Discursos João Paulo II 1980 - Paris, 1 de Junho de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS JOVENS DURANTE


A VIGÍLIA NO PARC-DES-PRINCES


Paris, 1 de Junho de 1980



Caros jovens da França

1. Agradeço-vos este encontro que quisestes preparar como uma espécie de diálogo. Quisestes falar com o Papa. Isto é muito importante por dois motivos:

O primeiro é que este modo de agir nos leva directamente a Cristo; n'Ele desenvolve-se um diálogo contínuo: a conversação de Deus com o homem e do homem com Deus.

Cristo, já ouvistes isto, é o Verbo, a Palavra de Deus. Ele é o Verbo eterno. Este Verbo de Deus, feito Homem, não é a palavra de um grande monólogo, mas é a Palavra do "diálogo incessante" que se desenvolve no Espírito Santo. Sei que esta frase é difícil de ser entendida, mas digo-a assim mesmo e deixo-vo-la para que a mediteis. Não celebrámos por acaso esta manhã o Mistério da Santíssima Trindade?

O segundo motivo é este: o diálogo responde à minha convicção pessoal de que, ser o servidor do Verbo, da Palavra, quer dizer "anunciar no sentido de responder". Para responder é preciso conhecer as perguntas. E por isso está bem que as tenhais proposto; de contrário, deveria adivinhá-las, para vos poder falar e para vos responder! (É a vossa pergunta n. 21).

Cheguei a esta convicção não somente pela minha experiência de algum tempo como professor, através das lições e dos grupos de trabalho, mas sobretudo através da minha experiência de pregador; nas homilias, e principalmente pregando durante os exercícios espirituais. A maior parte do tempo dirigia-me aos jovens, e eram jovens os que ajudei a encontrar o Senhor e também a ouvi-1'O e a responder-Lhe.

2. Ao dirigir-me agora a vós, gostaria de o fazer de modo a responder, ao menos indirectamente, a todas as vossas perguntas.

É por isso que não posso fazê-lo elencando-as, uma depois da outra, porque neste caso as minhas respostas não poderiam ser senão esquemáticas.

Permiti-me, portanto, escolher a pergunta que me parece mais importante, a mais central, e partir dela. Deste modo espero que as vossas outras perguntas emergirão pouco a pouco.

A vossa pergunta central diz respeito a Jesus Cristo. Quereis ouvir-me falar de Jesus Cristo, e perguntais-me quem é para mim Jesus Cristo (é a vossa décima terceira pergunta).

Permiti-me que eu vos dirija a mesma pergunta: para vós, quem é Jesus Cristo? Deste modo, e sem iludir a pergunta, dar-vos-ei também a minha resposta dizendo-vos o que Ele é para mim.

3. O Evangelho, todo ele, é um diálogo com o homem, com as diversas gerações, com as nações, com as diversas tradições... mas é sempre, ininterruptamente, um diálogo com o homem, com cada homem, um único, absolutamente singular.

Ao mesmo tempo encontram-se muitos diálogos nos Evangelhos. Dentre estes, considero particularmente eloquente, o diálogo de Cristo com o jovem rico.

Leio-vos o texto, porque talvez nem todos vós o recordeis bem. Encontra-se no capítulo XIX do Evangelho de Mateus: "Aproximou-se de Jesus um jovem e disse-Lhe: 'Mestre, que hei-de fazer de bom para alcançar a vida eterna?'. Jesus respondeu-lhe: 'Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só. Mas se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos'. 'Quais?' perguntou ele. Retorquiu Jesus: 'Não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe; e ainda amarás o teu próximo como a ti mesmo'. Disse-lhe o jovem: 'Tenho cumprido tudo isto; que me falta ainda?'. 'Se queres ser perfeito, disse-lhe Jesus, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois vem e segue-Me'. Ao ouvir isto, o jovem retirou-se contristado, porque possuía muitos bens".

Porque dialogou Cristo com este jovem? Lê-se a resposta no texto evangélico. E vós perguntais-me porque quero encontrar-me com os jovens em qualquer parte aonde eu vá (é também a vossa primeira pergunta).

Respondo-vos: porque o jovem é o homem que de maneira especial, e de modo decisivo, se está "a formar". Isto não quer dizer que o homem não se forme durante toda a sua vida; diz-se que a educação começa já antes do nascimento e dura até ao último dia. Mas do ponto de vista da formação, a juventude é um período particularmente importante, rico e decisivo. E se reflectirdes sobre o diálogo de Cristo com o jovem rico, encontrareis a confirmação do que vos disse.

As perguntas dos jovens são essenciais; e as respostas também.

4. Estas perguntas e respostas não são essenciais só para o jovem de que se falou, importantes para a sua situação daquele tempo; elas são igualmente de primeira importância e essenciais para os tempos de hoje. Por isso, ao querer saber se o Evangelho pode responder aos problemas dos homens de hoje (é a vossa nona pergunta), respondo: não só "é capaz", mas deve-se ir muito mais além: somente ele lhes dá uma resposta total, que vai até ao fundo das coisas, e completamente.

No início disse que Cristo é o Verbo, a Palavra de um diálogo incessante. Ele é o diálogo, o diálogo com cada homem, embora alguns não o façam ou não saibam como levá-lo avante, e há aqueles que refutam explicitamente este diálogo. Eles afastam-se... contudo... pode ser que este diálogo esteja a iniciar-se também com eles. Estou convicto de que é precisamente assim. Mais de uma vez este diálogo se "revela" de modo inesperado e surpreendente.

5. Perguntastes-me também porque, nas minhas viagens a vários países e também em Roma falo com os diversos Chefes de Estado (pergunta n. 2).

Simplesmente porque Cristo fala com todos os homens, com cada um deles. E além disso, não duvideis disto, penso que não há menos a dizer aos homens, que têm tão grandes responsabilidades sociais, do que há a dizer ao jovem do Evangelho e a cada um de vós.

A vossa pergunta sobre a tema das minhas conversações com os Chefes de Estado, respondo que muitas vezes lhes falo precisamente dos jovens. De facto; é da juventude que depende o "amanhã". Estas últimas palavras são tiradas de uma canção que os jovens polacos da vossa idade cantam frequentemente: "É de nós que depende o dia de amanhã".

Também eu cantei mais de uma vez com eles. E além disso, agradava-me muito cantar as canções com os jovens, por causa da música e das palavras. Recordo isto porque me fizestes também uma pergunta sobre a minha pátria (é a vossa sétima pergunta), mas para vos responder deverei falar durante muito tempo!

E perguntais-me também o que poderá a França aprender da Polónia, e o que terá a Polónia a aprender da França.

Pensa-se habitualmente que a Polónia aprendeu mais da França que esta da Polónia. Historicamente a Polónia é alguns séculos mais jovem. Contudo, penso que a França poderá aprender diversas coisas. A Polónia não teve uma história fácil, particularmente durante os últimos séculos. Os Polacos "pagaram", e não somente um pouco, por serem Polacos e também por serem cristãos... Esta resposta é "autobiográfica", desculpar-me-eis, mas fostes vós que a provocastes. Por exemplo, quando me perguntais se a Igreja, que é "ocidental", pode ser verdadeiramente a Igreja "africana" ou "asiática" (vigésima pergunta).

6. Evidentemente, esta questão é mais ampla e vai mais além do que disse até agora a respeito da Igreja na França ou na Polónia. Com efeito, uma e outra são ocidentais, fazem parte da mesma cultura europeia e latina, mas a minha resposta será a mesma. Por sua natureza, a Igreja é una e universal. Ela torna-se a Igreja de cada nação, ou dos continentes ou das raças, à medida que estas sociedades aceitam o Evangelho e dele fazem por assim dizer algo de próprio. Há pouco tempo estive na África. Tudo demonstra que as jovens Igrejas desse Continente têm plena consciência de serem africanas. Elas aspiram conscientemente a criar um vínculo entre o cristianismo e as tradições das suas culturas. Na Ásia, e sobretudo no Extremo Oriente, pensa-se muitas vezes que o cristianismo é a religião ocidental, mas tenho a certeza de que as Igrejas lá radicadas são Igrejas asiáticas.

7. Voltemos agora ao nosso tema principal, ao diálogo de Cristo com o jovem.

Realmente, direi de bom grado que não nos afastamos do seu contexto. O jovem pergunta: "Mestre, que devo fazer de bom para conseguir ã vida eterna?" (Mt 19,16): Agora fazeis-me a pergunta: Pode-se ser feliz no mundo, hoje? (é a vossa décima segunda pergunta)...

Na verdade, estais a fazer-me a mesma pergunta daquele jovem! Cristo responde `— a ele, a vós, a cada um de vós,— : pode-se. É isto de facto o que Ele responde, embora as suas palavras sejam estas: "Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos" (Mt 19,17). E responderá ainda mais tarde: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e segue-me" (cfr. Mt 19,21).

Estas palavras significam que o homem não pode ser feliz senão na medida em que é capaz de aceitaras exigências que a sua própria humanidade e a sua dignidade de homem lhe impõem. As exigências que o próprio Deus lhe impõe.

8. Assim Cristo responde não só à pergunta de saber se se pode ser feliz, mas diz ainda mais: diz-nos como se pode ser ,feliz, em que condição. Esta resposta é totalmente original, não pode ser superada e é sem pre actual. Deveis refletir bem nela e adaptá-la a vós mesmos. A resposta de Cristo compreende duas partes. Na primeira, exorta seguir os Mandamentos. E aqui farei uma digressão por causa de uma das vossas perguntas sobre os "princípios que a Igreja ensina no campo da moral sexual (é a décima sétima). Vós exprimis a vossa preocupação ao ver que eles são difíceis, e que os jovens poderiam, precisamente por este motivo, afastar-se da Igreja. Mas dir-vos-ei: se pensardes nesta questão de maneira profunda e se atingirdes até ao fundo o problema, asseguro-vos que tomareis consciência de uma só coisa: neste campo, a Igreja coloca apenas as exigências que estão estreitamente ligadas ao amor matrimonial e conjugal, o que vale a dizer responsável. Ela exige o que requerem a dignidade da pessoa e a ordem social fundamental. Não nego que não haja exigências. Mas é justamente nisto que se encontra o ponto essencial do problema: o homem realiza-se a si mesmo somente na medida em que sabe impor a si mesmo as exigências. Do contrário, ele vai-se embora "triste'', como lemos no evangelho. A permissividade moral não faz os homens felizes. A sociedade de consumo não torna os homens felizes. Estas nunca conseguiram isto.

9. No diálogo de Cristo com o jovem há, come disse, duas etapas. Na primeira trata-se dos Mandamentos do Decálogo, isto é, das exigências fundamentais de toda a moral humana. Na segunda Cristo diz: "Se queres ser perfeito..., vem e segue-me" (Mt 19,21).

Este "vem e segue-me" é o ponto central de todo este episódio. Estas palavras significam que não se pode aprender o cristianismo como uma lição composta de numerosos e diversos capítulos, mas que é preciso ligá-lo sempre a uma Pessoa, a uma pessoa viva: Jesus Cristo. Jesus Cristo é o guia: Ele é o modelo. Pode-se imitá-1'O de diversas maneiras e em várias dimensões. Ele pode tornar-se a "regra de vida" de diversas maneiras e em várias dimensões.

Cada um de nós é como um "material" particular, do qual se pode, ao seguir Cristo, tirar esta forma concreta, única e absolutamente singular da vida, que podemos chamar vocação cristã. Sobre este ponto, foram ditas muitas coisas no último Concílio a respeito da vocação dos leigos.

10. Isto não muda nada pelo facto de que este "segue-me" de Cristo, no caso preciso, é e continua a ser a vocação sacerdotal ou a vocação à vida consagrada conforme os conselhos evangélicos. Digo isto para responder à vossa (décima) pergunta sobre a minha vocação sacerdotal. Procurarei responder-vos brevemente, seguindo o esquema das vossas perguntas. Direi, então, em primeiro lugar: há dois anos que sou Papa; mais de vinte que sou bispo, e contudo o mais importante para mim continua a ser sempre o facto de que sou sacerdote. Poder celebrar todos os dias a Eucaristia; poder renovar o próprio sacrifício de Cristo, tornando a levar, por Ele, todas as coisas ao Pai: o mundo, a humanidade e a mim mesmo. É nisto, com efeito, que consiste uma justa dimensão da Eucaristia. E é por tudo isto que tenho sempre vivo na memória o desenvolvimento interior a partir do qual "ouvi" a chamada de Cristo para o sacerdócio. Este especial "vem e segue-me".

Ao confiar-vos isto, convido-vos a prestardes bem atenção, cada um e cada uma de vós, a estas palavras evangélicas por meio desta auscultação, que se moldará completamente a vossa humanidade; e que se definirá a vocação cristã de cada um de vós. E, talvez da vossa parte, ouçais também o apelo para o sacerdócio ou a vida religiosa. A França, até há pouco tempo, era rica destas vocações. Entre outras ela deu à Igreja tantos missionários e tantas religiosas missionárias! Certamente, Cristo continua a falar nas margens do Sena e dirige sempre, o mesmo apelo. Escutai atentamente. Será sempre preciso que haja na Igreja aqueles que "foram escolhidos dentre os homens" e os que Cristo estabeleceu de modo particular "para o bem dos homens" (He 5,1) e que Ele envia aos homens.

11. Formulastes também a pergunta sobre a oração (a quarta). Há muitas definições da oração. A mais frequente é a chamada colóquio, conversação, entretenimento com Deus. Ao conversarmos com alguém, não somente falamos, mas também escutamos. A oração por conseguinte também uma escuta. Ela consiste em pôr-se à escuta da voz interior da graça. A escuta da chamada. E, uma vez que me perguntais como reza o Papa, respondo-vos: como todo o cristão, ele reza e ouve. As vezes, reza sem palavras, e nesse caso ouve mais ainda. O mais importante é precisamente o que "sente". Procura também unir a oração às suas obrigações, actividades e trabalhos, e unir o seu trabalho à oração. E assim, dia após dia, procura "cumprir o seu "serviço", o seu "ministério", que lhe vem da vontade de Cristo e da tradição viva da Igreja.

12. Perguntastes-me também como vejo este serviço agora, depois de dois anos, que fui chamado para ser o sucessor de Pedro (sexta pergunta). Considero-o sobretudo como uma maturação no sacerdócio e como a permanência na oração com Maria, Mãe de Cristo, na maneira como os Apóstolos eram assíduos à oração, no Cenáculo de Jerusalém, quando receberam o Espírito Santo. Além disto, encontrareis a minha resposta a esta pergunta a partir das respostas seguintes. E sobretudo a que se refere à realização do Concílio Vaticano II (pergunta catorze). Perguntais-me se ela é possível. E respondo-vos: não somente a realização do Concílio é possível, mas ela é necessária. E esta resposta é antes de tudo a resposta da fé. Foi a primeira resposta que dei, no dia seguinte à minha eleição, aos Cardeais reunidos na Capela Sistina. E a resposta que dei a mim mesmo e aos outros, como bispo e como cardeal, e é a resposta que dou continuamente.

É o problema principal. Creio que mediante o Concílio se realizaram para a Igreja da nossa época as palavras de Cristo, com as quais Ele prometeu à sua Igreja o Espírito de verdade, que guiará os espíritos e os corações dos Apóstolos e dos seus sucessores, concedendo-lhes permanecer na verdade e guiar a Igreja na verdade, interpretando os sinais dos tempos à luz desta verdade. É precisamente isto que o Concílio fez em vista das necessidades do nosso tempo e da nossa época. Creio que, graças ao Concílio, o Espírito Santo "fala" à Igreja. Digo-o retomando a expressão de São João. O nosso dever é compreender de maneira firme e honesta o que diz o Espírito, e realizá-lo, evitando desviar, sob tantos pontos de vista, o caminho traçado pelo Concílio.

13. O serviço do bispo, e em particular aquele do Papa, está vinculado a uma responsabilidade especial pelo que diz o Espírito: está vinculado por tudo o que diz respeito à fé na Igreja e à moral cristã. Com efeito, é esta fé e esta moral que eles devem ensinar na Igreja, os bispos com o Papa, ao vigiar à luz da tradição sempre viva sobre a sua conformidade com a palavra de Deus revelada. E por isso devem às vezes constatar também que algumas opiniões ou certas publicações manifestam a falta desta conformidade. Elas não constituem uma doutrina autêntica da fé cristã e da moral. Falo disto porque mo pedistes (pergunta quinta). Se tivéssemos mais tempo, poder-se-ia dedicar a este problema uma exposição mais ampla, tanto mais que neste campo não faltam as informações falsas e as explicações erradas, mas por hoje devemos contentar-nos com estas palavras.

14. Considero a obra da unidade dos cristãos um dos maiores e entusiasmantes deveres da Igreja no nosso tempo. Quereis saber se espero esta unidade e como a imagino? Dar-vos-ei a mesma resposta dada a propósito da realização do Concílio. Também aqui vejo um apelo particular do Espírito Santo. Sobre o que diz respeito à sua realização, as diversas etapas desta realização, encontramos no ensinamento do Concílio todos os elementos fundamentais. São estes que devemos pôr em prática, procurar as suas aplicações concretas e sobretudo rezar sempre com fervor, constância e humildade. A união dos cristãos não pode ser realizada senão por uma maturidade profunda na verdade, e por uma conversão constante dos corações. Devemos fazer tudo isto segundo as nossas capacidades humanas, reexaminando todos os "processos históricos" que têm durado séculos. Mas em definitivo, esta união, para a qual não devemos poupar nem os nossos esforços nem os nossos trabalhos, será o dom de Cristo à sua Igreja. Como é já um seu dom o facto de termos entrado no caminho da unidade.

15. Ao prosseguir o elenco das vossas perguntas, respondo-vos: já falei muitas vezes sobre os deveres da Igreja no campo da justiça e da paz (décima quinta pergunta), a exemplo do que foi feito pelos meus grandes predecessores João XXIII e Paulo VI. Amanhã, especialmente, tenho a intenção de falar na sede da UNESCO, em Paris. Refiro-me a isto porque perguntastes: o que podemos fazer por esta causa, nós os jovens? Podemos fazer algo para impedir uma nova guerra, uma catástrofe que seria incomensurável, mais terrível que a precedente? Penso que, na formulação mesma da vossa pergunta, encontrareis a resposta esperada. Lede estas perguntas. Meditai-as. Fazei delas um programa comunitário, um programa de vida. Vós jovens, tendes já a possibilidade de promover a paz e a justiça, lá onde estais, no vosso mundo. Isto comporta já atitudes precisas de benevolência na apreciação verdadeira de vós mesmos e dos outros, o desejo de justiça baseado no respeito dos outros, das suas diferenças e dos seus direitos importantes: assim se prepara para o amanhã um clima de fraternidade, quando tereis responsabilidades maiores na sociedade. Se se quer construir um mundo novo e animado pela fraternidade, é preciso preparar os homens novos.

16. E agora a pergunta sobre o Terceiro Mundo (número oito).

É um grande problema histórico, cultural e de civilização. Mas é sobretudo um problema moral. Perguntastes-me, e com razão, quais devem ser as relações entre o nosso país e os países do Terceiro Mundo: da África e da Ásia. Existem de facto grandes obrigações de natureza moral. O nosso mundo "ocidental" é ao mesmo tempo "setentrional" (europeu ou atlântico). As suas riquezas e o seu progresso devem muito aos recursos e aos homens daqueles continentes. Na situação nova em que nos encontramos após o Concílio, não é possível não procurar á as fontes de um ulterior enriquecimento e do seu próprio progresso. É preciso com consciência e na organização ajudá-los no seu desenvolvimento. Este é talvez o problema mais importante que diz respeito à justiça e à paz no mundo de hoje e de amanhã. A solução deste problema depende da geração actual, e dependerá da vossa geração e das que seguirão. Aqui também, trata-se de continuar o testemunho dado a Cristo e à Igreja por muitas gerações precedentes de missionários, religiosos e leigos.

17. A pergunta: como ser hoje testemunha de Cristo? (número dezoito). É a pergunta fundamental, a continuação da meditação que colocámos no centro do nosso diálogo, o colóquio com um jovem. Cristo diz: "Segue-me". É o que diz a Simão, o filho de Jonas, a quem deu o nome de Pedro; ao seu irmão André; aos filhos de Zebedeu; a Nathanael. Diz "segue-me", para repetir em seguida, após a ressurreição "vós sereis as minhas testemunhas" (Ac 1,8). Para ser testemunha de Cristo, para Lhe prestar testemunho, antes é preciso segui-l'O. É necessário aprender a conhecê-l'O, é preciso colocar-se, por assim dizer, na sua escola, penetrar em todo o seu mistério. É um dever fundamental e central. Se nós não o cumprimos, se não estamos prontos a cumpri-lo constante e honestamente, o nosso testemunho arrisca-se a tornar-se superficial e exterior. Arrisca-se a já não ser um testemunho. Se ao contrário, permanecemos atentos a tudo isto, Cristo mesmo ensinar-nos-á mediante o seu espírito o que devemos fazer, como comportar-nos, em que e como empenhar-nos, como conduzir o diálogo com o mundo contemporâneo, este diálogo que Paulo VI chamou diálogo da salvação .

18. Finalmente, se me perguntais: "Que devemos fazer na Igreja, sobretudo nós jovens?", respondo-vos: aprendei a conhecer Cristo. Constantemente. Compreender Cristo. Nele encontram-se verdadeiramente os tesouros insondáveis de sabedoria e de ciência. N'Ele o homem, sobre quem pesam os seus limites, os seus vícios, as suas fraquezas e o seu pecado, torna-se verdadeiramente "o homem novo": torna-se "o homem para os outros", torna-se também a glória de Deus, porque a glória de Deus, como disse no séc. II Santo Ireneu de Lião, bispo e mártir, é "o homem vivente". A experiência de dois milénios ensina-nos que nesta obra fundamental, na missão de todo o povo de Deus, não existe nenhuma diferença essencial entre o homem e a mulher. Cada um no seu género, segundo as características específicas da feminilidade e da masculinidade, torna-se este "homem novo", isto é, este homem "para os outros", e como homem vivente torna-se a glória de Deus. Se isto é verdadeiro, como é verdade que a Igreja na sua gerarquia é dirigida pelos sucessores dos Apóstolos, e portanto por homens, é ainda mais verdadeiro que, no sentido carismático, as mulheres conduzem-na como os homens e talvez ainda mais. Convido-vos a pensardes frequentemente em Maria, Mãe de Cristo.

19. Antes de encerrar este testemunho baseado sobre as vossas perguntas, quereria ainda agradecer de modo especial aos numerosos representantes da juventude francesa que, antes da minha chegada a Paris, me mandaram milhares de cartas. Agradeço-vos por terdes manifestado este vínculo, esta comunhão e esta co-responsabilidade. Desejo que este vínculo, esta comunhão e esta co-responsabilidade prossigam, se aprofundem e se desenvolvam após o nosso encontro desta noite.

Peço-vos também que reforceis a vossa união com os jovens da Igreja inteira e do mundo, no espírito desta certeza de que Cristo é o nosso caminho, a Verdade e a Vida (cfr. Jn 14,6).

Unamo-nos agora nesta oração que Ele mesmo nos, ensinou, cantando o "Pai-Nosso", e recebei todos, para vós, para os jovens e as jovens da vossa idade, para as vossas famílias e para os homens que mais sofrem, a Bênção do Bispo de Roma, sucessor de São Pedro.

Pai-Nosso que estais no céu: / santificado seja o vosso nome. / Venha a nós o vosso reino. / Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. / O pão nosso de cada dia nos dai hoje. / Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. / E não nos deixeis cair em tentação. / Mas livrai-nos do mal. Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS FIÉIS PRESENTES NA BASÍLICA


DO SAGRADO CORAÇÃO EM MONTMARTRE


Paris, 1 de Junho de 1980



"Fica connosco, Senhor, pois o dia já está no ocaso" (cfr. Lc 24,29). Os discípulos de Emaús estavam já com o coração a arder, depois de terem escutado pelo caminho a explicação das maravilhas do plano de salvação revelado nas Escrituras. Mediante o partir do pão, o Senhor ressuscitado acaba de revelar-se-lhes na plenitude do seu amor.

Encontramo-nos em Montmartre, na Basílica do Sagrado Coração, consagrada à contemplação do amor de Cristo presente no Santíssimo Sacramento.

Estamos na noite de 1 de Junho, primeiro dia do mês particularmente consagrado à meditação, à contemplação do amor de Cristo manifestado através do seu Sagrado Coração.

Aqui, dia e noite, os cristãos reúnem-se e alternam-se para tornar a procurar "as insondáveis riquezas de Cristo" (cfr. Ep 3,8-19).

2. Viemos aqui para encontrar o Coração traspassado por nós, de onde saem água e sangue. É o amor redentor que está na origem da salvação, da nossa salvação, que está na origem da Igreja.

Viemos aqui para contemplar o amor do Senhor Jesus: a sua bondade compassiva por todos durante a sua vida terrena; o seu amor de predilecção pelos pequeninos, os doentes, os aflitos. Contemplemos o seu coração que arde de amor pelo seu Pai, na plenitude do Espírito Santo. Contemplemos o seu amor infinito, o do Filho Eterno, que nos conduz ao próprio mistério de Deus.

3. Ainda hoje, o Cristo vivo ama-nos e apresenta-nos o seu Coração como a fonte da nossa redenção: "semper vivens ad interpellandum pro nobis" (He 7,25). A todo o instante, somos envolvidos, o mundo inteiro é envolvido, no amor deste Coração "que amou tanto os homens e por eles é tão pouco amado".

"Vivo, diz São Paulo, na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim" (Ga 2,20). A meditação do amor do Senhor passa necessariamente através da meditação da sua Paixão: "Entregou-se por mim". Isto implica que cada um tome consciência não só do pecado do mundo em geral, mas deste pecado pelo qual cada um está realmente em causa, de forma negativa, nos sofrimentos do Senhor.

Esta meditação do amor manifestado na paixão deve também levar-nos a viver em conformidade com as exigências do baptismo, com esta purificação do nosso ser através da água que flui do Coração de Cristo; a viver conforme o apelo que Ele nos faz todos os dias pela sua graça. Possa Ele conceder-nos agora "vigiar e orar" para não sucumbirmos mais à tentação. Oxalá nos dê a graça de entrarmos espiritualmente no seu mistério; de possuirmos, como diz ainda São Paulo, os sentimentos que havia em Cristo Jesus... "feito obediente até à morte" (Ph 2,5-8).

Por isso, somos chamados a responder plenamente ao seu amor, a consagrar-Lhe as nossas actividades, o nosso apostolado, toda a nossa vida.

4. Não somos chamados somente a meditar e contemplar este mistério do amor de Cristo; somos chamados a tomar parte nele. É o mistério da Santíssima Eucaristia, centro da nossa fé, centro do culto que prestamos ao amor misericordioso de Cristo manifestado no seu Sagrado Coração, mistério que é adorado noite e dia; aqui nesta Basílica, que se torna por isso um dos centros de onde o amor e a graça do Senhor irradiam, misteriosa mas realmente; sobre a vossa cidade, sobre o vosso País e sobre o mundo redimido.

Na Sagrada Eucaristia, celebramos a presença sempre nova e activa do único sacrifício da Cruz, na qual a Redenção é um acontecimento eternamente presente, indissoluvelmente unido à intercessão mesma do Salvador.

Na Sagrada Eucaristia, unimo-nos ao próprio Cristo, único sacerdote e única hóstia, que nos introduz no movimento da sua oferta e adoração. Ele que é a fonte de toda a Graça.

Na Sagrada Eucaristia — este é também o sentido da adoração perpétua:— entramos neste movimento do amor do qual deriva todo o progresso interior e toda a eficácia apostólica: "quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim" (Jn 12,30).

Caros Irmãos e Irmãs, grande é a minha alegria de poder terminar este dia neste insigne lugar de oração eucarística, no meio de vós, reunidos mediante o amor para com o Coração divino. Rezai-Lhe. Vivei esta mensagem que do Evangelho de São João, em Paray-le-Monial nos chama a entrar no seu mistério. Oxalá possamos todos "tirar com alegria água das fontes da salvação" (Is 12,3), as que emanai do amor do Senhor morto e ressuscitado por nós.

É a Ele que recomenda também nesta noite o vosso país e todas as vossas intenções apostólicas. Dou-vos de todo o coração a minha Bênção.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS CATÓLICAS (O.I.C.)


Paris, 2 de Junho de 1980



Meus queridos irmãos e irmãs em Cristo

1. No enquadramento da minha visita à UNESCO, quis encontrar-me também com os representantes das Organizações Internacionais Católicas (O.I.C.) e do Centro Católico Internacional para a UNESCO. Sei que seguis de perto, segundo o estatuto que vos está concedido como organização não governamental, as actividades desta Organização das Nações Unidas. Agradeço a vossa presença e o vosso interesse.

Como o fiz em Nova Iorque por ocasião da minha visita à Organização das Nações Unidas, quero sublinhar pela minha presença na UNESCO o interesse que a Santa Sé dedica à vida das organizações internacionais, aos encontros em que se discutem os problemas maiores do mundo contemporâneo, e aos múltiplos esforços de cooperação internacional que visam a promover à escala mundial uma vida em comum penetrada de justiça e de respeito pelos direitos inalienáveis do homem. Porque, como o meu predecessor João XXIII — que foi o primeiro dos primeiros Observadores permanentes da Santa Sé junto da UNESCO — dizia na sua encíclica Pacem in terris, a socialização a nível mundial é um facto. E esta realidade exige mais que nunca que uma nova ordem de relações internacionais venha estabelecer-se sobre a base de uma ética de justiça, de respeito da pessoa humana, de reconhecimento da soberania de cada nação, e de solidariedade.

2. Neste contexto, é necessário promover trocas entre os povos a fim de permitir a cada um dentre eles dar-se uma identidade própria, fundada numa concepção dinâmica da cultura, que mergulha as raízes no passado, se alimenta dos diversos contributos históricos e se torna criadora de novas expressões, mantendo-se embora ao mesmo tempo fiel aos seus valores próprios e aberta aos de outrem como a um futuro de progresso.

A Igreja não pode manter-se estranha a este empreendimento, ela que, por causa da sua condição particular, não está ligada a perspectivas de poder politico ou de interesse económico, mas é inspirada unicamente pela missão que lhe confiou Cristo.

Com efeito, robustecida pelo mandato recebido de Cristo de anunciar o Evangelho a todos os povos, a Igreja está presente em todas as nações e culturas, como sacramento universal de salvação e de unidade para o género humano: por ela, a humanidade é reconciliada com o Pai; por ela, a fraternidade em Cristo está aberta a todos os homens; por ela, enfim, o Evangelho fecunda as energias morais e religiosas e presta contribuição original ao estabelecimento de uma cultura e de uma civilização fundada no primado do espírito, na justiça e no amor.

3. Nesta perspectiva, exprimo a minha estima e os meus incentivos a todos os católicos que assumem a sua responsabilidade própria na vida internacional, seja, como muitos dentre vós aqui, a serviço da UNESCO, seja, muito particularmente, nas organizações católicas internacionais, que bem compreenderam que papel importante elas têm de desempenhar neste campo.

Com efeito, quer se trate do estudo dos grandes problemas internacionais ou da sensibilização e da formação da opinião a respeito deles, é fornecido um contributo insubstituível pelas organizações católicas internacionais por meio do seu estatuto de organização não governamental, como também pelos centros da Conferência das O.I.C.

De maneira nenhuma tenho em menor conta a necessidade de capacidades técnicas para entrar nos problemas delicados e complexos, que se apresentam no campo internacional. Mas a vossa contribuição própria deve consistir no esforço para colocar sempre no coração destes problemas, em que se joga o destino dos homens e dos povos; uma dimensão ética e religiosa que é elemento fundamental da realidade humana. Nenhuma solução é possível por negociações a nível politico, económico ou técnico — por bem necessárias que sejam — se ela não se inspira nestas dimensões fundamentais. O respeito e a tolerância, a vontade de colaboração leal e diálogo não sejam nunca um álibi para dissimular ou minimizar a contribuição original que deve ser a vossa, a partir da verdade de Cristo, fonte da verdade sobre o homem e sobre a sua dignidade.

4. Esta contribuição será tanto mais eficaz quanto mais se puder fundar em experiências e reflexões que vos cheguem da base das vossas organizações e movimentos, nos diversos locais, países e continentes. Está nisto um aspecto positivo das O.I.C. Segundo a estrutura que têm e a origem dos seus membros, elas conseguirão ao mesmo tempo ultrapassar os horizontes de um nacionalismo ou de um regionalismo limitados, evitando ao mesmo tempo uma visão e uma prática imperfeita do internacionalismo, tido como o privilégio do escol dos poderosos ou o domínio exclusivo dos especialistas. Pela extensão da presença que têm em todos os meios geográficos e culturais, pela densidade dos seus circuitos locais e nacionais de coordenação e de informação e pela profunda comunhão que têm com a Igreja em todos os níveis em que se realiza a cooperação internacional, as organizações internacionais católicas dão já, e devem dar cada vez mais, um testemunho e uma contribuição importantes à edificação da cidade dos homens e do Reino de Deus.


Discursos João Paulo II 1980 - Paris, 1 de Junho de 1980