Discursos João Paulo II 1980 - 29 de Maio de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ANTES DA PARTIDA PARA A PEREGRINAÇÃO


Aeroporto de Fiumicino, Roma

Sexta-feira, 30 de Maio de 1980



1. Prestes a deixar mais uma vez a Cidade do Vaticano e o querido solo da Itália, dirigindo-me para a França; é-me grato, Senhores Cardeais, distintos Membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé e Representantes do Governo Italiano, acolher a vossa cordial expressão de afecto e de encorajamento, que é, outrossim, testemunhada pela participação interior nos intuitos que inspiram os propósitos da actual peregrinação apostólica.

Pela vossa presença, em que vejo um alegre voto pelo feliz êxito do compromisso dos próximos dias, desejo manifestar-vos o meu sincero e vivo reconhecimento.

Bispo de Roma e Sucessor do Apóstolo Pedro, foi-me confiada, por desígnio divino, a missão de ser instrumento e sinal de unidade de fé e de comunhão entre as diversas Igrejas locais, confirmando-as na sua adesão a Cristo e ao Evangelho. Tal dever, é-me dado cumpri-lo principalmente em Roma, cidade espiritual, aonde os meus Irmãos no Episcopado vêm frequentemente para se encontrarem com o Vigário de Cristo: todavia, as modernas possibilidades de fácil comunicação tornam sempre mais normal o facto de que o Papa se reúna e se encontre com os Bispos e o Povo de Deus lá onde estão.

2. A França, País de gloriosa tradição, é uma das grandes Nações que foram caracterizadas pela fé cristã desde os albores da sua história, e, depois da queda do Império Romano, foi a primeira Comunidade do Ocidente a professar-se filha da Igreja: "Filha primogénita da Igreja".

Ao longo do curso dos séculos, ela ofereceu um contributo particular à Igreja católica, mediante o testemunho ilustre e heróico dos seus Santos, o vigor de doutrina dos seus

Mestres e a coragem apostólica dos seus Missionários. Ela ocupa também hoje, devido ao seu vivo dinamismo, um lugar de grande destaque na Igreja universal.

É minha intenção ir a Lourdes, em Julho do próximo ano, por ocasião do anunciado Congresso Eucarístico Internacional, mas parece-me oportuna, desde agora, uma visita pastoral ao coração daquela Nação. É esta intenção que explica a minha permanência na Capital, que resume idealmente em si os valores, as perspectivas e as aspirações de todos os Franceses: além disso, impelido pela mesma solicitude, irei também a Lisieux, abençoado lugar, para o qual a cristandade e particularmente as Missões voltam o seu olhar admirado, por causa de Santa Teresa que, com a sua mensagem, se colocou no centro, no coração — conforme a sua expressão — da Igreja e da Igreja missionária.

3. A minha visita tem também um outro objectivo importante: a UNESCO. Há tempo foi-me feito o convite para me encontrar com os ilustres Representantes daquele organismo, na sua própria sede, por ocasião da 190° sessão do Conselho executivo.

Sinto-me feliz por este encontro, porque a verdadeira cultura, que a UNESCO tem o dever institucional de promover no mundo inteiro, assume importância impar para o desenvolvimento e a defesa da dignidade do homem, que não é só sujeito de instrução — também neste campo o trabalho que se tem a fazer é verdadeiramente notável mas é chamado sobretudo a aprimorar até à perfeição as potencialidades do seu conhecimento espiritual, para corresponder aos pianos de Deus sobre o mundo e sobre a história, no quadro daquele pacifico e solidário progresso, que todos desejamos.

Deixo, então, as margens do Tibre por aquelas majestosas do Sena, e já esta tarde encontrar-me-ei imerso no clima sugestivo e solene de Notre-Dame. Confio a Maria, Senhora da França e Castelã da Itália, o voto de que a minha visita consolide na fé os filhos daquela grande Pátria e dê ânimo à sua coragem de testemunho. Com estes pensamentos, deixo-vos a minha cordial saudação de bons votos e de bênçãos.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


Place de la Concorde, Paris

Sexta-feira, 30 de Maio de 1980



Senhor Presidente

Estou especialmente comovido com as palavras que acaba de me dirigir, logo à minha chegada ao solo da França. Agradeço-lhe de coração. Disse-as em seu nome pessoal e disse-as em nome do Povo Francês ao qual, na sua pessoa, eu desejaria dirigir a minha primeira mensagem.

1. Louvado seja Jesus Cristo! Sim, foi bem assim, com estas palavras cheias de fervor e acção de graças, que eu quis, desde a tarde da minha eleição como Bispo de Roma e Pastor universal, inaugurar o meu ministério de pregação do Evangelho. Esta saudação levei-a primeiramente aos meus diocesanos das margens do Tibre, que vinham de me ser confiados para que os guiasse segundo os desígnios da divina Providência. Levei-a em seguida a outros povos, a outras Igrejas locais, com todo o conteúdo de estima, de solicitude pastoral e também de esperança de que é portadora.

Esta mesma saudação acabo de a trazer agora à França, com todo o meu coração e todo o meu afecto, dizendo-lhe: sinto-me felicíssimo de te visitar nestes dias e te mostrar o meu desejo de te servir em cada um dos teus Filhos. A mensagem que desejo entregar-te é mensagem de paz, de confiança, de amor e de fé. De fé em Deus, com certeza, mas igualmente, se me posso assim exprimir, de fé no homem, de fé nas maravilhosas possibilidades que lhe foram dadas, para que as use com sabedoria e com solicitude do bem comum, para a glória do Criador.

Aos Filhos e às Filhas desta grande Nação, a todos e a todas apresenta o Papa os seus votos mais cordiais, em nome do Senhor. A França simboliza para o mundo um país com história muito antiga e muito densa também. País com património artístico e cultural incomparável, cuja irradiação já não é preciso descrever. Quantos povos beneficiaram do génio francês, que os marcou nas suas próprias raízes e constitui ainda para eles motivo de altivez ao mesmo tempo que pode afirmar-se, uma espécie de padrão! O papel da França continua na comunidade internacional, ao nível que lhe pertence, mas com um espírito de abertura e um afã de levar um contributo ao mesmo tempo aos principais problemas internacionais e às situações das regiões menos favorecidas. Durante as minhas precedentes viagens, pude verificar o lugar que ela ocupa sob outros céus. Mais porém que à amplidão dos meios empregados, forçosa mente limitados, é ao seu Povo que ela deve o lugar que tem, a homens e mulheres que herdaram a sua civilização.

2. São estes homens e estas mulheres a alma da França que eu encontrarei nestes dias. Como não ficar sensibilizado com o acolhimento que vós me reservais aqui, na vossa capital? Muitos me escrevestes antes desta visita e sois numerosíssimos esta tarde a dar-me as boas-vindas. Não posso infelizmente agradecer a cada um em particular nem apertar todas as mãos que vós gostaríeis de me estender. Mas, diante de vós, aos representantes da soberania nacional gostaria eu de testemunhar a minha ardente gratidão.

Senhor Presidente, que os seus compatriotas designaram para assumir a mais alta responsabilidade do Estado, digne-se, por conseguinte, receber a homenagem reconhecida que eu dirijo ao Povo Francês inteiro. Juntar-lhe-ei sentimentos de satisfação pela disponibilidade extrema de que pessoalmente deram prova Vossa Excelência e também o Senhor

Primeiro-Ministro e o Governo, desde que tiveram conhecimento do meu projecto. Desta viagem entendestes, logo à primeira vista, a natureza própria: viagem pastoral antes de mais, para visitar e animar os católicos da França; viagem que ambiciona igualmente traduzir a minha estima e a minha amizade pelo conjunto da população, e penso agora em particular nos membros das outras confissões - cristãs, da comunidade judaica e da religião islâmica. O meu desejo era que esta viagem se pudesse realizar com simplicidade e dignidade, facilitando também, todas as vezes que possível, contactos e encontros. Prestastes todo o vosso concurso à realização do programa, e eu tanto mais o sinto quanto mais minuciosa era a preparação requerida. Penso, por último, nas pessoas a quem estes acontecimentos ocasionam aumento de trabalho. Tudo isto faz parte da hospitalidade, virtude de que pode honrar-se a França a justo título. De verdade, expresso a todos um cordial "obrigado".

3. Saúdo-vos muito especialmente, caros católicos da França, meus Irmãos e minhas Irmãs em Cristo, meus amigos. Convidastes-me a verificar, 1.500 anos ou quase depois do baptismo da vossa Nação, que a fé ainda se mantém viva nela, jovem e dinâmica, e que a generosidade não falta na vossa terra. Traduz-se mesmo por um ferver de iniciativas, de investigações e reflexões. Precisais, na verdade, de enfrentar problemas muitas vezes novos, ou pelo menos problemáticas novas. O contexto em que viveis evolui rapidamente, em função das mutações culturais e sociais que não deixam de influir progressivamente nos costumes e nas mentalidades. Constituem multidão as interrogações que se vos apresentam. Que fazer? Como responder às necessidades fundamentais do homem contemporâneo, que revelam finalmente uma necessidade imensa de Deus?

Em união com os vossos Bispos, e em particular com o caro Cardeal Arcebispo de Paris e com o Presidente da Conferência Episcopal Francesa, vim animar-vos no caminho do Evangelho; caminho estreito sem dúvida mas caminho real, seguro, experimentado por gerações de cristãos, ensinado pelos santos e beatos de que se honra a vossa pátria, caminho que, exactamente como vós, os vossos irmãos da Igreja universal procuram palmilhar. Este caminho não passa pela resignação, pelas renúncias ou os desinteresses. Não vem a dar no embotamento do sentido moral e desejaria até que a lei civil ajudasse a elevar o homem. Não procura enterrar-se, ficar despercebido, mas requer pelo contrário a audácia alegre dos Apóstolos. Exclui portanto a pusilanimidade, mostrando-se embora, perfeitamente respeitador dos que não partilham o mesmo ideal. Se a Igreja, de facto, reivindica para si mesma a liberdade religiosa, e se tem múltiplas razões para se felicitar dela na França, é normal que respeite também as convicções dos outros. Pede, por seu lado, que lhe permitam viver, testemunhar publicamente e dirigir-se às consciências.

"Reconhece, ó cristão, a tua dignidade", dizia o grande Papa São Leão. E eu, seu indigno sucessor, digo-vos a vós, meus Irmãos e Irmãs católicas da França: Reconhecei a vossa dignidade! Tende brio na vossa fé, no dom do Espírito que o Pai vos fez! Venho ter convosco como pobre, só com a riqueza da fé, peregrino do Evangelho. Dai à Igreja e ao mundo o exemplo da vossa fidelidade sem desfalecimento e do vosso zelo missionário. A minha visita à vossa terra deseja ser, ao mesmo tempo que testemunho de solidariedade para com os vossos pastores, apelo a um entusiasmo novo diante das tarefas numerosas que se vos oferecem.

Sinto que, no fundo dos corações, vós ouvireis esta exortação. Dirijo-a, desde a minha chegada ao solo da França, a todos quantos me escutam, e terei em seguida ocasião de a repetir estes dias falando com os Bispos, os Sacerdotes, os Religiosos e as Religiosas, e os Leigos comprometidos no apostolado, encontrando-me com a gente do trabalho e com os jovens, e com os homens do pensamento e da ciência. Momento especialíssimo será reservado à UNESCO, que tem a sede na vossa capital: pareceu-me muito importante, com efeito, aceitar o delicado convite, para saudar um areópago excepcional de testemunhas da cultura, do nosso tempo, e levar-lhe o testemunho próprio da Igreja.

Urge agora pôr termo a este primeiro contacto. Vou dirigir-me para a basílica de Notre-Dame, Mãe das igrejas desta diocese e um dos mais veneráveis edifícios religiosos desta Nação. Nela quero eu confiar ao Senhor e à Virgem Santíssima os votos que formulo por intenção do Povo Francês inteiro. Deus abençoe a França.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

MENSAGEM RADIOFÓNICA DO PAPA JOÃO PAULO II

Sexta-feira, 30 de Maio de 1980



Esta tarde, depois de ter celebrado a missa no coração da capital francesa diante da Notre-Dame de Paris, penso em todos os que desejariam participar nesta reunião ao redor do Papa ou nas celebrações que se seguirão, mas ficaram em casa: os doentes, os que estão hospitalizados, a quem auguro conforto e paz; os diminuídos e as suas famílias; os encarcerados, que visito em espírito e a quem auguro a fé na misericórdia de Deus, a esperança e o apoio fiel dos seus familiares; os trabalhadores cujo horário de emprego ou turno de serviço público não lhes permitem facilmente associar-se a tais manifestações; enfim, todos os que, por outras razões, não poderão satisfazer o seu desejo de ver ou de ouvir o Papa. A todos vós, caros amigos, manifesto a minha estima e asseguro a minha oração e os meus votos cordiais às vossas famílias.

E como sou Bispo de Roma, é-me grato também manifestar uma particular saudação e um pensamento afectuoso a todos os Italianos, que vivem e trabalham neste País.

Boa tarde a todos!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS SACERDOTES PARISIENSES


Paris, 30 de Maio de 1980



Caros Irmãos Sacerdotes

1. É grande alegria para mim dirigir-me a vós já esta tarde — e em primeiro lugar —, a vós Sacerdotes e Diáconos de Paris e da região parisiense, e por meio de vós ao conjunto dos Sacerdotes e Diáconos da França. Para vós, sou Bispo; convosco sou Sacerdote. Sois meus irmãos em virtude do sacramento da Ordem. A carta, que vos dirigi o ano passado para a Quinta-feira Santa, mostrava-vos já muito em particular, a minha estima, o meu afecto e a minha confiança. Depois de amanhã, encontrar-me-ei longamente com os vossos Bispos, que são a título especial meus irmãos; é em união com eles que vos falo. A meus olhos, porém, aos olhos do Concílio, vós sois inseparáveis dos Bispos, e pensarei em vós ao deter-me com eles. Profunda comunhão une os Sacerdotes e os Bispos, fundada no sacramento e no ministério. Caros amigos, oxalá compreendais o amor que vos dedico em Cristo Jesus. Se Cristo me pede, como ao Apóstolo Pedro, que "fortaleça os meus irmãos", sois vós com certeza quem primeiro devo beneficiar.

2. Para caminharmos com alegria e esperança na nossa vida sacerdotal, precisamos de voltar às fontes. Não é o mundo que fixa o nosso papel, o nosso estatuto e a nossa identidade. É Cristo Jesus; é a Igreja. Foi Cristo Jesus que nos escolheu, como Seus amigos, para darmos fruto; que fez de nós seus ministros: participamos do cargo do Mediador único que é Cristo. E a Igreja, o Corpo de Cristo, que, há 2.000 anos, manifesta o lugar indispensável que desempenham, no seu seio, os Bispos, os Sacerdotes e os Diáconos.

E vós, Sacerdotes da França, tendes a ventura de ser os herdeiros de uma plêiade de Sacerdotes que continuam a ser exemplos para a Igreja inteira e são para mim mesmo fonte constante de meditação. Para falar unicamente do período mais próximo, penso em São Francisco de Sales, em São Vicente de Paulo, em São João Eudes, nos mestres da Escola francesa, em São Luis Maria Grignon de Montfort, em São João Maria Vianney, nos missionários dos séculos XIX e XX cujo trabalho admirei na África. A espiritualidade de todos estes pastores traz consigo as marcas de cada tempo, mas o dinamismo interior é o mesmo e a nota de cada um enriquece o testemunho global do sacerdócio que nós temos de viver. Quanto desejaria ir como peregrino a Ars, se fosse possível! O Cura de Ars continua sendo, de facto, para todos os países, modelo sem igual, ao mesmo tempo do cumprimento do ministério e da santidade do ministro entregue à oração e à penitência para a conversão das almas.

Muitos estudos e exortações assinalaram o caminho da vida dos sacerdotes do vosso país: penso, por exemplo, na admirável carta do Cardeal Suhard: "O Sacerdote na cidade". O Concílio Vaticano II retomou a doutrina toda do sacerdócio na Constituição Lumen gentium (n. LG 28) e no Decreto Presbyterorurn ordinis que tiveram o mérito de encarar a consagração dos Padres na perspectiva da sua missão apostólica, dentro do povo de Deus, e como participação no sacerdócio e na missão do Bispo. Prolongam-se estes textos por muitos outros, em particular pelos de Paulo VI, do Sínodo e também pela minha carta.

Eis os testemunhos, eis os documentos que traçam para nós o caminho do sacerdócio. Esta tarde, neste alto lugar que é como um Cenáculo, confio-vos somente, caros amigos, algumas recomendações essenciais.

3. Primeiramente, tende fé no vosso sacerdócio. Oh, não me passa despercebido tudo o que seria capaz de desanimar e talvez abalar alguns padres hoje. Muitas análises e testemunhos insistem nas dificuldades reais que tenho presentes ao espírito — em particular o pequeno número de ordenações — ainda que não tenha tempo de tudo enumerar esta tarde. Ainda assim, digo-vos: tende felicidade e orgulho em ser Padres. Todos os baptizados formam um povo sacerdotal, quer dizer que eles tem de oferecer a Deus o sacrifício espiritual de toda a sua vida, animada de uma fé amorosa, unindo-a ao Sacrifício único de Cristo. Bem haja o Concílio que no-lo recordou. Mas precisamente por isso, recebemos nós um sacerdócio ministerial para tornarmos os leigos conscientes do seu sacerdócio e lhes permitir exercê-lo. Fomos configurados com Cristo Sacerdote para sermos capazes de actuar em nome de Cristo Cabeça, em pessoa (cfr. Decreto Presbyterorum Ordinis, n. PO 2). Fomos tomados dentre os homens e continuamos a ser nós mesmos pobres servidores, mas a nossa missão de sacerdotes do Novo Testamento é sublime e indispensável: é a de Cristo, o único Mediador e Sacrificador, a ponto de ela requerer uma consagração total da nossa vida e do nosso ser. Nunca a Igreja poderá resignar-se a ter falta de Padres, de santos Padres. Quanto mais o povo de Deus atinge a maturidade; tanto mais as famílias, cristãs e os leigos cristãos assumem o seu papel nos múltiplos compromissos de apostolado; e tanto mais umas e outros precisam de Padres que sejam plenamente Padres, exactamente pela vitalidade da vida cristã. E noutro sentido, quanto mais o mundo está descristianizado ou tem falta de maturidade a fé, mais precisa de Padres que estejam totalmente dedicados a testemunhar a plenitude do mistério de Cristo. Eis a certeza que deve sustentar o nosso próprio zelo sacerdotal, eis a perspectiva que deve incitar-nos a animar com todas as nossas forças, pela oração e o testemunho, pelo chamamento e à formação, as vocações de Padres e Diáconos.

4. Acrescento: Apóstolos de Cristo Jesus pela vontade de Deus (cfr. exórdio de todas as cartas de São Paulo), conservai o zelo apostólico, missionário, que é tão vivo na maior parte dos Sacerdotes franceses. Muitos, isto é sobretudo impressionante nestes últimos 35 anos, foram dominados pela ideia fixa de anunciar o Evangelho no coração do mundo, no coração da vida dos nossos contemporâneos, em todos os meios, sejam eles intelectuais, operários ou mesmo do "quarto mundo" também àqueles que estão muitas vezes longe da Igreja, que parecem mesmo separados dela por um muro, anunciando-O, diziamos, por meio de aproximações novas de toda a espécie, de iniciativas engenhosas e corajosas, indo mesmo até à partilha do trabalho e das condições de vida dos operários na perspectiva da missão, seja como for quase sempre com meios pobres. Muitos assistentes por exemplo estão constantemente na brecha para enfrentar as necessidades espirituais do mundo descristianizado, secularizado, muitas vezes agitado por novas exigências culturais. Este zelo pastoral, pensado e aplicado em união com os Bispos, constitui honra para vós: continue ele e purifique-se ininterruptamente. Tal é o desejo do Papa. Como ser Padre sem tomar para si o zelo do Bom Pastor? O Bom Pastor ocupa-se dos que estão afastados do aprisco por falta de fé ou de prática religiosa (cfr. Presbyterorum Ordinis, n. PO 6); com mais razão se ocupa do conjunto do rebanho dos fiéis que deve ser reunido e alimentado, como o testemunha o ministério pastoral quotidiano de tantos párocos e coadjutores.

5. Nesta perspectiva pastoral e missionária, seja sempre o vosso ministério o do apóstolo de Jesus Cristo, do sacerdote de Jesus Cristo. Não percais nunca de vista aquilo para que fostes ordenados: fazer progredir os homens na vida divina (cfr. ibid., n. PO 2). O Concílio Vaticano II pede-vos ao mesmo tempo que não vos mantenhais estranhos à vida dos homens e sejais "testemunhas e dispensadores de uma vida diferente da terrena" (cfr. ibid., n. PO 3).

Assim, vós sois ministros da Palavra de Deus, para evangelizar e formar evangelizadores, para despertar, ensinar e alimentar a fé — a fé da Igreja —, para convidar os homens à conversão e à santidade (cfr. ibid., n. PO 4). Estais associados à obra de santificação de Cristo, para ensinar aos cristãos a fazerem a oferta da própria vida, em todo o momento, especialmente na Eucaristia que "é a fonte e coroa da evangelização" (ibid., n. PO 5). E nisto, caros Irmãos sacerdotes, precisamos de velar sempre, com o máximo cuidado, por uma celebração da Eucaristia que seja verdadeiramente digna deste mistério sagrado, como eu o recordava recentemente na minha Carta a este propósito. A nossa atitude nesta celebração deve verdadeiramente fazer entrar os fiéis nesta acção santa que os põe em relação com Cristo, o Santo de Deus. A Igreja confiou-nos este mistério e é ela que nos diz como celebrar. Vós ensinais também aos cristãos a que impregnem toda a vida com o espírito de oração, preparai-los para os sacramentos; penso especialmente no sacramento da penitência ou de reconciliação que é de importância capital para o caminho da conversão do povo cristão. Sois educadores da fé, formadores das consciências, guias das almas, para permitir a cada cristão desenvolver a sua vocação pessoal segundo o Evangelho, numa caridade sincera e activa, ler nos acontecimentos o que Deus espera dele, ocupar todo o seu lugar na comunidade dos cristãos, que vós deveis reunir e pastorear, a qual deve ser missionária (cfr. ibid., n. PO 6). E deve ele assumir também as suas responsabilidades temporais na comunidade dos homens de maneira conforme à fé cristã. Os catecúmenos, os baptizados, os confirmados, os esposos, os religiosos e as religiosas, individualmente ou em associação, contam com a vossa ajuda específica para se tornarem eles próprios aquilo que devem ser.

Numa palavra, todas as forças que tendes são consagradas ao crescimento espiritual do Corpo de Cristo, quaisquer que sejam o ministério concreto ou a presença missionária de que recebestes o cargo. Está à vossa responsabilidade esse crescimento, que é fonte de alegria grandíssima e também de sacrifícios não menores. Estais, "como Padres", perto de todos os homens e de todos os problemas. Procedendo assim, conservais a identidade sacerdotal que vos permite assegurar o serviço de Cristo, para que fostes ordenados. A vossa personalidade sacerdotal deve ser para os outros sinal e indicação; neste sentido a vossa vida sacerdotal não pode permitir ser laicizada.

6. Bem situado quanto aos leigos, o vosso sacerdócio liga-se ao do vosso Bispo. Participais, ao vosso nível, do ministério episcopal pelo sacramento da Ordem e a missão canónica. E o que funda a vossa obediência responsável e voluntária para com o vosso Bispo, a vossa cooperação esclarecida e confiante com ele. É o pai do presbitério Não podeis construir a Igreja de Deus fora dele.

É ele que faz a unidade da responsabilidade pastoral, como o Papa faz a unidade na Igreja universal. Reciprocamente, é convosco, graças a vós, que o Bispo exerce a sua tríplice função, longamente exposta pelo Concílio (cfr. Const. Lumen gentium LG 25-28). Trata-se de uma comunhão da coordenação prática, mas faz parte do mistério da Igreja e assume especial relevo no Conselho presbiteral.

7. Esta unidade com os vossos Bispos, caros amigos, é inseparável da que vós tendes de viver entre Sacerdotes. Todos os discípulos de Cristo receberam o mandamento do amor mútuo; referindo-se a vós, o Concílio chega a falar de fraternidade sacramental; participais no sacerdócio mesmo de Cristo (cfr. Presbyterorum ordinis PO 8). A unidade deve estar na verdade: estabeleceis as bases seguras da unidade sendo testemunhas corajosas da verdade ensinada pela Igreja para os cristãos não serem levados por qualquer vento de doutrina, e cumprindo todos os actos do vosso ministério em conformidade com as normas que a Igreja estabeleceu, sem as quais reinariam o escândalo e a divisão. A unidade deve existir no trabalho apostólico, em que vós sois chamados a aceitar cargos diversos e complementares, cultivando a estima recíproca no plano do amor fraterno: ninguém deve julgar o seu irmão suspeitando a priori que é infiel, não fazendo senão critica-lo, até caluniando-o, o que Jesus atribui aos fariseus. É a partir da nossa caridade sacerdotal que damos testemunho e edificamos a Igreja. Tanto mais quanto nós temos o cargo, como diz o Concílio, de conduzir todos os leigos à unidade no amor e de fazer que ninguém se sinta estrangeiro na comunidade dos cristãos (cfr. Presbyterorum ordinis PO 9). Num mundo muitas vezes dividido, em que as opções são unilaterais e abruptas, e os métodos demasiado exclusivos, os Sacerdotes têm a bela vocação de ser os agentes da aproximação e da unidade.

8. Tudo isto, caros Irmãos, se liga à experiência que temos de Jesus Cristo, ou seja, à santidade. A nossa santidade é de importância essencial para tornar frutuoso o ministério que nós desempenhamos (cfr. Presbyterorum ordinis PO 12). Nós somos os instrumentos vivos de Cristo Sacerdote eterno. Para isto, estamos nós dotados de uma graça particular, para tendermos, em benefício do povo de Deus, à perfeição d'Aquele que nós representamos. São, antes de tudo, os diferentes actos do nosso ministério, que nos ordenam por si mesmos a esta santidade: transmitir cada um o que contemplou, imitar o que realiza, oferecer-se inteiramente na Missa, emprestar a sua voz à Igreja na oração das horas, unir-se à caridade pastoral de Cristo... (cfr. ibid., nn. PO 12-14). O nosso celibato manifesta por seu lado estarmos nós, totalmente consagrados à obra para que o Senhor nos chamou: o Padre, conquistado por Cristo, torna-se "o homem para os outros", completamente disponível para o Reino, sem o coração dividido, capaz de acolher a paternidade em Cristo. O nosso apego à pessoa de Jesus Cristo deve portanto fortificar-se de todos os modos, pela meditação da Palavra e primeiramente pelo Santo Sacrifício que celebramos todos os dias (cfr. a minha Carta de Quinta-feira Santa, n. 10), e deve tomar os meios que a Igreja sempre aconselhou aos seus sacerdotes. Precisamos sem descanso de reencontrar com alegria a intuição do primeiro apelo que nos veio de Deus: "Vem e segue-Me".

9. Caros amigos, convido-vos à esperança. Sei que vós levais "o peso do dia e do calor", com muitos méritos. Poder-se-ia fazer á lista das dificuldades interiores e exteriores, das causas de inquietação, sobretudo nestes tempos de incredulidade: ninguém melhor que o Apóstolo Paulo terá falado das tribulações do ministério apostólico (cfr. 2Co 4-5), mas também das esperanças que tinha. É pois primeiramente questão de fé. Não acreditaremos nós ter-nos Cristo santificado e enviado? Não acreditaremos que Ele está connosco, mesmo que nós levemos este tesouro em vasos frágeis e precisemos nós próprios da Sua misericórdia, de que nós somos os ministros em favor dos outros? Não acreditaremos que Ele actua por nosso meio, pelo menos se nós fazemos a Sua obra e que Ele fará crescer o que nós tivermos laboriosamente semeado segundo o Seu Espírito? E não acreditaremos que Ele concederá o dom da vocação sacerdotal a todos os que houverem de trabalhar connosco e substituir-nos, sobretudo se soubermos reavivar nós mesmos o dom que recebemos pela imposição das mãos? Deus aumente a nossa fé! Alargue-mos também a nossa esperança ao conjunto da Igreja! Alguns membros sofrem, outros estão em penúria de variados modos, outros porém vivem verdadeira primavera. Cristo tem muitas vezes de repetir-nos: "Porque temeis, homens de pouca fé? (Mt 8,26). Cristo não abandonará os que se entregaram a Ele, os que se vão entregando a Ele cada dia.

10. Esta catedral e dedicada a Nossa Senhora. No ano que vem, irei até diante da gruta de Massabielle em Lourdes, e alegra-me essa perspectiva. O vosso país comporta muitos santuários em que os vossos fiéis gostam de rezar à Virgem bem-aventurada, Mãe deles. Nós, Sacerdotes, devemos ser os primeiros a invocá-la como nossa Mãe. É a mãe do sacerdócio que nós recebemos de Cristo. Por favor, confiai-lhe o vosso ministério, confiai-lhe a vossa vida. Acompanhe-vos ela, como fez aos discípulos primitivos desde o primeiro encontro gozoso de Caná, que vos faz pensar na aurora do vosso sacerdócio, até ao sacrifício da cruz, que assinala necessariamente as nossas vidas, até ao Pentecostes, na expectativa cada vez mais penetrante do Espírito Santo de quem ela é a Esposa desde a Encarnação. Terminaremos o nosso encontro com uma Ave Maria.

Com pena, tenho de deixar-vos, por hoje. Mas os Padres estão sempre perto do meu coração e da minha oração. Em nome do Senhor, vou abençoar-vos: abençoar cada um de vós, abençoar os Padres que vós representais, abençoar especialmente os que sofrem provações, físicas ou morais, a solidão ou a tentação, a fim de que Deus dê a todos a Sua paz. Seja Cristo a vossa alegria. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PARIS


Sexta-feira, 30 de Maio de 1980



Senhor Presidente

Muito me sensibilizaram as palavras de boas-vindas que vossa Excelência me dirigiu, em nome do Povo de Paris, das Personalidades eleitas e no seu nome pessoal. Convidado da França por alguns dias e com que ,alegria na sua importante capital que realizarei o essencial da minha estadia. Já tive diversas vezes a felicidade de aqui vir no decurso dos anos passados, descobrindo-a, cada vez maior e também mais bela, graças aos esforços empreendidos para a valorizar. É verdadeiramente uma das capitais do mundo.

Hoje, o Sucessor de Pedro reencontra-a não sem emoção. E nesta Praça situada a dois passos da "Cité", o berço da cidade, nestes lugares que foram testemunhas de grandes horas e, ao mesmo tempo, das principais vicissitudes da sua história, nestes lugares sob muitos aspectos tão simbólicos, ele vem saudar a população parisiense com todo o afecto do seu coração e todo o respeito merecido pelas páginas gloriosas que ela inscreveu no registo dos tempos.

Cidade das luzes, como é chamada a justo titulo, faço votos por que assim se mantenha não só para o seu país mas também para o mundo. Sem dúvida pode-o, pelo esplendor da sua cultura, e realiza-o. Pode-o graças à fidelidade ao seu património histórico e artístico. De muitos lados olha-se para ela com tanta admiração quanta inveja: também na minha pátria de origem se tem conhecimento do que se deve a Paris.

Mas o passado não é tudo. Há o presente, e o presente são questões muito concretas. E há também o futuro a preparar. Existem múltiplos problemas de ordenamento, de organização, que são o destino das grandes metrópoles. Mas nenhum destes problemas, mesmo sob o aspecto técnico, está desprovido de uma componente humana. Paris é antes de tudo dos homens, das mulheres: das pessoas arrebatadas pelo ritmo rápido do trabalho nos escritórios, nos lugares de pesquisa, nos estabelecimentos comerciais e nas fábricas; de uma juventude em busca de formação e de emprego; dos pobres também, que vivem frequentemente o seu drama, ou mesmo a sua indigência, com dignidade comovedora, e que não podemos nunca esquecer; de um vaivém incessante de população muitas vezes migrante; de rostos anónimos em que se percebe a sede de felicidade, de ser mais belo e, penso que também, a sede do espiritual, a sede de Deus.

Sabe Vossa Excelência que a minha visita à França é uma visita pastoral. Bispo de Roma, cada dia tenho enfrentado pessoalmente, na minha própria diocese, situações semelhantes, mesmo se o contexto pode diferenciar-se nalguns pontos. Tento assim — e penso conseguir, pelo menos espero — compreender as preocupações dos que têm ao seu encargo, por diferentes títulos, os problemas de uma cidade geminada com a minha.


Discursos João Paulo II 1980 - 29 de Maio de 1980