Discursos João Paulo II 1980 - DO SÍNODO DOS BISPOS

23 de Fevereiro de 1980



Caros Irmãos no Episcopado
Caros amigos

I. É com alegria que me encontro convosco esta manhã nesta sala, que viu realizar-se o primeiro sínodo geral, e onde tivestes a amável atenção de reunir a última sessão do vosso Conselho. Isto permite que me associe por uns momentos aos vossos trabalhos.

O próximo Sínodo tem por assunto: «As funções da família cristã no mundo de hoje». A nossa época requer, na verdade, que se apresente em plena luz, de maneira compreensível e adaptada, a significação permanente desta instituição, definida desde há muito como «Igreja doméstica». De toda a parte recolheu o Secretariado do Sínodo as observações das Conferências episcopais, a experiência dos pastores e a maneira como o fermento evangélico vai actuando em situações bem diversas. A partir destes dados elaborais o documento de trabalho, que permitirá aos membros do Sínodo um trabalho aprofundado e frutuoso.

Desejo portanto, em primeiro lugar, agradecer-vos — membros do Conselho do Secretariado geral do. Sínodo, peritos e membros deste Secretariado — o serviço que assim prestastes ao organismo que é expressão privilegiada, da colegialidade episcopal, por cujo meio os pastores diocesanos partilham com o Bispo de Roma a solicitude por todas as Igrejas.

II. Não quero repetir aqui toda a riqueza das vossas discussões nem delongar-me a respeito de todos os problemas que julgais dever sujeitar ao próximo Sínodo.

Incluirá ele primeiramente a descrição do estado das famílias e dos problemas diversos que ele apresenta: é preciso, na verdade, começar por olhar bem de frente a maneira como são vividas hoje as realidades familiares e analisar-lhes quanto possível as causas e as linhas evolutivas, para a evangelização penetrar verdadeiramente neste ambiente.

Parte importante será consagrada à teologia, à doutrina católica sobre a família. O Sínodo deve, com efeito, fortificar as convicções dos cristãos. Trata-se, sem dúvida, não tanto de refazer uma exposição sistemática de dados já conhecidos e bem estabelecidos como se principiássemos de zero —, pois que a Igreja vive deles há 2.000 anos mas sobretudo de encontrar a linguagem e as motivações profundas que explicam a doutrina permanente da Igreja, de maneira que ela atinja e, se possível, convença os homens de hoje, nas situações concretas em que vivem, e lhes permita responderem por exemplo a certas tendências que se vão espalhando, como a de as pessoas se instalarem em união livre. O Sínodo não será instrumento de resposta a todos os problemas, mas deverá evidenciar o que significa seguir a Cristo neste campo, deverá deduzir os valores sem os quais a sociedade mergulha cegamente num beco sem saída, e deverá ajudar os cristãos e os homens de boa vontade a formarem sobre este ponto uma consciência bem esclarecida e firme, segundo os princípios cristãos.

Por último e sobretudo, o Sínodo investigará, de maneira realista como permitir às famílias reencontrarem ou conservarem estes valores, vivê-los e irradiá-los à sua volta, de pessoa a pessoa. Será a parte directamente pastoral.

III. Contento-me com insistir nalguns aspectos que me parecem especialmente importantes.

1. As considerações sobre a família cristã não podem separar-se do matrimónio, pois o casal constitui a primeira forma da família e conserva o seu valor, mesmo que faltem os filhos. E, a este propósito, é preciso chegar ao sentido profundo do casamento, que é aliança e amor; aliança e amor entre duas pessoas, homem e mulher, sinal da aliança entre Cristo e a sua Igreja, o amor enraizado na vida trinitária. Os caracteres desta união devem aparecer em toda a sua claridade: a unidade do lar, a fidelidade da aliança e a permanência do laço conjugal.

2. A família deve encarar-se como instituição, não só no sentido de ela ter o seu lugar e as suas funções na sociedade e na Igreja, e de haver de beneficiar de garantias jurídicas para o cumprimento dos seus deveres, para dispor da estabilidade e irradiação que dela se esperam, mas no sentido de ela em si mesma ultrapassar a vontade dos indivíduos, os projectos espontâneos dos casais e as decisões dos organismos sociais e governamentais: o matrimónio é «uma instituição sapiente do Criador para realizar na humanidade o seu desígnio de amor» (Encíclica Humanae vitae HV 8). Convirá aprofundar este aspecto institucional que, longe de ser obstáculo ao amor, é coroamento dele.

3. Será necessário cuidar particularmente da preparação para o amor e para o casamento, que é também imprescindível à preparação para a vida em família e para as responsabilidades familiares. Como garantir hoje esta preparação? É ponto importantíssimo na pastoral.

4. Os sacerdotes, por seu lado, devem estar preparados e formados para o apostolado familiar, pois consiste parte primordial, do encargo que têm, manter os leigos nas suas próprias responsabilidades, pessoais e sociais sem dúvida, mas também familiares. Apreciam eles devidamente este apostolado familiar? Estão iniciados nos problemas complexos que inclui? Como pastores, não temos de resolver por nós mesmos todos os problemas dos lares, mas devemos estar muito presentes nas dificuldades como nas alegrias, ser capazes de os ajudar, como o Senhor quer.

5. Os leigos devem, é claro, poder também encontrar as condições da sua formação doutrinal, espiritual e pedagógica para a vida a dois, como para as responsabilidades de pais e mães de família defrontando todos os problemas de educação dos filhos, à medida que estes vão crescendo. Trata-se ainda de esclarecer a atitude dos leigos perante todos os membros da família em sentido lato, entre os quais deve existir real solidariedade; em particular com os doentes, os deficientes e os velhos; estes esperam receber afecto e apoio particulares, oferecendo também eles contributo relevante, graças à experiência e ao amor que têm.

A formação destes leigos é duplamente importante, para os iniciar nos verdadeiros valores cristãos e lhes permitir darem testemunho deles, porque, nas condições actuais, a evangelização das famílias conseguir-se-á por meio doutras famílias.

6. Por fim, não esqueceremos a solicitude pastoral requerida pelos casos difíceis: o dos lares que vivem já em separação; o das pessoas divorciadas e recasadas civilmente, que, não podendo aproximar-se plenamente da vida sacramental, precisam de ser acompanhadas nas suas necessidades espirituais e beneficiar do apostolado que podem receber; o caso dos viúvos e das viúvas; o caso das pessoas isoladas que têm o encargo de filhos, etc.

Estas poucas palavras, Irmãos venerados e caros amigos, deixam-nos adivinhar todo o interesse que o Papa dedica a este Sínodo, e as grandes esperanças que nele deposita para bem da Igreja. Animo, o mais vigorosamente que posso, aqueles que têm agora o encargo de terminar a última preparação. Penso também em todos os futuros participantes, que para ele se preparam na reflexão e na ajuda mútua dentro do povo cristão. Todos pediremos a Deus que ilumine os espíritos, disponha os corações, a fim de que a experiência do Sínodo traga consigo aumento de convicções, de resoluções e de incitamentos em favor da santidade das famílias. Confiamos esta obra à intercessão da Mãe de Cristo que é Mãe da Igreja.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CONSELHO GERAL DA UNITALSI


24 de Fevereiro de 1980



Obrigado a Vossa Eminência pelas palavras introdutórias que mais me aproximaram ainda deste grupo, que já conhecia por o encontrar muitas vezes durante as audiências. UNITALSI é um símbolo. Devo dizer que estou muito agradecido, muito contente, por ser Presidente da UNITALSI o Cardeal Vigário, pois assim participo também eu um pouco mais das riquezas espirituais que são imensas.

E, em seguida, Sua Santidade pronunciou a seguinte alocução:

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Desejo expressar-vos a minha alegria e a minha satisfação por este encontro convosco, membros do Conselho Geral da UNITALSI, reunidos nestes dias em Roma para examinardes juntos os vários problemas de carácter espiritual, formativo e organizativo da vossa benemérita Obra, que celebrou o ano passado 75 anos de existência.

1. Este colóquio, tão esperado e tão desejado por vós, dá-me a feliz ocasião de exprimir a vós e a toda a grande família da vossa Instituição — aos Doentes, aos Médicos, aos Responsáveis, às Senhoras, aos Maqueiros, ao pessoal de assistência e a todos os que oferecem o seu precioso contributo — toda a minha admiração pelo bem realizado nestes anos passados.

Enraizados na caridade evangélica, que chega a descobrir em cada irmão, enfermo ou necessitado, a imagem de Cristo doloroso, os componentes da UNITALSI, com cada vez maior e mais fervoroso dinamismo, têm continuado a dedicar os próprios cuidados e atenções a assistir espiritual e materialmente os Doentes, dando-lhes a possibilidade de se dirigirem aos mais célebres Santuários, lugares sacros da piedade cristã, para lá receberem os sacramentos, oferecerem os próprios sofrimentos a Deus pelo bem da Igreja e da humanidade, e formarem quase um coro imenso de fervorosa oração, tornada mais pura e meritória no cadinho da dor, unidos e solidários e integrados na paixão de Jesus Cristo.

Exactamente para os irmãos enfermos poderem ter a experiência consoladora de tais momentos de interior alegria, faço votos que os membros da UNITALSI consigam dar continuamente, com generosidade e desinteresse cada vez maiores, o seu tempo, os seus sacrifícios e a sua paciência, manifestando e procurando sempre a caridade (Cfr. 1Co 14,1).

2. Quem poderia neste momento avaliar ou exprimir, só em números, quanto fez nestes 75 anos a vossa Instituição? Estou certo que o contacto com a dor humana, contemplada em perspectiva cristã da vida, enriqueceu sem dúvida os membros da vossa Organização, abrindo-lhes novos horizontes de espiritualidade e solidariedade cristã com todos os filhos de Deus.

Por isto desejo que na UNITALSI estejam presentes e activos, de maneira consistente e generosa, os jovens, capazes de grande ideais, grande dedicação e grandes sacrifícios.

Sejam os anos futuros mais fecundos ainda, de bem, de iniciativas adequadas e ajustadas às mudadas condições sociais, e sejam especialmente mais intensos ainda em disponibilidades, em responder com generosidade às palavras de Jesus: Estava doente e visitastes-me (Cfr. Mt 25,36), isto é, destes-me o vosso tempo, a vossa alegria, a vossa bondade e a vossa compreensão.

Sobre vós aqui presentes, sobre todos os membros da UNITALSI e sobre os seus familiares, invoco, pela maternal intercessão da Virgem Imaculada, a efusão dos favores celestiais e concedo de coração a minha Bênção apostólica.



                                                                    Março de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCERRAMENTO DOS EXERCÍCIOS


ESPIRITUAIS NA CAPELA MATILDE


1 de Março de 1980



Nós todos, caríssimos irmãos, sentimos neste momento um dever: o de agradecer sobretudo ao Senhor nosso, que nos concedeu a possibilidade de entrar no silêncio, na solidão embora relativa, na abertura dos dons do Espírito Santo e de entrar assim em comunhão com Ele mesmo e também na de uns com os outros. Tudo isto devemos agradecer do fundo dos nossos corações e queremos fazê-lo agora com as palavras da oração, mas sobretudo com a voz interior, mais eloquente que as palavras e os cânticos, especialmente num momento como este, quando o espírito está cheio. Nisto está a necessidade que sentimos: a de agradecer a Deus, o Senhor, e também à Virgem, pois os nossos exercícios espirituais chegam ao termo em dia de sábado, sempre a ela dedicado.

Queremos agradecer o ministério da palavra, que exercitou connosco o nosso irmão «Dom Lucas»: chamo-lhe assim, por ser fiel não somente à sua vocação episcopal e curial, mas também à sua vocação religiosa. Devemos voltar, como nos ensina o Concílio Vaticano II, ao espírito dos fundadores. E São Domingos fundou uma «Ordo Predicatorum; »por isso a escolha foi certamente providencial. Tivemos um pregador dos exercícios, que é o nosso irmão e ao mesmo tempo um Pregador religioso da Ordem dos Pregadores.

Queremos agradecer ao Senhor este serviço da palavra, que nos apresentou o nosso pregador quaresmal. E, agradecendo ao Senhor, agradecemos-lhe também a ele ter-nos dado muito, com a sua preparação e as suas conferências quatro vezes por dia.

Queremos agradecer-lhe, caríssimo Dom Lucas, sobretudo a escolha do tema principal dos nossos exercícios. Escolha tão simples e ao mesmo tempo tão actual e tão preciosa para cada um de nós, porque todos nós, aqui presentes, somos sacerdotes de Cristo e não poderia haver tema mais importante, tanto em sentido essencial como existencial, do que a palavra e o tema que escolheu: «o Sacerdócio». Depois, há ainda outro motivo por que o tema do sacerdócio é tão importante para todos nós. Na verdade, nós aqui representamos a Cúria romana, isto é, uma comunidade de grandíssima responsabilidade diante da Igreja universal. O futuro da Igreja está intimamente relacionado com o sacerdócio, e o verdadeiro debate actual em que a Igreja está empenhada, especialmente nos Países ocidentais, é o do sacerdócio e do verdadeiro sentido que tem.

E depois, o futuro da Igreja depende das vocações ao sacerdócio. Em toda a parte, em cada parcela do mundo, em cada país e em cada Igreja local, talvez a marca da prova, com certeza prova providencial, que nestes tempos pós-conciliares invade a Igreja, seja a prova das vocações. O pregador terminou falando da alegria; pois bem, grande alegria nos traz cada uma das notícias que chegam sobre o aumento das vocações sacerdotais e religiosas, sobre o despertar do Espírito entre os jovens nalguns países e continentes; e assim a Igreja da prova — divina, providencial — não deixa de ser também a Igreja da esperança. Estamos-lhe pois agradecidos pela escolha do tema destes exercícios. Depois, também agradecidos pelo método seguido, ao aprofundar o tema, do ponto de vista dos exercícios, para as necessidades espirituais dos participantes.

Mostrou-nos sobretudo as dimensões do sacerdócio: primeiro, a divina, da relação entre Deus e o homem; depois, a cristológica ou cristocêntrica, no segundo dia; em seguida, a dimensão eclesiológica, no terceiro dia, com a inesquecível conferência sobre o sacerdócio da Igreja e, continuando a dimensão eclesiológico-humana — se assim podemos dizer — sobre a relação entre o sacerdote, os homens e o povo de Deus; e, por fim, a dimensão interior, com insistência preciosíssima na espiritualidade mariana do sacerdote. E, seguindo tais dimensões que são verdadeiramente aspectos essenciais e existenciais do sacerdócio de cada um de nós, procurou o pregador aprofundar os diversos temas, seguindo sempre os critérios preestabelecidos no princípio, logo na primeira conferência introdutória; precisamente são estes os critérios bíblicos e teológicos centrados sempre na doutrina e nos textos do Concílio Vaticano II, que sempre enriqueceu com o conhecimento das fontes, da Bíblia, dos Santos Padres, da teologia e de São Tomás, mas também da literatura contemporânea e não somente da literatura teológica, diria que também da laica e religiosa juntas.

Devo dizer que, deste modo, o conjunto dos seus discursos e das pregações nos deu uma visão riquíssima, cuidadíssima: encontrámos nestas suas conferências enriquecimento pessoal, muitas luzes para cada um de nós, muitas aproximações; era clara, muito clara, a estrutura das suas conferências, muito simples e muito profunda, e isto devemo-lo agradecer ao Senhor, devemo-lo agradecer ao Seu Espírito, à Sua Mãe, e devemos também agradecer-lhe a Si, que foi instrumento bem preparado, que fez bom trabalho espiritual; pôde com esforços encontrar os nossos espíritos, tratar as nossas almas e manifestou-se, em cada conferência, Pastor. Inculcou-nos também que a nossa vocação é a de sermos Sacerdotes e Pastores aqui na Cúria. Assim, se é possível resumir em poucas palavras o conjunto das suas conferências, diria eu que nos deu um bem verdadeiro. Estamos-lhe reconhecidos. Estamos reconhecidos a Si pelo espírito com que falava; mas o nosso reconhecimento, que vai nesta altura para o pregador, volta a nós mesmos, a cada um de nós.

Nós, durante os exercícios, durante esta semana, fomos estes pregadores silenciosos, esta comunidade silenciosa; mas tratava-se de um silêncio cheio de lições. Esta plenitude é só conhecida ao Espírito Santo e a cada um de nós; era plenitude de experiência de Cristo, experiência do Seu e nosso sacerdócio, experiência dos exercícios espirituais. Tal experiência deve continuar a ser para cada um de nós como nascente — para os dias, as semanas e os meses da nossa vida, do nosso ministério e do nosso serviço aqui na Cúria romana. Devemos agradecer-nos mutuamente termos constituído e termos vivido a unidade orante neste silêncio e devemos agradecer-nos uns aos outros as orações. O tempo dos exercícios espirituais é sempre tempo de oração mais intensa; orámos certamente, orámos mais abundantemente, mais intensamente; orámos também uns pelos outros, porque nesta comunidade nos tornámos mais irmãos.

Assim devemos continuar a ser, porque esta é a palavra de nosso Senhor; devemos continuar irmãos, mais irmãos, naquela fraternidade que Ele ensinou aos Seus apóstolos, aos Seus discípulos; ensinou a todas as gerações. Então a nossa geração de discípulos e de sucessores dos Apóstolos, deve manter-se fraternalmente unida a Cristo, à Sua Mãe e à Sua esposa mística que é a Igreja, unida sempre a esperar aquela missão do Espírito Santo que, uma vez manifestada no dia do Pentecostes, se manifesta sempre, se renova sempre em cada época e em cada geração. Devemos estar também nós unidos, esperando este sopro do Espírito para manifestar a Sua luz e a Sua força à Igreja, ao mundo e à nossa difícil mas também prometedora época da história. Acolhei estas palavras, que agora pronunciei em nome de todos nós, desta comunidade silenciosa. Recordamo-nos de uma frase dita por um nosso irmão, o Cardeal Ratzinger: «a Igreja silenciosa deve readquirir a voz». E deste modo, no fim, caríssimo pregador nosso Dom Lucas, a Igreja silenciosa da Cúria romana retomou, readquiriu a voz para lhe agradecer e para agradecer também a Deus Omnipotente, ao Senhor nosso Jesus Cristo, ao Espírito Santo, à Virgem e à Igreja: agradecer de todo o coração. Amen.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS JOVENS ESTUDANTES


DE ROMA E DA REGIÃO DO LÁCIO


Sala Paulo VI

Sábado, 1 de Março de 1980



Caríssimos Estudantes

É para mim uma verdadeira alegria encontrar-me hoje convosco, que me trazeis o entusiasmo e a dedicação dos estudantes das Escolas de Roma. Em vós, que pertenceis a Escolas Elementares e Médias, Inferiores e Superiores, vejo presentes, de igual modo, as outras crianças, rapazes e adolescentes que frequentam todos os Institutos Escolares desta Cidade e do Lácio. Vós sois hoje como que os representantes desse vasto mundo e, por isso, vos saúdo com especial cordialidade. A minha saudação afectuosa dirige-se a cada um de vós e a cada um dos vossos Institutos, ujo elenco acaba de ser lido; desejo mencionar, em particular, o mais numeroso, o do Sacro Cuore di Maria-Marymount, que este ano celebra o quinquagésimo aniversário da sua fundação.

É-me grato, além disso, dar as boas-vindas a Alfredo Battaglia, o menino que, recentemente, foi sequestrado. Ao assegurar-lhe que estive, com ansiedade, perto dele, como perto de todas as vítimas de sequestros, sinto-me feliz que ele esteja, agora entre nós.

E agradeço-vos vivamente por terdes querido oferecer-me esta maravilhosa demonstração de afecto e de veneração.

Mas quero também dirigir-vos algumas palavras, inteiramente para vós, a propósito da vossa condição de jovens estudantes e de cristãos.

A vossa idade é a altura da vida mais propícia para semear e para preparar o terreno com vista a futuras colheitas. É um tempo de preparação, de tal modo que quanto mais sério for o empenho que puserdes hoje no cumprimento dos vossos deveres, tanto mais seguro e fecundo será amanhã o exercício das tarefas que vos serão reservadas. E, hoje, podeis exercitar, a vários níveis, a seriedade no vosso dever.

Antes de mais na escola. Aplicai-vos, portanto, ao estudo com muita intensidade; ele favorece, de facto, o vosso amadurecimento pessoal. O contacto assíduo com as matérias dos vossos programas escolares não pode deixar de ser construtivo: não só porque vos exercita na disciplina da inteligência e da vontade, mas também porque vos abre horizontes sempre novos sobre a vastidão do saber humano nas suas múltiplas manifestações históricas, linguísticas, matemáticas, filosóficas, técnicas, artísticas, etc. Recordai-vos de que, mesmo entre os adultos, é grande o homem que está sempre disposto a aprender, enquanto que aquele que pensa saber já tudo está, na realidade, apenas cheio de si mesmo e, portanto, vazio dos grandes valores que verdadeiramente enriquecem a vida. Estudai, pois, com o desejo de conhecer sempre coisas novas, mas também com muita humildade, porque só esta vos pode manter abertos e disponíveis a ulteriores aquisições. Na verdade só chega a novos pontos de vista aquele que sabe não ter conseguido ainda conquistar quanto anseia, e emprega, por isso, todas as suas forças em atingir a meta.

Em segundo lugar, sei que dedicais muito tempo ao desporto. Ora bem!

É necessário saber que o desporto não é apenas um factor de divertimento e de descontracção, mas também, mesmo quando disso vos não recordais, uma ocasião importante de formação e de virtude. De facto, também na vida futura tereis de colaborar e até de medir-vos com outras pessoas frente a problemas, situações e projectos que farão da vossa vida algo de semelhante a uma partida que se deve disputar honestamente; para isso concorrem o emprego acertado das próprias energias, um claro conhecimento do contexto geral em que se está inserido, a capacidade de se adequar ao ritmo dos outros e um leal e generoso sentido da competição. Eis porque escola e desporto são inseparáveis: ambos contribuem para edificar a vossa personalidade, porque ambos têm muito a ensinar e são, no seu conjunto, a expressão de uma juventude que não é apenas exterior mas também interior.

Mas há ainda uma terceira coisa que, na vossa idade, tem muito valor: o apego à família, especialmente aos pais. Espero que todos encontreis nas vossas casas um ambiente de amor autêntico. E desejo convidar-vos também a estabelecerdes e manterdes sempre com os vossos pais uma relação de grande afecto; são eles os vossos primeiros amigos. A vossa vida de amanhã depende, em grande parte, de como estiverdes em harmonia e nutrirdes respeito para com quem vos gerou e educou.

De certo que chegará o momento da separação. Por isso mesmo deveis exercitar-vos num crescimento pessoal responsável. Porém, não corteis nunca as vossas raízes humanas e familiares, sob pena de secarem ou de se tornarem selvagens.

Como vedes, tudo o que até agora vos disse se relaciona com a vossa educação humana, que é coisa deveras importante.

Mas existe uma outra componente decisiva da vossa vida: a especificamente cristã, que se enxerta na vossa humanidade e a leva a florescer. Um verdadeiro cristão, isto é um santo, é também e sempre um homem perfeitamente realizado. Poderia dar-vos muitos nomes, mas a grandeza deles deriva sempre de um só nome, o de Jesus de Nazaré, desde sempre Filho de Deus, e que se tornou nosso Senhor através da sua morte e ressurreição. A sua vida, como bem o sabeis, foi toda ela gasta, até ao fim, em favor dos outros. Ora bem! Deveis olhar para Ele, tê-1'O presente nos vossos pensamentos e afectos, segui-1'O todos os dias, pois só d'Ele, como São Paulo, cada um de nós poderá dizer com inteira verdade: Amou-me sempre e entregou-Se a si mesmo por mim (Ga 2,20). Eis onde atingir a vossa alegria mais profunda, alegria tal que se torne a vossa força e, portanto, o vosso amparo. Se, por desventura, devêsseis encontrar amarguras, padecer sofrimentos, experimentar incompreensões, ou mesmo cair em pecado, que o vosso pensamento de fé suba de imediato para Aquele que sempre vos ama e que, precisamente com o seu amor ilimitado como o de Deus, nos faz superar todas as provas, nos enche todos os nossos vazios, apaga todo o nosso pecado, e nos impele com entusiasmo para um caminho de novo alegre e seguro. A vida sobre esta terra não poupa nenhum homem a experiências deste género. As vossas pequenas cruzes de hoje podem ser apenas um sinal de maiores dificuldades futuras. Mas a presença de Jesus connosco todos os dias até ao fim do mundo (Mt 28,20) é, ao mesmo tempo, a mais sublime e a mais realista garantia de que não estamos sós, mas que Alguém caminha connosco como naquele dia com os dois desolados discípulos de Emaús (Cfr. Lc 24,13 ss.).

Tende vivo em vós e conservai sempre convosco este sentido jovem do Evangelho, de que os homens de hoje têm tanta necessidade, e testemunhai-o no vosso meio. Quero dizer-vos que é para não envelhecer que devemos agarrar-nos tenazmente a Jesus e ao seu anúncio. De facto, só o amor, que é a alma do Evangelho, nos permite sermos sempre jovens. Vós conheceis os episódios de violência dos nossos dias: de quantas mortes são causa, e de quantas lágrimas! Pois bem, quem produz a morte não é apenas velho, mas está já morto por dentro. Com efeito, a vida apenas germina do amor e, portanto de uma outra vida; ou seja de uma morte amorosamente enfrentada, como a de Jesus. Por isso, cultivai o amor mais genuíno para com todos, estando sempre dispostos a ajudar quem esteja em necessidade, a perdoar a quem vos ofenda, e também a corrigir ou, ao menos, a ter compaixão de quem pratica a injustiça.

Sejam estes, caros estudantes, os cuidados essenciais da vossa vida. E dado que, como sabeis, estamos a viver o tempo da Quaresma, procurai pô-los em prática, a partir de agora, como preparação para a próxima Páscoa. O vosso contentamento será tanto mais natural, quanto mais tiver passado pela prova, pelo sacrifício e pelo domínio de vós mesmos.

Faço votos para que seja assim toda a vossa vida: isto é, um cântico de alegria, pela tomada de consciência de que Jesus morreu por nosso amor, e pela beleza da nossa indestrutível comunhão com Ele, de que temos experiência mesmo nos momentos mais difíceis.

E sabei sempre que o Papa vos quer bem! Por isso, vos saúdo a todos uma vez mais, bem como aos vossos Mestres e Pais. Que o Senhor vos acompanhe sempre com a sua graça; que peço desça abundante sobre vós, enquanto, de todo o coração, concedo a todos a minha particular Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA JUNTO DE GOVERNO DA NICARÁGUA


Segunda-feira, 3 de Março de 1980



Excelentíssimos Senhores,
Membros da Junta de Governo da Nicarágua

Sejam as minhas primeiras palavras de sinceras boas-vindas a este encontro, que me permite manifestar-lhes os meus respeitos pessoais, a que uno a minha cordial saudação para todo o querido Povo da Nicarágua, ao qual se dirige o meu pensamento cheio de afecto e estima.

E se nos outros momentos da história da Nicarágua os Papas, a Santa Sé e a Igreja têm demonstrado o seu profundo interesse a uma Nação depositária de tão nobre património cristão, hoje renovo esses sentimentos da mais viva simpatia.

Estou ciente dos problemas que o País está enfrentando para obter a promoção do Povo e a melhoria dos seus níveis de vida, sobretudo dos sectores mais necessitados. A Igreja encoraja todas aquelas iniciativas que, em consonância com a vocação terrena e transcendente do homem, promovem a dignidade das pessoas e as capacitam para assumir, cada vez mais responsável e livremente, o seu próprio destino, individual, familiar e social.

Nesta perspectiva, a Igreja não deixaria de considerar favoravelmente, na Nicarágua como fora dela, os esforços orientados para a promoção económica, social, cultural e política das pessoas; tarefas humanamente enriquecedoras mas que têm de se completar com uma visão integral do homem. Para isto é necessário que este, num clima de autêntica liberdade, afiançada adequadamente pelas normas que regulam as estruturas cívicas e sociais, possa abrir-se à acção divina que, mediante a graça de Cristo, Filho de Deus e Salvador do homem, o liberta interiormente do pecado e das suas consequências. Com efeito, não se pode esquecer que os fiéis e toda a comunidade católica da Nicarágua recebem de Cristo e do seu Evangelho o profundo sentido da sua própria dignidade, assim como o desejo de viver na justiça, no amor e no respeito recíproco.

Seja-me permitido fazer uma consideração particular sobre um aspecto importante da realidade actual da Nicarágua. Refiro-me à campanha de Alfabetização, à qual estão sendo dispensadas tão consideráveis energias.

Deixando à parte os aspectos técnicos do problema, considero que uma iniciativa destinada a levar o pão da cultura a todos os cidadãos sem distinção, é em si mesma merecedora de todo o encómio, contanto que ela seja programada e levada a cabo no total respeito aos direitos e convicções religiosas do Povo e, mais em concreto, dos pais dos alunos. Esse respeito aos direitos dos pais e da família católica a uma educação, que esteja em conformidade com a fé que professam, exclui que se imponham conceitos contrários à fé. Uma experiência secular e o testemunho de muitos contemporâneos, são a prova de que se pode dar uma ampla colaboração, no terreno da educação pública, entre ciência e cristianismo.

A propósito disto, faço um apelo aos educadores cristãos e a quantos prestam a sua actividade nas escolas católicas, para que colaborem nessa empresa de educação de cada cidadão, a fim de que se facilite um generalizado acesso à cultura.

Formulo, finalmente, os melhores votos por que o amado Povo da Nicarágua viva um futuro de paz, concórdia, solidariedade e de acordo com a sua secular tradição cristã. Peço ao Senhor que nunca prevaleçam os sentimentos de ódio, mas antes se trate de inserir vantajosamente na sociedade todos os cidadãos, dentro sempre do respeito às pessoas e à verdade. Peço também para que se preservem em todo o momento os valores preciosos das famílias que, constituídas sobre a base do matrimónio — santificado pela Igreja com o Sacramento e dotado da sua própria indissolubilidade — são o ambiente e o núcleo de primordial importância para a sociedade.

Queira Deus que, desta forma, cada cidadão da Nicarágua — entre os quais desejo recordar com especialíssimo afecto: os homens do campo, os operários e os jovens — caminhe em serena fraternidade até às metas cada vez mais altas, humanas e cristãs.

Por sua parte, a Igreja e o Episcopado local, na fidelidade ao espírito do Evangelho, estão junto do Povo da Nicarágua, participando, quanto lhes permite a sua própria missão, na promoção do mesmo, principalmente dos sectores mais pobres, mais desfavorecidos, mais impotentes diante do sofrimento ou da dor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A VISITA AO VICARIATO DE ROMA


Terça-feira, 4 de Março de 1980



Venerados e caros Irmãos!

Entre as várias ocupações do Papa não podia faltar uma visita particularmente afectuosa, dedicada em exclusivo a todos os que desenvolvem o seu meritório trabalho pastoral no Vicariato de Roma. Depois do encontro com a Pontifícia Universidade Lateranense, com o Seminário Maior Romano e daquele, ainda mais recente, com o Clero de Roma, quis vir aqui, à Cúria da minha Diocese para, também a vós, vos dizer uma palavra de encorajamento e de bons votos.

1. Antes de mais, uma saudação cordial ao caríssimo Cardeal Ugo Poletti, Vigário-Geral de Roma e Distrito, e portanto meu directo e imediato colaborador na solicitude pastoral no que respeita à Cidade. Para ele a minha estima e a minha gratidão pela sua generosa e indefectível dedicação. Estima e gratidão que desejo igualmente manifestar ao Arcebispo Vice-Gerente, e aos Bispos Auxiliares pelo contacto diário que souberam estabelecer com os párocos, com os sacerdotes e com os fiéis. Estima e gratidão que é necessário estender todos quantos, de vários modos e a diversos níveis, põem à disposição o seu tempo, a sua preparação, a sua inteligência e a sua espiritualidade nos diversos departamentos em que está estruturado o Vicariato. Desejo saudar o Prelado Secretário com todos os membros da Secretaria Geral; os Oficiais do "Centro Pastoral para a Evangelização e a Catequese"; do "Centro Pastoral para o Culto e a Santificação"; do "Centro Pastoral para a animação da comunidade cristã e para os serviços sócio-caritativos"; os do "Departamento para as pessoas físicas e jurídicas"; os do "Departamento Administrativo"; do "Departamento Legal", do "Departamento Técnico"; os do "Tribunal Ordinário" e do "Tribunal Regional do Lácio"; e todos os dos outros Departamentos e Comissões.

A todos a minha paternal saudação!

2. Vim também para manifestar a todos vós, com muita simplicidade e singeleza, o meu agrado, a minha gratidão e o meu apreço pelo vosso trabalho, que deu e dá um contributo directo e determinante para a renovação e o progresso pastoral da diocese de Roma. A estrutura articulada e multiforme do Vicariato da Urbe — tal como foi sabiamente querida e fundada pelo meu Predecessor Paulo VI, de venerada memória, com a Constituição Apostólica Vicariae Potestatis de 6 de Janeiro de 1977, a fim de traduzir na prática as orientações teológicas, pastorais e organizativas surgidas do Concilio Vaticano II — tem necessidade de um pessoal adequado às novas exigências, qualificado pela sua preparação especifica, pelo seu espírito de sacrifício e especialmente pelo seu manifesto "sensus Ecclesiae". E vós, venerados e caros Irmãos, tendes dado provas, em diversas circunstâncias, de possuir em alto grau esse sentido da Igreja, santamente orgulhosos por viverdes e trabalhardes em Roma, na Igreja fundada pelos Apóstolos Pedro e Paulo, e, portanto, profundamente conscientes das exigências que tal privilégio comporta, segundo as palavras do próprio Paulo VI no citado Documento: "Sed eadem illa dignitas ac praestantia officium quoque necessarium secum fert salubriter praemonstrandi exemplum christianae vitae toti Ecclesiae Christi, quae vivit et agit in variis comunitatibus christianis, ecclesiis scilicet particularibus, per omnem terrarum orbem dispersis" (Const. Apost. Vicariae Potestatis, Intr.).

Oferecei sempre uma demonstração exemplar de autêntica vida cristã e sacerdotal quer aos fiéis de Roma, que estão em contacto convosco, quer a todos aqueles que, peregrinos do mundo, vêm a esta afortunada Cidade, centro de Catolicismo, para venerar os lugares dedicados à memória dos Apóstolos, dos Mártires e dos Santos. Procedei sempre em comunhão de fé e de caridade, participando e dando o vosso contributo de ideias, e especialmente de acção generosa e constante, para a pastoral global nas suas diversas formas, mas sobretudo para as que se referem à catequese, à pastoral juvenil, ao apostolado dos leigos, à caridade, à vida sacramental, às relações entre fé e realidade social, sem indulgências para com as sedutoras formas de confluência com forças de antitética inspiração ideal.

Num sereno e leal espírito de serviço, procurai manter sempre um contacto directo com a vida pastoral, nesta Roma onde os problemas humanos e espirituais são cada vez mais vastos e complexos.

Eu estou e estarei sempre perto de vós com o meu afecto e com a minha oração, ciente de encontrar em todos vós válidos e primorosos colaboradores, capazes de me ajudar e de me aliviar nas minhas preocupações na direcção e governo da "minha" diocese.

Que a Bênção Apostólica, que vos concedo de coração, vos acompanhe no vosso compromisso e no vosso trabalho quotidiano.



Discursos João Paulo II 1980 - DO SÍNODO DOS BISPOS