Discursos João Paulo II 1980 - Sexta-feira, 2 de Maio de 1980


PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CATEDRAL DE QUINXASSA


E ACTO DE CONSAGRAÇÃO À MÃE DE CRISTO


Sexta-feira, 2 de Maio de 1980



Louvado seja Jesus Cristo!
Deus nosso Pai e Jesus Cristo nosso Senhor vos dêem a graça e a paz!
Seja o Espírito Santo a vossa alegria!

1. Caros Irmãos e Irmãs em Cristo

O vosso Arcebispo, o caro Cardeal Joseph Malula, acaba de dar-me as boas-vindas em nome de todos vós, Bispos, Sacerdotes, Religiosos, Seminaristas e Leigos da Arquidiocese dé Quinxassa e das outras comunidades católicas do Zaire. Agradeço-lhe muito reconhecido. Evocou a vitalidade da Igreja que está no Zaire, vitalidade que a Igreja de Roma conhece e aprecia. E eu, Bispo de Roma, tinha grande desejo de vir até vós.

Venho como Servo de Jesus Cristo, Chefe invisível da Igreja. Venho como Sucessor do Apóstolo Pedro, a quem Jesus disse: "Fortalece os teus irmãos"; depois, por três vezes: "Sê o pastor dos meus cordeiros:.., sê também o pastor das minhas ovelhas" (Jn 21,15-17), isto é, de todo o rebanho dos meus discípulos. Por vontade de Deus, apesar da minha indignidade, herdei por minha vez este encargo, que é o do Papa, ou seja, do Pai, e do Vigário de Cristo na terra, que preside à unidade na, fé e na caridade.

2. Primeiramente, dou graças a Deus convosco por tudo o que Ele realizou no Zaire durante cem anos. Venho hoje celebrar convosco o centenário da evangelização, olhar convosco para o caminho andado, caminho que viu dificuldades e dores, alegrias e esperanças. Caminho de graças! O centenário permite medirmos melhor, de certo modo, os benefícios do Senhor e os méritos dos vossos predecessores; e tomar balanço desta história cristã para novo esforço.

Com efeito, há precisamente um século, alguns missionários, ardendo de amor por Cristo e por vós, vieram repartir convosco a fé que eles mesmos tinham recebido; quiseram, desde o princípio, implantar a Igreja, fazer que nascesse uma Igreja local com os Africanos. A messe foi grande. Os vossos pais acolheram a Palavra de Deus com generosidade e entusiasmo. Hoje a árvore da Igreja está solidamente enraizada neste país; os seus ramos estendem-se por todo o território. A fé constitui posse de um número considerável de cidadãos e cidadãs do Zaire. Das vossas famílias zairenses saíram Bispos, Sacerdotes, Religiosas, Catequistas e Leigos consagrados, que estão a enquadrar e a suster as vossas comunidades. E o Evangelho gravou a sua marca na vida e nos costumes. Deus seja louvado! E abençoados sejam todos quantos fizeram florescer esta Igreja, os que vieram de longe e os que nasceram neste país! Abençoados sejam os que a dirigem hoje!

3. Caros amigos, vivestes um primeiro grande período, período irreversível. Novo período se abre diante de vós, não menos entusiasmante, embora comporte necessariamente novas provas e talvez tentações de desânimo. É o período da perseverança, aquele em que é preciso continuar o robustecimento da fé, a conversão das almas em profundidade e maneiras de viver, a fim de estas corresponderem cada vez melhor à vossa sublime vocação cristã, sem contar a evangelização que é necessário vós mesmos continueis, em sectores ou meios em que o Evangelho é ainda ignorado. Como São Pedro escrevia às primeiras gerações de convertidos na Dispersão, digo-vos eu: "Sede vigilantes... assim como Aquele que vos chamou é santo, sede também vós santos em todas as vossas acções" (1P 1,13-15). Ser cristão não é tarefa que algum dia se possa julgar terminada.

Continuando o esforço é que a Igreja que está no Zaire virá a atingir a sua plena maturidade cristã e africana.

4. Sei que os vossos Bispos — que são os vossos Pastores e os vossos Pais — vos guiam com lucidez e coragem por estes caminhos do Reino de Deus, como o mostram as Exortações, Cartas ou Apelos que vos foram dirigidos pessoal ou colegialmente. Venho robustecer e animar o ministério destes Bispos que são irmãos meus. Mas, ao mesmo tempo, venho animar todos os cristãos e todas as cristãs de Quinxassa e do Zaire.

Tenho o gosto de o meu primeiro encontro, nesta catedral, ser com os Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas e os Seminaristas. Na edificação da Igreja, tendes lugar de escol. A vossa ordenação, a vossa consagração religiosa e o vosso chamamento ao sacerdócio são graças inestimáveis. Agradecei-as ao Senhor. Servi-O na alegria, na simplicidade e na pureza do coração. Estais destinados; mais que os outros discípulos de Cristo, a ser o sal que dá sabor e a luz que brilha; quis ter um encontro prolongado com os Sacerdotes e depois com as Religiosas, durante os dias que vão seguir-se. Mas, já desde esta tarde, vos saúdo com toda a minha afeição. A minha primeira palavra é palavra de conforto, com a nota de acção de graças que se ajusta a um centenário.

Sacerdotes, senti a felicidade de ser ministros de Cristo, anunciadores da Sua Palavra e dispensadores dos Seus mistérios: "Imitamini quod tractatis", "vivei aquilo que realizais". Sede educadores da fé, homens de oração; tende o zelo e a humildade do servo, vivei a vossa consagração total ao Reino de Deus de que o vosso celibato é sinal.

Religiosos e Religiosas, senti a felicidade de ter dado todo o vosso amor a Cristo; e de servir a Igreja, os vossos irmãos e as vossas irmãs em toda a disponibilidade. Juntamente com todas as pessoas consagradas do Zaire, deixai Cristo tomar conta das vossas vidas, para vos tornardes testemunhas transparentes para o povo de Deus e para os homens de boa vontade. Penso na vossa Irmã, Zairense, que vos precedeu, deixando luminoso exemplo de pureza e de coragem na fé, a Serva de Deus Irmã Anwarite, que, assim espero, a Igreja poderá dentro em breve beatificar.

E vós, Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Leigos vindos de outros países como missionários, que prosseguis cooperando nos diversos serviços da Igreja neste país, senti-vos felizes de estar aqui, onde a vossa ajuda mútua é preciosa e necessária, e onde sois testemunhas da Igreja universal. Continuai este serviço amigável e desinteressado, sob a direcção dos Pastores zairenses que não terão dificuldade em admitir todos os Sacerdotes, a igual título, nos seus presbitérios.

Seminaristas senti a felicidade de responder ao apelo do Mestre que não engana. Acolhei a pedagogia de Cristo que formou tantos dos vossos maiores. Preparai-vos, assimilando a fundo a doutrina sólida e a disciplina de vida que vos permitirão ser, na devida altura, guias espirituais. Faço votos por que muitos sigam as vossas pegadas. As vocações sacerdotais são a prova da vitalidade e da maturidade de uma Igreja local; que assim se torna capaz de tomar nas mãos a responsabilidade da obra do Evangelho, dando à mensagem evangélica e à missão da Igreja a sua plena autenticidade cristã e africana.

Não quero esquecer os Leigos cristãos com quem me hei-de também encontrar: pais e mães de família, animadores de pequenas comunidades catequísticas, educadores, leigos consagrados, estudantes e jovens de Quinxassa ou das outras cidades ou aldeias. Tenham eles a felicidade e o brio da própria fé! Onde quer que trabalhem, sejam testemunhas do Amor de Cristo que foi o primeiro a amá-los! E continuem um apostolado em que são insubstituíveis!

5. Devo fazer-vos a todos a recomendação que o Apóstolo São Paulo expressava em todas as suas cartas, ele que visitava tantas das primeiras comunidades cristãs. É a que foi provocada pela última oração de Jesus depois da Ceia: "Que todos sejam uma só coisa". Sim, excluí qualquer divisão, vivei na unidade — que é agradável a Deus e constitui a vossa força — à roda dos vossos Sacerdotes. E estejam os Sacerdotes unidos num mesmo presbitério à roda dos seus Bispos. Manifestai acolhimento benévolo e real colaboração entre vós, cidadãos e cidadãs do Zaire, e com os estrangeiros vindos a partilhar da vossa vida. A Igreja é uma família, de que ninguém é excluído.

Recebendo o vosso testemunho, apresentar-vos-ei por minha vez o da Igreja que está em Roma, e o da Igreja universal que tem o centro em Roma. É uma só família. Nenhuma comunidade vive fechada sobre si mesma: está ligada à grande Igreja, à única Igreja. A vossa Igreja foi enxertada na grande árvore da Igreja, a que, durante cem anos, ela foi buscar a própria seiva. Foi isso que lhe permitiu dar agora os seus frutos, ela própria e tornar-se ela também missionária junto das outras. A vossa Igreja tem de aprofundar a sua dimensão local, africana, sem nunca esquecer a sua dimensão universal. Conheço o vosso apego fervoroso ao Papa. Por isso vos digo: por meio dele, mantende-vos unidos a toda a Igreja.

E agora, convido-vos a voltar comigo os vossos olhares e os vossos corações para a Virgem Maria.

6. Na verdade, neste ano em que dais graças a Deus pelo centenário da evangelização e do baptismo do vosso país, permiti-me que me refira à tradição que encontramos no princípio de tal século, no princípio da evangelização na terra africana.

Os missionários, que vinham anunciar o Evangelho, começavam o próprio serviço missionário com um acto de consagração à Mãe de Cristo.

Dirigiam-se a Ela na maneira seguinte:

"Eis que nos encontramos entre os que são nossos irmãos e nossas irmãs, que o teu Filho, ó Virgem Maria, amou até ao fim. Por amor, ofereceu a Sua vida por eles na cruz; por amor, está na Eucaristia a fim de ser o alimento das almas; por amor, fundou a Igreja a fim de esta ser a comunidade inabalável em que se encontra a salvação. Tudo isto, estes irmãos e estas irmãs, junto de quem nós chegamos, não o sabem ainda; não conhecem ainda a Boa Nova do Evangelho. Mas nós, nós cremos profundamente que os corações e as consciências desses e dessas estão preparados para acolher o Evangelho da salvação pela obra do sacrifício de Cristo, e graças também à tua intercessão maternal e à tua mediação.

"Cremos que, quando Cristo, do alto da cruz, te deu cada homem como filho na pessoa do Seu discípulo São João, tu recebeste também como filhos e filhas estes irmãos e estas irmãs a quem a Sua santa Igreja nos envia agora como missionários.

"Ajuda-nos a cumprir nesta terra o mandato missionário do teu Filho; ajuda-nos a cumprir aqui a missão salvifica do Evangelho e da Igreja. Nós consagramos-te todos esses que o Espírito de Jesus Cristo deseja iluminar com a luz da fé e nos quais quer acender o fogo do Seu amor. Consagramos-te as suas famílias, as suas tribos, as comunidades e sociedades que formam, o seu trabalho, as suas alegrias e os seus sofrimentos, as suas aldeias e as suas cidades. A ti, consagramos-Te tudo, consagramos-Te todos. Acolhe-os neste Amor eterno de que Tu foste a primeira serva, e digna-Te guiar, por mais indigno que seja, o serviço apostólico que nós começamos».

7. Hoje, passaram cem anos a contar de tais começos. No momento em que a Igreja, neste país do Zaire, dá graças a Deus na Santíssima Trindade pelas águas do santo baptismo, que deram a salvação a tantos dos seus filhos e das suas filhas, permite, ó Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, que eu, o Papa João Paulo II, a quem é dado participar neste jubileu, recorde e renove ao mesmo tempo esta consagração missionária, que foi feita nesta terra no princípio da sua evangelização.

Consagrar-se a Cristo por teu intermédio!

Consagrar-se a ti para Cristo!

Permite também, ó Mãe da divina Graça, que, ao mesmo tempo que agradeço todas as luzes que a Igreja recebeu e todos os frutos que ela deu no decurso deste século nesta terra do Zaire, eu te confie de novo esta Igreja, a torne a entregar nas tuas mãos para os anos e os séculos vindouros, até à consumação dos séculos.

E, ao mesmo tempo, confio-te ainda a nação inteira, que vive hoje a sua vida própria e independente. Faço-o com o mesmo espírito de fé e com a mesma confiança que tinham os primeiros missionários, e faço-o ao mesmo tempo com uma alegria tanto maior quanto o acto de consagração e de abandono, que eu faço agora, todos os Pastores desta Igreja e também todo o povo de Deus o fazem ao mesmo tempo comigo; este povo de Deus que deseja assumir e continuar — com os seus Pastores, no amor e na coragem apostólica — a obra da construção do Corpo de Cristo e do progresso do reino de Deus nesta terra.

Aceita, ó Mãe, este acto de confiança que fazemos, abre os corações e dá força às almas para que ouçam a palavra da vida e façam o que o teu Filho não cessa de nos ordenar e recomendar.

Sejam a sorte deste povo a graça e a paz, a justiça e o amor; ao dar graças pelo centenário da sua fé e do seu baptismo, olhe ele com esperança para o seu futuro temporal e eterno. Ámen!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO PRESIDENTE DO ZAIRE


SENHOR MOBUTU SESE SEKO


Sexta-feira, 2 de Maio de 1980



Senhor Presidente

1. À noite deste primeiro dia em terra zairesa, já tantos pensamentos vêm ao meu espírito que as palavras se confundem para exprimir o que eu sinto. Será a emoção do contacto tão desejado, e por fim realizado, com os povos da Africa, e, em primeiro lugar, com o povo do Zaire? Será a recepção que me foi reservada tanto à minha chegada como na própria cidade de Quinxassa? Será o entusiasmo da população e particularmente da população católica que pôde, há pouco, manifestar-se na catedral e nas suas adjacências?

Eu não sei verdadeiramente qual a recordação que mais marcará aquele que hoje inicia uma visita, da qual muito espera e que gostaria que correspondesse plenamente ao seu dúplice objectivo, de saudação fraterna e cordial do Chefe espiritual da Igreja católica às nações africanas e de encorajamento muito sincero às Igrejas locais.

2. Isto significa sublinhar, e eu não deixarei nunca de o lembrar nas circunstâncias que poderão apresentar-se, o carácter essencialmente religioso desta viagem que principia, e com isto estou feliz, pelo Zaire. Cada etapa oferecer-me-á ainda a possibilidade de encontro com as Autoridades civis. Há nisto mais do que a observância de uma regra de cortesia, permitindo agradecer aos seus anfitriões, como eles merecem, pela sua hospitalidade tão generosa ou pela organização minuciosa e tão absorvente desta estadia. A este propósito, Senhor Presidente, dou-me perfeitamente conta da qualidade do que Vossa Excelência e os seus colaboradores empreenderam para facilitar, e por fim assegurar — não o duvido — o êxito da minha visita. Seja-me permitido dizê-lo diante das altas Personalidades aqui reunidas, de entre as quais algumas não pouparam a sua contribuição segundo as suas responsabilidades pessoais.

Mas atribuo também grande importância aos colóquios com aqueles que detêm o poder civil. São ocasiões para trocas construtivas de pontos de vista sobre os problemas mais fundamentais para o homem, a sua dimensão espiritual, a sua dignidade e o seu futuro, e também sobre a paz e a harmonia entre os povos, sobre a liberdade que a Igreja pede de anunciar o Evangelho em nome do respeito das consciências, inscrito na maioria das constituições ou das leis orgânicas dos Estados. O Concílio Vaticano II parecia invocar a multiplicação das conversações desse tipo, quando assim se exprimia: "Cada uma em seu próprio campo, a comunidade política e a Igreja são independentes e autónomas uma da outra. Ambas, porém, embora por título diferente, estão a serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens.. Tanto mais eficazmente executarão para o bem de todos este serviço, quanto melhor cultivarem entre si a sã cooperação... Pois o homem não está restrito apenas à ordem temporal, mas, vivendo na história humana, conserva integralmente a sua vocação eterna" (Gaudium et spes GS 76, parágrafo 3).

3. Tendo já tido a honra de receber Vossa Excelência no Vaticano, no ano passado, felicito-me pelo nosso novo diálogo, que deveria favorecer a compreensão e revelar-se particularmente frutuoso. Escutei com muita atenção as suas reflexões. Estou persuadido de que, se os problemas africanos devem ser facto dos Africanos, e não devem sofrer a pressão ou a ingerência de quaisquer bloco ou grupo de interesse, a sua solução positiva não pode deixar de influenciar de maneira benéfica os outros continentes. Mas para isso, seria também necessário que os outros povos aprendessem a receber dos povos africanos. Estes não necessitam apenas de ajuda material e técnica. Eles precisam também de dar o seu coração, a sua sabedoria, a sua cultura, o seu sentido do homem, o seu sentido de Deus, que em muitos outros não é assim tão vivo. Diante do mundo, gostaria de lançar nesta circunstância um apelo solene, não simplesmente à ajuda, mas à ajuda mútua internacional, isto é, ao intercâmbio no qual cada uma das partes dá a sua contribuição construtiva para o progresso da humanidade.

4. Gostaria igualmente que todos conhecessem, desde o primeiro dia desta viagem, os sentimentos que o Papa experimenta, ao fixar a África como um amigo, como um irmão. Embora compartilhando plenamente as preocupações de muitos quanto à paz, quanto aos problemas postos pelo crescimento e pela pobreza e, numa palavra, quanto aos problemas do homem, o Papa sente uma alegria profunda. A origem desta alegria está em ver que numerosas foram as populações que, no decurso dos últimos anos, puderam ter acesso soberania nacional, ao fim de um processo por vezes delicado, mas que pôde levar à escolha do seu próprio destino.

É um fenómeno que compreendo muito bem, inclusivamente até mesmo pelas minhas origens pessoais. Conheço e vivi os esforços envidados pelo meu povo pela sua soberania. Eu sei o que significa reivindicar o direito à autodeterminação, em nome da justiça e da dignidade nacional. Certamente, não é esta senão uma etapa, porque é preciso ainda que a autodeterminação continue a ser efectiva, e seja acompanhada por uma participação real dos cidadãos na direcção do seu próprio destino: e assim igualmente o progresso poderá beneficiar mais equitativamente todos. Certamente a liberdade deveria atingir todos os níveis na vida política e social. A unidade de um povo exige também uma acção perseverante, que respeite as particularidades legítimas e seja, ao mesmo tempo, exercida de maneira harmoniosa. Mas hoje tantas esperanças são permitidas, tantas possibilidades são oferecidas, que uma alegria imensa enche o meu coração, na mediria da confiança que deposito nos homens de boa vontade que são ansiosos pelo bem comum.

5. Gostaria agora de dirigir o meu olhar para além desta assembleia, para todo o Povo do Zaire, e exprimir-lhe a minha satisfação por me encontrar entre ele. Certamente há as exigências do programa; e por isso não me será possível ir a todas as regiões para visitar populações igualmente caras ao meu coração. Que pelo menos a passagem em alguns pontos do país seja um testemunho concreto da mensagem de amor de Cristo, que gostaria de levar a cada família, a cada habitante, tanto aos católicos como aos que não partilham a mesma fé. Os habitantes do Zaire representam uma esperança para a igreja e para a África. A sua tarefa é a de prosseguirem, como bons cidadãos, a acção pelo progresso do seu pais num espírito de justiça e de honestidade, abrindo-se aos verdadeiros valores do homem (cfr. Redemptor hominis, RH 18). Peço a Deus que os ajude nesta nobre tarefa e que abençoe os seus esforços.

Obrigado, Senhor Presidente, por tudo o que fez por mim desde o momento em que, com o o Episcopado do país, me convidou tão calorosamente para vir ao Zaire. Não esquecerei as expressões elevadas da sua alocução, e apresento a Vossa Excelência, assim como aos membros do Governo, e a todos os que me honram com a sua presença, as minhas saudações e os meus melhores votos.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS BISPOS DO ZAIRE


Sede do Centro Internacional de Quinxassa

Sábado, 3 de Maio de 1980




Caríssimos Irmãos em Cristo

1. Que alegria para mim encontrar-me convosco todos juntos! Que reconforto! Há um século pode-se dizer que a verdadeira evangelização começava mesmo do início; e eis que hoje a fé cristã está implantada quase em toda a parte neste país, a hierarquia eclesiástica encontra-se organizada e filhos deste país, "ex hominibus assumpti", tomaram na mão o governo da Igreja, em união com a Igreja que está em Roma. O aparecimento das vossas comunidades cristãs e a vitalidade deste povo de Deus constituem uma maravilha da graça que renova no nosso tempo o que esta realizava no tempo dos Apóstolos Pedro e Paulo.

Há períodos, datas que ninguém pode esquecer:

— a ordenação do primeiro padre zairense, Estêvão Kaoze (1917);
— a consagração do primeiro bispo zairense, D. Pedro Kimbondo (1956);
— a chamada do primeiro bispo zairense para entrar no Sacro Colégio dos Cardeais, o Cardeal José Malula (1969).

Vim dar graças convosco a Deus, celebrar o centenário da evangelização.

Vim reconhecer convosco o trabalho apostólico, paciente e esclarecido, dos numerosos missionários, bispos, padres, religiosos e religiosas: amaram-vos a ponto de consagrarem as suas vidas para iniciar os vossos pais no Evangelho, Evangelho que eles mesmos tinham recebido por graça, e tiveram confiança bastante neles para os julgar também capazes de constituir uma Igreja local e para eles virem fornecer os Pastores da mesma. Vim reconhecer o bom trabalho a que vós mesmos vos abalançastes, continuando-os ou acompanhando-os, isto último na medida em que eles vos prestam ainda hoje um serviço indispensável. Vim manifestar o meu respeito, a minha estima e o meu afecto pelas vossas pessoas, pelo vosso corpo episcopal e pela Igreja que se reúne na vossa pátria.

E vim robustecer o vosso santo ministério, como Jesus pediu a Pedro que o fizesse.

2. A finalidade deste ministério é sempre a evangelização. Vale isto para todos os países, para as velhas cristandades como para as Igrejas jovens. Porque a evangelização comporta etapas e aprofundamentos e é obra que se tem de retomar incansavelmente. Sem dúvida, cerca da metade dos vossos concidadãos agregaram-se à Igreja pelo baptismo, e outros preparam-se para ele. Mas há ainda vasto campo de apostolado, a fim de que a luz do Evangelho brilhe também aos olhos dos outros. E, sobretudo, é preciso realizar a penetração em profundidade deste Evangelho nos espíritos, nos costumes, na fé e na caridade quotidiana das pessoas, das famílias e das comunidades, e é preciso assegurar a perseverança de todos. É o problema que encontravam o Apóstolo Paulo, nas comunidades que visitava, e o Apóstolo João, nas comunidades que mantinha com as suas cartas na terceira geração de cristãos (cfr. Ap 1-3), ou ainda o meu predecessor São Clemente de Roma. E o problema que também conheceram os bispos corajosos da minha nação, como Santo Estanislau.

3. A este propósito, notei o zelo, a coragem e a coesão de que vós soubestes dar prova, para esclarecer e guiar o vosso povo cristão, quando as circunstâncias o exigiam. Porque as provações não vos foram poupadas. Vós elaborastes, por exemplo, e publicastes documentos sobre a fé em Jesus Cristo em 1974, depois "sobre a situação presente". Em 1977, estimulastes os vossos fiéis, "todos solidários e responsáveis", a que vencessem o desânimo e a imoralidade. No mesmo ano, exortastes os vossos sacerdotes, religiosos e religiosas à conversão. Chamastes mesmo o conjunto dos vossos compatriotas "ao restauro da nação". Tais actos da Conferência Episcopal, sem contar os dos bispos nas suas dioceses próprias, manifestam o vosso sentido da responsabilidade pastoral. Juntamente convosco desejo que esses apelos, unidos a uma leitura assídua da Palavra de Deus, sejam retomados, meditados e sobretudo vividos, nas suas consequências e com perseverança, por aqueles de quem vós queríeis formar ou despertar. a consciência. Porque, vós sabei-lo como eu, esta educação da fé pede não somente textos claros mas uma proximidade, uma pedagogia, que distribui este ensino, que persuade e sustém, com paciência e amor inseparáveis da autoridade pastoral, graças a sacerdotes e educadores que dão eles mesmos o exemplo. Queria, com estas palavras simples, manifestar-vos apreço e comunicar-vos incentivo pela vossa obra de evangelização.

4. Um dos aspectos desta evangelização é a inculturação do Evangelho, a africanização da Igreja. Várias pessoas me indicaram que a tendes muito a peito, e com razão. Faz isto parte dos esforços indispensáveis para encarnar a mensagem de Cristo. O Evangelho, é claro, não se identifica com as culturas e transcendem-nas a todas. Mas o Reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens profundamente ligados a uma cultura; a construção do Reino não pode prescindir de ir buscar elementos às culturas humanas (cfr. Evangelii nuntiandi EN 20). Mais: a evangelização deve ajudar estas a fazer surgir, das suas próprias tradições vivas, expressões originais de vida, de celebração e de pensamento cristão (cfr. Exortação Catechesi tradendae CTR 53). Vós desejais ser, ao mesmo tempo, plenamente cristãos e plenamente africanos. O Espírito Santo pede, com efeito, acreditarmos que o fermento do Evangelho, na sua autenticidade, tem força para fazer surgir cristãos nas diversas culturas, com todas as riquezas do seu património, purificadas e transfiguradas.

A este propósito, o Concílio Vaticano II bem expressara alguns princípios que iluminam sempre o caminho que deve seguir-se neste campo: "A Igreja... fomenta e apropria as possibilidades, os recursos e o estilo de vida dos povos naquilo que têm de bom e, ao assumi-los, purifica-os, consolida-os e eleva-os...

"Por força desta catolicidade, cada parte contribui com os seus dons peculiares para as demais e para toda a Igreja, de modo que o todo e cada parte crescem por comunicação mútua e pelo esforço comum em ordem a alcançar a plenitude na unidade, "A Sé de Pedro... preside à comunhão universal da caridade, protege as diferenças legítimas e vela por que as particularidades, longe de serem nocivas, antes contribuam unicamente para a unidade" (Lumen gentium LG 13).

A africanização abrange campos vastos e profundos, que não foram ainda suficientemente explorados quer se trate da linguagem para dar a conhecer a mensagem cristã de maneira que atinja o espírito e o coração dos zairenses, da catequese, da reflexão teológica, da expressão mais apta na liturgia ou na arte sacra, de formas comunitárias de vida cristã.

5. É a vós, bispos, que toca promover e harmonizar o avanço neste particular, ao cabo de madura reflexão, com grande harmonia entre vós, em união também com a Igreja universal e com a Santa Sé. A inculturação, para o conjunto do povo, não poderá aliás ser fruto senão de uma progressiva maturidade na fé. Porque vós estais convencidos como eu, de que esta obra, na qual desejo exprimir-vos toda a minha confiança, requer muita lucidez teológica, muito discernimento espiritual, muita sabedoria e prudência, e ainda tempo.

Permiti-me evocar, entre outros exemplos, a experiência da minha própria pátria: na Polónia, estabeleceu-se aliança profunda entre as maneiras de pensar e de viver as características da nação e o catolicismo; esta impregnação exigiu séculos. Aqui, atendendo a uma situação diferente, deve ser possível ao Cristianismo aliar-se com o que é o mais profundo na alma zairense para uma cultura original, ao mesmo tempo africana e cristã.

No que diz respeito à fé e à teologia, toda a gente reconhece que estão em campo problemas importantes: o conteúdo da fé, a busca da sua melhor expressão, a relação entre a teologia e a fé, e a unidade da mesma fé. O meu venerado predecessor Paulo VI fez alusão ao caso no fim do Sínodo de 1974 (cfr. AAS 66 [1974], PP 636-637). E lembrou certas regras aos delegados do S.C.E.A.M. em Setembro de 1975.

a) Quando se trata da fé cristã, é preciso atermo-nos ao 'património idêntico, essencial e constitucional da mesma doutrina de Cristo, professada pela tradição autêntica e autorizada da única e verdadeira Igreja';

b) importa entregarmo-nos a uma investigação aprofundada das tradições culturais das 'diversas populações, e dos dados filosóficos que as subentendem, para nelas descobrir os elementos que não se encontram em contradição com a religião cristã e ainda os contributos capazes de enriquecer a reflexão teológica" (AAS 67 [1975], p. 572).

Eu próprio, o ano passado, na exortação sobre a catequese, chamei a atenção para o facto de a Mensagem evangélica não se poder isolar, pura e simplesmente, da cultura bíblica em que primeiro se inseriu, nem ainda, sem perdas graves, das culturas em que ela se exprimiu através dos séculos; e, por outro lado, de a força do Evangelho ser em toda a parte transformadora e regeneradora (cfr. n. 53).

No campo da catequese, podem e devem tentar-se apresentações mais adaptadas à alma africana, contando porém com as permutas culturais cada vez mais frequentes com o resto do mundo; é preciso atender unicamente a que os trabalhos sejam feitos em conjunto e verificados pelo episcopado, para a expressão ser correcta e toda a doutrina ser apresentada.

No campo dos gestos sagrados e da liturgia, é possível um enriquecimento completo (cfr. Sacrosanctum Concilium, SC 37-38), contanto que a significação do rito cristão seja sempre bem conservada e o aspecto universal, católico, da Igreja apareça claramente ("a unidade substancial do rito romano"), em união com as outras Igrejas locais e de acordo com a Santa Sé.

No campo ético, é preciso pôr em ressalto todos os recursos da alma africana que são como pedras de espera do Cristianismo: Paulo VI já as evocou na sua mensagem à Africa de 29 de Outubro de 1967, e vós conhecei-las melhor que ninguém, no que diz respeito à visão espiritual da vida, do sentido da família e dos filhos, da vida comunitária, etc. Como em todas as civilizações, há outros aspectos menos favoráveis. Apesar de tudo, como vós o lembrastes tão bem, há sempre uma conversão que se deve operar a respeito da pessoa de Cristo, Salvador único, e do Seu ensino, tal como a Igreja no-lo transmite: é então que se produzem a libertação, a purificação, a transfiguração e a elevação que Ele veio trazer e realizou no Seu mistério pascal, de morte e ressurreição. É preciso considerar ao mesmo tempo a Encarnação de Cristo e a Sua Redenção. Vós próprios insististes em precisar que o recurso à autenticidade não permite "opor os princípios da moral cristã aos da moral tradicional" (Carta de 27 de Fevereiro de 1977). Num sentido, o Evangelho satisfaz as aspirações humanas, mas contestando as profundezas do humano para fazer que ele se abra ao apelo da graça e em particular a uma aproximação de Deus mais confiante, a uma fraternidade humana ampliada, universal. A autenticidade não afastará o homem africano do seu dever de conversão. Numa palavra, trata-se de que ele se torne cristão autêntico e autenticamente africano.

6. Nesta obra de inculturação, de indigenização, já bem começada, como no conjunto da obra de evangelização, múltiplas questões particulares surgirão no caminho, a respeito de tal ou tal costume — penso em particular nos problemas difíceis do casamento —, tal ou tal gesto religioso, tal ou tal método. Questões difíceis, para as quais a busca de solução está confiada à vossa responsabilidade pastoral, aos vossos bispos, em diálogo com Roma: vós não podeis prescindir dele. Requer-se primeiro coesão perfeita entre vós. Cada Igreja tem os seus problemas, mas em toda a parte, como eu dizia aos Bispos da Polónia "é esta unidade que é fonte de força espiritual". Tal solidariedade aplica-se em todos os campos: o da investigação, o das grandes decisões pastorais, igualmente o da estima mútua, qualquer que seja a vossa origem, sem esquecer o do apoio mútuo, na vida exemplar que vos é pedida e pode exigir monições fraternas.

7. Não vos passa igualmente despercebido até que ponto a solidariedade com a Igreja universal, nas coisas que devem ser comuns, e em particular a comunhão confiada com a Santa Sé, são necessárias para a autenticidade católica da Igreja no Zaire, para a sua força e para a sua avançada harmoniosa. Mas elas são necessárias também à vitalidade da Igreja universal, em que vós apresentareis o testemunho da vossa solicitude pastoral e a contribuição do vosso zelo evangelizador sobre pontos importantes para toda a Igreja. São as exigências, ou antes, a graça da nossa catolicidade (cfr. Lumen gentium LG 13, citado mais acima). Deus seja louvado que permite à Sua Igreja esta troca vital e esta comunhão entre todos os membros do mesmo Corpo, o Corpo de Cristo. A Santa Sé não vos libertará de nenhuma responsabilidade; pelo contrário, ela há-de responsabilizar-vos; e ajudar-vos-á a encontrar as soluções mais conformes com a vossa vocação. Quanto a mim, estou certo que as vossas preocupações serão lá acolhidas com compreensão.

8. Agora, desejava dizer também uma palavra sobre alguns problemas pastorais concretos: refiro-os para manifestar a parte que tomo na vossa responsabilidade.

Falei da vossa unidade entre bispos, da vossa co-responsabilidade colegial que deu provas de si em momentos especialmente difíceis. Animo-vos igualmente a que favoreçais do melhor modo, em cada uma das vossas dioceses, a unidade das forças vivas da evangelização, e primeiramente dos vossos padres. Alguns são Zairenses e é grande sorte para o futuro da vossa Igreja. Muitos outros, padres seculares e muitas vezes religiosos, vieram como "missionários" ou ficaram para vos ajudar, sabendo embora que devem, à medida que se apresentem as possibilidades, ceder o primeiro lugar aos pastores indígenas. Vós todos reconheceis que o serviço deles foi capital para a evangelização de que festejamos o centenário, que ele se mantém importante e actualmente indispensável, dada a amplidão mesmo numérica dos fiéis e a complexidade das necessidades apostólicas. Eles mantêm-se junto de vós como expressão da universalidade e das trocas necessárias entre as Igrejas. Oxalá todos, Zairenses ou não, formem apenas um presbitério à volta de vós. Oxalá tudo se faça para aplanar e multiplicar os caminhos da estima mútua, da fraternidade e da colaboração. Oxalá seja banido tudo o que possa ser causa de sofrimentos ou afastamentos, para uns ou para outros. Todos estejam penetrados de sentimentos de humildade e de serviço mútuo. Pela causa de Cristo! Pelo testemunho da Igreja! Todos cheguem a dizer: "Vede como eles se amam"! Pela avançada da evangelização! Já foram conseguidos progressos. Estou certo que tudo fareis para criar este clima.

Por outro lado, vós chamastes várias vezes o conjunto dos vossos sacerdotes e das vossas religiosas a uma grande dignidade de vida. Notei uma passagem que vós citáveis na sua forma poética: "Vós próprios sede os primeiros a reformar-vos. Vesti-vos de virtudes, não de seda. Tende a corpo casto, simples a consciência. Quer de dia quer de noite aprendei a ciência. Conservai para com o povo uma dignidade humilde e juntai a doçura com a gravidade" (Exortação de 10 de Junho de 1977). Pois bem, o amor radical — que as almas consagradas dedicaram ao Senhor, para Ele mesmo e para um serviço mais à disposição de todos os seus irmãos e para o anúncio do mundo vindouro, com a disciplina de vida que ele exige deve brilhar como a luz, ser como o sal e conservar "no meio do povo de Deus a energia indispensável que o ajude a levedar a massa humana" (ibid.). Em especial, os sacerdotes, os religiosos — e também as religiosas — devem ter sólidas convicções sobre os valores positivos e essenciais da castidade no celibato, e manter-se muito vigilantes no seu comportamento para serem fiéis sem ambiguidade a este compromisso que tomaram — pelo Senhor e pela Igreja — e que é capital, na África como fora dela, como testemunho e para arrastar o povo cristão na caminhada laboriosa para a santidade. Tudo isto é possível com a graça de Deus, sobretudo caso se tomem a peito os meios espirituais e as múltiplas necessidades que solicitam o zelo pastoral. Os sacerdotes têm certamente grande necessidade da vossa ajuda fraterna, da vossa proximidade, do vosso exemplo pessoal e do vosso afecto.

9. A santidade e o zelo dos vossos padres muito facilitarão também o despertar das vocações sacerdotais, e eu julgo tocar neste ponto urna das vossas solicitudes dominantes. Como enfrentará a Igreja do Zaire o futuro se não dispuser de sacerdotes em maior número, vindos da sua terra, seculares ou religiosos? Por isto precisamos de orar e fazer que se ore. Precisamos de "chamar" para o serviço do Senhor, fazer compreender às famílias e aos jovens a beleza deste serviço. Mas o problema é também o da formação destes seminaristas ou noviços: oxalá eles gozem sempre da presença, do diálogo e do exemplo de directores espirituais, experimentados na condução das almas.

Julgo aliás que muitas vocações religiosas floresceram entre vós, quer no ambiente das Congregações missionárias, quer agora no ambiente de Institutos nascidos no vosso solo. Oxalá elas — graças a uma sólida formação, graças à sua dedicação às obras apostólicas e graças ao seu testemunho transparente — escrevam nova página na vida das religiosas dentro da Igreja. Não esqueço aquela que deixou rasto tão luminoso que levou a que falasse da sua beatificação, a Irmã Anwrite.

10. Alegro-me também com tudo o que foi feito neste país para dotar a Igreja de catequistas leigos e de responsáveis por pequenas comunidades, que são as cavilhas mestras da evangelização, em ligação constante e directa com as famílias, as crianças e as diferentes categorias do povo de Deus. Urge seguramente favorecer todo este desenvolvimento da acção indispensável do laicado, em comunhão íntima com os pastores. Terei ocasião de tratar mais longamente este assunto durante a minha viagem.

Quanto à vida familiar, falei dela longamente esta manhã. Como levar a que os jovens e os casais caminhem no sentido da plena realização do projecto de Deus sobre os esposos e os pais, apesar de dificuldades certas, mas utilizando ao mesmo tempo os recursos da alma africana, a experiência secular da Igreja e a graça: nisto se encontra um objectivo pastoral de primeira importância. Será para a Igreja uma bênção e para o país um progresso de ordem principalíssima.

Uma coisa que devem ter a peito os pais, os pastores e todos os operários da evangelização é a educação religiosa das crianças, qualquer que seja o estatuto das escolas e sobretudo por causa do estatuto actual: iniciação familiar no Evangelho, continuada por catequese sistemática, como expus, completando o Sínodo dos Bispos, na exortação Catechesi tradendae.

11. Penso ainda em toda a participação que a Igreja oferece ao desenvolvimento do país, não só preparando a consciência dos cidadãos para o sentido da lealdade, do serviço gratuito, do trabalho bem feito e da fraternidade — o que forma directamente o seu papel — mas provendo em muitos planos às necessidades múltiplas das populações, agravadas muitas vezes pelas provas, nos planos da escola, do auxílio sanitário, dos meios de subsistência, etc. É um serviço auxiliar imposto pela caridade à Igreja — "caritas urget nos" — e que o sentido do bem comum da vossa pátria vos leva a que acheis normal.

12. Vós amais profundamente esta pátria. Compreendo estes sentimentos. Conheceis o amor que dedico àquela em que tenho as minhas raízes. A unidade de uma pátria forja-se aliás através das provações e dos esforços em que os cristãos têm a sua parte, sobretudo quando formam parte notável da nação. O vosso serviço de Deus compreende este amor da pátria. Concorre para o bem da pátria, como o poder civil está para ele ordenado no seu plano próprio. Mas distingue-se deste último e, respeitando embora a sua competência e a sua responsabilidade, deve poder exercer-se ele próprio numa liberdade plena, na sua esfera que é a educação da fé, a formação das consciências, a prática religiosa, a vida das comunidades cristãs, e a defesa da pessoa humana, das suas liberdades e dos seus direitos, da sua dignidade. Sei que esta foi a vossa solicitude. E faço votos por que daí resulte uma paz proveitosa para todos.

13. Um último ponto: para ajudar o escol cristão a enfrentar segundo a fé os problemas que não deixam de impor uma rápida evolução, e o contacto com outras civilizações e com outros sistemas de pensamento, é capital, no plano teológico, que sejam promovidos no vosso país a investigação e o ensino, segundo convém, isto é, juntando a um enraizamento profundo da tradição de toda a Igreja, que deu a própria seiva à vossa comunidade, a reflexão que requer o vosso enraizamento africano e os problemas novos que surgem. Quer dizer, formulo votos ardentes pela vossa Faculdade de teologia de Quinxassa, pelo seu alto nível intelectual, pela sua fidelidade eclesial e pela sua irradiação no vosso país e além dele.

14. Vou ficar hoje por aqui. Mas é diálogo que deverá sempre ser continuado com o Sucessor de Pedro, com os organismos da Santa Sé e com as outras Igrejas locais, que não têm senão um cuidado: permitir ao ardor da vossa Igreja continuar a sua corrida nas melhores condições, "com o maior desassombro e sem impedimento" (Ac 28,31). E ambiciono que este ardor não aproveite só a vós, mas que seja cada vez mais missionário. "Vós sois os vossos próprios missionários", dizia Paulo VI em Kampala, há onze anos. Realizou-se em parte. Mas acrescento: tende em vista ser missionários por vossa vez, não só neste país em que o Evangelho é ainda esperado, mas fora, em especial noutros países da África. Uma Igreja que dá, indo buscar mesmo aos seus recursos limitados, será abençoada pelo Senhor, porque sempre encontramos um pobre mais pobre do que nós.

O Espírito Santo constituiu-vos Pastores do vosso povo nesta hora importante da história cristã do Zaire. Robusteça Ele a fé e a caridade de todos os que vos estão confiados. E Maria, Mãe da Igreja, interceda por vós todos. Contai com a minha oração, como eu conto com a vossa. Com a minha afectuosa Bênção Apostólica.

Discursos João Paulo II 1980 - Sexta-feira, 2 de Maio de 1980