Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 4 de Março de 1980


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 5 de Março de 1980



(Antes da Catequese de 5 de Março o Papa recebeu os jovens na Basílica de São Pedro)

O Significado bíblico do conhecimento na convivência matrimonial

1. Ao conjunto das nossas análises, dedicadas ao «princípio» bíblico, desejamos acrescentar ainda uma breve passagem, tirada do capítulo 4.° do Livro do Génesis. Tendo essa intenção, é necessário todavia referir-nos às palavras pronunciadas por Jesus Cristo na conversa com os fariseus (1) à volta das quais se desenvolvem as nossas reflexões; estas referem-se ao contexto da existência humana, segundo o qual a morte e a consequente destruição do corpo (expresso pelo «em pó te hás-de tornar» de Gn 3,19) se transformaram em sorte comum do homem. Cristo refere-se ao «princípio», à dimensão original do mistério da criação, quando esta dimensão já tinha sido violada pelo mysterium iniquitatis, isto é pelo pecado e, ao mesmo tempo que por este, também pela morte: mysterium mortis. O pecado e a morte entraram na história do homem, em certo modo através do coração mesmo daquela unidade, que «desde o princípio» era formada pelo homem e pela mulher, criados e chamados a tornarem-se uma só carne (Gn 2,24). Já no princípio das nossas meditações verificámos que, apelando para o princípio, Cristo nos conduz, em certo sentido, além do limite da pecabilidade hereditária do homem até à sua inocência original; e permite-nos assim encontrar a continuidade e o nexo existentes entre estas duas situações, mediante as quais se produziu o drama das origens e também a revelação do mistério do homem ao homem histórico.

Isto autoriza-nos, por assim dizer, a passar, depois das análises relativas ao estado da inocência original, à última destas, isto é, à análise do «conhecimento e da geração». Como tema, ela está intimamente ligada à bênção da fecundidade, inscrita na primeira narrativa da criação do homem, como varão e mulher (Gn 1,27-28). Historicamente, porém, está já inserida naquele horizonte de pecado e morte que, segundo ensina o Livro do Génesis (Gn 3) gravou na consciência o significado do corpo humano, juntamente com a infracção da primeira aliança com o Criador.

2. Em Génesis 4, e portanto ainda no âmbito do texto javista, lemos: Adão uniu-se a Eva, sua mulher. Ela concebeu e deu à luz Caim, e disse: «Gerei um homem com o auxílio do Senhor». A seguir, deu também à luz Abel (Gn 4,1-2). Se ligamos ao «conhecimento» aquele primeiro facto do nascimento de um homem na terra, fazemo-lo com base na tradução literal do texto, segundo o qual a «união» conjugal é definida precisamente como «conhecimento». De facto, a tradução citada soa assim: «Adão uniu-se a Eva, sua mulher», quando à letra se deveria traduzir: «conheceu sua mulher», o que parece corresponder mais adequadamente ao termo semita jadac (2). Pode-se ver nisto um sinal de pobreza da língua arcaica, a que faltavam várias expressões para definir factos diferenciados. Apesar disso, não deixa de ter significado que a situação, em que marido e mulher se unem tão intimamente entre si que formam «uma só carne», tenha sido definida como conhecimento». Deste modo, na verdade, é da pobreza mesma da linguagem que parece deduzir-se uma profundidade específica de significado, que deriva precisamente de todos os significados até agora analisados.

3. Evidentemente, isto é também importante quanto ao «arquétipo» do nosso modo de representar o homem corpóreo, a sua masculinidade e a sua feminilidade, e portanto o seu sexo. Assim, com efeito, por meio do termo «conhecimento», usado em Gn 4,1-2 e muitas vezes na Bíblia, a relação conjugal do homem e da mulher, isto é o facto de se tornarem, mediante a dualidade do sexo, uma «só carne», foi elevada e introduzida na dimensão específica das pessoas. Gn 4,1-2 fala só do «conhecimento» da mulher por parte do homem, como para sublinhar sobretudo a actividade deste último. Pode-se, contudo, falar também da reciprocidade deste «conhecimento», em que comunicam o homem e a mulher o seu corpo e o seu sexo. Acrescentemos que uma série de sucessivos textos bíblicos, como aliás o próprio capítulo do Génesis (Cfr. por exemplo Gn 4,17 Gn 4,25), falam a mesma linguagem. Isto mesmo nas palavras pronunciadas por Maria de Nazaré na Anunciação: Como será isso, se eu não conheço homem? (Lc 1,34).

4. Assim, com aquele bíblico «conheceu», que aparece a primeira vez em Gn 4,1-2, encontramo-nos por um lado diante da directa expressão da intencionalidade humana (porque é próprio do conhecimento) e, por outro, de toda a realidade da convivência e da união conjugal, em que o homem e a mulher se tornam «uma só carne».

Falando aqui a Bíblia de «conhecimento», seja embora devido à pobreza da língua, indica a essência mais profunda da realidade da convivência matrimonial. Esta essência aparece como elemento e ao mesmo tempo como resultado daqueles significados, cujos vestígios procuramos seguir desde o princípio do nosso estudo; eles fazem, na verdade, parte da consciência do significado do corpo mesmo. Em Gn 4,1, tornando-se «uma só carne», o homem e a mulher experimentam de modo especial o significado do próprio corpo. Juntos tornam-se, deste modo, quase o sujeito único daquele acto e daquela experiência, se bem que permaneçam, nessa unidade, dois sujeitos realmente diversos. Isto autoriza-nos, em certo sentido, a afirmar que «o marido conhece a mulher» ou que ambos «se conhecem» reciprocamente. Então eles revelam-se um à outra, com aquela específica profundidade do próprio «eu» humano, que por sinal se revela também mediante os sexos, masculinidade e feminilidade. E então, de maneira singular, a mulher «é dada» de modo cognoscitivo ao homem, e ele a ela.

5. Se devemos manter a continuidade com as análises até agora feitas (particularmente com as últimas, que interpretam o homem na dimensão do dom), urge observar que, segundo o Livro do Génesis, datum e donum se equivalem.

Todavia, Génesis 4, 1-2 acentua sobretudo o datum. No «conhecimento» conjugal, a mulher «é dada» ao homem e ele a ela, porque o corpo e o sexo entram directamente na estrutura e no conteúdo mesmo deste «conhecimento». Assim pois, a realidade da união conjugal, em que o homem e a mulher se tornam «uma só carne», contém em si uma descoberta nova e, em certo sentido, definitiva do significado do corpo humano na sua masculinidade e feminilidade. Mas, a propósito desta descoberta, será justo falar unicamente de «convivência sexual»? É necessário reparar que ambos eles, homem mulher, não são apenas objecto passivo, definido pelo próprio corpo e sexo e deste modo determinado «pela natureza». Ao contrário, exactamente por serem homem e mulher, cada um é dado ao outro como sujeito único e irrepetível, como «eu», como pessoa. O sexo decide não só da individualidade somática do homem, mas define ao mesmo tempo a sua pessoal identidade e determinação. E precisamente nesta pessoal identidade e determinação, como irrepetível «eu» feminino-masculino, o homem é «conhecido» quando se verificam as palavras de Génesis 2, 24: O homem... unir-se-á à sua mulher; e os dois serão uma só carne.O «conhecimento», de que falam Génesis 4, 1-2 e todos os outros textos bíblicos que vêm depois, chega às mais íntimas raízes desta identidade e determinação, que o homem e a mulher devem ao próprio sexo. Determinação significa tanto a unicidade como a irrepetibilidade da pessoa.

Valia, por conseguinte, a pena reflectirmos sobre a eloquência do texto bíblico citado e da palavra «conheceu»; não obstante a falta de precisão terminológica, esta passagem permite determo-nos na profundidade de um conceito, de que a nossa linguagem contemporânea, por muito precisa que seja, frequentemente nos priva.

Notas

1. Cfr. Mt 19 e Mc 10. É preciso atender a que, na conversa com os fariseus (Mt 19,7-9 Mc 10,4-6), Cristo toma posição quanto ao cumprimento da lei moisaica a respeito do chamado «libelo de repúdio». As palavras «por causa da dureza do vosso coração», pronunciadas por Cristo, reflectem não só «a história dos corações», mas ainda toda a complexidade da lei positiva do Antigo Testamento, que sempre buscava o «compromisso humano» neste campo tão delicado.

2. «Conhecer» (jadac), na linguagem bíblica, não significa só conhecimento meramente intelectual, mas também experiência concreta, como por exemplo a experiência do sofrimento (cfr. Is 53,3), do pecado (Sg 3,13), da guerra e da paz (Jg 3,1 Is 59,8). Desta experiência deriva também o juízo moral: «conhecimento do bem e do mal» (Gn 2,9-17).

O «conhecimento» entra no campo das relações interpessoais, quando diz respeito à solidariedade de família (Dt 33,9) e especialmente às relações conjugais. Mesmo em referência ao acto conjugal, o termo sublinha a paternidade de ilustres personalidades e a coragem da prole das mesmas (cfr. Gn 4,1-25 Gn 4,17 1S 1,19), como dados de importância para a genealogia, a que a tradição dos sacerdotes (hereditários em Israel) dava grande importância.

O «conhecimento» podia todavia significar também todas as outras relações sexuais, mesmo as ilícitas (cfr. Nb 31,17 Gn 19,5 Jg 19,22).

Na forma negativa, o verbo denota a abstenção das relações sexuais, especialmente tratando-se de virgens (cfr. por exemplo, 1R 2,4 Jg 11,39). Neste campo o Novo Testamento usa dois hebraísmos, falando de José (Mt 1,34) e de Maria (Lc 1,34).

Significado especial adquire o aspecto da relação existencial do «conhecimento», quando o sujeito ou o objecto dele é o próprio Deus (por exemplo, Ps 139 Jr 31,34 Os 2,22 e também Jn 14,7-9 Jn 17,3).

Apelo

Desejo agora manifestar toda a minha ânsia e preocupação pelas notícias que, nestes dias, chegam de Bogotá, capital da Colômbia.

Como sabeis, já há uma semana, numerosas pessoas encontram-se sequestradas dentro da Embaixada da República Dominicana, naquela cidade. Eram mais, porém, prevalecendo os sentimentos humanitários num momento tão dramático, algumas delas — mulheres e feridos — foram postas em liberdade.

Contudo, muitas ainda lá se encontram: entre elas, o Núncio Apostólico, o caríssimo Dom Angelo Acerbi, que nestes dias está particularmente presente nas minhas orações, e diversos Embaixadores, representantes legítimos dos respectivos Países naquela Nação. Em virtude do direito das Nações, que regula as relações internacionais, a pessoa e a liberdade delas são declaradas invioláveis. Mas sagrados também são os direitos de todos os homens.

Ao deplorar vivamente o que está a acontecer, o meu pensamento amargurado dirige-se para todas as pessoas que, de algum modo e por qualquer motivo, sofrem num momento tão doloroso.

E exprimo, do fundo do coração, o augúrio e a esperança de que em breve se possa ter uma solução, restituindo serenidade e conforto. Sabemos que as várias Embaixadas estão por isto em contínuo contacto com o Governo colombiano.

Diversas Nações, que têm o próprio Embaixador sequestrado, enviaram um representante especial para seguir de perto a situação, que justamente preocupa os Governos e a opinião pública, e que tanto me aflige. Também a Santa Sé quis que não faltasse o seu representante especial, enviado a Bogotá nesta hora tão grave, na pessoa de Dom Pio Laghi, Núncio Apostólico na Argentina.

Entanto, elevo a minha oração ao Senhor, que tem nas mãos o coração dos homens e pode neles fazer surgir rectos pensamentos e bons propósitos a fim de que Ele guie os esforços empreendidos para a solução do caso presente, e os destinados à edificação de uma sociedade mantida não pela violência, mas pela justiça, a fraternidade e a paz.

Por esta intenção peço que rezeis comigo nestes dias de ansiedade e de expectativa.

Saudações

A grupos de Sacerdotes italianos

Desejo agora dirigir uma saudação particularmente cordial a alguns grupos de Sacerdotes aqui presentes.

Em primeiro lugar, aos Missionários Verbitas, que estão a seguir, em Nemi, um curso de actualização, juntamente com alguns Padres de outras Famílias religiosas; para eles vai o meu apreço e o meu encorajamento pela preciosa actividade evangelizadora realizada em vários Países em nome de Cristo e da sua Igreja.

Depois, aos participantes num Seminário de estudo, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores da Acção Católica Italiana sobre o tema "Evangelizar o mundo do trabalho": estai certos de que a Igreja conta muito convosco para testemunhardes o Evangelho num sector de importância vital para a nossa sociedade.

E por fim, a um grupo da Diocese de Piacenza, que festeja o 25° aniversário de Ordenação Presbiteral: juntamente com os meus parabéns, exprimo a minha confiança de que tomareis cada vez mais consciência da grandeza e das exigências do vosso sacerdócio ministerial, destinado a prestar um serviço insubstituível ao Povo de Deus.

Abençoo-vos a todos de coração.

A dois grupos de Paderborn (Alemanha)

Dentre os grupos que hoje se encontram presentes nesta audiência, dirijo uma cordial saudação aos juízes eclesiásticos da cúria arquiepiscopal de Paderborn, acompanhados pelo seu Bispo D. Friedrich Tintelen. Desejo que esta estadia de estudo na Cidade Eterna, com os múltiplos encontros da vossa comissão, vos corrobore e fortaleça como guardiães defensores da verdade e da justiça, mediante o exercício da jurisprudência eclesiástica. Nestes tempos de insegurança e de carência progressiva de todo o compromisso, os homens e a Igreja têm precisamente necessidade do vosso fiel serviço, das vossas directrizes e interpretações seguras, e da observância das leis divinas e eclesiásticas. Cristo, que é Ele mesmo a verdade e a justiça, vos ilumine e acompanhe sempre com a sua graça nesta importante e responsável tarefa. É isto que peço para vós com a minha Bênção Apostólica.

Saúdo também cordialmente o Senhor Reitor do Seminário arquidiocesano e os diáconos do mesmo arcebispado de Paderborn. Congratulo-me convosco pela preciosa graça da vossa vocação. É o próprio Senhor que vos chama. Entregai-Lhe sem reservas o vosso coração e a vossa vida, que Ele — mediante a consagração sacerdotal — quer tomar para o seu serviço de maneira total e irrevogável. Peço por isso para vós a contínua intimidade e o amor permanente de Cristo, e de todo o coração vos concedo a minha Bênção.

A vários grupos de peregrinos

Recebo-vos com cordial saudação de bons votos, caríssimos peregrinos da Diocese de Comacchio, que, fiéis às vossas nobres tradições religiosas, quisestes conceder-vos uma pausa no vosso fatigoso trabalho para levar ao Papa, em nome também dos vossos conterrâneos, a homenagem do vosso afecto. Ao manifestar-vos o meu reconhecimento por esta visita que tanto apreciei, exorto-vos a aceitardes com generosidade o convite da Igreja, a reflectir com fé profunda e operante no mistério de Cristo morto e ressuscitado por nós, e a tomar parte nele com a aceitação humilde dos sacrifícios quotidianos. Com estes votos concedo-vos, a vós e às vossas respectivas famílias, a minha Bênção Apostólica.

Dirijo agora um pensamento particular ao numeroso grupo das "Voluntárias" do Movimento dos Focolares, vindas de várias regiões da Itália e de alguns Países da Europa, para celebrar o seu congresso anual no Centro Mariapoli de Rocca di Papa, sobre o tema "A caridade como ideal".

Ao apresentar-vos um sincero agradecimento por esta nova prova de dedicação, exprimo-vos, caríssimas filhas, o interesse e o apreço com que sigo a vossa actividade, e encorajo-vos, neste encontro, nas escolhas que, tenho a certeza, tirastes do vosso estudo: um amor maior a Deus, fonte de energia sobrenatural, seja o motivo inspirador de todas as vossas intenções e o segredo da vossa solidariedade humana universal que, hoje mais do que nunca, é pedida aos membros da Igreja em forma de doação sem reservas. A minha Bênção Apostólica vos acompanhe na vossa missão.

Aos Doentes

Uma palavra de encorajamento e de consolação vai agora para todos vós, doentes, que com o vosso doloroso quanto precioso sofrimento enriqueceis a Igreja de méritos e de graças especiais. De facto, a doença padecida pelo Senhor e a Ele oferecida torna-se não só para vós mas também para todo o corpo místico ocasião privilegiada de expiação, de purificação, de propiciação e de elevação espiritual.

Neste tempo da Quaresma, vós que estais mais perto do "Homem das dores, experimentado nos sofrimentos", como foi descrito Cristo pelo Profeta Isaías (Is 53,3), sabei dar esta finalidade ao vosso sofrimento, a fim de que possais afrontá-lo com fortaleza, e também com alegria, como exclama o Apóstolo Paulo: "estou inundado de alegria, no meio de todas as nossas tribulações" (2Co 7,4).

Como prova destes votos desça com abundância sobre vós e sobre todos os que cuidam de vós com amor a minha especial Bênção.

Aos jovens Casais

Também a vós, jovens Casais, presentes nesta Audiência no início da vossa vida matrimonial, desejo exprimir os meus bons votos abençoadores e a minha afectuosa saudação. Dai sempre ao vosso amor uma unidade granítica e uma fé inabalável. Sabei conservar sempre aquele sentido de alegria e de felicidade, que hoje enche o vosso espírito. Tende sempre o sentido religioso da família, olhai para o amor infinito com que Cristo ama a Igreja e deixai-vos modelar por esse exemplo no vosso amor recíproco, e Ele não vos iludirá, mas far-vos-á crescer todos os dias no alegre testemunho de uma vida matrimonial vivida autenticamente.

Peço ao Senhor que, para isso, vos ajude e vos abençoe sempre.

Aos jovens na Basílica de São Pedro




É um prazer para mim, queridos filhos, receber-vos hoje, tão contentes e tão afectuosos. E sois tão numerosos que, também hoje, foi necessária para vós uma audiência especial, dentro desta grande Basílica que — como bem sabeis — está construída sobre o túmulo de São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, o primeiro Papa.

Da lista dos diversos grupos, que foi lida agora, pude notar que vindes de várias partes da Itália, também distantes, e que são duas, sobretudo, as formas que vos distinguem: fazeis parte quer de grupos escolares, quer de grupos paroquiais. Nenhum de vós veio sozinho, individualmente, mas cada um uniu-se aos seus coetâneos e aos condiscípulos, aos Professores da própria Escola ou aos Sacerdotes da própria Paróquia. Que significa isto? Desejo propor-me e propor-vos esta pergunta, para concentrar a nossa reflexão sobre a importância que a Escola e a Paróquia têm no campo da educação e da formação da adolescência e da juventude. Não é porventura esta a vossa idade? E não ouvis repetir-vos frequentemente que é o período em que deveis instruir-vos e preparar-vos bem para a vida? A vida é grande dom de Deus, como se lê no primeiro Livro da Bíblia: Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher (Gn 1,2). E da vida que é um dom divino, a idade, em que agora vos encontrais, é certamente a mais bonita, a mais viçosa, a mais rica de esperanças, debruçada para um futuro alegre e sereno. O crescei, que o Senhor deu como ordem — com os outros mandamentos a Adão e Eva, pode muito bem referir-se a cada um de vós e à vossa condição de crianças e de jovens. Vós deveis crescer, isto é desenvolver dia a dia, e tornar-vos homens e mulheres amadurecidos e completos; mas — estai atentos — não só em sentido físico, mas também e sobretudo em sentido espiritual. Seria demasiado pouco crescer só no corpo (disto, de resto, ocupa-se a própria natureza); é necessário crescer especialmente no espírito, e isto obtém-se exercitando aquelas faculdades que o Senhor — são outros dons seus — colocou dentro de vós: a inteligência, a vontade, a inclinação a amá-1'O e ao próximo. Neste trabalho nenhum de vós está sozinho: cada um encontra no seu caminho, primeiro que tudo os próprios pais, que mediante o exemplo, com o afecto e com os constantes cuidados o ajudam no necessário processo de desenvolvimento. Depois encontra também a Escola e a Paróquia. Uma destina-se à vossa formação, comunicando à mente e ao coração os vários conhecimentos que serão preciosos na vida, e as normas do recto comportamento. A outra, como porção viva da Igreja, destina-se também ela à vossa formação, para enriquecer o espírito daqueles bens superiores que se chamam — recordais? — graça divina e virtude da fé, da esperança e da caridade. Eis então que, ao lado da família, existem outras duas sedes, quase duas "oficinas" em que podeis e deveis cuidar daquela completa preparação que, como corresponde à vontade de Deus Criador, é tão vivamente esperada e desejada por todos aqueles que vos estão próximo na idade juvenil: os pais, os professores e os sacerdotes. Lemos no Evangelho de São Lucas que Jesus, nos longos anos da infância e da juventude passados em Nazaré, crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens (Lc 2,52). Imaginai! Jesus, que era o Filho mesmo de Deus, que se fez homem por nós, quis realizar o percurso de um desenvolvimento gradual: também Ele quis corresponder àquela ordem divina de crescer, e fazendo-o deixou-nos um exemplo maravilhoso, que é nosso dever reconhecer, seguir e imitar. Também vós, filhos caríssimos, deveis olhar para Jesus: quer na Paróquia, quer na Escola, sabei empregar as vossas jovens energias para alcançardes uma autêntica e positiva maturação, totalmente digna da vossa dignidade de homens e de cristãos. Estamos na Quaresma, que é o tempo de preparação para a Páscoa, e a nossa Páscoa — como ensina São Paulo — é Jesus Cristo (Cfr. 1Co 5,7). Para preparar do melhor modo o vosso encontro com Ele, deveis reflectir nas palavras que, em Seu nome, agora vos dirigi, e reforçar o propósito de "crescer em sabedoria, em estatura e em graça" no âmbito paroquial e escolar, aperfeiçoando o que já recebestes dentro das vossas famílias.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA SESSÃO PLENÁRIA


DA SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA OS RELIGIOSOS


E OS INSTITUTOS SECULARES


Sexta-feira, 7 de Março de 1980



Senhores Cardeais e Venerados Irmãos

1. A graça e a paz de Deus nosso Pai, e de Jesus Cristo nosso Senhor, estejam convosco (Rm 1,7). Com estas palavras do Apóstolo Paulo desejo apresentar-vos a minha saudação.

Quisestes fazer chegar até mim o testemunho não só do afecto sincero — e retribuído de todo o coração! — que vos liga ao Vigário de Cristo, mas também da vontade que animou estes dias os vossos trabalhos, destinados a conseguir que os Religiosos e as Religiosas do mundo inteiro, mediante a adesão fiel aos ensinamentos do Evangelho, vivam em comunhão cada vez mais profunda com a Igreja.

Ao exprimir-vos o meu reconhecimento por tal esforço, tenho o prazer de confirmar-vos, primeiro que tudo, o meu fundado apreço por aquilo que representa, no conjunto do Corpo místico, o carisma próprio da vida religiosa. Esta constitui grande riqueza na Igreja: sem as Ordens religiosas, sem a vida consagrada, a Igreja não seria plenamente ela mesma.

Com efeito, a profissão dos conselhos evangélicos consente, àqueles que receberam esse dom especial, conformarem-se mais profundamente com aquela vida de castidade, pobreza e obediência, que escolheu Cristo para Si e que Maria, Sua Mãe e Mãe da Igreja, abraçou (Cfr. Exort. Apost. Evangelica Testificatio, 2) como modelo e figura da mesma Igreja. Contemporaneamente, tal profissão constitui testemunho privilegiado da constante busca de Deus e da absoluta dedicação ao crescimento do Reino, para o qual Cristo convida aqueles que n'Ele crêem (Cfr. Mt 6,33). Sem este sinal concreto, o "sal" da fé correria risco de diluir-se num mundo em vias de secularização, como é o actual (Cfr. Exort. Apost. cit., 3).

É claro que, para se manterem fiéis à própria consagração ao Senhor e para serem capazes de oferecer dela testemunho visível, os Religiosos devem aperfeiçoar a sua caridade, praticando com Deus o diálogo da oração. Para conservar bem nítida a percepção do valor da vida consagrada, é necessária profunda visão de fé, a qual se conserva e alimenta por meio da oração.

O tema escolhido para esta Sessão Plenária deve, pois, considerar-se de primária importância, e estou certo que deste vosso encontro derivará para todos os Religiosos precioso incentivo para perseverarem no esforço de dar, perante o mundo, o testemunho do primado da relação do homem com Deus. Confortados pelas indicações, que resultarão do vosso encontro romano, eles não deixarão de dedicar, com renovada convicção, tempo suficientemente longo a intervalos de oração diante do Senhor, para Lhe manifestar o próprio amor e, sobretudo, para sentir que são amados por Ele.

Sem a oração, a vida religiosa perde o significado e não consegue a finalidade. As palavras enérgicas da Exortação Apostólica Evangelica Testificatio levam-nos a reflectir: "Não esqueçais o testemunho da história: a fidelidade à oração ou o abandono dela são o paradigma ou da vitalidade ou da decadência da vida religiosa" (Evangelica Testificatio, 42).

2. Durante estes dias, empenhastes-vos em aprofundar, por um lado, o valor da contemplação e, por outro, os modos mais convenientes para que a vida dos religiosos penetre nela cada vez mais. No caso de Religiosos de vida apostólica, tratar-se-á de favorecer a aliança entre interioridade e actividade. O primeiro dever dos mesmos de facto, estar com Cristo. Perigo constante para os operários apostólicos é deixarem-se arrastar de tal modo pela sua actividade na causa do Senhor, que esqueçam o Senhor de toda a actividade.

Será, portanto, necessário que tomem cada vez maior consciência da importância da oração na sua vida e que aprendam a dedicar-se a ela com generosidade (Cfr. Exort. Apost. Evangelica Testificatio, 45). Para chegar a isso, precisam do silêncio de todo o próprio ser, o que requer zonas de silêncio efectivo e disciplina pessoal, que favoreçam o contacto com Deus.

A participação na Liturgia da Igreja (Ofício divino e vida sacramental) é meio privilegiado de contemplação, especialmente no momento culminante do Sacrifício eucarístico, em que a oração interior se funde com o culto exterior. O compromisso de tomar nele parte quotidianamente ajudará os Religiosos a renovarem todos os dias a oferta de si mesmos ao Senhor.

Reunidas no nome do Senhor, as Comunidades religiosas têm como próprio centro natural a Eucaristia; é normal, por isso, que elas estejam visivelmente recolhidas à volta de um sacrário, em que a presença do Santíssimo Sacramento exprime e realiza o que deve ser a missão principal de cada Família religiosa (Cfr. Exort. Apost. Evangelica Testificatio, 48).

As Casas religiosas devem ser, por isso e sobretudo, oásis de oração e de recolhimento, lugares de diálogo pessoal e comunitário com Aquele que é e deve continuar a ser o primeiro e principal interlocutor dos seus dias, tão cheios de trabalho. Os Superiores não devem, por isso, temer recordar frequentemente aos próprios irmãos que um parêntesis de verdadeira adoração tem maior fecundidade e riqueza que toda a outra actividade, mesmo intensa e de carácter apostólico. Com efeito, "nenhum movimento da vida religiosa tem algum valor se não é, ao mesmo tempo, movimento para dentro, para o centro profundo do ser, em que estabeleceu Cristo a sua morada. O que mais conta não é o que os Religiosos fazem, é o que eles são como pessoas consagradas ao Senhor" (Cfr. Discurso aos Sacerdotes, aos Religiosos e às Religiosas em Maynooth, 1.10.1979).

A vida contemplativa dos Religiosos seria incompleta se não se orientasse para o amor filial dedicado Àquela que é a Mãe da Igreja e das almas consagradas. Tal amor pela Virgem manifestar-se-á com a celebração das suas festas, e em particular com as orações quotidianas em sua honra, sobretudo com o Rosário.

É tradição de séculos, para os Religiosos, a reza diária do Rosário e não se torna por isso inútil recordar a oportunidade, a fragrância e a eficácia de tal prece, que propõe à nossa meditação os mistérios da vida do Senhor.

3. Sei que, no contexto dos vossos trabalhos, reservastes particular atenção às almas consagradas à vida contemplativa, reconhecendo nelas um dos tesouros mais preciosos da Igreja. Dóceis ao convite do Mestre divino, elas escolheram a melhor parte (Cfr. Lc 10,42), isto é, a oração, o silêncio, a contemplação, o amor exclusivo de Deus e a entrega total ao Seu serviço. Devem saber que a Igreja conta muitíssimo com o espiritual contributo que oferecem.

No Decreto Perfectae caritatis, o Concílio Vaticano II não se limitou a afirmar que os Institutos contemplativos conservam ainda hoje significado e função plenamente válidos; disse que a parte por eles ocupada no Corpo místico é "a mais excelente" ("praeclara pars"). Os contemplativos, na verdade, "oferecem a Deus um exímio sacrifício de louvor", honram o povo de Deus com "abundantes frutos de santidade", "e dilatam-no mercê da sua misteriosa fecundidade apostólica" (Cf. Perfectae caritatis PC 7).

Certamente, as exigências, que são apresentadas hoje à Igreja pela Evangelização, são múltiplas e urgentes. Enganar-se-ia contudo quem, partindo da verificação das necessidades mesmo urgentes do apostolado hodierno, julgasse ultrapassada uma forma de vida dedicada exclusivamente à contemplação. Os Padres conciliares, encarando no Decreto Ad Gentes o problema do anúncio a todos os homens da Boa Nova, quiseram por outro lado insistir no eficaz contributo dos contemplativos para a actividade apostólica (Cfr. Ad Gentes AGD 40), e expressaram o voto de que nas Igrejas jovens, entre as várias formas de vida religiosa, se inclua também a constituição de Comunidades de vida contemplativa, como garantia de uma "presença da Igreja na sua forma mais plena" (Cfr. Ad Gentes AGD 18).

Não é porventura significativo, voltando o olhar para o passado na história da Igreja, fazer notar como, precisamente nos séculos em que as necessidades da evangelização foram maiores, a vida contemplativa conheceu florescimento e expansão em grau prodigioso? E nisto não se deve reconhecer uma indicação do Espírito, que recorda a todos nós, muitas vezes tentados por sugestões de "eficientismo", a supremacia dos meios sobrenaturais sobre os puramente humanos?

Dirijo, portanto, confiadamente os meus olhares para estas almas dedicadas, com totalidade de compromisso, à contemplação, e confio ao ardor da caridade das mesmas os cuidados absorventes do ministério universal que me foi confiado. Sei quanto estão elas apegadas à sua vocação privilegiada, como lhe aceitam alegre-mente as exigências de imolação quotidiana, como sabem incluir na própria vocação o trabalho, as penas e as esperanças dos seus contemporâneos. O que desejo é que elas aprofundem cada vez mais, para a viver cada vez mais intensamente, a espiritualidade dos seus Fundadores, sem se deixarem tentar por métodos à moda ou por técnicas, cuja inspiração muitas vezes não tem muito que ver com o Evangelho. O património contemplativo e místico da Igreja é de vastidão e profundidade excepcionais: torna-se portanto necessário velar por que todos os Mosteiros se empenhem em conhecê-lo, cultivá-lo e ensiná-lo.

Muito ajudará à consecução deste objectivo um justo rigor em exigir a observância da clausura, a respeito da qual também se manifestou o Concílio Vaticano II (Cfr. Decreto Perfectae caritatis PC 16). Com efeito, o abandono da clausura significaria faltar naquilo que há de específico numa das formas de vida religiosa, com as quais a Igreja manifesta diante do mundo a preeminência da contemplação sobre a acção, do que é eterno sobre o que é temporário. A clausura não "isola" as almas contemplativas, impedindo-as de comungar no Corpo místico. Ao invés, coloca-as no coração da Igreja, como bem acertadamente afirmou o meu Predecessor o Papa Paulo VI, que disse ainda que estas almas "alimentam a riqueza espiritual da Igreja, lhe sublimam a oração, lhe alimentam a caridade, e dela partilham os sofrimentos, as fadigas, o apostolado e as esperanças, e lhe aumentam os méritos" (Paulo VI, Discurso de 2.2.1966).

4. Há depois um problema especial, cuja importância merece hoje ser assinalada: é o das relações íntimas que medeiam entre os Institutos religiosos e o Clero, quanto à dimensão contemplativa que toda a vida consagrada ao Senhor deve ter como elemento constitutivo fundamental.

Os sacerdotes seculares precisam de haurir na contemplação a força e o sustentáculo do apostolado. Como no passado, devem encontrar normalmente apoio, neste particular, junto dos Religiosos experimentados e no contacto com Mosteiros, dispostos a acolhê-los para os Exercícios espirituais e para períodos de recolhimento e recuperação de forças.

Por seu lado, devem as Religiosas poder encontrar no Clero confessores e directores espirituais, capazes de as ajudar a melhor compreenderem e viverem a sua consagração. O influxo dos Sacerdotes é, por outro lado, muitas vezes determinante para favorecer que se descubra e em seguida se desenvolva a vocação religiosa.

É necessário, por isso, que o Clero e os Religiosos, e em particular os Bispos e os Superiores, se esforcem por encontrar, ao problema tão importante da interdependência dos dois estados, solução adequada para os tempos em que vivemos.

Desejava ainda acrescentar uma alusão às novas formas de vida contemplativa, que vão surgindo aqui e acolá na Igreja, e nas quais se dá a primazia a um ou outro elemento da vida espiritual. Tudo isso são experiências interessantes e a Igreja segue-as com olhar benévolo e atento.

O que sinto urgente recordar é que estas experiências não devem de nenhum modo atenuar o apego e a fidelidade às formas da vida contemplativa, comprovadas por séculos de história: estas continuam a ser fontes autênticas de oração e escolas seguras de santificação, a fecundidade das quais nunca foi desmentida.

5. Irmãos caríssimos, a vida religiosa não encontra na terra a meta definitiva: é dom em contínuo desenvolvimento e é caminho lançado para alvos cada vez mais elevados. Neste sentido, São Bento afirmava que a vida do monge é contínuo tirocínio para o serviço do Senhor: "dominici schola servitii" (São Bento, Regra, pról. RB 1). Escola na qual o mestre interior é o Espírito.

Procurastes, no decurso destes dias, pôr-vos a ouvir este Mestre silencioso e dulcíssimo, para d'Ele recolher com fidelidade as sugestões e para traduzir em normas concretas as Suas iluminações interiores. Oxalá o vosso trabalho produza frutos abundantes, oferecendo a todos os Religiosos os auxílios oportunos para realizarem tudo o que o Senhor espera deles, para bem da inteira Comunidade cristã.

Com estes votos e invocando o maternal patrocínio de Maria Santíssima, modelo insuperável de consagração total, envio-vos com toda a sinceridade a minha especial Bênção, que tenho o gosto de tornar extensiva a todas as almas que em castidade, pobreza e obediência, se esforçam por seguir aqui na terra "o Cordeiro, aonde quer que Ele vá" (Cfr. Ap 14,4).




Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 4 de Março de 1980