

Convido a que participeis, também vós, neste grande movimento de unidade, na vossa qualidade de orientais e de católicos. Viveis aqui em contacto directo com os irmãos cristãos ortodoxos; habitais a mesma cidade, enfrentais os mesmos problemas pastorais, as mesmas preocupações sociais; e celebrais a mesma liturgia. A realização da plena comunhão entre todos os cristãos é para vós problema urgente, problema que encontrais na vida de cada dia. Quem melhor do que vós estará apto a interpretar e aplicar as prudentes directrizes do Concílio Vaticano II a este respeito? Vós sois directamente chamados a ser construtores da unidade. Assim o afirma o mesmo Concílio do Vaticano: "As Igrejas Orientais que vivem em comunhão com a Sé Apostólica de Roma compete a peculiar obrigação de favorecer, segundo os princípios do decreto sobre o Ecumenismo deste sagrado Concílio, a unidade de todos os cristãos, principalmente dos Orientais, sobretudo pela oração e pelo exemplo de vida, pela fidelidade religiosa para com as antigas tradições orientais, pelo melhor conhecimento mútuo, pela colaboração e estima fraterna das instituições e das mentalidades" (Decreto Orientalium Ecclesiarum, n, 24).

Agradeço-vos, de todo o coração, o vosso caloroso acolhimento, a vossa disponibilidade, o vosso amor, a vossa abertura ao diálogo fraterno, e a vossa sensibilidade aos sinais dos tempos e a tudo quanto o Espírito Santo exige hoje à Igreja. Imploro sobre vós os dons do Espírito Santo e a assistência maternal da Mãe de Deus. Peço especialmente por aqueles que, de entre vós ou de entre os vossos irmãos, estão sujeitos à provação, à doença, à velhice ou à dispersão: peço também pelas novas gerações. Deus vos mantenha fortes na fé, perseverantes na esperança e magnânimos na caridade! E cumule-vos da sua paz! Formulo estes votos, de igual modo, pensando na grande família arménia espalhada pelo mundo. E abençoo-vos de todo o coração, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

À COMUNIDADE POLACA RESIDENTE NA TURQUIA


Istambul, 30 de Novembro de 1979



Queridos Compatriotas!

1. No programa da minha actual visita não podia faltar o encontro convosco. É encontro insólito pelas circunstâncias em que é efectuado. Quando, há anos, veio visitar-me em Cracóvia o Prof. L. Biskupski, durante o colóquio fez-me também a proposta de visitar a vossa Comunidade em Adampol, na Turquia. Era porém difícil prever as possibilidades a este respeito. A Providência Divina fez que hoje aquele convite se esteja a realizar e de um modo que, durante aquele encontro, nenhum de nós podia prever.

2. A colónia polaca na Turquia não é numerosa, tem todavia significado excepcional, particular eloquência histórica. Antes de mais, a vossa presença aqui, recorda um facto muito querido a todos os polacos. É este: depois da divisão da Polónia, quando diversas cortes reais europeias tomaram conhecimento da violência feita sobre o corpo vivo do nosso País, só a Turquia não compartilhou de tais violências. E, mesmo assim, tivemos às nossas costas séculos difíceis: as reiteradas guerras, mantidas com êxito alternado até Viena em 1683. Se, após tudo isto, exactamente aqui, em Istambul, a divisão da Polónia não foi aceita pelos Sultãos, então este facto devemos considerá-lo como alguma coisa de raro.

"O Núncio de Lechistan (Polónia) ainda não chegou" era anunciado por muitos anos nesta corte durante as recepções dos representantes dos outros Estados. E finalmente veio o momento da chegada deste Núncio.

3. Adampol (Polonezköy) deve o seu nome ao Príncipe Adam Jerzy Czartoryski, que em 1842 deu início a esta colónia polaca, fundada sabre terrenos que os polacos tinham comprado aos missionários de São Vicente de Paulo (Lazaristas). Mas a história da presença da colónia polaca na antiga capital da Turquia, em Istambul, remonta a um passado muito mais longínquo e conta cerca de 400 anos. Raramente aconteceu noutra parte do mundo que o grupo de polacos pudesse sobreviver durante tanto tempo longe da Pátria. Aqui encontraram refúgio os rebeldes polacos de 1830-31, os prisioneiros de guerra resgatados aos turcos pelas armadas do czar, os soldados polacos da divisão de Zamoyski dissolvida em 1856.

Em 1855 veio a Istambul Adam Mickiewicz, o nosso grande poeta, para animar o espírito patriótico entre os polacos e formar uma legião polaca, que, segundo a concepção do romantismo, devia servir para a libertação da Pátria que afinal, depois da insurreição de Novembro, ficou ainda mais sujeita.

A colónia polaca na Turquia viveu diversos acontecimentos e enfrentou diversas dificuldades. O facto de hoje nos encontrarmos aqui e falarmos a língua dos nossos Antepassados, constitui o melhor testemunho do seu comportamento.

4. Vós sois herdeiros daqueles Polacos que, há mais de cem anos, deram início a este oásis polaco no Bósforo.

Eu, como vosso Compatriota e ao mesmo tempo "primeiro Papa da estirpe Polaca", encontro-me hoje convosco cheio de comoção. Agradeço a Deus este encontro.

Contemporaneamente, dirijo-vos os votos mais cordiais de todas as graças de Deus na vossa vida pessoal, familiar, social e cívica.

Juntamente convosco, recomendo à protecção da Mãe de Deus a Polónia, Pátria dos nossos Antepassados e nossa Pátria. Permanecei firmes na fidelidade a Cristo e à sua Igreja, que nos acompanha, através de toda a história de geração em geração. Abençoo-vos em nome da Santíssima Trindade e saúdo cada um de vós e toda a vossa Comunidade.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À TURQUIA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CATEDRAL DE SÃO JORGE NO FANAR


Istambul, 30 de Novembro de 1979



Santíssimo e muito amado irmão

Como é bom e como é agradável viverem os irmãos em boa harmonia! (Ps 132).

Estas palavras do Salmista brotam do meu coração hoje que estou convosco. Sim, como é bom e quanto é agradável estarem os irmãos todos juntos.

Nós estamos reunidos para celebrar Santo André, um apóstolo, o primeiro a ser chamado entre os apóstolos, irmão de Pedro, corifeu dos Apóstolos. E esta circunstância acentua o significado eclesial do nosso encontro de hoje. André era apóstolo, quer dizer um dos homens escolhidos por Cristo para serem transformados pelo seu Espírito e serem enviados ao mundo como Ele próprio tinha sido enviado pelo Pai (Cfr. Jo Jn 17,19). Os apóstolos foram enviados para anunciar a Boa Nova da reconciliação em Cristo ( Cfr. 2Co 5,18-20), para chamar os homens a entrarem em comunhão com o Pai mediante Cristo no Espírito Santo (Cfr. Jo Jn 1,1-3) e para reunirem assim os homens, tornados filhos de Deus, num grande povo de irmãos (Cfr. Jo Jn 11,52). Reunir tudo em Cristo em louvor e glória de Deus (Cfr. Ef Ep 1,10-12): tal é a missão dos apóstolos, tal a missão dos que, depois deles, foram escolhidos e enviados; tal é a vocação da Igreja.

Nós celebramos portanto hoje um apóstolo, o primeiro chamado entre os apóstolos, e tal festa recorda-nos a exigência fundamental da nossa vocação, a vocação da Igreja.

Este apóstolo, padroeiro da ilustre Igreja de Constantinopla, é o irmão de Pedro. Certamente todos os apóstolos estão ligados entre si pela nova fraternidade que une aqueles cujo coração está renovado pelo Espírito do Filho (Cfr. Rom Rm 2,15), mas isto não extingue os laços específicos criados pelo nascimento e pela educação numa mesma família. André é o irmão de Pedro. André e Pedro eram irmãos e, dentro do Colégio apostólico, devia uni-los uma intimidade maior e uma colaboração mais íntima na acção apostólica.

Aqui a celebração hodierna recorda-nos ainda que entre a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla existem laços particulares de fraternidade e intimidade, e que é natural uma colaboração mais íntima entre estas duas Igrejas.

Pedro, irmão de André, é o corifeu dos apóstolos. Graças à inspiração do Pai, reconheceu em Jesus o Cristo, o Filho do Deus vivo (Cfr. Mt Mt 16,16). Foi encarregado de assegurar a harmonia da pregação apostólica. Irmão entre os irmãos, recebeu a missão de os confirmar na fé (Cfr. Lc Lc 22,32); é o primeiro a ter a responsabilidade de vigiar pela união de todos, de assegurar a sinfonia das santas Igrejas de Deus na fidelidade à fé transmitida aos santos uma vez para sempre (Jud 3).

Com este espírito, animado por estes conceitos, o Sucessor de Pedro quis neste dia fazer visita à Igreja que tem como Padroeiro Santo André, ao seu venerado Pastor, a toda a sua jerarquia e a todos os seus fiéis. Quis participar na oração dela. Esta visita à primeira sé da Igreja ortodoxa mostra claramente a vontade de toda a Igreja católica de prosseguir no caminho para a unidade de todos, e também a convicção de que o restabelecimento da plena comunhão com a Igreja Ortodoxa é etapa fundamental para progresso decisivo de todo o movimento ecuménico. A nossa divisão não deve ter deixado de influir nas outras divisões que se seguiram.

A minha iniciativa coloca-se no sulco da abertura a que se lançou João XXIII. Retoma e prolonga as iniciativas memoráveis do meu predecessor Paulo VI, a que o levou primeiro a Jerusalém, onde se realizou pela primeira vez o abraço comovente e o primeiro diálogo oral com o Patriarca ecuménico de Constantinopla, precisamente no mesmo lugar onde se realizou o mistério da Redenção pela reunião dos filhos de Deus dispersos; depois o encontro realizou-se aqui, há mais de doze anos, na expectativa que a Patriarca Atenágoras fosse por sua vez visitar Paulo VI na sua sé de Roma. Estas duas grandes figuras deixaram-nos para irem para Deus: um e outro cumpriram o seu ministério, ambos abertos à plena comunhão e quase impacientes por a realizar enquanto viviam. Por meu lado, não quis demorar mais vir rezar convosco, ao vosso lado; entre as minhas viagens apostólicas já efectuadas ou projectadas, esta revestia aos meus olhos urgência e importância particulares. Ouso também esperar que, de novo, nós poderemos rezar juntos, Sua Santidade o Patriarca Dimítrios I e eu, e desta vez sobre o túmulo do apóstolo Pedro. Tais iniciativas exprimem, diante de Deus e diante de todo o Povo de Deus, a nossa impaciência pela unidade.

Durante quase um milénio, as duas Igrejas-irmãs floresceram uma ao lado da outra,como duas grandes tradições vitais e complementares da mesma Igreja de Cristo, conservando não só relações pacíficas e frutuosas, mas o cuidado da indispensável comunhão na fé, na oração e na caridade, que a nenhum custo, queriam voltar a pôr em discussão, apesar das sensibilidades diferentes. O segundo milénio, pelo contrário, foi sombreado, à parte algumas fugazes abertas, pela distância que as duas Igrejas tomaram reciprocamente com todas as funestas consequências. E a chaga ainda não está curada.

Mas o Senhor pode curá-la, e incita-nos a que, façamos o melhor que pudermos. Eis-nos já no final do segundo milénio: não seria tempo de apressarmos o passo rumo à perfeita reconciliação fraterna para que a alvorada do terceiro milénio nos encontre de novo lado a lado, na comunhão plena, a fim de testemunharmos juntos a salvação diante do mundo, cuja evangelização aguarda este nosso sinal de unidade?

No plano concreto, a visita hodierna demonstra também a importância que a Igreja Católica atribui ao diálogo teológico que está para iniciar com a Igreja ortodoxa. Com realismo e sensatez, em conformidade com os votos da Sé Apostólica de Roma e também como desejo das Conferências pan-ortodoxas, foi decidido retomar, entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas, relações e contactos que permitissem reconhecerem-se e criar a atmosfera necessária para um frutuoso diálogo teológico. Era necessário reconstituir o contexto antes de tentarmos refazer juntos os textos. Este período foi justamente chamado o diálogo da caridade. Este diálogo permitiu retomar consciência da profunda comunhão que já nos une, e faz que nos possamos olhar e tratar como Igrejas-irmãs. Muito foi já realizado, mas é necessário continuar este esforço. É necessário tirar as consequências desta recíproca descoberta teológica, em todos os lados onde católicos e ortodoxos vivem juntos.

É necessário superar os hábitos de isolamento, a fim de se colaborar em todos os sectores da acção pastoral, onde tal colaboração se tornou possível com a comunhão quase total que existe já entre nós. Não se deve ter medo de reconsiderar, de uma parte e da outra, e em consulta recíproca, regras canónicas estabelecidas quando a consciência da nossa comunhão — agora estreita embora ainda incompleta — ainda estava obscurecida, regras que talvez já não correspondam aos resultados do diálogo da caridade e às possibilidades que foram abertas. É importante para os fiéis de uma parte e da outra se darem conta dos progressos realizados, e seria para desejar que, os que vão ser encarregados do diálogo, tenham a preocupação de tirar as consequências, para a vida dos fiéis, dos progressos no futuro.

Este dialogo teológico, que vai agora iniciar-se, terá a finalidade de superar os mal-entendidos e os desacordos que existem ainda entre nós, se não a nível de fé, pelo menos a nível da formulação teológica. E deveria decorrer não só na atmosfera do diálogo da caridade que deve ampliar-se e intensificar-se, mas também numa atmosfera de adoração e disponibilidade.

É só na adoração, com um sentido agudo da transcendência do mistério indizível que supera todo o conhecimento (Ep 3,19) que poderão situar-se as nossas divergências e "nada impor que não seja necessário" (Cfr. Decreto Unitatis redintegratio UR 18).

Parece-me, de facto, que a pergunta que devemos pôr-nos não é tanto a de saber se podemos restabelecer a plena comunhão, mas ainda mais se temos o direito de continuar separados. Esta pergunta devemos pôr-no-la em nome também da nossa fidelidade à vontade de Cristo sobre a sua Igreja, à qual uma oração incessante nos deve tornar, a uns e aos outros, cada vez mais disponíveis durante o diálogo teológico.

Se a Igreja é chamada a reunir os homens no louvor de Deus, Santo Ireneu, grande Doutor do Oriente e do Ocidente, recorda-nos que "a glória de Deus é o homem vivo" (Santo Ireneu, Adv. Haer. IV, 20, 7). Tudo na Igreja está ordenado para permitir que o homem viva verdadeiramente nesta plena liberdade que deriva da comunhão com o Pai, mediante o Filho, no Espírito Santo. Santo Ireneu, de facto, afirma a seguir: "e a vida do homem é a visão de Deus", a visão do Pai manifestada no Verbo.

A Igreja só pode responder plenamente a esta vocação testemunhando com a sua unidade a novidade desta vida dada em Cristo. Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo saiba que me mandaste e o amaste como me amaste a mim (Jn 17,23).

Seguro de que esta nossa esperança não pode ser desiludida (Cfr. Rom Rm 5,5), volto a manifestar-vos, amadíssimos irmãos, a alegria de encontrar-me entre vós, e convosco dou graças ao Pai do qual vem todo o dom perfeito (Cfr. Jo Jn 1,17).



Discursos João Paulo II 1979 - 26 de Novembro de 1979