Discursos João Paulo II 1980 - Sexta-feira, 16 de Maio de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DIRECTORES NACIONAIS


DAS PONTIFÍCIAS OBRAS MISSIONÁRIAS


17 de Maio de 1980



Irmãos e Filhos caríssimos

Com viva cordialidade saúdo em vós os Directores Nacionais das Pontifícias Obras da Propagação da Fé, de São Pedro Apóstolo, da União Missionária. Alegro-me em me encontrar convosco, por ocasião da vossa Assembleia anual, para vos exprimir a minha reconhecida estima e o meu encorajamento a propósito do vosso valioso trabalho.

Dedicais-vos a uma actividade extremamente importante, como é a animação missionária do Povo de Deus. O Concílio Vaticano II, como bem sabeis, no Decreto «Ad Gentes» exprime-se assim: «Tenham todos os filhos da Igreja uma consciência clara das suas responsabilidades perante o mundo, favoreçam em si mesmos o espírito verdadeiramente católico, e consagrem as suas forças à obra da evangelização» (n. AGD 36). Isto é válido não só ao nível de cada pessoa baptizada, mas também em dimensão comunitária; de facto, «como o Povo de Deus vive em comunidades, sobretudo diocesanas e paroquiais,... e nelas, de certo modo, se torna visível, a elas pertence também dar testemunho de Cristo perante os Gentios» (ib., n. AGD 37). E as Igrejas mais jovens, como há poucos dias tive a alegria de verificar pessoalmente nalguns Países africanos, desejam e estão disponíveis para um encontro de idêntica participação na mesma vida cristã; contanto que ela não tenha sabor de importação, mas seja simples e amadurecida partilha de um património de fé, que nos une numa fraternidade igual.

Ora, sei bem que vós fazeis destes ideais o programa da vossa dedicação generosa, e é precisamente este vosso empenho assíduo que eu aprecio muito e faço votos por que o cultiveis com amor e eficácia cada vez maiores.

Permito-me lembrar-vos de insistir, como certamente já fazeis, sobre duas necessidades concretas de método operativo: a continuação de relações cada vez mais cordiais e dinâmicas com os Institutos Missionários específicos, que possuem um papel insubstituível e, sobretudo, o .entendimento e a harmoniosa cooperação com as Conferências Episcopais nacionais e com cada um dos Bispos, primeiros responsáveis da Pastoral em todas as suas componentes.

Um cuidado particular, além disso, na comunidade cristã, merecem os Alunos dos Seminários e os Jovens das Associações católicas. O germe do ideal missionário, cultivado em idade juvenil, tem maior probabilidade de se desenvolver e de produzir frutos benéficos e abundantes, porque é favorecido por um entusiasmo mais vivo. De resto, um empenho missionário generoso é o índice mais seguro de uma Igreja não estática, mas aberta para novos horizontes de crescimento: não somente na sua extensão periférica, mas também na sua intensidade interior de fé e de amor.

Confio estes votos ao poder fecundo da graça divina, de que pretende ser penhor a mais ampla, Bênção Apostólica, que de coração concedo a todos vós e aos vossos Colaboradores.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À PEREGRINAÇÃO DAS DIOCESES


DA REGIÃO DA ÚMBRIA (ITÁLIA)


Sala Paulo VI

Sábado, 17 de Maio de 1980



Excelências Reverendíssimas
Caríssimos Filhos e Filhas da Úmbria!

Dia feliz é este, para mim e para vós! Seja louvado o Senhor que nos deu a consolação de nos encontrarmos todos reunidos no seu amor e na sua graça!

1. Desejastes este encontro para renovardes a vossa homenagem de gratidão ao Papa e também para retribuirdes a visita que fiz vossa Terra, quer a Assis, quer recentemente a Núrcia.

Agradeço-vos do coração esta vossa tão delicada gentileza, sinal de fé e de sensibilidade cristã e, enquanto vos saúdo um por um com paternal afecto, estendo o meu pensamento a toda a vossa cara Região, aos vossos concidadãos, especialmente às crianças, aos jovens, aos doentes, aos que estão perto ou longe de Cristo, e a todos quero atingir come a minha saudação de Pai e de Pastor.

Vós encheis o meu espírito de alegria, e também de saudade!

Como é possível, de facto, esquecer aquela tarde de Outono, quando me desloquei a Assis, à "Colina do Paraíso", para rezar sobre o túmulo do nosso amável São Francisco? Entre o glorioso repicar dos sinos das Igrejas e o frémito da multidão exultante, o Vigário de Cristo chegava ali como peregrino para confiar ao grande Santo italiano e universal a solicitude e a trepidação dos começos do seu Ministério pastoral. E depois, para comemorar dignamente São Bento, padroeiro da Europa, no décimo quinto centenário do seu nascimento, fui a Núrcia, sua terra natal, e à austera e severa Valnerina. E trago ainda comigo a imagem dolorosa do estrago causado pelo terramoto, embora acompanhada da recordação da coragem intrépida e da fé comovente daquelas populações tão provadas e, mesmo assim, tão generosas.

Ao ver agora esta vossa peregrinação tão numerosa, imagino espontaneamente as vossas cidades, com nomes bem sugestivos, ricas de arte e de história, e conhecidas em todo o mundo: Perugia, Foligno, Spoleto, Orvieto, Gubbio, Todi, Città delia Pieve, Città di Castello, Amélia, Terni, Nocera e Cascia.

2. A vossa Região traz à memória sobretudo a magnífica fileira dos Santos que a caracterizaram: com São Francisco e São Bento, continua viva a recordação e o espírito de Santa Escolástica, de Santa Clara, de Santa Rita, da Beata Angela de Foligno, e de tantas outras figuras menos conhecidas, mas igualmente grandes.

E é precisamente considerando este mundo de alta espiritualidade; património específico e inexaurível da vossa Terra, que pretendo propor-vos um pensamento de meditação, que possa servir para a vossa vida cristã e ajudar-vos no itinerário de evangelização e de fé proposto pelos vossos Bispos para o triénio 1978-1981.

Qual terá sido a força interior que formou os vossos grandes Santos, e qual será válida, ainda hoje, para construir o autêntico cristão? A resposta é simples: a convicção da fé!

Os Santos foram e são pessoas totalmente convencidas do valor absoluto, determinante e exclusivo da mensagem de Cristo. A convicção levou-os a abraçá-la e a segui-la, sem dúvidas, sem incertezas, sem vãos retrocessos, embora lutando e sofrendo, com a ajuda da graça de Deus, sempre invocada e nunca recusada.

A convicção! Eis a grande palavra! Eis o segredo e a força dos Santos! Os Santos agiram consequentemente; e assim deve acontecer com todos os cristãos, sempre, mas especialmente hoje, neste nosso tempo exigente e crítico, em que, se faltam convicções lógicas e pessoais, a fé enfraquece e, por fim, cede.

O cristão deve saber sempre dar conta da fé e da esperança que estão nele, como escreveu São Pedro (cfr. 1P 3,15); mas sobretudo na sociedade actual, pluralista e hedonista, em que o fiel se encontra mergulhado entre uma variedade impressionante de diferentes e por vezes adversas ideologias. É preciso, por isso, criar e manter as convicções, e todo o "plano pastoral" deve ser hoje canalizado sobretudo para a Catequese, embora sem esquecer as outras iniciativas litúrgicas, caritativas, sociais e recreativas.

Agrada-me recordar-vos o que recentemente escrevi à Igreja Húngara: "Vivemos num mundo difícil, em que a angústia derivada de ver as melhores realizações do homem fugirem-lhe das mãos e voltarem-se contra ele, cria um clima de incerteza. É dentro deste mundo que a catequese deve ajudar os cristãos a serem, para alegria sua e para o serviço de todos, "luz" e "sal". A catequese deve ensinar aos jovens e aos adultos das nossas comunidades a serem conscientes e coerentes na sua fé, a afirmarem com serenidade a sua identidade cristã e católica, e a aderirem tão fortemente ao Absoluto de Deus, que o possam testemunhar em toda a parte e em todas as circunstâncias" (Carta à Igreja da Hungria, 6 de maio de 1980).

3. Caríssimos Fiéis da Umbria! É esta a exortação que pretendo deixar-vos, unido aos vossos Bispos, e na memória sempre viva dos vossos Santos: sede cristãos convictos!

A convicção exige a reflexão! É preciso saber-se afastar um pouco do fluxo enganador dos acontecimentos; na história, que é sempre obscura e imprevisível para todos, torna-se necessário tomar sobre os ombros o própria destino, para o que são precisos momentos de silêncio, de meditação e de estudo. Na labuta profunda do próprio tempo, São Bento queria precisamente que cada um reflectisse pessoalmente sobre as verdades eternas: in omnibus rebus respice finem — respice Deum — respice caelum.

Poder-se-ia sintetizar assim toda a célebre Regra monástica. E São Francisco queria que cada um meditasse no amor de Cristo Crucificado, para poder enraizar em si a convicção da própria redenção vinda através da Cruz.

Por isso empenhai-vos seriamente na realização das diferentes actividades diocesanas e paroquiais. A Paróquia é e deve continuar a ser o centro propulsor da vida cristã e, portanto, também da Catequese, por motivo de continuidade pastoral e de homogeneidade doutrinal e formativa.

A Paróquia, com todas as suas necessárias dependências e com os grupos eclesiais auxiliares, tem a grande responsabilidade de formar cristãos convictos. A convicção gera a exacta avaliação cristã dos acontecimentos e das opções, segundo a advertência de São Bento: "Nunca colocar nada acima do amor de Cristo" (R. B. RB 4, 21), e a exclamação de São Francisco "Deus meus et omnia".

A convicção faz sentir, impelente e atormentadora, a vocação do cristão ao testemunho em geral e, em particular, também à consagração total a Cristo na vida sacerdotal e religiosa.

Não devemos, por isso, temer despender todos os esforços em criar, em nós e no próximo, exactas e profundas convicções.

Rezai todos os dias por tal intenção, e nunca falte a invocação e a devoção a Maria Santíssima, a "Virgem fiel", que se consagrou totalmente ao mistério da Redenção, na aceitação humilde e ardente da vontade do Senhor.

Possa a mística Úmbria crescer sempre e dilatar-se na fé cristã e na caridade! Com a minha propiciadora Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO JAPÃO EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Terça-feira, 20 de Maio de 1980



Caros Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

A vossa presença aqui hoje, junto do túmulo do Apóstolo Pedro, evoca muitos pensamentos nos nossos corações.

1. Estamos num momento especial da unidade eclesial quando celebramos a nossa unidade em Jesus Cristo e na Sua Igreja. Vindes como Pastores da Igreja no Japão, trazendo convosco as esperanças e as alegrias, as exigências e os problemas dos vossos católicos. Simultaneamente é o momento em que a Igreja de Roma respeitosamente saúda nas vossas pessoas o povo japonês inteiro, de que vós sois ilustres e nobres filhos. Todos vos lembrais da fiel atenção e do grande amor com que Paulo VI deu as boas-vindas aos visitantes e peregrinos japoneses durante todos os anos do seu pontificado. Pessoas isoladas e grupos, cristãos e não cristãos, chefes religiosos e representantes de vários níveis de vida visitaram-no semana após semana, mês após mês. Para todos teve um gesto cordial de saudação ou uma palavra de estima e amizade. Também eu senti a honra de receber muitas visitas dos vossos compatriotas e desejo assegurar publicamente quanto a presença deles é apreciada no Vaticano.

2. Esta visita ad limina, veneráveis Irmãos, é também uma celebração de fé: da fé de toda a Igreja no Japão — da fé de que vós, em união com o Sucessor de Pedro, sois guardas e mestres autênticos. Pelo meu lado, desejo hoje prestar homenagem a esta fé, que por meio do esforço missionário foi implantada por Deus, como dom nos corações dos fiéis. Este dom da fé foi generosamente recebido foi vivido com autenticidade. Tornou-se objecto do testemunho de Paulo Miki e seus companheiros mártires, que arrostaram a morte proclamando os nomes de Jesus e Maria e confirmaram com o martírio a fé como herança eterna no Japão. Pela graça de Deus e com a ajuda da Sua bem-aventurada Mãe, esta fé católica foi todavia, além disso, preservada através de gerações por leigos japoneses que mantiveram pelo instinto da fé a inquebrantável adesão à Sé de Pedro.

E hoje esta fé está ainda a ser expressa na actividade, a ser alimentada pela oração e a ser oferecida livremente a todos os que desejam abraçar o Evangelho. Por meio da fé, manifestada por amor fraterno e pela seriedade da vida, os cristãos do Japão vêem-se chamados a dar testemunho de Jesus Cristo nas próprias famílias, e ainda nas zonas e em todos, os meios em que vivem; são chamados a comunicar Jesus Cristo a todos os que desejarem conhecê-lo ou abraçar a Sua mensagem de salvação e vida.

3. O nosso próprio ministério episcopal de fé é ministério que pressupõe a fé e se encontra ao serviço da fé — para ser vivida e comunicada. Tudo o que fazemos destina-se a proclamar o mistério da fé e a auxiliar os nossos fiéis a viverem profundamente a vocação derivada da fé que receberam.

4. Precisamente por motivo da dimensão central da fé, vemos nós o grande valor que tem a oração na Igreja: a fé conserva-se viva e fortifica-se pela oração. Pela oração abrem-se os corações às inspirações do Espírito Santo e à mensagem e acção da Igreja de Cristo. Por este motivo, sabemos nós que a fidelidade à oração é elemento essencial da vida da Igreja. Quanto a isto, foi o Japão abençoado com vocações contemplativas, com religiosos que vão continuando o louvor amoroso do Pai, prestado por Cristo. E neste aspecto contemplativo da vida da Igreja no Japão não está um elemento excelente de diálogo com os vossos irmãos não cristãos, que nas suas antigas tradições deram lugar de relevo à contemplação? Não é o desejo de estar unido com Deus em pureza de coração um desses elementos em que o ensino do nosso Salvador Jesus Cristo entra tão naturalmente na mentalidade e na vida de tanta da vossa gente?

5. Não é grande honra para o Japão que gerações de cristãos, embebidas da cultura do país, tenham sido capazes de contribuir com as suas actividades para a elevação da sociedade? A relativamente reduzida comunidade cristã na vossa terra serviu bem nos campos da assistência social, da ciência e da educação. Por meio de escolas e universidades a mensagem cristã entrou em contacto com as tradições veneráveis do vosso povo. Zelosos cristãos, que entenderam a necessidade de fazer penetrar os valores evangélicos na própria cultura nacional, começaram por dar o testemunho justo das suas próprias vidas. No meio da comunidade, quando os cristãos mostram capacidade de compreender e aceitar, quando compartilham da vida e do destino dos seus irmãos e irmãs e mostram solidariedade com tudo o que é bom e nobre e ao mesmo tempo exprimem a própria fé nos mais altos valores e a esperança numa vida ainda para ser revelada em Deus, então encontram-se desempenhando uma tarefa de evangelização inicial relativamente , à cultura, tarefa compatível com a vocação deles e com as obrigações dela derivadas (cfr. Evangelii Nuntiandi EN 21).

Que sublime papel é para os Bispos da Igreja apoiar todos os membros da comunidade nos seus esforços comuns pela causa do Evangelho, animando-os a serem capazes de dar razão da esperança que possuem (cfr. 1P 3,15). Segundo a providência de Deus, o testemunho primário da vida há-de acompanhar a explicita proclamação do nome, da doutrina, da vida, das promessas, do reino e do mistério de Cristo (cfr. Evangelii Nuntiandi EN 22). O encontro entre o Evangelho e a cultura só pode realizar-se sob a condição de a Igreja proclamar com fé e viver o Evangelho. Neste ponto são também chamados os Bispos a assumir responsabilidade especial.

6. Nesta altura, caros Irmãos em Cristo, espero animar-vos a que vos mantenhais firmes no vosso ministério de fé. A Igreja universal viu-se profundamente enriquecida pelo contributo da Igreja oferecido no Japão. O pusillus grex constituiu honra para a graça de Cristo Salvador e continua a dar louvor a seu Pai. O futuro está nas mãos de Jesus. É Ele, Jesus, que é o Senhor da história; é Ele que definitivamente decide o destino da Sua Igreja em cada geração. Na preparação do círio pascal no Sábado Santo proclamamos: "A Ele pertencem o tempo e a eternidade. A Ele glória e poder para sempre". A nossa resposta à vontade do Senhor Jesus quanto à Sua Igreja é de absoluta confiança unida com trabalho diligente, sabendo que nos pedirá contas.

7. O nosso ministério de fé tem a sua origem em Jesus Cristo e leva-nos a Ele e por meio d'Ele ao Pai. Apesar de todos os obstáculos e dificuldades nós devemos chamar constantemente os nossos fiéis à santidade de vida que só em Cristo se encontra: Tu solus sanctus. De maneira especial deveria a família cristã do Japão ser o objecto do nosso cuidado pastoral. Nesta "Igreja doméstica" deve começar efectivamente a catequese das crianças, e a evangelização da sociedade há-de realizar-se a partir desta raiz. O grande amor de Deus pelo Seu povo e a fiel aliança de Cristo com a Sua Igreja devem ser evidentes na família como comunidade de amor e de vida. Exorto-vos, Irmãos, a que façais todos os esforços para criar nas famílias aquelas condições saudáveis de prática cristã que favorecem vocações para o sacerdócio e para a vida religiosa Conservai constantemente diante da juventude o pleno chamamento do amor e da verdade de Cristo, incluindo o Seu convite a tomar a cruz e segui-1'O.

8. A unidade fraterna, que deriva da fé em Jesus Cristo, há-de ser vivida pela Igreja inteira, mas deveria ser evidente, de maneira especial, na vida do presbitério de cada diocese. O nosso ministério de fé requer estarmos intimamente unidos com os nossos sacerdotes e eles connosco, em proclamar Jesus Cristo Salvador do mundo e em viver a Sua mensagem de amor redentor. Todas as forças do Evangelho devem unir-se verdadeiramente para darem testemunho crível à intimidade que temos com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Concluindo, peço-vos a todos que regressando, leveis para o Japão, para todos os vossos amados sacerdotes religiosos, seminaristas e leigos a expressão do meu amor pastoral no coração de Jesus Cristo. Segundo a palavras de São Paulo: "Saudações a todos os que nos amam na fé. A graça seja com todos vós" (Tt 3,15).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS ABADESSAS BENEDITINAS DA ITÁLIA


Quinta-feira, 22 de Maio de 1980



Dilectas Abadessas beneditinas da Itália!

1. Ao termo do vosso convénio de estudo sobre "a oração monástica considerada no seu desenvolvimento desde as origens até ao Vaticano II", desejastes encontrar-vos com o Papa para manifestar a vossa fé e a vossa filial devoção e para ouvir uma palavra de encorajamento e de conforto. Agradeço-vos, de coração, e, dirigindo-vos a minha saudação particularmente afectuosa, exprimo-vos e a todas as Co-Irmãs o meu vivo apreço pela vossa Consagração religiosa e pelo vosso constante empenho na actualização e no aprofundamento cultural e formativo.

Desejo também repetir-vos o que disse às Religiosas Claustrais no Carmelo de Nairobi: "A Igreja está profundamente consciente e sem hesitação forçosamente proclama que estão intimamente relacionadas a oração e a difusão do Reino de Deus, a oração a a conversão dos corações, a oração e a frutuosa recepção da mensagem salvífica e elevante do Evangelho" (7 de Maio de 1980).

Por isso, a alegria espiritual que sentis em ser totalmente consagradas a Jesus Cristo e à Igreja, é também a minha alegria e a minha profunda consolação. Além disso, há um motivo particular que vos torna queridas ao meu coração; sois as Filhas de São Bento e dedicais-vos a perpetuar a sua gloriosa e universal mensagem de formação cristã e religiosa, mensagem austera e no entanto suave, que já há quinze séculos expande o seu perfume e a sua força no mundo inteiro. Deveis sentir-vos bem contentes, neste ano comemorativo do seu nascimento por todas as iniciativas que estão sendo realizadas para recordar dignamente o vosso Santo Fundador e para sempre valorizar melhor a maravilhosa riqueza espiritual da sua Regra.

Posso imaginar quantas reflexões sábias e úteis fizestes nestes dias de estudo sobre o tema tão interessante da oração monástica. E, como conclusão, quero deixar-vos uma breve exortação nesta etapa tão singular no desenvolvimento da história.

2. Qual é o valor da oração monástica no nosso tempo? Sem dúvida há tantos, e vós conhecei-los. Alguns desses valores são eminentemente actuais e característicos.

A oração monástica tem hoje em primeiro lugar um "valor apologético", ou, como também se costuma dizer, "profético". Hoje, o que mais impressiona no mundo moderno, é a crise da fé. Pois bem, a oração monástica, como a quis São Bento e como a seguir vem sendo praticada pelas diversas espiritualidades, é como um sinal luminoso na noite, um oásis no deserto das desilusões e das insatisfações, um barco estável e seguro entre as ondas tempestuosas dos sentimentos e das paixões. Com a sua oração, que nasce de uma fé longamente amadurecida e profundamente vivida, o monge e a religiosa de vida contemplativa, na aura serena da "lectio" e da "meditatio" da Sagrada Escritura, parecem dizer ao mundo inteiro, com modéstia mas com firmeza: "Sei que Deus existe e é Pai omnipotente e providente, e creio firmemente n'Ele — Sei que Deus se manifestou em Cristo, o Verbo Encarnado, e com ternura O amo — Sei que Cristo está presente na sua Igreja e filialmente a sigo".

A propósito disto, é-me grato recordar um trecho da Mensagem dos Bispos italianos para o XV Centenário do nascimento de São Bento: "O nosso tempo tem necessidade de redescobrir a força de Deus que fala, agita, provoca, se revela, se comunica, chama e atrai à comunhão com Ele. No passado tudo parecia levar a Deus; hoje parece que nada e ninguém ajuda a pensar n'Ele. A respeito de Deus há quase uma tácita trama de silêncio. Mas não é assim: todos os dias cada um de nós, e todos nós juntos, podemos redescobrir o fascínio da sua presença e a necessidade que temos d'Ele para respirar e para viver. Talvez hoje as "teologias" os "discursos sobre Deus", por mais importantes que possam ser, não sejam mais suficientes. Exigem-se existências que gritem silenciosamente o primado de Deus. São necessários homens que tratem o Senhor come Senhor, que se dediquem à sua adoração e se aprofundem no seu mistério, sob o sinal da gratuidade e sem compensação humana, para testemunhar que Ele é o Absoluto" (Oss. Rom 18 de Março de 1980)

3. A oração monástica tem também um valor grandemente propiciatório e impetratório.

São Bento meditando assiduamente a Sagrada Escritura, sabia bem que Deus é infinitamente bom e misericordioso, mas é também infinitamente justo, e, conhecendo a situação de decadência moral do seu tempo, quis precisamente abrir o seu Mosteiro de modo especial para a salvação eterna de tantas pessoas.

O que atemorizava o Santo naquela época rude e violenta, deve atemorizar-nos infelizmente mais ainda nesta época, orgulhosa e requintada. Hoje muitos arriscam terrivelmente a sua eternidade! Sabemos, de facto, como diz o Autor da Carta aos Hebreus, que "está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo" (He 9,27). Mas o amor de Deus é imenso e a oração monástica pode salvar tantas almas pela força da "graça": Parce, Domine parce populo tuo!

Estando prestes a dirigir-me em peregrinação ao Santuário de Lisieux, recordo o que escrevia Santa Teresa do Menino Jesus, ainda hoje Mestra sábia e amiga intrépida no caminho da nossa vida: "Um domingo, contemplando a imagem de Nosso Senhor na Cruz, fui atingida pelo sangue que vertia de uma das suas mãos divinas: tive grande dor ao pensar que aquele sangue cairia por terra sem que ninguém se preocupasse de o recolher, e resolvi permanecer em espírito aos pés da Cruz para receber as divinas gotas que dela desciam e que — sabia — eu deveria depois derramar sobre as almas..." (História de uma alma, Man. A. Cap. V MSA 5). A oração monástica deve ser assim: uma oração aos pés da Cruz pela salvação do mundo.

Caríssimas Religiosas, retornando agora para os vossos Conventos, transmiti às vossas co-irmãs a minha saudação c o meu augúrio de paz e de alegria, em união com Maria Santíssima, que passou a sua vida em contínua oração perto do seu divino Filho e que nestes dias, recordamos orante no Cenáculo, com os Apóstolos, à espera do Espírito. Ela vos guie nas asceses da vossa vida consagrada a Cristo e à Igreja!

Acompanhe-vos a minha Benção.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR MARK EVELYN HEATH


NOVO MINISTRO PLENIPOTENCIÁRIO DA GRÃ-BRETANHA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 22 de Maio de 1980

: Senhor Ministro

É com muito prazer que recebo Vossa Excelência como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário de Sua Majestade Britânica a Rainha Isabel. Estou agradecido pela cortês saudação que me traz em nome de Sua Majestade e peço-lhe lhe leve os renovados protestos da minha alta consideração e cordiais bons votos.

Os contactos permanentes estabelecidos por meio destes canais, assim como a missão diplomática de que vós sois agora o chefe, reforçarão sem dúvida mais profundamente ainda a mútua compreensão e amizade entre a Santa Sé e o Reino Unido, e estreitarão e tornarão mais efectiva a colaboração para o bem.

Na vida internacional, o Reino Unido tanto por si mesmo como na qualidade de membro da Comunidade Europeia e do "Commonwealth" — tem parte importante a desempenhar em favor da liberdade, paz e cooperação, entre os povos, e em defesa das organizações internacionais. O papel a que é chamado consiste em defender os valores da democracia e o respeito pela dignidade humana que são parte da magnifica tradição histórica e cultural do vosso povo. Os bons auspícios sob os quais o Zimbabwe se veio juntar às nações independentes do mundo pode ser atribuído à iniciativa do Governo Britânico que admiravelmente combinou coragem e paciência. Peço a Deus leve a que tais resultados positivos continuem a derivar da mesma fonte.

Rogo também que as dificuldades respeitantes à inquieta área da Irlanda do Norte venham a ser abrandadas por meios políticos pacíficos e se torne evidente que a paz completa os esforços da justiça, ao passo que a violência o não consegue; deste modo, hão-de a reconciliação e o amor vencer o ódio e a luta.

Estou informado dos progressos no entendimento entre a Igreja Católica e a Igreja da Inglaterra como também com as outras comunidades cristãs no vosso país. Tal entendimento e respeito, longe de se oporem à fidelidade perante a verdade, são consequência lógica dessa, fidelidade. Tenho o gosto de estar informado desses progressos e espero que eles continuem sem diminuição.

Com muito e antecipado prazer fico esperando a visita que Sua Majestade tenciona fazer ao Vaticano em Outubro. Entretanto sobre ela e todos os seus súbditos invoco as bênçãos de Deus todo-poderoso. Do mesmo modo peço pela felicidade e bom resultado da vossa própria missão.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ALUNOS DO COLÉGIO DIOCESANO


SANTO ALEXANDRE DE BÉRGAMO


Sexta-feira, 23 de Maio de 1980



Caros jovens do Colégio Diocesano Santo Alexandre!

Agradeço-vos sinceramente esta visita, que me oferece a oportunidade de vos ver aqui reunidos e de manifestar a minha afectuosa palavra de exortação. Agradeço, de modo particular, o vosso zeloso Bispo, D. Giulio Oggioni, pelas belas e significativas palavras, que, interpretando também os vossos sentimentos, quis dirigir-me. A minha cordial saudação estende-se aos vossos pais, a todo o corpo docente e sobretudo, ao vosso Reitor, Pe. Achille Sana, pela iniciativa desta peregrinação romana junto do túmulo de São Pedro e junto da sede do seu Sucessor, na Cátedra romana.

A vossa presença reaviva no meu espírito a estima que nutro por Bérgamo, a bonita cidade lombarda, de onde viestes: faz-me recordar a sua história, as suas vetustas tradições cristãs, as suas instituições culturais — dentre elas o vosso Colégio, que se gloria de mais de um século de vida e de actividade —, o seu povo forte, trabalhador e generoso; mas sobretudo traz-me à mente e ao meu coração a querida e paternal figura do vosso maior conterrâneo e meu venerado Predecessor, o Papa João XXIII, que, traçando um sulco profundo na vida da Igreja do nosso século, deixou grande recordação no mundo inteiro, honrando e engrandecendo assim a terra natal e o espírito do seu povo e além disso o Pontificado Romano.

Caros jovens, como herdeiros directos de uma tão rica tradição religiosa, sede conscientes e merecedores de pertencer ao Colégio Diocesano Santo Alexandre, do qual saíram homens ilustres que marcaram tão intensamente a vossa cultura. Sabei avaliar a graça que vos é concedida de a ele pertencer e considerai a ocasião que ele vos oferece para serdes iniciados nas altas e autênticas experiências da vida intelectual e moral. Tende os vossos olhos abertos e os vossos corações prontos para corresponder às instâncias e as expectativas dos vossos superiores, das vossas famílias e da sociedade moderna, com um empenho escolástico e disciplinar sério, sereno e construtivo.

Gostaria muito de conhecer cada um de vós, de saber quais são os vossos estudos; qual é o clima cultural da vossa escola e qual a atmosfera espiritual da vossa comunidade colegial. Gosto de a imaginar — e faço votos por que assim possa ser — como uma compreensão de espíritos, feita de fecunda colaboração entre superiores e alunos, entre professores e alunos; em bom nível pela intensidade de estudos e de propósitos, pela consciência do que sois e daquilo que aspirais ser.

Mas sobretudo digo-vos: sede jovens que sabem procurar Cristo, conhecê-1'O e amá-1'O. Acreditai n'Ele: sede "fortes in fide", como exortava o Apóstolo Pedro na sua primeira carta (1P 5,9). A Igreja quer que tenhais uma fé forte e tal como a exige o empenho da vossa vontade. Tende a coragem de a exercitar, respirar e professar não só interiormente, para sentir a sua luz e doçura, mas também exteriormente para a exprimir em palavras, no canto e na conduta diária.

São Pedro, do seu sepulcro aqui tão perto, em Roma, no centro da Cristandade recomenda-vos e hoje repete-vos a sublime e salutar lição de como crer, de como superar as debilidades e os obstáculos, e de como ser verdadeiramente cristãos.

Deste modo, vós jovens, sabereis santificar também o vosso estudo e dele fazer a vossa paixão, encontrareis a força para superar as negligências e as hipocrisias convencionais, terais a capacidade e o gosto de vos elevar à compreensão dos outros e aos problemas do nosso tempo numa atitude de amizade, de operosidade e de serviço. Sabereis viver no vosso Colégio com ânimo cheio de jovialidade pura e boa, e muito bem podereis fazer à juventude que vos circunda. Auguro que possais dar ao vosso Instituto novas benemerências, oferecer à sociedade precioso contributo de salubridade moral e também cultural, e professar a Cristo um testemunho de incomparável valor, merecendo ser chamados e sendo realmente verdadeiros filhos da Igreja, fortes, fiéis e generosos.

Com estes pensamentos e com estes votos invoco sobre cada um de vós a protecção de Nossa Senhora Santíssima, Sede da Sabedoria, e de Santo Alexandra, vosso celeste Padroeiro, enquanto de coração vos dou a propiciadora Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS CAPITULARES MERCEDÁRIOS


Sexta-feira, 23 de Maio de 1980



Queridos irmãos da Ordem
da Bem-Aventurada Virgem Maria das Mercês

Com profunda alegria compartilho convosco estes momentos de intimidade, num encontro familiar que espero possa servir para estreitar ainda mais os laços de comunhão afectuosa entre o vosso Instituto e o Papa.

Sei que estais reunidos em Roma por motivo do Capítulo geral, no qual depõem tanta esperança, todos os religiosos da Ordem, comprometidos apostolicamente em 10 países de diversos continentes.

Agradeço a vossa visita, com a qual desejais manifestar-me os vossos sentimentos de fiel adesão ao Magistério da Igreja. Nesta oportunidade quero confirmar a profunda estima que nutro pela vossa antiga e benemérita Ordem, que desde há mais de sete séculos e meio se prodigalizou em prol dos membros mais aflitos e oprimidos do Corpo místico de Cristo.

A missão que o vosso Fundador, São Pedro Nolasco, vos confiou, na obra directa de redenção e ajuda aos prisioneiros, e que absorveu toda a sua actuação apostólica em paróquias, hospitais para os pobres, ensino e missões, encontra-se hoje prolongada num carisma de serviço à fé, para projectar um raio de esperança e oferecer a assistência da caridade de Cristo a quantos se encontram submetidos a novas formas de escravidão na nossa sociedade: em centros penitenciários, em subúrbios de pobreza e de fome, em ambientes de droga, em zonas de materialismo em que se persegue a Igreja ou ela está reduzida ao silêncio, etc.

Trata-se de um campo vasto no qual devem transbordar, sem reservas, o vosso espírito religioso e a disponibilidade total à qual vos conduz a vivência generosa dos conselhos evangélicos e a profissão do vosso quarto voto. Essa será a maneira de serdes fiéis, hoje, ao vosso carisma, à linha traçada por São Pedro Nolasco e proposta já nas primitivas constituições de 1272.

Não há dúvida que é um compromisso eclesial exigente ao qual vos convida a vossa vocação. Para que esta entrega se mantenha viva, é necessário que sejais almas de uma profunda vida interior e que renoveis as vossas forças no contacto com o Modelo de toda a perfeição: Cristo Jesus, bom Pastor e Salvador. Por isso vos repito: "As vossas casas devem ser, sobretudo, centros de oração, de recolhimento, de diálogo — pessoal e comunitário — com Aquele que é e deve ser o primeiro e principal interlocutor na sucessão laboriosa das horas de cada jornada vossa" (Discurso aos Superiores-gerais religiosos, 24 de Novembro de 1978). Nesta escola sublime o religioso saciará a sede de Deus que deve ser uma característica na sua vida (cfr. Ps 63,1-2) e encher-se-á deste grande amor que dá um sentido novo à própria existência. (cfr. Redemptor hominis RH 10).

Falando a Religiosos, cujo Fundador se empenhou tanto na devoção à Mãe de Deus e nossa Mãe, não posso deixar de vos exortar a manter e aprofundar este grande amor mariano que é uma nota peculiar da vossa Ordem. Tomai da "Mãe de Misericórdia" e"Consolo dos aflitos" o exemplo e a inspiração a todo o momento. Ela vos guiará para o seu Filho e vos indicará o valor de cada alma, a que deveis dedicar zelosamente o cuidado do vosso ministério.

Animando-vos nos vossos propósitos, reitero-vos a minha confiança, rezo por vós e concedo a cada um dos membros da vossa Ordem a minha especial Bênção.




Discursos João Paulo II 1980 - Sexta-feira, 16 de Maio de 1980