Discursos João Paulo II 1980 - Domingo, 11 de Maio de 1980

1. Agradeço a D. Bernard Yago, meu caro irmão no episcopado, as suas belas palavras, e uno-me à sua alegria por esta cerimónia litúrgica. Com efeito, caros irmãos e irmãs que me escutais, como não deixar irromper a nossa alegria diante da realidade espiritual assim manifestada e não lembrar um instante convosco o seu significado profundo? Vou benzer as primeiras pedras da futura catedral de Abidjão e de uma igreja que será dedicada a Nossa Senhora da África. Ora, a Igreja é a casa de Deus. Sim, toda a vida cristã está fundamentada nesta realidade sobrenatural maravilhosa, sempre a aprofundar, sempre a meditar, que São João exprimiu nesta simples frase: "O Verbo fez-se carne e habitou entre nós" (Jn 1,14). Sim, o Senhor nasceu, sofreu, morreu e ressuscitou para que o cristão seja realmente filho de Deus. Esta verdade sobrenatural deve determinar a vida do cristão, sempre e em todo o lugar. E como? Retomo aqui ainda o ensinamento da primeira carta de São Pedro: "Como pedras vivas, entrai na construção de um edifício espiritual" (1P 2,5). A Igreja, a nova Jerusalém de que falam a Escritura e a liturgia, constrói-se nas nossas vidas, dentro de nós!

2. Todavia, a Igreja, a casa de Deus, não é apenas espiritual. O enraizamento humano das nossas comunidades católicas, tal como se manifesta e se exprime na construção das igrejas, e em particular desta catedral, depende intimamente da Encarnação, desta vinda de Deus à nossa humanidade, do facto de Deus se ter feito semelhante a nós e nos ter querido encontrar mediante os nossos modos concretos de viver!

A igreja é o lugar em que o povo cristão se reúne; é também o lugar em que o Senhor está realmente presente: presente na celebração da santa missa; presente no Santíssimo Sacramento. A igreja é o lugar em que o cristão nasce para a vida divina pelo baptismo, encontra o perdão dos seus pecados mediante o sacramento da reconciliação, entra em comunhão com o Senhor e com os seus irmãos na Eucaristia.

Por mais humildes que sejam as igrejas que construís, vede como é grande a realidade espiritual que elas manifestam! Elas são o sinal da construção ao Reino de Deus em vós, no vosso país! E entre todas as igrejas de uma diocese, a catedral, a vossa catedral que em breve será aqui erguida, tem um sentido todo especial. Assim como a basílica de São João de Latrão, catedral do Papa, do bispo de Roma, é chamada, por esta razão, "Cabeça e Mãe de todas as igrejas", do mesmo modo a catedral da diocese é chamada "mãe das igrejas" da diocese: e isto porque ela é a igreja do bispo, do chefe da diocese, do sucessor dos Apóstolos a quem Cristo confiou o múnus e a solicitude da evangelização. Amareis portanto esta nova catedral que será dedicada a São Paulo, o Apóstolo missionário por excelência! Amai também todas as vossas igrejas! Amai os vossos bispos e todos os sacerdotes que vos fazem nascer e crescer pia vida divina!

3. É com sofrimento e com esforços que o reino de Deus cresce em nós! E também com sofrimento que se constroem as igrejas. Apesar das necessidades de toda a espécie, eu sei o valor que atribuis à construção das igrejas e quantos sacrifícios fazeis para isto. Os que se admiram que se construam igrejas, em vez de se consagrarem todos os recursos à melhoria da vida material, perderam o sentido das realidades espirituais; não compreendem o sentido da palavra do Senhor: "Não só de pão vive o homem" (cfr. Mt 4,4). Mas nós bem sabemos que a igreja de pedra que se constrói com fadiga é o sinal da que se edifica na comunidade!

Sinto-me particularmente feliz em benzer, juntamente com a primeira pedra da vossa futura catedral, também a primeira pedra da igreja que será construída sob o patrocínio de Nossa Senhora da África.

Encontro profundamente luminoso! De um lado, o Apóstolo das Nações, que não viveu senão para anunciar o evangelho; e, do outro, a Virgem Maria, que conservava no seu coração todos os mistérios da vida do seu Filho, e que permanece, em todos os séculos e para toda a Igreja, como celebraremos daqui a alguns dias, o exemplo da oração ardente na expectativa da vinda do Espírito Santo.

Não foi portanto sem razões espirituais muito profundas que os primeiros missionários que aportaram ao vosso país, consagraram, desde a sua chegada o seu campo de apostolado ao Imaculado Coração de Maria. Este Coração é, com efeito, o símbolo da vizinhança divina, do amor de Deus pela nossa pobre humanidade e do amor que esta pode dedicar-Lhe com a fidelidade à Sua graça. A devoção destes missionários à Virgem, a sua confiança n'Ela estavam portanto em ligação íntima com o cumprimento da sua missão apostólica: fazer conhecer e amar Cristo, "nascido da Virgem Maria".

Eis porque, veneráveis irmãos, caros filhos e caras filhas, sinto uma alegria espiritual profunda em renovar de algum modo, entre vós e em vosso nome, o gesto dos que vieram, com o coração repleto de amor a Deus e aos seus irmãos da África, trazer o Evangelho da salvação. Confiando a África à Virgem Imaculada, pomo-la sob a protecção da Mãe do Salvador. E como poderia a nossa esperança ser desiludida?

E como, quando invocardes com fervor nesta igreja e em todas as igrejas do vosso país, poderá Ela deixar de guiar-vos para o Seu Divino Filho, para a plenitude do Seu amor? O Senhor vos abençoe! Abençoe todos os construtores da Igreja espiritual e material! De Ele a Sua graça e a Sua paz a todos os que O procuram e que virão encontrá-1'O nestes edifícios sagrados! Amém



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE O ENCONTRO COM SACERDOTES,


RELIGIOSOS, RELIGIOSAS E LEIGOS


DA COSTA DO MARFIM


Catedral de Nossa Senhora de Treichville

Domingo, 11 de Maio de 1980



Caros Irmãos e Irmãs em Cristo

O vosso encontro magnífico permite-me, mais uma vez, medir a vitalidade da Igreja que está na Costa do Marfim. Obrigado por terdes vindo em tão grande número e tão desejosos de progredir no caminho do Reino de Deus e de ajudar os outros a aproximarem-se dele!

Dirijo a todos o mesmo encorajamento premente e confiante: sede o que deveis ser, em relação ao Senhor que vos chamou, e aos olhos do mundo que precisa do vosso testemunho evangélico! E isto, segundo a vocação que é própria a cada um. É uma questão de fidelidade ao Senhor, de lealdade para convosco mesmos, de respeito pelos outros e de solidariedade eclesial.

Destes muito à Igreja e ao vosso país. Dai-lhes sempre mais.

Aos Sacerdotes

A vós, caros filhos que recebestes a graça incomparável da Ordenação sacerdotal, exprimo, antes de mais nada, a minha profunda felicidade por saber que viveis em unidade entre vós, que provindes do povo da Costa do Marfim ou viestes de outros países, e em colaboração confiante com os vossos bispos. Que o brado do coração de Cristo "Que eles sejam um" arda sempre no vosso coração! A credibilidade do Evangelho e a eficácia do trabalho apostólico dependem em grande parte da unidade dos pastores, chamados a formarem um só "presbyterium", quaisquer que sejam o lugar e as responsabilidades de cada um.

Neste momento tão comovente, tanto para mim como para vós, desejaria, antes de mais nada, fortalecer em vós uma convicção absolutamente essencial: Cristo alcançou-vos (cfr. Ph 3,12-14) e conformou-vos de maneira totalmente especial com Ele, pelo carácter sacerdotal, para servirdes a Igreja e os homens de hoje, consagrando-lhes todas as vossas forças físicas e espirituais. O mistério do sacerdócio não é determinado pelas análises sociológicas, qualquer que seja a sua proveniência. É na Igreja, com os responsáveis pela Igreja, que e possível aprofundar e viver este dom do Senhor Jesus; suplico-vos: tende fé no vosso sacerdócio!

Apresso-me em acrescentar outro encorajamento, também ele capital. Que o Cristo seja como que a respiração da vossa vida quotidiana! A vossa fidelidade de todos os dias e a vossa irradiação têm este preço. Intensificai ainda a vossa fraternidade entre sacerdotes, nas vossas equipes paroquiais, nos vossos encontros de reflexão e de planeamento apostólico, e mais ainda nos vossos tempos de oração e de retiro. Estas duas dimensões, com o Senhor e entre vós serão a defesa do vosso celibato sacerdotal e a garantia da sua fecundidade. Vivei esta renúncia evangélica à paternidade carnal na perspectiva constante da paternidade espiritual que enche o coração dos sacerdotes totalmente consagrados ao seu povo. Vivei estas exigências e estas alegrias no espírito dos apóstolos de todos os tempos.

Aos Religiosos e às Religiosas

Sinto-me particularmente feliz por poder exprimir de viva voz o meu afecto e a grande esperança que deponho no testemunho da vossa vida evangélica.

A vós, monges e monjas que viveis o mistério de Cristo, adorando o Pai em nome da humanidade, desejo vivamente que o ano de São Bento, proposto a toda a Igreja, estimule o vosso fervor, favoreça a irradiação dos vossos mosteiros, suscite novas e sólidas vocações contemplativas. Aos Irmãos e às Irmãs que colaboram com toda a sua alma nas tarefas directas da evangelização, exprimo a minha admiração e o meu reconhecimento, que é também o da Igreja. Que os centros paroquiais, os colégios católicos, as casas de formação profissional ou de administração de empresas, as capelanias de liceus, os lares de jovens, os dispensários e os centros de acolhimento para os migrantes, beneficiem dos vossos talentos e do tesouro da vossa fé e da vossa caridade! Por meio de vós, caros Irmãos e caras Irmãs, Cristo atravessa as cidades e as aldeias da África e anuncia a Boa Nova aos seus habitantes. Tal missão exige uma união muito íntima com o Senhor, alimentada regularmente nos tempos fortes de silêncio e de oração. Tal missão requer igualmente que, na diversidade legítima das famílias espirituais a que pertenceis, permaneçais muito unidos e coopereis grandemente para a credibilidade do Evangelho. Este verdadeiro dinamismo espiritual e este planeamento apostólico realista podem certamente despertar nos jovens o chamamento que vós próprios ouvistes: "Vem e segue-me".

Por fim, lembrai-vos sem cessar que o fundamento da vossa unidade é o Cristo em pessoa. Todos e todas vós destes-Lhe voluntariamente o domínio e o uso de tudo o que sois, de tudo o que tendes, para expressar que Ele é o fim último, a plenitude de toda a criatura humana, e para o testemunhar mediante as vossas múltiplas actividades. A vossa vida religiosa é, numa palavra, o mistério de Cristo em vós e o mistério da vossa pobre vida n'Ele.

É isto que deve transparecer cada vez mais. As comunidades cristãs têm tanta necessidade do vosso testemunho! E o mundo, mesmo o pouco crente, espera confusamente de vós um ideal de vida. Assim, os vossos três votos religiosos não são lições dadas aos outros, mas sinais capazes de os abrir para os valores que não passam. A vossa pobreza seja também participação com os mais pobres! A vossa obediência seja um apelo ao desprendimento de vós mesmos, à humildade! A vossa castidade, vivida na maior fidelidade, seja uma revelação do amor universal, da ternura mesma de Deus!

Aos Leigos

A vós, caros leigos cristãos, exprimo a minha confiança e o meu reconhecimento por tudo o que fizestes e por tudo o que fareis ainda — com o episcopado e com o clero da Costa do Marfim — no campo da evangelização. Viveis hoje, nas vossas cidades e nas vossas aldeias, o que viviam as primeiras comunidades cristãs, segundo os Actos dos Apóstolos e as epístolas de São Paulo, que nos falam de tantos leigos cristãos ao serviço do Evangelho.

Sabeis todos igualmente que o recente Concilio Vaticano II pôs em relevo os recursos que todo o leigo tem pelo facto de estar inserido no Corpo de Cristo, que é a Igreja, pelo baptismo e pela confirmação. Chegou a hora de conjugar cada vez mais todas as forças do povo de Deus, em redor dos Pastores que o Espírito Santo vos deu.

Regozijo-me vivamente pelo trabalho excelente dos leigos catequistas, como também pela existência dos movimentos de apostolado, destinados aos jovens e aos adultos, para a sua formação e sustento dos seus compromissos cristãos. Faço votos por que estes movimentos sejam sempre adequados, sempre florescentes.

Quereria reavivar o vosso ardor apostólico, encorajando-vos em três pontos que me parecem muito importantes. Evangelizai a vossa própria vida, estai sempre em estado de conversão, se quereis participar verdadeiramente na evangelização do mundos os outros têm necessidade da vossa experiência de vida cristã. Reservai-vos tempos de retiro e de revisão de vida.

Permanecei muito atentos aos que vos circundam, por caridade e sempre com respeito. Nas vossas paróquias, que continuam a ser os centros vitais da vossa vida cristã, nas vossas pequenas comunidades de bairro, no vosso ambiente escolar ou profissional, deixai entrar nos vossos espíritos e nos vossos corações os problemas, os sofrimentos, os projecto e as alegrias daqueles e daquelas que têm necessidade de se confiar a vós, de encontrar em vós um apoio moral e espiritual.

Nos vossos encontros entre membros dos movimentos de apostolado, verificai a vossa fidelidade comum ao Senhor que vos chamou a trabalhar para a salvação dos vossos irmãos. Considerai atentamente as situações concretas em que vive o povo do vosso bairro, da vossa região, do vosso país, tudo o que estas situações têm de positivo e também o que, infelizmente, têm de desumanizante. E precisamente todos juntos discerni com sabedoria a acção a empreender ou a prosseguir, a nível religioso ou a nível humano, para a evangelização dos Africanos e para a promoção integral das suas pessoas, no respeito pelos valores culturais da África.

Coragem e confiança! A luz e a força do Espírito do Pentecostes foram sempre dadas em abundância aos intrépidos operários do Evangelho.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA VISITA AO INSTITUTO CATÓLICO


PARA A ÁFRICA OCIDENTAL


Abidjão (Costa do Marfim), 11 de Maio de 1980



Caros irmãos no Episcopado

Grande é a minha alegria por me encontrar convosco, aqui neste Instituto católico para a África ocidental que testemunha altamente a eficaz colaboração dos episcopados de toda a região.

Muito rápida infelizmente, como todas as minhas visitas, é a minha breve passagem por aqui; contudo, dá-me e deixar-me-á uma impressão das mais confortadoras. Sei que aqui se faz um trabalho sério. Encorajo vivamente todos os bispos, dos quais depende este Instituto, a continuarem a ter grande solicitude por lhe assegurar o melhor recrutamento, a fim de que o seu futuro seja frutuoso tanto quanto o presente permite esperar.

Dentro em pouco vou benzer a primeira pedra do edifício em que se instalará o Secretariado da Conferência Episcopal regional da África do Oeste francófona. Também aqui há um novo símbolo da vossa vontade de trabalhar em conjunto, com preocupação de eficiência e para testemunhar melhor o espírito de unidade que vos anima.

E a todos vós, caros irmãos, que além do mais fizestes longa viagem para vir saudar-me na minha passagem pela África, na Costa do Marfim, agradeço a vossa presença. Obrigado pelo apoio que viestes trazer-me nestas visitas pastorais. Grande é a minha alegria, repito-o, por me ver tão bem acolhido e rodeado de tantos bispos, para juntos manifestarmos: a unidade da Igreja. Recebei toda o meu encorajamento, caloroso e fraterno, para o trabalho apostólico que empreendeis corajosamente. Para o serviço de Deus, devemos suportar o cansaço do dia e o seu calor! (cfr. Mt 20,12). Continuai, portanto a anunciar sem tréguas a palavra de salvação, aquele Evangelho que nos foi confiado solenemente pela nossa Ordenação episcopal!

Transmiti, também, o meu estímulo, vivo e entusiástico, a todas as vossas dioceses, a todos: aos sacerdotes que tanto amo, aos religioso e às religiosas, a todos os fiéis, de modo especial aos que são infelizes, aos doentes e aos que sofrem.

Levai a todos o afecto e a bênção do Papa.

PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA COSTA DO MARFIM


Domingo, 11 de Maio de 1980



Caríssimos Irmãos no Episcopado

Desde ontem à tarde que nos encontramos no meio do vosso povo. Disponho agora convosco de um tempo que será, de preferência, um encontro familiar. Estamos em família!

Não esqueço que as vossas nove dioceses são muito diferentes no que respeita à implantação da Igreja. Eu falarei para todas em conjunto.

1. Primeiro que tudo, alegro-me convosco pela vitalidade da Igreja na Costa do Marfim, e dou por isso graças a Deus. Tem havido, sem dúvida, condições externas favoráveis: a paz, o carácter hospitaleiro e tolerante dos habitantes e um sentido religioso inato, como é frequente em África. Mas devemo-la sobretudo a notáveis homens de fé, ao zelo dos pioneiros que foram os missionários e a iniciativas numerosas e perseverantes da parte destes. Devemo-la hoje a vós próprios, caros Irmãos, cuja dedicação corajosa e atenta conheço bem. Vós criastes uma excelente atmosfera de colaboração entre o clero africano e os numerosos padres e religiosos estrangeiros que, graças a Deus, continuam a dar a sua ajuda. Procurais também fazer com que os vossos leigos tomem consciência das suas responsabilidades no plano apostólico e material. E, continuando a preocupar-vos com uma liturgia e uma vida cristã verdadeiramente dignas, não deixais de enfrentar os múltiplos problemas pastorais que surgem.

2. Permito-me sublinhar alguns desses problemas, não para lhes dar soluções que são objecto da vossa reflexão e do vosso estudo, mas sim para vos manifestar o interesse que tenho pelo vosso ministério episcopal.

Penso, por exemplo, nas grandes cidades de Abidjão e de Bouaké para onde converge um número considerável de recém-chegados do campo e ainda de imigrantes dos países vizinhos: como tornar a Igreja bem presente nestes novos bairros e nestes novos ambientes? Há aí pobres de todo o género, desenraizados e pequenos a quem devemos uma presença e uma solicitude particulares, a exemplo de Cristo. Há ai também uma elite de dirigentes que têm necessidade de uma reflexão cristã mais aprofundada, ao nível da sua cultura e suas responsabilidades, primeiro para não ficarem à margem da Igreja e depois para participarem num desenvolvimento mais harmonioso do país. Porque há uma justiça social a promover diante dos privilégios de fortuna ou de, poder, há desigualdades demasiado pronunciadas, tentações de enriquecimento excessivo e, por vezes, corrupção, como vós mesmos dizeis. A Igreja deve ajudar os responsáveis a não transporem para o vosso meio certos modelos de vida ocidental, que têm tendência para instalar as pessoas e as famílias no materialismo, no individualismo e no ateísmo prático, e a abandonar a si mesmos muitos marginalizados.

Estais também preocupados com a multidão dos jovens e dos estudantes. Eles merecem, no âmbito das paróquias e das escolas, uma pastoral especializada e, designadamente, uma catequese para a qual a ajuda dos mais velhos seria, sem dúvida, bem-vinda. Vós fizestes muito pelas escolas católicas, num país que não deveria ter conhecido os miasmas do laicismo ocidental, e tendes razão. A responsabilidade pela juventude estudantil é muito grande: possamos nós colocar à sua disposição a assistência religiosa de que tem necessidade!

Os catequistas continuam a ser os colaboradores indispensáveis da evangelização e é com razão que vos preocupais em lhes dar urna formação inicial e continua, apropriada às necessidades das diferentes comunidades e dos diversos meios. Tenho falado disto com frequência durante a minha viagem. Há necessidade também de formar educadores — padres, religiosos e leigos — que façam estudos religiosos mais aprofundados, tendo em conta a sua cultura africana. A evangelização tirará grande proveito do seu serviço qualificado, no plano teológico e apostólico. Conheço bem o excelente trabalho que aqui tem feito o Instituto Católico da África Ocidental, que acabo de visitar. É também uma oportunidade para vós.

A pastoral familiar é particularmente importante: eu não ignoro os problemas difíceis que ela levanta. Falei disso em Quinxassa. Per tence-vos a vós, bispos, resolvê-los de maneira harmoniosa, conservando a convicção de que, a partir do Evangelho, segundo a experiência secular da Igreja, expressa pelo Magistério universal, e graças à uma formação paciente dos futuros esposos, é possível aos casais africanos viverem com uma particular intensidade o mistério da Aliança, de que a aliança de Deus com o seu povo e a aliança de Jesus Cristo com a sua Igreja continuam a ser a fonte e o símbolo. Destas famílias cristãs emanarão bens profundos e duradouros, inclusive a fé dos jovens e as vocações.

As vossas comunidades católicas devem também encontrar as relações adequadas com as outras comunidades cristãs, com os muçulmanos e com os outros grupos religiosos. Mas sobretudo, tendes ainda diante de vós um imenso campo de evangelização: aqueles que continuam disponíveis ao anúncio do Evangelho nas aldeias e cidades. Há aí um apostolado propriamente missionário a continuar.

Tudo isto tem o seu valor, a sua importância, e é bem difícil para mim indicar-vos prioridades nestes sectores do apostolado. Todavia penso que vos é necessário, sem nada descuidar, promover em conjunto planos de pastoral para fazer convergir os esforços sobre o essencial, em direcções precisas, e mantê-los com perseverança.

Pela minha parte queria apenas confirmar as vossas convicções sobre algumas atitudes fundamentais.

Primeiro a respeito do vosso ministério episcopal. Conheceis as suas exigências melhor que ninguém. São Paulo advertiu-nos que ser ministros de Cristo, com os olhos fixos no Evangelho, é expor-se a incompreensões e a tribulações. Como afirma um dos vossos provérbios: "a árvore plantada à beira do caminho é golpeada por todos os que passam". Mas eu auguro-vos também grandes consolações espirituais. Continuai a ser chefes espirituais que permaneçam ao mesmo tempo Pais para o seu povo, à maneira de Cristo que serve. Continuai a ser livres perante todo o poder profano, reconhecendo-lhe inteiramente a sua competência e a sua responsabilidade especifica. Continuai a suscitar uma larga colaboração dos vossos padres e dos vossos leigos, para examinar os problemas e associá-los às vossas decisões. E, acima de tudo isto, mantende entre vós uma estreita coesão e uma verdadeira colaboração bem como, por outro lado, com os bispos da África Ocidental. Sim, vivei muito unidos, numa solidariedade sem quebras, entre vós e com a Santa Sé: é a vossa força.

Insisto especialmente sobre os vossos padres, vossos colaboradores natos, sejam eles autóctones ou vindos de longe. Eles formam um mesmo presbitério, uma mesma família. Encontram-se por vezes dispersos, num apostolado difícil. Têm uma particular necessidade de sentir o vosso apoio, da vossa proximidade, da vossa presença Amiga, do vosso apreço pelo seu trabalho, do vosso encorajamento para uma vida sacerdotal digna generosa. E também isto favorecerá as vocações.

De, facto, encorajo muito o cuidado que dedicais a suscitar vocações sacerdotais e religiosas, e a dar aos seminaristas menores e maiores uma formação que lhes crie o gosto pelo Evangelho, uma fé sólida e o desejo de responder ao apelo de Cristo e de servir a Igreja de maneira desinteressada, diante de todas as necessidades das comunidades cristãs e também da evangelização. Paulo VI afirmara no Uganda em 1969: "Vós sois os missionários de vós próprios". Isto é-vos cada vez mais necessário. A passagem operou-se ao nível do episcopado: é preciso prepará-la ao nível dos padres, mesmo que, como espero, possais dispor por muito tempo ainda de padres postos ao vosso serviço por outras Igrejas ou congregações religiosas. Enfim, irei ainda mais longe neste caminho "missionário": é toda a vossa Igreja que se deve tornar missionária — padres, religiosos, leigos e as próprias comunidades — pelo acolhimento, pelo testemunho e pelo ,anúncio explícito junto daqueles que ainda desconhecem o Evangelho neste país e noutros países mesmo na Europa.

4. Estas atitudes, tal como as diversas obras pastorais a desenvolver, não devem nunca fazer-nos perder de vista o essencial, caros Irmãos: a presença de Cristo no meio de nós, que actua connosco e por nós, na medida em que lhe apresentamos a nossa vida, as nossas preocupações, as nossas esperanças e uma incessante oração.

Ajudai todos os vossos colaboradores a conservar esta chama da vida espiritual, este amor de Deus, sem o qual não passaríamos de címbalos que soam. Precisamente no momento em que a vossa sociedade nacional se encontra em rápida expansão económica e cultural, com todas as suas perspectivas de sucesso, mas também com as tentações materializantes que esta traz consigo, trata-se de assegurar uma alma a esta civilização. E só pessoas espirituais podem arrastá-la num sentido profundamente cristão que seja, ao mesmo tempo, profundamente africano. Abra Nossa Senhora os nossos corações ao Espírito de seu Filho! Recebei a minha afectuosa Bênção.



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A VISITA AO LEPROSÁRIO DE ADZOPÉ


Abidjão, Costa do Marfim

Segunda-feira, 12 de Maio de 1980



Caros amigos

1. Venho fazer-vos visita, e primeiro saudar-vos a todos e a cada um com respeito, com afeição.

É o Bispo de Roma que vem ter convosco, quer dizer, o Chefe espiritual da comunidade católica de Roma. Mas tem ao mesmo tempo o cargo de ser o Centro de unidade entre os cristãos do mundo inteiro de ser o Pastor deles, como os pastores de rebanhos que não esquecem nenhuma ovelha. Neste leprosário nem todos são católicos; respeito os sentimentos religiosos de todos, a maneira de se dirigirem a Deus segundo a própria consciência. Porque ninguém está dispensado de se voltar para Deus; e como pode haver esquecimento d'Ele quando a miséria nos oprime? Mas julgo que tenho uma boa palavra para todos. Na verdade Cristo Jesus, o Filho de Deus, que eu sirvo e represento no meio de vós, deteve-se com predilecção diante do sofrimento humano, da fraqueza, da doença e sobretudo da doença que isola um pouco dos outros, como faz a lepra, criando assim um sofrimento duplo. Sem dúvida, Ele veio para todos, para que todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, justos e pecadores, soubessem que o Reino de Deus lhes estava aberto, que o Amor de Deus os protegia, que a vida de Deus lhes estava destinada por meio da fé e da conversão. O Papa dirige-se também a todo o povo e, se se encontra especialmente com os chefes espirituais e civis, é porque as responsabilidades destes são mais vastas para o bem de um grande número. Mas eu faltaria à minha missão se não passasse um tempo apreciável com aqueles que Jesus amava, especialmente por causa da miséria, porque eles precisavam de conforto, de alívio, de cura e de esperança. Quis eu por isso que a minha última visita na África fosse para vós. E, por meio de vós, eu visito em espírito e abraço todos os outros leprosos e doentes deste país, e de toda a África.

2. Graças à medicina, graças ao zelo de admiráveis pioneiros, graças à dedicação quotidiana de numerosos enfermeiros e enfermeiras, de amigos de toda a espécie que vos ajudam, entre os quais muitos religiosos, graças também aos responsáveis civis que favorecem esta obra de assistência, foi possível melhorar a vossa sorte; não só a vossa saúde, mas também o ambiente que vos circunda, que vos permite muitas vezes viver como numa aldeia, em família. Agora a lepra já não mete medo como antigamente, sobretudo quando é descoberta e tratada bastante cedo. Junto-me convosco para agradecer a todos estes amigos dos leprosos, que a vós consagrara a sua vida. Sem talvez o saber ou sem o crer, fazem exactamente o que pediu Cristo. Deus os acompanhe e lhes pague!

3. Mas estou certo também que eles recebem de vós consolações.

Não só porque vós os estimais, mas porque eles admiram a vossa paciência, a vossa serenidade, a vossa coragem, a solidariedade que vos une e o sentimento familiar que mantendes. Porque vós não sois apenas doentes que requerem cuidados: provedes a vós mesmos, fazeis tudo para viver, para andar e para trabalhar, com os meios pobres, com os membros diminuídos que a doença vos deixa. Esta esperança é bela e comove-me a mim também. Este desejo de viver agrada a Deus e faço votos por que o aumenteis. Poder-se-ia dizer que sois os vossos próprios médicos.

4. Mas eu não venho unicamente para vós deixar esta palavra humana de ânimo. Venho confirmar o que sacerdotes, irmãs e leigos cristãos vos têm dito já sem dúvida: na vossa miséria Deus ama-vos. Este mal não corresponde ao Seu desígnio de amor. E vós próprios de maneira nenhuma tendes a culpa dele. Não vejais nele uma fatalidade, mas unicamente uma prova. Cristo, que nós adoramos, suportou Ele mesmo uma prova, a da Cruz, prova que o desfigurou; isto sem qualquer falta da Sua parte. Entregou-se a Deus, Seu Pai. Voltou-se para Ele a pedir também ser libertado. Mas aceitou, ofereceu. E o Seu sofrimento tornou-se — para inúmeros homens, para vós e para mim — causa de salvação, de perdão, de graça e de vida. É profundo mistério esta solidariedade no sofrimento. É o coração da nossa religião. Os que são cristãos compreendem a minha linguagem. O vosso sofrimento aceito, levado com paciência, com amor para com os outros, oferecido a Deus, torna-se fonte de graça para vós, a quem o Senhor reserva o Seu paraíso, e para muitos outros. Podeis também pedir por mim e por todos quantos me confiam a sua miséria.

Deus. vos ajude! Deus vos dê a paz!

PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DA ÁFRICA


Aeroporto Port-Bouet

Abidjão, Costa do Marfim, 12 de Maio de 1980



1. No termo da minha visita, estando na República da Costa do Marfim, e tendo o coração cheio de reconhecimento que lhe dirijo a palavra pela última vez, Senhor Presidente, e, por meio de Vossa Excelência, a todo o Povo da Costa do Marfim.

Obrigado, deveras obrigado, pelo vosso acolhimento verdadeiramente inesquecível, pelo calor dos encontros, pelo clima entusiasta e amigável que assinalou todos os contactos. Obrigado por terdes compreendido o carácter especial que eu desejava dar a esta estadia, como convinha à minha missão espiritual de serviço para todos. Obrigado pela vossa alegria. A minha, foi maior ainda. Sinto a honra que me fizestes. Meço também os esforços a que vos obrigastes para reservar ao vosso convidado hospitalidade digna da Costa do Marfim e da África toda. De tudo isto conservarei sempre recordação, é o que vos prometo.

Em particular agradeço às Autoridades a honra que me fizeram dando o meu nome a uma rua da cidade de Abidjão e à grande praça de Yamoussoukro. Foi gesto delicado que espero vá contribuir não só para conservar viva a lembrança da minha visita, mas sobretudo da minha estima e da minha afeição por todo o povo da Costa do Marfim.

Alegro-me ainda de ter tido ocasião de benzer a primeira pedra tanto da catedral de Abidjão como da igreja de Nossa Senhora de África. Estabeleceu-se deste modo um laço pessoal entre o Papa e estas duas igrejas. Atrevo-me a esperar que, todos os que nelas rezarem, não se esqueçam também de pedir pela Igreja universal... e por mim!

A deslocação, ontem, para fora da capital, a que me abalancei a fim de me encontrar com a juventude deste país, foi para mim experiência de alegria e hora de esperança quanto ao futuro deste querido país.

2. A Dom Bernard Yago, aos irmãos Bispos e a todos os católicos do país, quando me vejo obrigado a dizer adeus, não posso acaso confidenciar certa saudade que em mim desperta? A de ter visto comunidades vivas, cheias de entusiasmo e imaginação, mas ter agora de as deixar... A imaginação é virtude em que demasiado pouco se pensa. Mas vós sabeis mostrá-la para encontrar, no contexto que é o vosso, os caminhos adaptados para a evangelização. Dais assim um exemplo que poderá servir para animar outras Conferências episcopais e outras Igrejas locais. Isto impõe-vos ao mesmo tempo, por assim dizer, uma obrigação moral, em nome da solidariedade dos membros do Corpo de Cristo, obrigação que está em todos — clero, religiosos e religiosas, e laicado — procurarem purificar melhor o seu testemunho para o tornar, sem interrupção, mais conforme ao que o Senhor dele espera. Expresso-vos a minha esperança, ao mesmo tempo que a minha profunda satisfação.


Discursos João Paulo II 1980 - Domingo, 11 de Maio de 1980