Discursos João Paulo II 1980 - Brazzzaville, Congo, 5 de Maio de 1980

3. E agora, Senhor, suplico-Te pelos meus irmãos e irmãs, os católicos do Congo. Confio-Tos, porque Tu me permitistes visitá-los na pátria deles. Recomendo-Te a fé dos mesmos, jovem mas tão cheia de vitalidade, para que ela cresça, seja pura, bela e comunicativa, que prossiga em poder exprimir-se e ser proclamada livremente, porque a vida eterna é que eles conheçam o único verdadeiro Deus e o Seu enviado, Jesus Cristo (cfr. Jn 17,3). Confio-os igualmente à Tua santa Mãe, a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja e nossa Mãe. Tome-os Ela sob a sua protecção toda maternal e vele por eles nas dificuldades que encontrarem. Ensine-lhes Ela a manterem-se ao pé da Tua Cruz e a reunirem-se à sua volta na expectativa da Tua vinda, quando os tempos estiverem completos.

Com eles, peço-Te pela unidade dos mesmos, que encontra a sua fonte em Ti, e sem a qual o testemunho que dão ficaria enfraquecido: unidade do corpo episcopal, unidade no clero e nas dioceses, capacidade de colaborar apesar de toda a diversidade ética ou social, unidade também com a Sé de Pedro e o conjunto da Igreja. Tu não podes fechar os ouvidos a esta oração, Tu que Te entregaste para reunir os filhos de Deus. Escuta ainda a invocação que nós Te dirigimos neste dia pela santificação dos sacerdotes, dos religiosos, das religiosas e de todos os que, nos vários centros de formação, se preparam para Te consagrar as suas vidas. Respondendo ao Teu apelo, saibam eles renunciar por Ti às coisas deste mundo, a qualquer busca de uma glória material ou humana, e mostrem-se disponíveis para as necessidades urgentes da Igreja em qualquer missão que lhes seja confiada (cfr. Ad gentes AGD 20). Felizes com o seu dom total e felizes com o seu celibato eles cujo ponto mais alto dos seus dias é marcado pela Eucaristia —, aprofundem o que significa oferecera sua vida em sacrifício pela salvação dos homens.

Na tua bondade sei que Te recordarás de maneira especial do sacrifício dos missionários, que, por amor de Ti, deixaram o seu país de origem, as suas famílias e tudo o que tinham, para virem viver no meio dos seus irmãos congoleses, amarem este Povo tornado seu próprio e servi-lo. Recompensa, Senhor, tanta generosidade. Faz que ela seja reconhecida, suscite outras vocações e desperte em todos o verdadeiro espírito missionário.

De modo especial rodeia da Tua benevolência os teus humildes servos, os bispos, a quem confiaste estas Igrejas locais. Estou junto deles, esta manhã, para os robustecer em Teu nome. Estão presentes os três pastores do Congo e a maior parte dos seus irmãos das Conferências episcopais vizinhas, com os quais eles se reúnem habitualmente sob a presidência, hoje, de Dom Joaquim N'Dayen, Arcebispo de Bangui. Este traz consigo alguns bispos de outros países próximos. São portadores das suas preocupações pastorais e de todas as intenções de que os encarregaram as suas comunidades. Sim, como Tu encarregaste Pedro e seus sucessores, eu desejo trazer-lhes a força tranquila e a certeza da Tua assistência no seu labor quotidiano tão meritório. E quero certificar, aqueles que não puderam juntar-se a nós, da minha proximidade fraternal e espiritual, tomar sobre os meus ombros parte do seu fardo, quando alguns sofrem tão cruelmente com os sofrimentos do seu povo. Caros irmãos do Chade, é em vós que penso em primeiríssimo lugar, e no rebanho que vos está confiado. Deus vos ajude a pensar as chagas e a curar os corações! Ele vos dê a paz!

4. Irmãos e irmãs, não posso continuar mais tempo. Tantos pensamentos enchem o meu espírito de que eu gostaria de vos falar. Pareceu que, limitado pelo programa, o Papa podia ao menos dedicar este encontro a uma oração comum, convidando-vos assim implicitamente a fazer do mesmo modo em todas as ocasiões, para anunciardes verdadeira-mente o que contemplastes do Verbo da Vida (cfr. 1Jn 1,1). É isto que se espera dos ministros de Deus. Todo o resto podem outros dá-lo. Se quereis ser zelosos, sede primeiro pios e tudo compreendereis. Vivei em união com Deus. Ele vos ajudará a suportar as tribulações humanas, porque aprendereis a uni-las à Cruz, à Redenção. Mais que isto, Ele virá a vós e em vós estabelecerá a Sua morada.

Pedi também por mim, meus amados no Senhor. Vós prometeis isto? Pela minha parte, prometo-vos que este laço novo, que está agora a apertar-se com esta parte da África, se irá traduzir concretamente ao recordar-me dos vossos rostos, das vossas pessoas e daqueles que beneficiam dos vossos cuidados pastorais ou que vós representais aqui de algum modo. A todos, a minha bênção e os meus votos muito ardentes. E Deus abençoe também a vossa pátria e todas as nações à volta.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO SENHOR DENIS SASSOU-NGUESSO


PRESIDENTE DA REPÚBLICA POPULAR DO CONGO

Brazzzaville, 5 de Maio de 1980



Senhor Presidente

1. Ao chegar a Brazzaville, e em resposta às amáveis palavras de Vossa Excelência, senti-me feliz em expressar a minha alegria bem viva por esta visita ao Povo Conguês, aos seus dirigentes e à Igreja católica que vive no país. Como de novo se me apresenta a possibilidade, queria renovar os meus sentimentos de gratidão e aproveitar a oportunidade para formular alguns pensamentos na moldura do presente encontro, encontro no qual deposito muitas esperanças.

2. Não é, de facto, a primeira vez que o Papa pode conversar com o Chefe de Estado Conguês e dizer-lhe com simplicidade o que mais profundamente tem no coração? É verdade que, desejosas de reforçar as suas relações de amizade, a Santa Sé e a República Popular do Congo estabeleceram relações diplomáticas, e têm agora representantes acreditados, cuja missão é exactamente promover um diálogo permanente, útil para a compreensão mútua e benéfico, uma vez que participa de um espírito de cooperação leal. Felicito-me pessoalmente por ter recebido a semana passada no Vaticano o vosso Embaixador, que doravante se fará o intérprete do Governo e poderá, em troca, expor-lhe as vistas da Santa Sé.

3. Mas, além deste instrumento habitual de diálogo, que nós todos desejamos seja eficaz, parece que um contacto directo, como este, encerra em si uma aptidão especial para se desenvolver o clima sereno e construtivo que deve reinar entre nós.

Este contacto convida ao respeito mútuo. Dá-se entre os responsáveis de duas entidades diferentes. A Igreja é instituição espiritual, embora a sua expressão seja também social; situa-se para além das pátrias temporais, como comunidade de crentes. O Estado é expressão da autodeterminação soberana dos povos e das nações, e constitui realização normal da ordem na sociedade; é nisto que está a sua autoridade moral (cfr. a minha alocução ao Corpo Diplomático junto da Santa Sé, 12 de Janeiro de 1979). Tomar consciência desta diferença de natureza evitará toda a confusão e permitirá que se proceda com clareza.

Isto significa reconhecer o carácter próprio da Igreja, que não depende de alguma estrutura civil ou política. E significa reconhecer ao Estado o direito de exercer soberanamente a sua autoridade no próprio território, e aos seus dirigentes a responsabilidade de trabalharem para o bem comum das populações de que são mandatários. A ideia mesma de soberania, constituída por direitos e deveres, implica independência política e possibilidade de decidir sobre o destino de maneira autónoma (cfr. ibid.). Onde mais que na África convinha recordá-lo? Este continente viu, durante uns vinte anos, um número elevado de nações chegar à soberania. Tomar nas mãos o próprio destino é questão ao mesmo tempo de dignidade e de justiça. O processo foi por vezes difícil; e ainda não terminou em toda a parte; supõe também que as populações possam realmente participar nessa responsabilidade.

4. Entre a Igreja e o Estado, por conseguinte, encontra-se aqui o fundamento da estima mútua, que se traduzirá pelo respeito do campo próprio de cada um, próprio porque as naturezas de ambos são diferentes. O Estado pode estar seguro da colaboração leal da Igreja, sempre que se trate de servir o homem e contribuir para o seu progresso integral. E a Igreja, em nome da sua missão espiritual, pede por seu lado a liberdade de se dirigir às consciências, assim como a possibilidade para os crentes de professar publicamente, de alimentar e anunciar a fé que têm. Sei, Senhor Presidente, que vós compreendestes esta aspiração, a qual não poderia prejudicar de maneira nenhuma a soberania do Estado de que sois defensor. A liberdade religiosa está, com efeito, no centro do respeito de todas as liberdades e de todos os direitos inalienáveis da pessoa. Muito contribui para salvaguardar, para o bem de todos, o que é o essencial de um povo como de um homem, isto é, a sua alma. É uma felicidade que os Africanos se interessem muito pela própria alma.

5. Falava eu, há instantes, do serviço do homem. Eis nele um objectivo sobre o qual é permitido dialogar. Eis um ideal que poderíamos qualificar de comum entre a Igreja e o Estado. Merece da nossa parte uma atenção sempre nova. Os meus votos estão em que as conversações, que já se realizaram sobre este ponto, tanto a nível local, com os pastores responsáveis pela Igreja no Congo, como também entre as Autoridades da República e a Santa Sé, continuem de maneira mais frequente e mais aprofundada. Não há dúvida que elas se poderão manifestar proveitosas e úteis para esta grande causa.

Saúdo-vos respeitosamente e peço ao Todo-Poderoso ajude Vossa Excelência, e as altas personalidades aqui presentes, no serviço que prestam à comunidade humana conguesa.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


DA REPÚBLICA POPULAR DO CONGO

Aeroporto de Brazzzaville

Segunda-feira, 5 de Maio de 1980



Caros Congoleses

Infelizmente chegou o momento de vos deixar. É necessário que vá a outras regiões onde aguardam a minha presença, e continue esta visita pastoral que decorreu tão bem entre vós. Sentistes-vos felizes em me ver. Posso diver-vos que a minha alegria foi ainda maior. Teria desejado apertar as mãos de todos vós, abençoar-vos a todos, ter para cada um, sobretudo para as crianças, para os doentes, para os pobres, uma palavra de conforto e encorajamento. Teria sido necessário permanecer muito mais tempo, e eu não tenho direito de abusar da vossa hospitalidade, embora ela me tivesse sido oferecida com tanta cordialidade.

Esta hospitalidade, devo-a igualmente, em especial, ao vosso Presidente e a todos os responsáveis do Estado. Desejareis certamente que eu diga, diante de vós, quanto lhes estou reconhecido. E permiti-me-eis que lhes apresente, a eles que têm o pesado encargo de guiar o Pais, os meus mais sinceros bons votos pelo seu futuro, na justiça, na paz e na prosperidade para todos.

A vós, irmãos bispos e sacerdotes, e a todos os católicos congoleses, ainda um caloroso agradecimento. Notei a vossa fé, a vossa coragem, o vosso zelo apostólico. Ouvi-vos cantar o vosso amor por Cristo, a sua Mãe, a Santíssima Virgem Maria. Vi que rezais e rezei convosco e por vós. Juntos recordámos pastores falecidos destas dioceses, cujo ministério permanece exemplar para todos. Em particular rezámos juntos sobre o túmulo do saudoso Cardeal Biayenda, pastor fiel e grande servidor do seu País. Continuai, progredi sempre no que vos conduz a Deus. Hoje deixo-vos um pouco de mim mesmo, e levo comigo toda a vossa generosidade, o vosso ardor e as provas da vossa profunda dedicação à Igreja.

Adeus, terra congolesa! Oxalá produzas frutos duradouros e dês à Igreja e ao mundo o testemunho da tua vitalidade!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM O CLERO E FIÉIS


DE KISANGANI (ZAIRE)


Segunda-feira, 5 de Maio de 1980



1. Saúdo-vos, caros habitantes de Kisangani, e manifesto-vos a minha grande alegria por estar entre vós. Mediante vós, saúdo com afecto todos os meus filhos católicos e todos os habitantes da região.

2. Agradeço de modo muito particular ao vosso Bispo, D. Fataki, as amáveis palavras que acaba de me dirigir. Retribuo-lhe, por assim dizer, a benévola visita que ele me fez em Cracóvia. Com ele, saúdo cordialmente todos os vossos bispos que me estão a receber aqui esta tarde. Com eles, saúdo todos aqueles que escutaram a palavra de Deus e que se prodigam por a pôr em prática. Quereria não esquecer ninguém, mas desejo, numa palavra, exprimir desde já o meu afecto particular aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos seminaristas, a todos aqueles e a todas aquelas que desejam entregar-se a Deus. Qual é o centro da vossa vida? Não é o apelo que ouvistes, o apelo do Senhor: "Vem, e segue-Me"? Peço-Lhe que vos abençoe. Apesar dos sacrifícios, nunca vos sentireis tristes nem sós se viveis verdadeiramente com Ele.

E dirijo também a minha saudação a todos vós, pais e mães de família, rapazes e meninas, estudantes e crianças. Vim para ter a alegria de estar convosco, pelo menos alguns instantes, e vos repetir, após os vossos bispos e os vossos sacerdotes, que o Senhor nos ama a todos e nos chama a todos. Saúdo também com afecto especial os doentes, os inválidos, todos aqueles que se sentem infelizes, na própria alma e no próprio corpo: o Papa abençoa todos vós.

3. Esta tarde recordar-vos-ei simplesmente algumas palavras do Senhor que devem encher-nos de alegria e de esperança. Como sinal de que Deus tinha verdadeiramente descido entre os homens, ele disse: "Os pobres recebem o evangelho", os pobres ouvem a boa nova da salvação! E disse ainda: "Vinde a mim, todos vós que estais sobrecarregados, e eu aliviar-vos-ei". Tendo vindo até junto de vós, desejo recordar a todos os discípulos de Cristo esta grande mensagem do Evangelho que está na base do amor que nós temos uns pelos outros, e repito o que São Paulo ensinava aos primeiros cristãos: "O Senhor Jesus fez-se pobre por nós, e enriqueceu-nos com a sua pobreza"; isto ainda hoje se realiza. Realiza-se entre vós, no coração da África. Sim, àqueles que têm dificuldades na vida, que cultivam a terra penosamente para obterem o alimento de cada dia, que se sentem sem poder, frustrados, a todos aqueles que sofrem, a eles o Senhor oferece o caminho da sua graça: Deus está presente no meio de vós. É isto o essencial. É isto que torna a igreja universal, que está difundida no mundo inteiro, e que nos une a todos. É isto que dá a força para sermos fiéis, apesar das dificuldades. Sede pois fiéis à única Igreja de Cristo. Vede como eles compreenderam bem isto, aqueles que entre vós, entre os vossos concidadãos e entre os missionários, preferiram sacrificar a própria vida para permanecerem fiéis a Cristo, para serem fiéis à vida divina que receberam.

Penso neste momento de maneira especial em duas pessoas cujos nomes bem conheceis. Trata-se de duas pessoas que são, para nós todos, exemplos luminosos de vida cristã alegremente consagrada a Deus.

Refiro-me — vós sabei-lo — à Irmã Anwarite, que a Igreja espera pode beatificar dentro em breve.

Falo também de um catequista zairense: Isidore Bakanja, verdadeiro zairense, verdadeiro cristão. Depois de consagrar todo o seu tempo livre à evangelização dos seus irmãos, como catequista, não hesitou em oferecer a sua vida a Deus, fortalecido pelo ânimo que ia buscar à sua fé e à reza fiel do rosário.

No nome do Senhor, peço-vos, quando fordes para casa, que sejais orgulhosos deles e sobretudo que os saibais seguir! Marco-vos um encontro aqui, amanhã, para a santa missa, e abençoo-vos de todo o coração.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

ORAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO CEMITÉRIO DE MAKISO


Kisangani (Zaire)

Terça-feira, 6 de Maio de 1980



Ajoelhados neste cemitério, sobre o túmulo dos missionários vindos de longe, nós rezamo-vos, Senhor.

Benditos sejais, Senhor, pelo testemunho dos vossos missionários! Fostes vós que inspirastes o seu coração de apóstolos para deixarem para sempre a sua terra, a sua família e a sua pátria e chegarem a este país, que até então desconheciam, para proporem o Evangelho àqueles que consideravam já como irmãos.

Bendito sejais, Senhor, por terdes mantido a sua fé e a sua presença no momento da sementeira e ao longo de todo o seu trabalho apostólico; por lhes terdes dado resistência e paciência nas fadigas, nas dificuldades, nas penas e nos sofrimentos de toda a espécie.

Bendito sejais, Senhor, por terdes fortificado a sua união e a sua confiança nos filhos deste povo, a ponto de os considerar bem depressa capazes, também eles, de uma vida de baptizados e de lhes abrir o caminho para a vida religiosa e para a preparação sacerdotal, com a vontade tenaz de fundar, com eles e por eles, uma Igreja local de que nós recolhe-mos os frutos.

Bendito sejais, Senhor, por todas as graças que brotaram da sua palavra, das suas mãos e do seu exemplo.

Eles consagraram, até ao fim, a sua vida pela missão, e deixaram a esta terra os seus restos mortais; alguns, depois de uma curta vida de trabalho, outros, depois de uma vida arriscada e oferecida como mártires pela fé. Era preciso que a semente caísse na terra e morresse para dar muitos frutos.

Senhor, fazei com que esta Igreja banhada com o seu suor e com o seu sangue atinja a plena maturidade. Graças a eles, possam outros recolher hoje, na alegria, aquilo que eles semearam com lágrimas. Que se levantem em grande número, de entre os filhos e as filhas deste país, aqueles que devem fazer o render da guarda, para que o vosso nome seja glorificado nesta terra de África.

Que nunca esqueçamos estes pioneiros do Evangelho, na memória do coração e da oração. Esperamos que vós os tenhais recebido no paraíso, perdoando-lhes as faltas que assinalaram a sua vida como a de todos os seres humanos. Dai-lhes a recompensa dos servos bons e fiéis. Que eles entrem na alegria do seu Senhor. Dai-lhes o descanso eterno e que, sobre eles; brilhe sempre a vossa luz. Assim seja!

PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS SACERDOTES E RELIGIOSAS


DA MISSÃO DE SÃO GABRIEL


Kisangani (Zaire), 6 de Maio de 1980



Caros irmãos e irmãs em Cristo

Por ocasião desta visita à Missão de São Gabriel, desejava dirigir-vos uma palavra de admiração e ânimo, que valerá também para todos os postos de missão, dispersos por este país e pelos outros países da África. Gostaria de visitar maior número, nas vizinhanças das grandes cidades como aqui, ou no meio das aldeias da floresta ou do sertão. A brevidade da estadia não mo permite. Todos saibam ao menos até que ponto o Papa aprecia este belo serviço de evangelização e apresenta agradecimentos em nome da Igreja.

1. Primeiramente, saúdo o pessoal dedicado, pertencente a estes postos de missão. São padres zelosos, muitas vezes vindos de longe. São religiosos, a quem damos o nome expressivo de Irmãos, dos quais me apraz encarecer a dedicação quotidiana, humilde e eficaz desde a aurora da evangelização: graças à competência em múltiplos campos, eficazmente contribuíram eles para a implantação e o funcionamento prático e pedagógico destes postos de missão. São religiosas, cuja vida consagrada irradia a presença do Senhor, religiosas que asseguram, por meio da facilidade dos seus contactos com as famílias, um trabalho magnífico de educação, de caridade e de promoção humana. «São também leigos que cooperam em todas as tarefas.

Alguns membros destas missões vivem sozinhos como em destacamentos avançados, em sectores novíssimos da evangelização: mais vezes, hoje, vivem em grupo, e o posto, com a sua capela e as suas diversas instalações, é ponto de reunião para os cristãos dispersos nos bairros ou nas aldeias dos arredores. Ao saudar especialmente os de São Gabriel, que tenho a felicidade de encontrar aqui com os seus paroquianos, saúdo todos os outros e apresento-lhes calorosos agradecimentos.

2. Do meu coração sobem alguns pensamentos que vos confio com simplicidade.

Aos meus olhos, o posto de missão evoca primeiramente a modéstia dos começos: modéstia dos efectivos missionários muitíssimas vezes, modéstia das comunidades cristãs, modéstia dos meios pedagógicos e materais. De facto, a vida dos evangelizadores e dos seus primeiros discípulos está muito próxima da pobreza do Evangelho e da simplicidade das primeiras comunidades cristãs que nos descrevem os Actos dos Apóstolos (cfr. Ac 13,14). Paulo, Barnabé e tantos outros discípulos chegavam de algum modo de mãos vazias, não tendo para repartir senão a Boa Nova, a chama do seu amor e a certeza do Espírito Santo. Sim, caros amigos, a fé e a caridade, que habitam nas vossas pessoas, eis o que primeiro constitui a vossa originalidade, a vossa riqueza e o vosso dinamismo.

3. E, nesta altura, quero dirigir um pensamento especial a todos os que, em certos postos difíceis de missão, se vêem provados na sua perseverança e mergulhados na solidão e no esquecimento. Porque vós não vos contentais com passar: ficais, no meio daqueles cuja vida adoptastes. Ficais lá pacientemente, mesmo se durante, muito tempo precisais de semear o Evangelho sem chegar a assistir à germinação e ao florescimento. A lâmpada da vossa fé e da vossa caridade parece então arder sem nenhum proveito. Mas nada é perdido do que é assim dado. Há misteriosa solidariedade que une todos os apóstolos. Vós preparais o terreno onde outros colherão. Mantende-vos como fiéis servidores.

Seja como for, vós não poupastes as forças. Lançastes e continuastes esta iniciativa apostólica à custa de grandes fadigas, morais e também físicas, às vezes até a ficardes extenuados, num clima a que não estáveis habituados e em condições de vida precária. Penso de maneira especial em vós quando releio as páginas de São Paulo — de quem tomei o nome — sobre as tribulações do ministério apostólico, de que ele apresenta uma lista impressionante (cfr. 2Co 4,7-18 2Co 6,1-10). Faço votos, caros amigos, por que sintais também a sua esperança e a sua alegria, aguardando a paga do Senhor.

4. O vosso labor apostólico segue os caminhos ordinários e necessários da evangelização. Primeiro, tomar contacto, manifestar o amor do Senhor por todos, não somente uma atenção benévola mas um amor concreto que não descuida as formas várias de ajuda mútua, quer se trate de escola, de dispensário, de projectos agrícolas ou de promoção humana de qualquer espécie sabido, na verdade, que vós estais presentes primeiramente para dar satisfação à fome de Deus, à necessidade da Sua Palavra que ilumina e conforta os corações, os eleva e desperta uma renovação dos homens e da sociedade. É a parte importante do vosso ministério: testemunho e anúncio do Evangelho, catequese dos que pedem ser iniciados na fé, longa preparação para os sacramentos, sobretudo do Baptismo e da Eucaristia, incitamento à oração, formação das consciências nas responsabilidades humanas e cristãs.

5. Depressa deixaríeis de ter mãos a medir se quisésseis monopolizar todas as tarefas. Nem seria verdadeira fundação de Igreja. De facto, bem depressa procurais associar a vós discípulos, catequistas e animadores, que se tornam por sua vez evangelizadores, um pouco como São Paulo que designava os que então se chamavam "anciãos", confiando no Senhor (cfr. Ac 14,23). Nisto é que está a vitalidade da missão.

O serviço puramente evangélico que vós quereis prestar a estes povos, por cuja salvação tudo sacrificastes, deve tender de facto a que os filhos destes mesmos povos atinjam a maturidade cristã, eclesial, e levem à frente eles mesmos a obra começada.

6. O belo trabalho que vós realizais merece a solidariedade de toda a Igreja local e a das Igrejas irmãs pelo mundo inteiro.

Sinto-me especialmente feliz por estar aqui e daqui me dirigir a todos os membros dos postos de missão. É, por assim dizer, um momento de "reencontros", para mim, e para toda a Igreja que eu represento. Sim, a Igreja reencontra-se a si mesma junto de vós, missionários — quer sejais Zairenses, Africanos ou vindos de longe —, porque ela mesma deve ser, toda ela e a todo o momento, "missionária". Assim se propaga ao longe e em profundidade a acção do "sal" e do "fermento" de que fala o Evangelho.

7. O cargo, que herdei do Apóstolo Pedro, é de unir todos os cristãos. E é ao mesmo tempo de alimentar o zelo missionário. Abençoe-vos o Senhor e abençoe todos os postos semelhantes de missão.

Abençoe todos os membros desta missão: pais, filhos, jovens e anciãos, especialmente os que sofrem. Confio a vossa comunidade à Virgem Maria, nossa Mãe, para a qual nos orienta com toda a espontaneidade o nome do anjo Gabriel, padroeiro desta paróquia. Esteja sempre convosco a paz de Cristo. Com a minha afectuosa Bênção Apostólica.

PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DO ZAIRE


Aeroporto de Bangboka

Kisangani , 6 de Maio de 1980



Senhor Comissário de Estado, Senhor Cardeal,
Excelências,
Caros Irmãos e Irmãs

Deus seja louvado!

1. Estes poucos dias passados em terras do Zaire permitiram-me contactos muito agradáveis e muito enriquecedores com a população deste país, com os seus Chefes religiosos e civis, com as diversas categorias do Povo de Deus, bispos, sacerdotes, seminaristas, religiosos, religiosas, famílias, leigos empenhados nos diversos movimentos, catequistas, estudantes e jovens, com os missionários, os cidadãos e as cidadãs das grandes cidades e com os do mundo rural que a elas se deslocaram. Tive que me limitar a duas localidades características: Quinxassa e Kisangani. Sei que o imenso Zaire compreende muitas outras. Teria ainda muitas coisas a descobrir entre vós. Infelizmente, devo partir para novos países africanos. Mas o que exprimi no decurso dos meus encontros ou das celebrações, disse-o pensando em todos os católicos e em todos os habitantes desta nação. E quero saudá-los mais uma vez, com sentimentos de estima e todo o calor do meu afecto.

2. Agradeço-lhe, Senhor Comissário de Estado, a sua presença, e peço-lhe seja intérprete da minha viva gratidão junto de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, pelo benévolo acolhimento que me foi reservado e todo o zelo empregado para velar pelo bom decurso desta estadia. Agradeço igualmente aos membros do Governo e a todos os funcionários. Foi aliás para mim uma felicidade encontrar-me com as Autoridades que têm a pesada responsabilidade do bem comum de todo o país.

Agradeço ao caro Cardeal Joseph Malula que me acolheu tão bem em Quinxassa e que, pela sua pertença ao Sacro Colégio, entreteceu, desde há muito tempo, laços particulares com o Sucessor de Pedro e com a Igreja que está em Roma. Agradeço a D. Fataki, Arcebispo desta cidade, que eu tive a alegria de encontrar aqui, em sua casa. Agradeço a todos os outros Bispos do Zaire, meus irmãos, com os quais vivi momentos de grande comunhão que irão prolongar-se. Agradeço, com eles, a todos os fiéis do Zaire e aos seus pastores que manifestaram tanta solicitude em vir encontrar o Papa, para o ouvir, rezar com ele e testemunhar-lhe a sua vitalidade religiosa.

3. O centenário da evangelização permitiu-nos dar graças a Deus por tudo o que foi realizado a partir da semente do Evangelho trazida por valorosos missionários. A Igreja cresceu e floresceu, como uma árvore bem enraizada na terra do Zaire. A seiva é a da Igreja universal, porque não há senão uma só fé, um só baptismo, um só Senhor, um só Espírito, um só Deus e Pai de todos. Mas os seus frutos têm também, e devem ter, o sabor da África e, mais especialmente, deste país e das famílias que o compõem. A comunidade católica está confiada a bispos nascidos nesta terra, em comunhão com o sucessor de Pedro.

4. Mas, como eu dizia à minha chegada, esta etapa exige uma outra. Não me refiro apenas à da perseverança, já meritória. Refiro-me antes à etapa do progresso na fé e na santidade. O Cristo, presente entre vós, deve penetrar no mais profundo da vossa alma africana, com a sua cultura — pensamento, sentimentos e aspirações humanas — para a "salvar", no sentido de que Deus enviou o seu Filho para "salvar" o mundo (cfr. Jn 3,17), isto é, resgatá-lo, elevá-lo, transfigurá-lo. É a obra do Redentor; mas todos e cada um de vós tendes nela uma parte de responsabilidade.

5. A minha última recomendação será: vivei na unidade, fortalecei esta unidade. E para isto bani qualquer divisão. A pertença ao mesmo Corpo de Cristo não admite exclusões, desprezo ou ódio. Ela chama à colaboração, à paz e à fraternidade do amor. Sede artífices de paz. São estes que edificam a Igreja. São estes que contribuirão para edificar este belo e grande país, com os outros cristãos e os outros homens de boa vontade.

A união com os vossos bispos será a garantia do vosso progresso. E também a união com o Papa. Na memória do coração e da oração, conservareis a recordação da proximidade excepcional destes últimos dias; estai certos também que eu rezarei incessantemente por vós.

A paz esteja com todos vós!
A paz esteja no Zaire!
Com a minha afectuosa Bênção Apostólica.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS AO QUÉNIA


Nairobi , 6 de Maio de 1980



Excelentíssimo Senhor Presidente da República do Quénia,
Ilustríssimos membros do Governo,
Eminência, Veneráveis Irmãos no Episcopado,
Senhor Presidente da Câmara da cidade de Nairobi,
Caros irmãos e irmãs

1. Estou profundamente grato pelas amáveis e cordiais palavras de boas-vindas que Sua Excelência, o Presidente do Quénia, me dirigiu. E isto porque não é só um privilégio mas também uma alegria poder vir visitar o povo desta nação. Ao escutar estas palavras de boas-vindas, que são expressão da tradicional hospitalidade africana que distingue o vosso povo, sinto que cheguei entre amigos e que fui aceito na vossa grande família, a família da inteira nação do Quénia.

Agradeço-lhe muito sinceramente, senhor Presidente, o convite que Vossa Excelência me fez há tempo. Nele encontrei a confirmação da estima que Vossa Excelência, como Chefe desta República, deseja exprimir-me, como Chefe da Igreja Católica. No seu convite, sinto ainda o empenho de Vossa Excelência em cultivar — sempre e de todas as formas — a compreensão recíproca entre todos os povos e nações. Nele colhi o seu profundo respeito por todos os homens de religião e pelo valioso contributo que os que crêem verdadeiramente em Deus podem dar para o futuro desta nação e de todas as nações.

Na Pessoa de Vossa Excelência saúdo todos os seus compatriotas onde quer que eles se encontrem: nas cidades e aldeias, nas montanhas e nas planícies, ao longo das margens dos rios e dos Lagos. Saúdo todos os homens e as mulheres desta nação, que foram abençoados com a paz e coma unanimidade dos seus habitantes no seu comportamento por promover o progresso justo para cada um, conservando, ao mesmo tempo, uma rica identidade cultural. Saúdo os pais e os seus filhos, orgulho e alegria de cada família e da inteira nação. Saúdo os anciãos e todos aqueles que estão comprometidos com o bem-estar dos seus compatriotas. De modo muito especial, o meu coração dirige-se para os enfermos e os que sofrem, para todos aqueles que estão marcados por alguma tribulação. Sabei que há um vosso irmão que veio de Roma, que pensa em vós, que vos ama e que está próximo de vós na oração. Desejo, por fim, estender a minha calorosa saudação também aos muitos cidadãos que vivem no estrangeiro por motivo de trabalho, de estudo ou de serviço à sua pátria.

Wananchi wote, wananchi wote wapenzi — a todos vós, povo que vive e trabalha no Quénia, a todos vós eu digo: obrigado pelas vossas boas-vindas, e que a paz esteja convosco!

2. A minha visita é também a viagem pastoral do Bispo de Roma, Pastor da Igreja Universal, à Igreja que está no Quénia. Eminentíssimo Cardeal Otunga, e meus caros Irmãos Bispos: permiti-me que vos diga quanto aprecio e abençoo este momento do meu primeiro contacto convosco e com a vossa terra natal. Convidastes-me a vir, e eu, em nome do Senhor — no santo nome de Jesus Cristo — saúdo-vos e a todo o povo que está confiado ao vosso zelo pastoral.

Estou hoje entre vós porque quero obedecer ao mandato que o Senhor Jesus em pessoa deu a São Pedro e aos outros Apóstolos: que eles deveriam ser suas "testemunhas em Jerusalém, e em toda a Judeia, e na Samaria, e até às extremidades da terra" (Ac 1,8); porque quero testemunhar convosco que Jesus é o Senhor que ressuscitou dos mortos, a fim de que todo o povo pudesse viver. Venho a vós, como Sucessor de Pedro na Sé de Roma, para louvar o Senhor juntamente convosco por todas as maravilhas que Ele operou na Igreja que está no Quénia.

3. E agora desejo dirigir uma saudação especial a vós, jovens aqui presentes, e, mediante vós, a toda a juventude desta terra! Porque sei que trazeis nos vossos corações os sonhos para o futuro do Quénia, e nas vossas mãos, o poder para realizar estes sonhos. Oxalá a paz e a alegria possam permanecer sempre nos vossos corações!

Foi-me dito que constituis mais de metade da população desta nação; por isso, falar ao Quénia significa falar a vós! São portanto estas as minhas palavras para vós, hoje: sede vós mesmos; sob a paternidade de Deus, sede cidadãos íntegros da vossa nação, filhos e filhas dignos do Quénia. Sede jovens e procurai competir uns com os outros na generosidade e no serviço fraterno. Sede jovens, e não deixeis que os vossos corações conheçam o egoísmo e a cobiça. Sede jovens, e deixai que as vossas canções revelem o vosso ardor e a vossa visão do futuro!

Sim, jovens do Quénia, o que eu disse à juventude de todo o mundo, repito-o hoje a vós: o Papa é vosso amigo e ama-vos, e vê em vós a esperança de um futuro melhor, de um mundo melhor! A minha mensagem especial para vós, e por vosso intermédio, para todos os jovens do Quénia, é esta: "Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles" (Mt 7,12). Crede no poder do amor para elevar a humanidade. Com coração e oração, com determinação e esforço, os obstáculos podem ser superados, os problemas podem ser resolvidos. Deus Omnipotente vos proteja nesta hora estimulante e predestinada.

4. E a todos vós, caros amigos, exprimo mais uma vez os meus agradecimentos, pela calorosa hospitalidade da vossa terra. Já desde este meu primeiro momento no solo do Quénia, me abristes o vosso coração. Em troca, asseguro-vos o meu afecto, a minha amizade e a minha estima. E agora, gostaria de tomar do vosso Hino Nacional aquelas palavras que tão bem exprimem os meus sentimentos e a minha oração, neste momento em que inicio a minha visita pastoral ao Quénia: "Ó Deus de toda a Criação, abençoai esta nossa terra e nação" — Ee Mungu nguvu yetu — Ilete baraka Kwetu!



Discursos João Paulo II 1980 - Brazzzaville, Congo, 5 de Maio de 1980