Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 20 de Fevereiro de 1980

Aos Jovens na Sala das Bênçãos


Queridos Jovens, rapazes e meninas

1. O meu encontro convosco, caríssimos rapazes e jovens, sempre especialmente desejado, realiza-se num dia de grande recolhimento, com referência expressa à necessidade de nos convertermos, de melhorarmos a nossa vida e subirmos para o alto.

Com o austero rito da imposição das cinzas na nossa cabeça de homens mortais, a Igreja pronuncia hoje palavras que despertam nas almas ressonâncias íntimas. A sua voz majestosa e admoestadora é a voz do próprio Deus: "Homem, és pó e em pó te hás-de tornar". Aquela cinza é, de facto, símbolo do valor relativo de todas as coisas terrestres, da extrema precariedade e fragilidade da vida presente pelos seus limites, seus condicionamentos, suas contradições e dificuldades. Dai a maternal exortação da Igreja a libertarmos o nosso espírito de qualquer forma de apego desordenado às realidades da terra, para conseguirmos olhar confiadamente para a ressurreição.

Vós, caríssimos rapazes e jovens, sabeis bem todavia que o encontro com Cristo ressuscitado há-de preparar-se, por meio de um esforço de crescimento pessoal durante esta nossa existência no tempo, e ainda mediante a entrega a uma obra construtiva de elevação humana e animação cristã do ambiente que nos circunda. Esta visão corajosa e "comprometedora" da vida, que tanto se adapta às vossas generosas ousadias, inclui portanto o conceito da penitência, da mortificação, da renúncia, virtudes estas que brotam de forte desejo de justiça e intenso amor de Deus.

2. Penitência é sinónimo de conversão, e conversão quer dizer ultrapassar tudo o que está em contraste com a dignidade dos filhos de Deus, especialmente as paixões selvagens que o Apóstolo e Evangelista São João chama concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida (1Jn 2,16), forças do mal sempre insidiosas e sempre a conspirar, embora sob formas às vezes lisonjeiras. Contra elas é necessária luta permanente, a que nos convida de modo especial o período da Quaresma, que hoje principia e tem por finalidade o regresso sincero ao Pai celeste, infinitamente bom e misericordioso.

3. Este regresso, fruto de um acto de amor, será tanto mais expressivo e a Ele agradável, quanto mais acompanhado for pelo sacrifício de alguma coisa necessária e principalmente das coisas supérfluas. Apresenta-se à vossa livre iniciativa variadíssima gama de acções, que vão desde a prática assídua e generosa do dever quotidiano até aceitação humilde e alegre dos contratempos aborrecidos que podem surgir durante o dia, e até à renúncia a alguma coisa muito agradável para assim encontrar maneira de socorrer quem se encontre em situação de necessidade; mas sobretudo é agradabilíssima ao Senhor a caridade do bom exemplo, requerido por fazermos parte de uma família de fé, cujos membros são interdependentes; e cada um precisa de ajuda e apoio por parte de todos os outros. O bom exemplo não actua só no exterior, opera também em profundidade e constrói na outra pessoa o bem mais precioso e mais activo, qual é o da adesão à própria vocação cristã.

4. Todas estas coisas são difíceis de realizar; para as nossas débeis forças é necessário suplemento de energias. Onde podemos encontrá-lo? Recordemo-nos das palavras do divino Salvador: Sem Mim nada podeis fazer (Jn 15,5). É a Ele que devemos recorrer: por outro lado, sabeis que se encontra Cristo no diálogo pessoal da oração e, de modo particular, na realidade dos sacramentos. A Quaresma é o tempo mais favorável para chegarmos a estas divinas fontes da vida sobrenatural: com o sacramento da penitência reconciliamo-nos com Deus e com os nossos irmãos; com a Eucaristia recebemos a Cristo, que sustenta as nossas vontades, de si fracas e titubeantes.

Ao animar-vos a este esforço de purificação e renovamento, invoco sobre os vossos propósitos a assistência do divino Espírito e de todo o coração concedo, a vós e às vossas respectivas famílias, a Bênção Apostólica.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO POVO BRASILEIRO POR OCASIÃO DA ABERTURA


DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 1980




Caríssimos Irmãos e Irmãs do Brasil

Saúdo-vos cordialmente, em Cristo Senhor, ao abrir-se mais uma Campanha da Fraternidade no vosso país. Subordinada ao tema das Migrações, inspira-a o lema-interpelação "para onde vais", subentendida a dolorosa resposta, que é um grito de alma: "não temos vagas".

Vem-me à mente o episódio evangélico do homem paralítico, junto a uma piscina, em Jerusalém: Jesus passou e, vendo-o, lhe perguntou se queria ser curado; e ele respondeu: "não tenho ninguém", quer dizer, não tenho um "homem" que me ajude. E Cristo ajudou-o, curando-o (Cfr. Jn 5,2-9).

Anualmente, ao iniciar-se a Quaresma, costuma o Papa - como faz hoje também — dirigir uma mensagem a toda a Igreja, exortando-a a preparar e a viver a Páscoa, como uma autêntica libertação. E isso, mediante os desapegos do coração, "das riquezas materiais, do poder sobre os outros e das subtilezas egoístas de dominação" (Mensagem à Igreja Universal para a Quaresma 1980), para maior atenção e ajuda aos irmãos que sofrem, e desejam um "homem" que os ajude a libertarem-se dos males, que os "paralisam" na vida.

Sim, há muitos irmãos nossos, à margem da vida, "paralisados", que desejam poder caminhar: como homens, na marcha da humanidade toda, que Deus quis constituísse uma só família; e como "resgatados do Senhor", na marcha da Igreja, comunidade de Salvação.

Como cristãos, vendo-os e conhecendo o seu drama, temos de pensar se somos "o homem" para os ajudar, ou se temos ao alcance o auxílio de que eles carecem. Mas, não basta ajudar, ou dar do nosso supérfluo e mesmo do nosso necessário; é preciso fazê-lo com a conversão do espírito.

Converter-se é buscar a atitude de encontro com Deus e de encontro dos corações, no amor, com o próximo, a determinar a partilha dos bens com os menos favorecidos das nossas sociedades, com aqueles que, por diversos motivos, não podem continuar a viver na sua terra, e têm de partir, muitas vezes sem saber para onde.

Nós, homens e discípulos de Cristo, não podemos ficar indiferentes, sem tentar ajudá-los a encontrar "onde" eles se sintam homens, irmãos de todos os homens, filhos de Deus e livres, com a liberdade para a qual Cristo nos libertou (Cfr. Ga 5,1), só incompatível com o desamor.

Bem se andou, depois, ao estabelecer a relação entre a desejada fraternidade no mundo das migrações e a Santíssima Eucaristia, na perspectiva do Décimo Congresso Eucarístico Nacional do Brasil. A Eucaristia, de facto, enquanto "sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo de caridade" (II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 47), é o centro propulsor do espírito comunitário cristão, que determinará as várias obras de amor fraterno, auxílio mútuo, testemunho cristão e actividade evangelizadora.

Exorto-vos, pois, a todos, a corresponder generosamente aos apelos da Campanha da Fraternidade, nesta Quaresma: apelos à conversão, à partilha dos bens, a ver nos outros irmãos e irmãs, connosco filhos e "herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo" (Rm 8,17), Redentor do homem, de todos os homens, com os quais temos de construir a "civilização do Amor". E abençoo-vos, de todo o coração, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ámem



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CLERO ROMANO


21 de Fevereiro de 1980



Caros Irmãos no sacerdócio:

A todos os amados de Deus que estais em Roma, chamados à santidade: graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo (Rm 1,7).

Com estas palavras de São Paulo vos apresento a minha afectuosa e cordial saudação no Senhor, no princípio deste colóquio fraternal.

1. Muito desejei este encontro de hoje convosco. Com ele nos ligamos à tradição de análogos encontros no princípio da quaresma, seja com os pregadores dos exercícios espirituais, seja com o Clero Romano; mas, ao mesmo tempo, procuramos também uma dimensão e um contexto que se afastam um pouco dos precedentes. Por isso se realiza ele aqui no Latrão, onde se encontram a Sé do Bispo da diocese de Roma e o Vicariato romano. Aqui é o centro da Diocese, quer dizer, da Igreja particular, que está em Roma.

Desejo, de maneira especial, dar relevo a esta realidade. A Igreja tem dimensão universal e. ao mesmo tempo, local. «Diocese — afirmou o Concílio Vaticano lI — é a porção do Povo de Deus, que se confia a um Bispo para que a apresente com a colaboração do presbitério, de tal modo que, unida ao seu Pastor e reunida por ele no Espírito Santo por meio do Evangelho e da Eucaristia, constitui uma Igreja particular, na qual está e opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica» (Decr. Christus Dominus, CD 11).

Se a Igreja de Roma, exactamente porque Sé de São Pedro, tem importância tão fundamental para a universalidade da Igreja, ela é todavia, primeiro que tudo, a Igreja de um «lugar»: a Igreja que está em Roma. Assim a desejou Cristo. Assim a iniciou aqui Pedro e assim a receberam em herança todos os seus Sucessores.

2. Não é, na verdade, a primeira vez que insisto em me sentir eu sobretudo Bispo de Roma, e julgar portanto, como minha primeira obrigação e dever, o serviço a esta Igreja. Posso cumprir este dever — que é em si muito vasto — graças à diuturna e indefessa colaboração do Cardeal Vigário, do Arcebispo Vice-Gerente e dos Bispos Auxiliares, que todos trabalham comigo no serviço episcopal e comigo partilham sistematicamente o trabalho pastoral. E sabido que a maior parte dessa obrigação pesa sobre os ombros deles, e por isso quero hoje exprimir-lhes o meu agrado sincero e o meu vivo agradecimento.

Por um lado, todavia, procuro quanto possível dar o meu contributo pessoal; quer dizer, às visitas nas paróquias. Também quanto a estas, porém, notável parte do trabalho é realizada pelos Bispos das várias zonas: pode-se afirmar que toda a preparação, longa e metódica, da visita está confiada ao zelo e ao esforço deles. Para mim fica, em certo modo, o acto final, a conclusão, que simultaneamente é sempre uma «síntese». Nos limites dos meus outros encargos, procurei e procuro fazer visitas às paróquias com a maior frequência possível. Graças a elas adquiri já certa orientação neste campo, que me era antes quase de todo desconhecido. Estou aprendendo a conhecer Roma como a Diocese do Papa, como a minha Igreja; e nestes encontros dominicais com as várias comunidades do Povo de Deus e da sociedade romana estou a experimentar muito profundamente as suas carências, ansiedades e expectativas. No primeiro ano, quer dizer, até ao fim de Dezembro último, visitei 18 paróquias; recordo as visitas à Garbatella e ao Testaccio; a São Basilio e a São Lucas; a São Clemente nos Prati Fiscali e à Senhora das Dores em Villa Gordiana; a Spinaceto, à Rustica, ao Trullo, à Senhora do Divino Amor e aos Doze Apóstolos. Este ano visitei já a paróquia da Imaculada no Tiburtino, a da Senhora de Guadalupe, a da Ascensão no Quarticciolo, a de São Martinho nos Monti.

Nestas visitas encontrei-me com os sacerdotes encarregados e com os fiéis: os pais e mães, os jovens, as crianças, os doentes, os vários grupos organizados e os catequistas. Cada uma destas visitas dá-me sempre, em particular, nova oportunidade para a colaboração directa convosco, Sacerdotes desta Igreja «que está em Roma». E nestas experiências pessoais quero basear-me neste nosso encontro de hoje, que não deseja ser audiência, mas conversa.

3. Pretendo, antes de mais, garantir que, embora estes fragmentos de tempo que, por ocasião das visitas às paróquias romanas, posso dedicar à colaboração imediata convosco, sejam objectiva e relativamente modestos em proporção com as minhas outras ocupações, todavia considero-os bem essenciais e fundamentais para a minha missão apostólica. A missão do Bispo é presidir à sua Igreja, ser o Pastor dela, com a ajuda dos sacerdotes como colaboradores directos do seu ministério. «Os Bispos governam as Igrejas particulares que lhes foram confiadas, como vigários e legados de Cristo» (Const. dogm. Lumen Gentium LG 27), proclamou o Concílio. Tal é a visão teológica do ministério pastoral do Bispo na Igreja. Os sacerdotes são o remate e o acabamento daquele sacerdócio que ele possui na plenitude pastoral — só Jesus Cristo o possui na plenitude ontológica quanto à sua Igreja. Os Sacerdotes são os seus filhos, pois, mediante o sacramento da Ordem, ele os gera em certo sentido para a vida do sacerdócio; são, em seguida, os seus irmãos neste sacerdócio. «Vobis sum episcopus, vobiscum sum sacerdos», é o que vos recordei, adaptando as palavras de Santo Agostinho (Cfr. Serm. 340: PL 38, 1483) na Carta que dirigi a todos os sacerdotes da Igreja por ocasião de Quinta-Feira Santa do ano passado. E cada visita, que eu faço a uma paróquia da diocese, torna-me de novo consciente desta verdade apostólica da vida da Igreja e liga-me a vós cada vez mais de perto nesta unidade do ministério jerárquico, que formamos na nossa Igreja, que está em Roma. E cada visita faz-me meditar, ainda mais profundamente, nas palavras do mesmo Santo Agostinho: «Neque enim episcopi propter nos sumus, sed propter eos quibus verbum et sacramentum dominicum ministramus»; e ainda: «non propter nos, sed propter alios sumus» (Contra Cresconium Donatistam, II, II; PL 43, 474. ).

4. O Clero de Roma — como foi notado nos vários relatórios está muito diferenciado e ligado a diversos campos de trabalho apostólico. Só parte se dedica à pastoral paroquial, e em percentagem menor. Os sacerdotes, seculares e religiosos, residentes agora em Roma são 5.280 aproximadamente. Mas destes estão na cura das almas nas paróquias só 1.153. A estes seria necessário acrescentar os sacerdotes estudantes que, além de frequentarem os Ateneus Pontifícios, dão certo contributo à pastoral das paróquias. Por outro lado, a diocese de Roma está estruturada em paróquias que, segundo a terminologia adoptada pelo Prof. J. Majka no seu volume com o título de «Sociologia da paróquia», são denominadas «paróquias gigantes»: em Roma há 47 que têm de 15.000 a 20.000 fiéis; 31, de 20.000 a 30.000 fiéis; 14, de 30 a 40.000 fiéis; e 5, de 40.000 fiéis para cima.

Nem podemos esquecer, nesta panorâmica necessariamente breve, que existem 70 paróquias com locais impróprios usados para o culto, cujos fiéis participam na celebração a Santa Missa e dos Sacramentos em salas, armazéns, etc. E 15 bairros romanos, de nova formação, e contam-se ainda sem quaisquer locais de culto.

Destas poucas estatísticas aproximativas deduz-se a gravidade dos problemas religiosos e pastorais da diocese. Existe, de facto, desproporção, objectiva entre a quantidade dos fiéis e o número dos sacerdotes que se dedicam ao ministério. Torna-se precária e deficiente não só a pastoral fundamental mas também a especializada, apesar da disponibilidade ocasional doutros Sacerdotes, da ajuda das Religiosas e dos próprios Leigos responsabilizados. Desejaria nesta altura dirigir-me aos caros Irmãos sacerdotes residentes em" Roma. São hoje 3.644 aproximadamente. A Diocese muito espera deles, da sua generosidade, do seu sentido eclesial e do ardor apostólico que os anima.

Foi recordado há pouco que, nos primeiros dias do mês de Janeiro último, se realizou, a cuidado do Vicariato, o primeiro encontro dos Religiosos e das Religiosas de Roma, que tratou da presença e da missão de uns e de outras na Urbe. Tal reunião foi fecunda em indicações e propósitos. Faço votos que os Religiosos e as Religiosas de Roma, embora no pleno direito do carisma específico dos próprios Institutos, saibam inserir-se na pastoral de conjunto desta Diocese, para a qual se dirigem os olhares do mundo.

5. Falando hoje, de coração a coração, a vós Sacerdotes de Roma, julgo necessário exprimir-vos o meu mais sincero reconhecimento e a minha mais profunda admiração pelo testemunho sacerdotal de generosidade, sentido de responsabilidade e pobreza, que vos distingue. Deveis proclamar, viver e fazer que se viva a mensagem evangélica numa cidade que tem atrás de si — melhor, no próprio sangue — nada menos de 2.700 anos de história, entre os mais complexos e prestigiosos; cidade em que se realizaram, de maneira paradigmal, o embate e a fusão entre o mundo clássico e o cristianismo; cidade, que hoje é autêntica megalópolis, a qual em 1881, há cem anos, contava cerca de 274.000 habitantes, e hoje conta para cima de dez vezes mais, ou seja 2.900.000; cidade em que se manifestam e explodem, cada vez mais agudas, as tensões e as contradições da sociedade contemporânea, os problemas da urbanização, da imigração, da falta de casas suficientes, do emprego, do trabalho, da violência e do terrorismo armado.

O Clero de Roma, chamado a enfrentar, pastoral e evangelicamente, a enorme massa de problemas humanos e sociais, em boa parte não é homogéneo, uma vez que provém de quase todas as regiões da Itália. Este fenómeno, que se manifesta na Urbe em grau talvez superior a qualquer diocese urbana do mundo, tem certamente os seus lados positivos: cada sacerdote traz consigo a diversidade das tradições, das experiências, das escolas de vida espiritual e da pastoral. Não se pode negar tudo isto; mais, particularmente em Roma, semelhante fenómeno é justo. Mas comporta, ao mesmo tempo, maiores exigências no que se refere à construção e à salvaguarda da unidade, tão indispensável na pastoral desta cidade. Urge realizar, com ânimo e constância, esforços adequados que levem a essa unidade de orientação na pastoral global; é preciso, neste campo, cada vez mais delicado e problemático, estudar, reflectir, examinar e trabalhar, tudo isto em conjunto.

Um destes esforços quer sê-lo precisamente este encontro de hoje.

Esta unidade deve ser, antes de tudo, a resposta concreta e pessoal de cada um de nós à oração de Jesus ao Pai: «Ut unum sint » (Cfr. Jn 17,11 Jn 17,21 Jn 17,22). Deve ser resposta, filha do amor recíproco, quanto aos diferentes problemas relativos ao clero de Roma: problemas de carácter espiritual, cultural, pastoral, humano e económico. Deve ser resposta que leve a que se vençam certas tentações individualistas e nos abra em plena disponibilidade aos planos orgânicos indicados ou preparados pelo centro, e não nos coloque em contínua posição de crítica ou polémica quanto às directrizes, que sem dúvida só são dadas depois de meditada e longa reflexão.

Irmãos caríssimos. Conservai, à volta do Bispo, a unidade do Presbitério, tanto mais necessária numa diocese como a de Roma, levada, pelas suas mesmas estruturas sociológicas e culturais, a um tipo de pluralismo às vezes ambíguo.

«Qui autem deseruerit unitatem, violat caritatem: et quisquis violat caritatem, quodlibet magnum habeat, ipse nihil esto — faz-nos observar Santo Agostinho que, citando o louvor de São Paulo à caridade (Cfr. 1Co 13,13 ss), continua: «Universa inutiliter habet, qui unum illud, quo universis utatur, non habet» (Serm. 88, 18, 21; PL 38, 550).

No meio das profundas e contínuas mutações em todos os campos, sente o Clero a necessidade de acertar o passo com o ritmo vertiginoso desta época: sente a necessidade de actualizar-se continuamente para estar pronto e vigilante a fim de saber interpretar os acontecimentos à luz da Palavra de Deus, isto é, na perspectiva cristã.

Cada vez mais sentida é a urgência, a necessidade de uma «formação permanente» espiritual e cultural do Clero como também do Laicado apostolicamente responsabilizado. E devemos reconhecer que Roma, com as riquezas culturais das suas Universidades e Ateneus Pontifícios, poderia lançar iniciativas verdadeiramente adequadas. Também neste campo será necessária uma cordial e recíproca disponibilidade e colaboração.

6. Entre os deveres prioritários que tocam ao Bispo, ao Presbitério e a toda a Igreja de Roma, está o das vocações sacerdotais e religiosas. No relatório a este propósito foi sublinhada a minha preocupação com este problema, e estou por tal facto agradecido. No primeiro encontro com o Clero Romano manifestei-vos, com muita sinceridade e franqueza, o meu coração e pedi-vos instantemente que vos tornásseis participantes deste meu cuidado. Voltei muitas vezes a tal assunto, até há poucos dias, falando aos membros do Conselho e aos Secretários Religiosos reunidos em Roma para meditarem juntos sobre os problemas respeitantes à «promoção vocacional», por iniciativa da Conferência Italiana dos Superiores Maiores. Nessa ocasião dirigi-me idealmente a todos os Sacerdotes e Religiosos, que «vivem dia a dia a sua vocação, fiéis ao empenho assumido, humildes e escondidos construtores do Reino de Deus, que irradiam pelas suas palavras, comportamento e vida, a luminosa alegria da escolha feita. São justamente tais religiosos e sacerdotes que, mediante o seu exemplo, estimularão tantos a acolher no seu coração o carisma da vocação» (Cfr. Discurso ao Conselho Nacional para as vocações, 16 de fevereiro de 1980).

A Diocese tem dois Seminários: o Romano Maior, que hospeda presentemente 85 alunos, dos quais 22 romanos; e o Romano Menor, que hospeda 13 alunos internos, que formam a Comunidade estável: além disso, 70 rapazes das Escolas Médias inferiores e superiores formam a Comunidade vocacional: estes encontram-se frequentemente no Seminário. A volta deles gravitam outros 200 rapazes das Escolas Médias, com os quais os membros do Seminário se encontram nas paróquias ou no mesmo Seminário, para os ajudar a aprofundar com seriedade o estudo da sua vocação.

Destes dados estatísticos conclui-se a necessidade urgente de um «despertar das vocações», de um esforço consciente, meditado e organizado, para que — também e especialmente neste campo — a Diocese de Roma seja fecunda e fértil; para que os Seminários diocesanos, ricos de gloriosas tradições de formação cultural e espiritual, se tornem cada vez mais o revérbero da vitalidade da nossa Igreja particular. A vitalidade e a maturidade de uma diocese estão em proporção com o número e a qualidade das suas vocações sacerdotais e religiosas. Nos últimos 15 anos, os sacerdotes diocesanos provenientes dos Seminários Romanos foram, 122.

Será a diocese de Roma tão generosa que dê ainda numerosos e santos sacerdotes para a construção do Reino de Deus?

7. As várias visitas às paróquias deram-me ainda a possibilidade de verificar como nestas comunidades são activos os grupos de leigos, responsabilizados no apostolado.

Os leigos redescobrem a paróquia. É realidade consoladora, porque mostra como os fiéis sentem a necessidade de um ponto de referência estável. Não menos de 70 Associações de carácter nacional estão representadas, em número vário, nas diversas paróquias; e consta que existem cerca de 100 grupos locais empenhados no apostolado. Para estes grupos que, no âmbito da fé cristã, pretendem dar especial testemunho — ou com a oração comunitária, ou mediante a audição religiosa da Palavra de Deus ou no compromisso de caridade para com os irmãos necessitados — vai a minha palavra de alento. Queria porém que em nenhuma paróquia faltasse o «grupo de catequistas», composto de adultos — mães e pais de família — e de jovens, seriamente preparados e generosamente disponíveis para transmitir às crianças e aos rapazes a catequese. «A comunidade paroquial deve permanecer a animadora da catequese e o seu lugar privilegiado... Quer se queira quer não, a paróquia continua a ser ponto de referência importante para o povo cristão, e até mesmo para os não-praticantes»: isto escrevi na minha recente Exortação Apostólica acerca da catequese no nosso tempo (Catechesi Tradendae CTR 67). Nas nossas paróquias existem os elementos fundamentais daquelas estruturas que levam cada uma a ser unidade missionária de evangelização e catequese. Embora as estatísticas indiquem ser inferior a quanto se poderia desejar o grau de penetração na «massa» constituída pelo vasto conjunto dos paroquianos, é necessário todavia não perder o ânimo e dedicar grande esforço ao problema da catequese.

8. E penso neste momento, de modo especial, nos jovens, destinatários privilegiados da minha solicitude apostólica de sacerdote, Bispo e Pastor da Igreja universal. Como ouvistes no relatório, em Roma — de 2.900.000 — 500.000 são jovens dos 15 aos 30 anos. E destes não menos de 200.000 estão à espera de emprego. Os seus problemas humanos são graves. Mais graves ainda os espirituais. Trata-se da educação e formação na fé cristã, da preparação para o matrimónio e da inserção na sociedade dos adultos, que às vezes os tem profundamente desiludido. Que fará a Igreja de Roma, que farão os sacerdotes de Roma para satisfazerem, de maneira adequada e moderna, os ideais, as expectativas religiosas, culturais, sociais destes jovens, em boa parte desiludidos das ideologias e tentados a mudar a sociedade custe o que custar e com os meios que for, até com a violência?

Dirijo-me aos sacerdotes jovens de Roma para consagrarem as suas melhores energias ao apostolado entre os jovens, com generosidade, entusiasmo e constância, sem desanimar com os inevitáveis e humanos maus resultados. Amai os jovens. Sabei ouvi-los. Sabei compreendê-los. Têm tesouros escondidos e inexauríveis de generosidade e entusiasmo. Apresentai-lhes Cristo, homem-Deus, nosso irmão. Comunicai-lhes a mensagem evangélica com todo o vigor e com todo o rigor correspondente às exigências que têm. Caminhar Juntos

9. Caros Irmãos no Sacerdócio

Ouvi com grande interesse e atenção tudo o que os vossos representantes, em vosso nome, me expuseram acerca da situação do Clero romano, das paróquias, do programa diocesano orgânico, das vocações sacerdotais em Roma, da presença dos Religiosos e das Religiosas na Urbe e da condição da juventude.

Pela minha parte, procurarei fazer-me voz da vossa mesma voz, dos vossos pensamentos, das vossas esperanças, mas em particular do vosso empenho em serdes autênticos sacerdotes de Cristo nesta Igreja que está em Roma.

Continuemos juntos o nosso caminho de fé e de compromisso pastoral, fortes com o poder de Cristo, que se manifestou na Sua fraqueza humana.

Hoje celebra a Igreja a memória de São Pedro Damião, o austero eremita de Fonte Avellana, chamado por Deus para inserir-se nas dramáticas alternativas eclesiais do ano mil, período histórico, difícil e perigoso. Oiçamos e façamos nosso o convite a amar a Igreja unida pelo laço da caridade recíproca: «Ecclesia siquidem Christi tanta caritate invicem inter se compage connectitur, ut et in pluribus una, et in singulis sit per mysterium tota... In omnibus sit una, et in singulis tota: nimirum in pluribus per fidei unitatem simplex, et in singulis per caritatis glutinem, diversaque dona carismatum multiplex; quia enim ex uno omnes» (S. Pedro Damião, Liber qui appellatur Dominus vobiscum, 5: PL 145,235).

Na Igreja de Deus que está em Roma, seja sempre a diversidade dos carismas cimentada pela caridade.

Proteja-nos do céu a Virgem, «Salus Populi Romani» e Mãe da Confiança.

Com a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À DIRECÇÃO DA FEDERAÇÃO NACIONAL


DO CLERO ITALIANO


Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 1980



Filhos caríssimos

Tenho o prazer de vos dirigir a minha saudação cordial, recebendo-vos nesta manhã em Audiência particular, reservada a vós, como membros do Conselho Directivo da Federação Nacional do Clero Italiano. Por intermédio das vossas pessoas, pretende também a minha saudação abranger todos os Sacerdotes da dilecta Nação italiana, que se vão gastando no ministério pastoral com dedicação admirável e em condições muitas vezes não fáceis.

A vossa benemérita Associação nasceu precisamente para solucionar os problemas criados pelas actuais condições, em que se exerce a actividade do Clero italiano, e é-me agradável aproveitar esta circunstancia para tributar os necessários agradecimentos a tudo o que a vossa Federação realizou nestes anos para assegurar conveniente assistência aos seus Membros, nas necessidades por que passam, quer de ordem espiritual quer económica e social.

Desejo animar-vos a que persevereis com renovado esforço nesta obra fraternal de caridade, que o actual momento histórico torna particularmente delicada e urgente. Devem considerar-se dignos de toda a consideração os esforços tendentes a garantir a cada sacerdote tudo o que lhe pode ser necessário para viver, com sobriedade sim, mas também decorosamente, libertando-o dos cuidados mais minuciosos e às vezes absorventes, que derivam das imprevisíveis alternativas da vida, e infundindo nele um sentido de tranquilo desapego no exercício do seu ministério.

Para além, contudo, destas preocupações de natureza assistencial, há-de continuar a ser vossa solicitude principal fazer que se desenvolvam entre o Clero os valores espirituais da solidariedade, do entendimento recíproco e da emulação fraterna ao dedicar-se às exigências da própria vocação. Alimentar nos Sacerdotes a consciência da união profunda, que o sacramento da Ordem estabeleceu entre eles, e trabalhar para que em todas as Dioceses se crie verdadeiro espírito de família dentro do Presbitério, reunido à volta do próprio Bispo, eis o encargo, eis a missão de que deve estar animado e guiado o vosso trabalho.

Confio Virgem Santa, Mãe de Cristo e, a título especial, Mãe de cada Sacerdote, estes meus votos, esperando que Ela vos obtenha luz, generosidade e energia, para continuardes, embora no meio de inevitáveis dificuldades, a vossa obra tão importante e delicada.

Auspício destes dons celestiais e penhor da minha benevolência é a Bênção Apostólica, que de coração concedo a vós e a todos os Sacerdotes a que a vossa Associação se dirige.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA PEREGRINAÇÃO ESPANHOLA


Sala Clementina

Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 1980



Alegro-me ao dar cordialmente, nesta Audiência, as boas-vindas aos numerosos membros do grupo vindo da Espanha e composto pelas representastes dos Laboratórios Friné.

Desejo-vos, caríssimas irmãs e filhas, que este encontro com o Papa constitua não só um momento importante da vossa viagem, más o motivo de uma reflexão interior. Reflexão que vos ajude a fortalecer esses valores espirituais e religiosos, que dão à própria existência uma orientação para a rectidão e o bem, para o empenho em favor dos outros, para essa meta transcendente que vos aguarda e para a qual temos que viver sempre. Agradeço a vossa visita, peço que Deus vos encoraje na vida cristã, e dou-vos a Bênção Apostólica extensiva aos vossos familiares.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DE UM CURSO


ORGANIZADO PELO INSTITUTO


ECUMÉNICO DE BOSSEY


23 de Fevereiro de 1980

: Meus caros amigos
da escola Superior do Instituto Ecuménico de Bossey

Empregastes os últimos cinco meses em Bossey, perto de Genebra, naquilo que deve ter sido profunda experiência ecuménica. Reflectindo juntos sobre o Reino de Deus e sobre o futuro da humanidade, chegastes juntos àquele conhecimento e amor de nosso Senhor Jesus Cristo que estão na base de todos os esforços ecuménicos sérios.

Ao mesmo tempo, espero tenhais chegado a maior conhecimento e respeito da variedade de tradições existentes entre cristãos. Desenvolvestes nova consciência da necessidade de fazer esforços, com sinceridade e fidelidade à verdade, para ultrapassar essas diferenças que ainda impedem os cristãos de expressar plenamente a fé e a comunhão, que formam a vontade do Senhor a seu respeito. Na oração, além disso, tereis obtido novas inspirações para descobrir quanto a perfeita união dos cristãos é dom da graça de Deus — dom que deve ser procurado humilde e perseverantemente, em nome de Jesus.

Tenho hoje muito prazer em vos dar as boas-vindas a Roma, quando empregais a semana final do vosso programa em encontros com os organismos, as comunidades e faculdades da Igreja católica aqui existentes. Oxalá estes contactos de primeira mão vos ajudem a aprofundar a vossa compreensão genuína das instituições e vida da Igreja Católica.

Ficai certos que as minhas orações vos acompanharão ao regressardes às vossas casas e às vossas Igrejas, determinados a ser servos mais fiéis do Senhor, e instrumentos da Sua paz e justiça entre todos aqueles com cujas vidas tereis contactos no futuro.

E o Espírito Santo vos acompanhe para crescerdes na sua graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A Ele seja dada glória, agora e eternamente. Amen (2P 3,18).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CONSELHO DA SECRETARIA GERAL


DO SÍNODO DOS BISPOS



Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 20 de Fevereiro de 1980