Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 7 de Maio de 1980

Senhor Presidente, eu gostaria que este encontro com Vossa Excelência e com os seus distintos convidados fosse para cada um de nós e para todo o povo do Quénia, um fraterno encorajamento para avançarmos no caminho do verdadeiro progresso humano.

Queira Deus, Criador do homem e da natureza, acompanhar Vossa Excelência na sua tarefa de guiar o Quénia rumo ao futuro, na construção de uma África próspera, e na edificação de uma comunidade mundial na unidade, na justiça e na paz.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II

A UM GRUPO DE CHEFES MUÇULMANOS NO QUÉNIA


Nairobi, 7 de Maio de 1980



1. Muito prazer sinto em poder encontrar-me com um grupo de chefes muçulmanos durante a minha visita ao Quénia. Aprecio profundamente a vossa vinda aqui hoje, como expressão de fraternal cortesia e respeito. Tende a certeza que eu retribuo esses sentimentos seja quanto às vossas pessoas, seja quanto a todo o povo muçulmano desta terra.

2. Noutras ocasiões falei do património religioso do Islão e dos seus valores espirituais. A Igreja católica está consciente de o culto prestado ao único vivente, subsistente, misericordioso e omnipotente Criador do céu e da terra ser elemento comum entre ela e o Islão; e constituir grande laço de união entre todos os cristãos e os Muçulmanos. Com grande satisfação nota ela ainda, entre outros elementos do Islão que ela compartilha, a honra atribuída a Jesus Cristo e à, Virgem sua Mãe. Como a Igreja católica faz todos os esforços para fomentar o diálogo religioso com o Islão, baseado nos laços existentes, sobre os quais ela se esforça por reflectir cada vez mais, assim se permite convidar para um esforço destinado a fazer compreender completamente o seu património de verdade, dirigindo-se de modo especial àqueles que estão espiritualmente ligados a Abraão e professam o monoteísmo.

3. Quanto a mim, desejo portanto fazer todo o possível para incrementar os laços espirituais entre cristãos e muçulmanos. Oração, esmola e jejum, tudo é tido em alta estima por ambas as nossas tradições e sem dúvida são esplêndido testemunho para o mundo, que se arrisca a ser absorvido pelo materialismo. A nossa relação de estima recíproca e o desejo mútuo de autêntico serviço à humanidade levam-nos a um esforço conjunto destinado a promover a paz, a justiça social, os valores morais e todas as verdadeiras liberdades do homem.

4. Nesta perspectiva, o nosso encontro de hoje oferece-nos uma grande esperança. Oxalá seja benéfico para a humanidade e dê glória a Deus, que nos fez à Sua imagem e semelhança e se nos revelou a Si mesmo.

Com renovados sentimentos de fraternidade permito-me pedir-vos transmitais as minhas saudações a todas as comunidades de que provindes. Obrigado de novo!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS REPRESENTANTES HINDUS NO QUÉNIA


Nairobi, 7 de Maio de 1980



Caros amigos

Muito me alegra a presença hoje entre nós de membros da comunidade hindu. Visitando o povo do Quénia, tenho o gosto de travar conhecimento com todos os que vivem nesta terra e tomam parte na vida desta nação.

As vossas raízes mergulham na venerável história da Ásia, pela qual alimento grande respeito e estima.

Exprimindo-vos a minha saudação, tenho o prazer de recordar que o Concílio Vaticano II, na sua declaração Nostra aetate, expressou a atitude fraternal da Igreja católica inteira para com as religiões não cristãs. Com isto, mostrou a Igreja sentir-se empenhada em aumentar a unidade e o amor entre as pessoas e as nações, como também a fraternidade entre todos os seres humanos. No documento encontra-se alusão especial ao Hinduísmo e aos valores religiosos admitidos pelos seus seguidores.

Hoje a Igreja católica de boa vontade se associa a todos os seus irmãos num diálogo sobre o mistério do homem e de Deus. A finalidade da vida, a natureza do bem, o caminho da felicidade, o significado da morte e do fim da nossa viagem terrena: tudo isto é objecto do nosso comum interesse. Ao mesmo tempo leva-nos a um serviço comum do homem nas suas complexas exigências e promoção em plenitude da sua dignidade humana. Sob o signo desta humana dignidade e fraternidade, saúdo-vos hoje com sincero e fraternal afecto.

PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM EXPOENTES RELIGIOSOS


DE OUTRAS CONFISSÕES CRISTÃS


Nairobi (Quénia), 7 de Maio de 1980



Caros irmãos e irmãs das Igrejas Cristãs
e das Comunidades do Quénia

"Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo" (Rm 1,7).

1. Eu vim ao Quénia para me encontrar com os Bispos e com o povo da Igreja Católica, pois a minha tarefa como Bispo de Roma é a de um fraterno serviço de unidade para os manter na fidelidade ao Evangelho e na sua vida na única Comunhão Católica. Humildemente considero como parte deste ministério o dever de vos saudar também a vós, "irmãos santos, que participais da vocação celestial" (He 3,1), porque, se há factores que ainda nos dividem, nem por isso deixamos de estar unidos por uma real fraternidade que continua a ser verdadeira, se bem que imperfeita (cfr. Unitatis Redintegratio UR 3).

2. Em virtude do único baptismo, no qual professamos a nossa única e fundamental fé de que Jesus Cristo é o Senhor e de que Deus o ressuscitou dos mortos (cfr. Rm 10,9), apresentamo-nos ao mundo de hoje com uma comum responsabilidade que se radica na obediência a Cristo. Esta comum responsabilidade é de tal modo real e importante que nos deve levar, com urgência, a fazer todo o possível por eliminar as divisões que ainda existem entre nós, de maneira a realizarmos a vontade de Cristo a propósito da unidade perfeita dos seus seguidores.

Sem uma total e orgânica unidade não podem os Cristãos dar um suficiente testemunho de Cristo, e a sua divisão continuará a ser um escândalo para o mundo e, em particular, para as jovens Igrejas nas terras de missão. A vossa presença aqui testemunha uma profunda intuição: a de que, especialmente nas jovens Igrejas de África, num continente que tem fome e sede de Deus — anseio que apenas em Cristo pode ser saciado —, a fé comum e apostólica em Cristo Salvador deve ser defendida e manifestada, porque em Cristo não podem existir divisões. A vossa presença aqui mostra o nosso comum desejo de perfeita unidade. Com efeito, a credibilidade da mensagem do Evangelho e do próprio Cristo está ligada à unidade cristã.

3. Isto explica a razão por que estão empenhadas muitas das vossas Igrejas, a nível internacional, num diálogo teológico com a Igreja Católica — diálogo que oferece já novas esperanças de uma compreensão maior entre nós. Isto explica também o facto de aqui, no Quénia, o povo cristão estar a tentar atingir um entendimento único na fé de Cristo. De facto, quer vivam na África ou na Europa, na Ásia ou na América, os Cristãos são herdeiros de amargas divisões. Tais divisões devem ser, antes de mais, enfrentadas num diálogo de mútua compreensão e estima, dizendo "a verdade na caridade" (Ep 4,15), e tratadas, depois, segundo as sugestões do Espírito Santo.

Esta tarefa, repito-o, é urgente. Jesus chama-nos para darmos testemunho d'Ele e da sua obra de salvação.

E isso só o poderemos fazer adequadamente quando estivermos unidos, por completo, na fé, e quando pronunciarmos a sua palavra a uma única voz, uma voz que vibra com a calorosa vitalidade que caracteriza toda a comunidade cristã quando vive em total comunhão.

4. As nossas divisões impedem esta vitalidade e vedam aos nossos vizinhos a possibilidade de ouvirem o Evangelho como deviam. Graças, porém, a quanto temos já em comum, é possível darmos, mesmo agora e apesar destas divisões, um sincero, se bem que limitado testemunho conjunto ao mundo, que tanta necessidade tem de ouvir a mensagem de amor e de esperança que é a boa nova da salvação, obtida para todo o género humano por Cristo que "foi crucificado pela sua fraqueza, mas vive pelo poder de Deus" (2Co 13,4). É-nos possível colaborar, com frequência, na causa do Evangelho. Embora não possamos ainda fazer tudo juntos, sobretudo a plenitude do culto eucarístico, podemos, todavia, fazer muito em comum.

É portanto possível encontrarmos cada vez mais modos de nos comprometermos em actos de testemunho comum, quer unindo-nos no trabalho bíblico, na promoção dos direitos humanos, no ir ao encontro das necessidades humanas, no diálogo teológico, na pregação em conjunto quando as oportunidades o permitirem — como acontece hoje, de modo satisfatório —, quer no falar aos outros de Jesus e da sua salvação.

Quando fazemos estas coisas devemos continuar a pedir ao Espírito Santo a luz e a força para nos conformarmos perfeitamente à santa vontade de Deus para a sua Igreja:

5. A tarefa que os cristãos devem realizar ao aproximar-se o fim do século vinte é, na verdade; um forte desafio, e é bom verificar quanto, por graça de Deus, se fez já para lhe responder. Possa esta resposta crescer e desenvolver-se em todas as partes do mundo. E nesta esperança que eu peço ardentemente a Deus nosso Pai que as Igrejas e as Comunidades por vós representadas, todo o Conselho Africano das Igrejas e o Conselho Cristão do Quénia, de que muitos de vós sóis membros, possam ser cada vez mais fiéis servidores da vontade de Cristo, para que todos nós que n'Ele acreditamos possamos ser um, como Ele e o Pai são um. Possais vós "permanecer firmes num só espírito, combatendo juntos pela fé do Evangelho" (Ph 1,27) e pela glória da Santíssima Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo. Assim seja!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS BISPOS


DE OUTROS PAÍSES


CONFINANTES COM O QUÉNIA


Nairobi, 7 de Maio de 1980



Caros Irmãos no Episcopado

1. É para mim um grande prazer saudar-vos hoje aqui. Viestes como visitantes ao Quénia para exprimir a vossa solidariedade para com os vossos Irmãos Bispos e para com o seu povo. Dado que esta é, para eles, uma celebração eclesial extraordinária, vós quisestes estar-lhes próximos na alegria e na fé. A vossa vinda não só é testemunho da unidade das vossas Igrejas locais, mas também uma manifestação especial da unidade católica. E dado que sois membros do Colégio universal dos bispos unidos ao Sucessor de Pedro, tendes uma responsabilidade pastoral colectiva para o bem de toda a Igreja e para as suas actividades pastorais em todo o mundo. Por isto mesmo, e conscientes da profunda realidade do episcopado, reunistes-vos em orante e fraterna solidariedade.

2. O estarmos juntos, hoje, exige, de modo absolutamente natural, uma consideração sobre o nosso comum ministério, sobre a nossa responsabilidade participada e sobre a nossa semelhança comum com Cristo Jesus, Verbo Encarnado e Sumo Sacerdote do Novo Testamento.

Nós encontramos em Jesus Cristo, Filho de Deus a visão fundamental da nossa mais profunda identidade cristã. Em Jesus Cristo, Bom Pastor, apercebemo-nos inteiramente — em simplicidade e profundidade — de cada ministério pastoral da Igreja de Deus. Em Jesus Cristo, Servo sofredor, discernimos o completo significado de uma vida sacrifical. Em Jesus Cristo, Senhor Ressuscitado, compreendemos a finalidade última do Mistério Pascal — para o qual se dirigem toda a nossa pregação e a nossa catequese.

3. Tudo o que desejo fazer convosco neste momento é dirigir o meu e o vosso pensamento para Jesus Cristo — para Ele que é o Unigénito Filho de Deus, e que se tornou o Primogénito de muitos irmãos (Rm 8,28). Este Filho de Deus, este Filho de Maria, este Sacerdote e Vítima da Redenção explica-nos a nós próprios e declara o significado do nosso ministério hoje e sempre: "Jesus Cristo é sempre o mesmo ontem e hoje e por toda a eternidade (He 13,8).

Do mesmo modo que chamou os apóstolos nos chamou também a nós: para sermos os seus companheiros, permanecermos no seu amor e proclamarmos o seu Evangelho. No nosso ministério pastoral, como sucessores dos Apóstolos, somos chamados a comunicar Cristo ao nosso povo. Compartilhando a sua condição de Filho, por divina adopção, nós somos instrumentos da graça para os outros, dado que conduzimos o nosso povo à plenitude da sua vida revelada no mistério da Igreja, Corpo de Cristo.

4. A nossa identidade e a nossa missão tal como o termo desta última, estão totalmente ligadas a Cristo na sua condição de Filho: conformamo-nos a Ele. Por causa desta ligação a Cristo, temos muito conforto e alegria ao viver dois aspectos dinâmicos da vida de Cristo. Com Cristo estamos conscientes do amor do Pai; as suas palavras invadem a nossa consciência e a nossa actividade diária de Bispos: "Eu amo o Pai" (Jn 14,30). Ao mesmo tempo cada um de nós pode dizer em Cristo: "O Pai ama-me", precisamente porque Cristo disse: "O Pai ama o Filho" (Jn 3,35). Esta consciência de estarmos em Cristo, de amarmos o Pai e de sermos amados por Ele é a fonte da força pastoral. É ela que confirma o significado das nossas vidas. E ela uma razão para agradecermos ao Pai e para darmos incessante louvor a Jesus Cristo.

Caros Irmãos Bispos, possa ser para nós fonte de alegria, nos anos que se aproximam, o pensamento de que no Quénia manifestamos a nossa unidade episcopal, louvando Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus. A Ele a glória para sempre, com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Assim seja!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM OS BISPOS


DO QUÉNIA


Nunciatura de Nairobi

7 de Maio de 1980



Veneráveis e caros Irmãos
em Jesus Cristo nosso Senhor

1. Hoje, durante este período pascal, é para nós causa de profunda alegria e ,nascente de força pastoral reunirmo-nos em Nairobi, para estarmos juntos em Nome de Jesus que disse: "Eu sou a ressurreição e a vida" (Jn 11,25).

Estamos profundamente conscientes de o nosso ministério na África e o nosso serviço à Igreja universal estarem colocados sob o signo de Cristo Ressuscitado. Porque, juntamente com todos os nossos irmãos Bispos distribuídos pelo mundo inteiro, somos os sucessores do Corpo dos Apóstolos escolhido como testemunha da Ressurreição. Sabermos que "era com grande poder que os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus" (Ac 4,33) reforça-nos verdadeiramente e anima-nos na consciência de termos recebido a herança do colégio apostólico. Para nós, Bispos, esta constitui hora de confiança em Cristo Ressuscitado, hora de alegria pascal e hora de grande esperança para o futuro da África.

2. Nesta ocasião vai o meu pensamento para todos os Bispos da África noto com profunda satisfação que os membros da Conferência Episcopal do Quénia estão resolutamente empenhados em muitos programas de colaboração e de acção conjunta com os seus irmãos Bispos dos Países da AMECEA: Tanzânia, Uganda, Zámbia, Maláui, Sudão e Etiópia. Na força copiosa que deriva da caridade e do apoio mútuo, o vosso ministério encontra-se confortado e enriquecido. Estai certos da minha admiração e estima pela unidade que exprimis na diversidade e na colaboração fraterna, e pelos vossos esforços conjuntos na evangelização dessas regiões que apresentam tantos elementos comuns.

Iniciativa digna de particular menção é o Instituto Pastoral da AMECEA, em Eldoret. Oferece especiais oportunidades para se reflectir sobre a missão da Igreja que leva a conservar e ensinar cada vez mais eficazmente a Palavra de Deus. O Espírito Santo mesmo está a dirigir a Igreja na África para que descubra "os sinais dos tempos" à luz do depósito sagrado da Palavra de Deus como é proclamada pelo Magistério. Unicamente sobre esta base profunda podem encontrar-se as justas respostas aos problemas reais concernentes à vida do povo. Em julgar segundo esta norma sagrada, exercerão os Bispos a sua responsabilidade pessoal julgando quais as actividades pastorais e quais as soluções que são válidas para a África de hoje.

3. Veneráveis irmãos, o ministério episcopal é ministério ao serviço da vida, ministério que entrega ao vosso povo o poder da Ressurreição, de modo que possam os fiéis "caminhar numa vida nova" (Rm 6,4) e participar cada vez mais da vida cristã a que são chamados em virtude do Baptismo, de maneira que na vida quotidiana — no desenvolvimento da África — eles passam ser associados com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo. E como esta associação só virá a ser plenamente realizada no Céu, o vosso ministério envolve igualmente uma proclamação clara da vida eterna.

Presto homenagem aos Bispos missionários que proclamaram esta mensagem de comunhão de vida eterna e trabalharam para realizar a completa fundação da Igreja nesta terra. Por graça divina tal fadiga despertou e continua a despertar resultados admiráveis; o mérito deles é grande diante de Deus.

4. Como Sucessor de Pedro na Sé de Roma e vosso irmão no colégio dos Bispos, vim a África para animar-vos nos esforços como pastores do rebanho: nos esforços de cada um de vós para oferecer a Cristo uma Igreja local em que reine a unidade entre o Bispo, os sacerdotes, os religiosos e os leigos; nos vossos esforços para iluminar as comunidades com o Evangelho e fazê-las vibrar a uníssono com a vida de Cristo; nos vossos esforços para introduzir a potência dinâmica da Ressurreição na vida humana e com isto transformar e elevar todos os níveis da sociedade.

Vim confirmar-vos na vossa total aceitação da santa Palavra de Deus como é autenticamente proclamada pela Igreja Católica em todos os tempos e todos os lugares. Desejo confirmar-vos na convicção — tão esplendidamente proclamada pelos Bispos do Quénia na Carta pastoral de 27 de Abril de 1979 — de que a fidelidade aos ensinamentos de Cristo e ao Magistério da Igreja corresponde verdadeiramente aos interesses do povo. Seguindo as vossas claras intuições de fé mostrastes-vos autênticos pastores do rebanho, pondo em prática uma verdadeira orientação espiritual quando declarastes: "Nós, vossos Bispos, prestaríamos mau serviço ao povo se não esperássemos dele a bondade e a fidelidade de que é capaz por graça de Deus" (Carta Pastoral, p. 10). Por isso, o maior contributo que prestais ao vosso povo e a toda a África é o dom da Palavra de Deus, a aceitação da qual é basilar para qualquer comunidade e é condição de qualquer progresso.

5. Como Servus servorum Dei vim confirmar não só a vós mas também as prioridades do vosso ministério. Em primeiro lugar, ofereço o meu apoio ao vosso esforço pastoral pela família, a família africana. A grande tradição africana é fiel a muitos valores familiares, e à vida mesma, que tem a sua origem na família. Profundo respeito pela família e pelo bem constituído pelos filhos é dom próprio da África ao mundo. No seio da família cada geração aprende a absorver estes valores e a transmiti-los. E a Igreja inteira aprecia tudo o que vós fazeis para manter esta herança do vosso povo, para purificá-la e elevá-la na plenitude sacramental do novo e universal ensinamento de Cristo. Por isso compreendemos a grande importância de apresentar a família cristã nas suas relações com a Trindade Santíssima e de preservar o ideal cristão na sua pureza evangélica. É a lei divina proclamada por Cristo que eleva a ideal cristão o matrimónio monogâmico, que por sua vez é a base da família cristã. Uma semana apenas antes de morrer, o meu predecessor João Paulo I falou a um grupo de Bispos em termos que eu julgo muito apropriados hoje na África: "Não nos cansemos nunca de considerar a família como comunidade de amor: o amor conjugal une o casal e gera novas vidas; é reflexo do amor divino e, segundo a Gaudium et spes, faz parte da aliança de amor entre Cristo e a Sua Igreja" (Aos Bispos dos Estados Unidos, em AAS 70, 1978, p. 766).

Estai certos da minha solidariedade convosco nesta grande missão, que inclui a diligente preparação dos jovens para o matrimónio, a repetida proclamação da unidade e indissolubilidade do matrimónio, e o renovado convite a que os fiéis aceitem e favoreçam com fé e amor a celebração católica do sacramento do matrimónio. O êxito, de um programa pastoral de tal natureza, requer paciência, perseverança e forte convicção de ter vindo Cristo para "renovar todas as coisas" (Ap 21,5).

Sabei também que nos vossos esforços para edificar sólidas famílias unidas, no seio das quais o amor humano é reflexo do amor divino e a educação dos filhos é abraçada com verdadeiro sentido de missão, vós gozais do apoio da Igreja universal. Com o amor e a sensibilidade de pastores, vós explicastes claramente que o grande princípio segundo o qual toda a investida pastoral, não ancorada no fundamento doutrinal da Palavra de Deus, é ilusória. Por isso, com verdadeira caridade pastoral encarastes diversos problemas relativos à vida humana, apresentando os ensinamentos da Igreja como verdadeiro serviço do homem. Vós, por exemplo, insististes com clareza no mais fundamental dos direitos humanos: o direito à vida desde o momento da concepção; recordastes eficazmente a posição da Igreja a respeito do aborto, da esterilização e da contracepção. A vossa fiel adesão à doutrina da Igreja, encerrada na encíclica Humanae vitae, foi a expressão do vosso esforço pastoral e do vosso profundo apego aos valores integrais da pessoa humana.

Qualquer esforço para sensibilizar a sociedade sobre a importância da família constitui grande serviço prestado à humanidade. Quando a dignidade plena dos pais e dos filhos é vivida e expressa na oração, desprende-se, na Igreja e no mundo, nova energia de bem. João Paulo I exprimiu eloquentemente essa realidade quando afirmou: "A santidade da família cristã é certamente o meio mais idóneo para causar aquela serena renovação da Igreja que tão ardentemente deseja o Concílio. Graças à oração da família, a ecclesia doméstica torna-se realidade efectiva e leva à transformação do mundo" (ibid. p. 777). Sobre vós, irmãos, colocam-se a esperança e a confiança da Igreja universal para defesa e promoção da família africana, tanto dos pais como dos filhos. O Espírito Santo de verdade, que infundiu tantos valores nos corações do povo africano, não deixará nunca de vos acompanhar, a vós pastores, de tornar cada vez mais efectivo o ensinamento de Jesus nas vidas dos vossos irmãos e irmãs. Não devemos nunca ter medo de propor a plenitude do seu magistério em toda a sua pureza evangélica, porque, segundo declarou noutra ocasião: "Nunca temamos que a empresa seja grande demais, para o nosso povo: ele foi remido pelo sangue precioso de Cristo; é o Seu povo. Por meio do Espírito Santo, Jesus Cristo chama a Si a responsabilidade última pela aceitação da Sua palavra e pelo desenvolvimento da Sua Igreja. Ele, Jesus Cristo, que há-de continuar a distribuir a graça ao Seu povo a fim de satisfazer as exigências da Sua palavra, apesar de todas as dificuldades, apesar de todas as fraquezas. E pertence-nos a nós continuar a proclamar a mensagem da salvação na sua integridade e pureza, com paciência, compaixão e convicção, pois aquilo que é impossível ao homem é possível a Deus" (Aos Bispos de Papua - Nova Guiné e das Ilhas de Salomão, 23 de outubro de 1979).

6. Outra grande prioridade do vosso ministério é o catecismo: para desenvolver a fé inicial do vosso povo e levá-lo à plenitude da vida cristã. Estou perto de vós — louvando-vos e animando-vos — em todos os vossos empreendimentos para comunicar Cristo, para fazer encarnar o Seu Evangelho na vida e na cultura da vossa gente. Em união com a Igreja universal e utilizando o património da sua longa história, vós estais procurando educar o vosso povo a fim de que olhe para Cristo, na realidade da sua vida quotidiana, para d'Ele receber luz e força. As vossas Igrejas locais têm como finalidade obter que os fiéis vivam para Cristo, com Cristo e em Cristo. Os vossos esforços aos quais justamente procurais associar a comunidade inteira e de modo particular os catequistas — devem referir-se constantemente a Cristo: à Sua divina Pessoa, ao Seu Espírito e ao Seu Evangelho.

A "aculturação" ou "inculturação", que vós com razão promoveis, será realmente um reflexo da Encarnação do Verbo, quando uma cultura, transformada e regenerada pelo Evangelho, produzir, tirando-as da sua própria e viva tradição, expressões originais de vida, de celebração e de pensamento segundo Cristo (cfr. Catechesi tradendae CTR 53). Respeitando, preservando e favorecendo os valores próprios e a rica herança cultural do vosso povo, vós sereis capazes de guiá-lo para uma melhor compreensão do mistério de Cristo, que deve ser vivido nas nobres, concretas e quotidianas experiências da vida africana. Não se trata de adulterar a palavra de Deus ou de esvaziar do seu poder a Cruz de Cristo (cfr. 1Co 1,17), mas antes de levar Cristo precisamente ao coração da vida africana e de erguer até Cristo a vida africana inteira. Assim não só é o Cristianismo importante para a África, mas o próprio Cristo nos membros do Seu Corpo africano.

7. Além disso, e com muita razão, atribuis vós grande importância pastoral à apropriada formação dos sacerdotes e religiosos, como também à promoção destas vocações na Igreja. Exprime tal atitude a vossa profunda compreensão das necessidades do Corpo de Cristo.

Desde o princípio do pontificado procurei eu sublinhar a importância da consagração religiosa na Igreja e o valor da vida religiosa enquanto abrange a comunidade inteira dos fiéis. Os religiosos têm a missão de mostrar claramente a santidade. de todo o Corpo de Cristo e de dar testemunho à nova e eterna vida ganha pela redenção de Cristo (cfr. Lumen gentium LG 44). Ao mesmo tempo são chamados a muitos e diversos apostolados na Igreja. O serviço que prestam ao Evangelho é extremamente necessário para a vida da Igreja. Os religiosos missionários trabalharam no Quénia com grande fidelidade ao serviço da causa do Evangelho; só o Senhor Jesus lhes pode agradecer devidamente e premiá-los por tudo quanto fizeram na fundação da Igreja local. As missões deles prosseguem agora em estreita colaboração com os seus irmãos religiosos originários do Quénia, que sentiram a chamada de Cristo e trabalham generosamente pela causa do Evangelho. O futuro da evangelização nesta terra continuará a depender substancialmente dos religiosos e das religiosas tanto autóctones como vindas de fora.

Pediram-me também que chamasse a atenção para a natureza essencial, para a missão e para a função do sacerdócio na sua imutável relação com a Eucaristia, que é o auge da evangelização (cfr. Presbyterorum ordinis PO 5).

Em especial desejo confirmar a importância vital, para o povo cristão, de ter os próprios sacerdotes devidamente formados na Palavra de Deus, no conhecimento e no amor de Jesus Cristo e da Sua Cruz. No desígnio divino, a transmissão do vivificante Evangelho de Cristo está ligada à preparação do clero desta geração. Prover a esta adequada formação seminarística constitui uma das nossas maiores responsabilidades como Bispos da Igreja de Deus; pode ser também um dos nossos mais eficazes contributos para a evangelização do mundo.

Elemento importante, que diz respeito a cada comunidade no seio da Igreja, é a unidade e a coopera entre Bispos e Sacerdotes. Por motivo da sua ordenação o sacerdote é "cooperador da ordem episcopal", e para viver em concreto a verdade da sua vocação é ele chamado a colaborar com o próprio Bispo e a orar por ele. Para explicar a unidade dos sacerdotes com o Bispo, Santo Inácio de Antioquia comparava-a com a relação entre as cordas e a lira (Carta aos Ef. 4).

Por parte do Bispo, tal relação exige que este se encontre perto dos seus sacerdotes como irmão, pai e amigo. De maneira semelhante deve amá-los e animá-los, não só na actividade pastoral, mas também na vida que levam de consagração pessoal. O Bispo é chamado a fortificar os seus sacerdotes na fé e a estimulá-los a que olhem constantemente para Cristo Bom Pastor a fim de poderem realizar cada vez mais a sua identidade e dignidade sacerdotal.

Para com todos os sacerdotes missionários, que estão a trabalhar na causa do Evangelho de Cristo, exprime a Igreja de novo a sua dívida de gratidão, segundo a norma da Fidei donum (1957). A generosidade deles é expressão do poder da graça de Cristo e o ministério deles é importante prova da unidade católica.

9. Estou informado dos esforços que realizais para edificar a Igreja dando vida a pequenas comunidades cristãs, dentro das quais a Palavra de Deus é guia de acção e a Eucaristia forma o verdadeiro centro de vida. Toda a comunidade dos fiéis beneficia destas iniciativas que tornam possível ao povo reconhecer a Igreja na sua expressão concreta e na sua dimensão humana como sacramento visível do amor universal de Deus e da Sua graça salvadora. É certamente vontade de Jesus Cristo que o amor dos cristãos consiga manifestar-se de maneira que mostre cada comunidade com o exemplo a norma universal: "E por isto que todos saberão que sois meus discípulos: Se vos amardes uns aos outros" (Jn 13,35).

No vosso zelo pastoral conhecei os sábios critérios expostos por Paulo VI, que perseveram sendo guia segura para a eficiência destas comunidades (cfr. Evangelii nuntiandi EN 58). Precisamente nesta circunstância, queria sublinhar a grande capacidade destas comunidades para exercerem activo papel pastoral na evangelização da África. Oxalá elas progridam sendo vós seus pastores e regendo-as os vossos sacerdotes pela comunicação "das imperscrutáveis riquezas de Cristo" (Ep 3,8).

10. Antes de concluir estas palavras que hoje vos dirijo, caros irmãos em Jesus Cristo, quero insistir mais uma vez na grande importância da santidade da vossa vida. Para exercermos com fruto a nossa missão de pastores do povo de Deus, devemos conhecer Cristo e amá-lo. Numa palavra, nós somos chamados à amizade com o Senhor, exactamente como os Apóstolos. Como Jesus, somos nós objecto do amor do Pai e o Espírito Santo está vivo nos nossos corações. A eficácia de tudo o que fizermos depende da nossa união com Jesus, da nossa santidade de vida. Não há outro caminho para alguém ser dignamente Bispo, bom pastor para o rebanho. Não .há guia pastoral sem oração, porque só na oração se mantém a união com Jesus. Só se formos semelhantes a Jesus, filho de Maria, que é a Mãe de todos nós, poderemos cumprir a nossa missão na Igreja.

Maria, Rainha dos Apóstolos, vos conserve na santidade e no amor, na oração e na caridade pastoral, e vos ajude a levar Jesus a todo o vosso povo, a todo o Quénia, à África inteira. Seja louvado Jesus Cristo, "pastor supremo" (1P 5,4) do povo de Deus, "pastor e guardião das nossas almas" (ibid 1P 2,25).



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DO QUÉNIA


Quinta-feira, 8 de Maio de 1980



Caros Amigos

1. Depois de dois dias inesquecíveis, quero exprimir a minha profunda gratidão pela hospitalidade verdadeiramente africana que aqui recebi. Impressionaram-me profundamente a gentileza, a abertura e a alegria do povo do Quénia. Sei agora o que significa estar preso ao acolhimento entusiástico de uma Comunidade Africana. Mais que nunca, sinto agora que vos pertenço.

A minha missão leva-me agora a outros Países Africanos. Obrigado pela força e pela alegria que me destes. Obrigado por me terdes feito participar bastante nas vossas esperanças e nos vossos sucessos, por terdes compartilhado comigo a vossa determinação de caminhar em frente, na edificação da nação, unidos na sua procura de um progresso justo para todos, fiéis à sua cultura e às suas tradições, e fortes na sua convicção de que os esforços unânimes obterão bom êxito.

Levo no coração e conservarei para sempre todos os momentos desta maravilhosa visita e toda a gente que encontrei. Recordarei a vossa música e os vossos cantares. Na oração em que participámos, senti uma profunda comunhão convosco, uma comunhão que nem a distância nem o tempo poderão fazer diminuir.

2. A minha gratidão vai para Sua Excelência o Presidente do Quénia, para todas as autoridades da nação e da cidade de Nairobi, e para todos os responsáveis pela ordem pública nestes dias. Sinto-me devedor perante todos os que contribuíram com o seu tempo, com o seu trabalho e com o seu serviço para criarem as condições que fizeram desta visita uma agradabilíssima experiência. Uma palavra especial de agradecimento à Direcção e ao Pessoal da Voz do Quénia e à imprensa local, tal como aos meios de comunicação estrangeiros, que me tornaram possível entrar, com a minha amizade e a minha mensagem, nas casas e nas aldeias de tantos que não podiam vir aqui. Agradar-me-ia poder viajar através da vossa terra para encontrar cada um de vós, para vos saudar e abençoar, e para conhecer directamente a vossa vida e as vossas lutas. Espero que as palavras e as fotografias que os meios de comunicação vos transmitiram tenham sido capazes de vos comunicar a minha estima, o meu encorajamento e o meu profundo amor por cada ser humano desta terra maravilhosa.

3. Como poderei expressar a minha gratidão aos meus irmãos no episcopado, pelos momentos de graça que compartilhamos nos nossos encontros e celebrações litúrgicas? Momentos de graça, sim, momentos de graça divina; porque eu vi que vós aceitastes a mensagem de Cristo. As vossas igrejas, nas cidades e aldeias, as vossas escolas e hospitais, o ministério dos vossos sacerdotes, a dedicação dos vossos religiosos e religiosas, a vida sacramental dos vossos fiéis e as muitas actividades através das quais o laicado assume a sua parte de missão e de evangelização — tudo isto dá testemunho da graça de Deus que actua no meio de vós. Neste momento da partida desejo, por isso, agradecer convosco ao Senhor a dinâmica da Igreja no Quénia.

Desejo deixar-vos um último pensamento. Uma nação que honra a Deus não pode deixar de receber as suas bênçãos. Mesmo quando enfrentais problemas, mesmo quando surgem novas dificuldades, a vossa confiança em Deus será garantia de poderdes superar todos os obstáculos, e de edificardes uma nação onde reinem a unidade e o amor, onde floresçam a fraternidade e a. paz, onde cada um trabalhe ao lado dos outros pelo futuro, no espirito do Harambee.O Criador deu a cada ser humano uma dignidade insuperável e igual para todos. Os vossos futuros esforços comuns para o desenvolvimento da vossa nação terão sucesso quando forem inspirados no respeito pela dignidade fundamental. concedida par Deus, e pelos direitos de cada homem, mulher e criança, e pelo desejo de criaras necessárias condições, de modo que as famílias e todas as pessoas possam usufruir da dignidade que lhes é própria . como filhos de Deus.

Assegurando-vos de novo a minha fraterna estima e afeição, deixo agora o Quénia.

A todos vós, a todo . o povo do Quénia, desejo dizer uma vez mais: obrigado a todos! Asantemi sana! Tornaremos a ver-nos! Kwa herini, kwa herini ya kuonana! Que Deus vos abençoe! Mungu awabariki! Que Deus abençoe todo o Quénial.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS


EM ACRA (GANA)


Quinta-feira, 8 de Maio de 1980



Senhor Presidente


Discursos João Paulo II 1980 - Quarta-feira, 7 de Maio de 1980