Discursos João Paulo II 1980 - Sábado, 18 de Outubro de 1980

Não é preciso realçar o prestígio que esta realização confere à Santa Sé; não se pode, contudo, deixar de sublinhar o grande serviço que ela presta à Igreja universal, como também ao mundo inteiro. A ampliação dos locais do Arquivo Secreto Vaticano tornou-se necessária pelo constante aumento das fontes documentárias que para aqui convergem. São escritos que atestam o que é realizado pela Igreja nas suas multíplices manifestações: os relacionamentos entre a Cátedra de Pedro e as Igrejas locais, entre a Santa Sé e os Governos dos diversos Países e a actividade do Papa nas suas várias formas.

São suficientes estes acenos para se compreender a importância do Arquivo, como instrumento e fonte de governo, de direito, de história, em outras palavras, de conhecimento, de humanidade e de cultura: ele não é somente mero conjunto e conservação de escritos, mas reveste-se de um aspecto dinâmico, nas suas diversas fases funcional, administrativa e cultural. Considere-se, por exemplo, o facto que os vários documentos relativos a esta Sessão do Sínodo, como às outras já realizadas ou que virão a realizar-se, serão a seu tempo depositados neste Arquivo, que guardará, por assim dizer, durante séculos quanto prova as ansiedades pastorais dos Bispos neste momento histórico. E estes escritos serão amanhã objecto de estudo, manifestando o espírito com que foram redigidos.

A este propósito devo recordar as palavras do meu Predecessor, Paulo VI, de venerada memória, dirigidas aos cultores dos Arquivos eclesiásticos: ":.. Os nossos pedaços de papel são ecos e vestígios desta passagem do Senhor Jesus pelo mundo. E, então, o ter cuidado destes papéis, dos documentos e dos arquivos, por reflexo, quer dizer cultuar a Cristo, ter o sentido da Igreja, dar a nós mesmos, e a quem vier, a história da passagem desta fase do 'transitus Domini' pelo mundo" (26 de Setembro de 1963; Ensinamentos de Paulo VI, I, 1963, PP 614 s.).

2. Esta inauguração inicia as manifestações comemorativas do primeiro centenário da abertura do Arquivo Secreto Vaticano aos estudiosos, decretada pelo Sumo Pontífice Leão XIII no final do ano de 1880 e iniciada em 1881. Desde então a pesquisa histórica pôde valer-se, precisamente graças àquele acontecimento, de uma documentação que, pela quantidade e qualidade, o mundo não tem igual. Esta documentação foi aumentando constantemente, com subsídio de novo e variado material arquivístico, a ponto de justificar estas novas dependências. Documentos e locais que, mais uma vez, a Santa Sé coloca à disposição do mundo dos estudos. E foi justamente em harmonia com as disposições leoninas e dos outros Pontífices, meus predecessores, que desejei fosse como um dos primeiros actos do meu pontificado, a abertura aos pesquisadores, em vez de outras fontes documentárias, precisamente daquelas do pontificado de Leão XIII (22 de Dezembro de 1978; Ensinamentos de João Paulo II, 1978). A Igreja deseja servir o homem também nisto, entregando-lhes parte importante da sua história.

3. Efectivamente, o Arquivo central da Santa Sé tem uma história bastante antiga, que remonta às mesmas da Igreja. Com a paz constantiniana o scrinium ecclesiae, sem dúvida já rico de escritos pontifícios, estruturou-se em departamento, que pôde prestar serviço muito útil ao Bispo de Roma e à catolicidade inteira. Longo seria traçar aqui a história do Arquivo pontifício durante todo o curso do período medieval, e, além disso, ela é já bem conhecida, pelo menos nas suas grandes linhas. Convém, contudo, recordar o cuidado com que os Pontífices romanos sempre guardaram este crescente património de história: de Leão Magno a Gregório Magno, Gregório VII, Inocêncio III, Bonifácio VIII, até aos Pontífices do período de Avinhão, que, embora em meio a grandes dificuldades, conservaram o inteiro património arquivístico. Grande empreendimento foi, após o cisma do Ocidente, reunir os diversos arquivos papais que se tinham formado; os Pontífices dos séculos XV e XVI, que se tornaram peritos, devido às crescentes dificuldades para a conservação de material tão importante, decidiram colocar no Castelo Santo Anjo a parte mais preciosa dos arquivos papais, enquanto, pouco depois, Paulo V fez vir para o Vaticano a parte mais antiga do material arquivístico que estava nos diversos departamentos da Cúria, reunindo, não sem dificuldades, num só lugar, o primeiro núcleo destinado a formar o Arquivo Secreto Vaticano.

Mas a vida deste Arquivo tem sempre conhecido e conhecerá crescimento e dinamismo. A conservação do material e a sua reunificação num só centro, são apenas alguns dos desvelos que os meus predecessores mostraram para com esta grande Instituição, porque foi preciso muitas vezes intervirem na própria colocação do imponente grupo de escritos, foram necessárias importantes obras de adequada sistematização. Entre as últimas intervenções não se pode esquecer, além daquelas de Leão XIII, que dotou o Arquivo de uma sala de estudo, a de Pio XI, que tornou disponíveis os recintos da antiga pinacoteca, doando-os ao Arquivo e proporcionando aos estudiosos uma sala de consulta mais apropriada. Depois das dificuldades da segunda guerra mundial, Pio XII provê também o Arquivo de novos ambientes e infra-estruturas.

O nosso venerado predecessor Paulo VI, finalmente, entre os muitos não pequenos melhoramentos por ele precedentemente desejados, tomou a corajosa decisão de ampliar o Arquivo Secreto Vaticano com estes locais, que hoje chegam felizmente à sua realização.

4. Ao dirigir-me agora aos que trabalham no Arquivo Secreto Vaticano, admirando o seu precioso trabalho ao serviço da pesquisa, que exige paciência e dedicação, desejo manifestar a cada um a minha gratidão mais viva e sincera, dirigindo uma palavra de reconhecimento ao benemérito Mons. Martino Giusti, Prefeito do Arquivo, no qual, há quarenta e oito anos, trabalha com generosa diligência.

Quero também agradecer aos estudiosos presentes, recordando-lhes o carácter historicamente solene e sagrado dos documentos; objecto dos seus estudos; não me parece inoportuno repetir a todos a exortação que Pio XII dirigiu aos alunos das Escolas Vaticanas de Paleografia, Diplomática e Arquivística, e de Biblioteconomia (15 de Junho de 1942): "Aplicai-vos sempre mais em compreender (...) a substância fantástica daqueles Documentos, em que a palavra : e a acção dos Papas tocam argumentos de princípio e de doutrina; daqueles Documentos, que pelo seu conteúdo religioso e moral vão bem além de cada caso particular, e com os quais os Romanos Pontífices têm assinalado as linhas directrizes para a vida eclesiástica em alguns Países ou em toda a Cristandade, realizando assim um trabalho de civilização, de renovamento e de progresso. O tempo que aplicais em seguir, pesquisar e compreender o pensamento e o intento científico e moral destes Documentos, não é despendido em vão nem para a vossa cultura nem para o fim a que visa directamente a vossa formação; é pelo contrário largamente recompensado pelas vantagens, que dele experimentais para o vosso estudo, verificando um novo estímulo que vos entusiasme e mais vos anime ao esmero".

Dirija-se também um delicado reconhecimento à Direcção Geral dos Serviços Técnicos do Governatorado do Estado da Cidade do Vaticano e aos seus colaboradores, às empresas e ao seu conjunto de mestres e operários.

5. Concluo voltando com o pensamento para o histórico evento da abertura do Arquivo Secreto Vaticano. Leão XIII, naquela ocasião, quis fazer coincidir os conceitos de pesquisa histórica e de pesquisa da verdade. Na carta "Saepenumero considerastes", de 18 de Agosto de 1883, escrevia: "A primeira lei da história é não ousar dizer nada de falso; e além disso não calar nada de verdadeiro" (primam esse historiae legem ne quid falsi dicere audeat; deinde ne quid veri non audeat). A carta vinha logo depois da abertura do Arquivo Secreto Vaticano, acontecimento cujo valor era novamente chamado pelo Pontífice como inspirado num só e coerente desígnio, na confiança de que a verdade "obscurari aliquando potest, extingui non potest".

Estes mesmos intentos têm guiado nos anos a actividade do Arquivo. O amor à Verdade é amor ao homem e é amor a Deus. Com esta persuasão a Igreja colabora com todos os meios possíveis pára o conhecimento e a difusão da verdade, ê continua neste caminho. Disto, esta inauguração é uma nova prova.

O Senhor nos guie, sempre, nesta busca! A todos a Bênção Apostólica, confirmando este voto que faço de coração.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE CICLISTAS AMADORES


Domingo, 19 de Outubro de 1980



Apraz-me muito, caríssimos amadores do desporto ciclístico, este encontro por vós há muito desejado, que me oferece a grata ocasião de vos manifestar os sentimentos do meu afecto e dirigir ao mesmo tempo uma palavra de sinceras felicitações e de encorajamento.

Apresento uma particular saudação ao vosso Presidente, Cav. Luigi Leggeri, e ao P. Battista Mondin, que há mais dé um decénio assiste espiritualmente a vossa grande família de quarenta mil componentes. Com vivo agrado vejo aqui presentes entre vós alguns campeões das passadas competições, aos quais exprimo a minha admiração e o meu encorajamento.

Esta agradável visita realiza-se no XXV aniversário da vossa Associação, cujas recentes peregrinações à Terra Santa e as precedentes aos santuários marianos de Lourdes e de Czestochowa, como também a realizada pelos desportistas do Lácio a Nossa Senhora da Mentorella na primavera passada merecem menção especial. Tais manifestações de fé associam-se muito bem com o ordenado exercício do desporto, porque ele constitui uma actividade que, fortificando o corpo, leva o espírito a elevar-se para Deus na contemplação das maravilhas por Ele criadas.

O espírito reflexivo do desporto, enquanto percorre as estradas que se estendem entre planaltos, colinas montanhas e rios, pode descobrir a mão inteligente e generosa do Senhor, e o olhar de admiração pode tornar-se prece. E eu de coração vos desejo que assim seja sempre.

2. O desporto do ciclismo, se praticado com assiduidade e com amor, é também escola de sobriedade, de força de vontade e de constante sacrifício; é actividade muito árdua e empenhativa, que dá satisfações apenas a quem é votado à renúncia e ao empenho perseverante. Praticado de forma turística, é feliz ocasião para criar novas amizades, para consolidar laços de fraterna solidariedade que, se permeados pela fé, constituem concretos testemunhos daquele amor evangélico que Jesus recomendou aos Seus.

Seguindo o exemplo dos vossos melhores campeões, fazei com que as vossas competições e as vossas corridas sejam sempre benéficas para a vossa vida interior e para o cumprimento dos vossos deveres sociais, familiares e religiosos, mediante o encontro com Cristo de modo especial no que diz respeito à santificação do Domingo que é, precisamente, o dia do Senhor.

Com o voto de um feliz êxito para os trabalhos da Associação Nacional "Amadores do Ciclismo", que se realizarão na próxima semana em Urbino, concedo-vos a minha cordial Bênção, que de bom grado faço extensiva às vossas famílias e aos vossos Entes queridos.



VISITA DO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO COLÉGIO URBANIANO

E À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE URBANIANA

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA INAUGURAÇÃO DO «AUDITÓRIO JOÃO PAULO II»


Domingo, 19 de Outubro de 1980



De bom grado vim hoje aqui, ao Janícolo, para um encontro que envolve as características da universalidade, devido à presença dos Padres Sinodais vindos a Roma de todas as partes do mundo para debaterem os problemas da família no nosso tempo.

Este encontro realiza-se significativamente em coincidência com o Dia Missionário Mundial, instituído com sábia previdência pelo meu Predecessor Pio XI, justamente definido o "Papa das Missões"; Dia que me ofereceu a consoladora ocasião de entregar, na Basílica de São Pedro, o Crucifixo a numerosos missionários e missionárias, prontos a partir, com todo o ardor que a nobilíssima causa exige, para o campo ainda vastíssimo da evangelização.

Subo a esta Colina, recordando que Paulo VI, o meu grande Predecessor, realizou também ele e precisamente em coincidência com o Dia Missionário Mundial de 1974, durante o Sínodo daquele ano, com os Padres Sinodais então presentes, uma visita memorável ao Colégio Urbano, tão antigo e tão glorioso, justamente para salientar a sua providencial, perene e insubstituível função.

É para mim motivo de particular alegria encontrar-me aqui, conservando ainda no espírito a recordação da visita feita no ano passado à sede do Discastério, na "Piazza di Spagna", segundo o programa dos encontros, directos e pessoais, com os meus mais próximos e directos colaboradores nos Organismos da Cúria Romana.

Ao encontrar-me neste "Auditório", posso constatar com os meus olhos que se trata de uma construção felizmente realizada, com sentido de arte e critérios de razoável funcionalidade. É uma nova obra que vem enriquecer, juntamente com a Biblioteca recentemente inaugurada e a vizinha sede do ampliado "Foyer Paulo VI", as estruturas próprias da Pontifícia Universidade Urbaniana.

Desejo exprimir ao Sagrado Dicastério missionário e, em particular, ao seu dedicado Prefeito toda a minha satisfação e o meu reconhecimento.

Faço votos, portanto, por que também este instrumento seja um meio

verdadeiramente válido, que a Sagrada Congregação para a Evangelização dos Povos e, de modo especial, a Pontifícia Universidade Urbaniana, saibam usufruir com oportunas iniciativas para continuar as nobres tradições que as distinguem.

Precisamente nesta sede, circundado pelos Padres Sinodais, muitos dos quais, Cardeais e Bispos, provêm das sedes dos Continentes onde a evangelização missionária ainda se expande, é-me grato, com renovada confiança, desejar que a mesma Congregação, estimulada pelo Mandato que lhe é confiado pela Sé Apostólica, saiba adoptar "com sabedoria uma oportuna flexibilidade das formas do anúncio do Evangelho, para o tornar a Mensagem Divina não só compreensível mas aceita pelas populações de todas as culturas".



VISITA DO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO COLÉGIO URBANIANO

E À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE URBANIANA

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS PROFESSORES E AOS ALUNOS


DA UNIVERSIDADE URBANIANA


Domingo, 19 de Outubro de 1980




Veneráveis Irmãos e caros Filhos

1. Devo manifestar-vos antes de tudo, com grande sinceridade, profunda alegria por esta minha visita à Pontifícia Universidade Urbaniana, visita que dá seguimento às precedentes, por mim realizadas às Pontifícias Universidades de São Tomás de Aquino, Gregoriana e Lateranense.

Nestas visitas consegui encontrar-me com os Dirigentes, Professores e Alunos, a quem pude manifestar a sincera estima, o profundo afecto e a vibrante solicitude, que a Igreja e o Papa alimentam pelos centros culturais, que têm sede na Cidade Eterna e são verdadeiras forjas de ciência e de formação humana, cristã e sacerdotal.

Hoje, na significativa circunstância do "Dia Missionário Mundial", encontro-me aqui, na sede da Pontifícia Universidade Urbaniana, cujo nome se deve ao meu Predecessor Urbano VIII, o qual, por meio da Carta Apostólica Immortalis Dei Filius erigiu canonicamente, no 1° de Agosto de 1627, o Pontifício Seminário Urbano, no qual piedosos e doutos clérigos seculares recebiam educação e formação a fim de serem enviados a qualquer parte do mundo para propagar a fé católica, mesmo à custa da própria vida.

Encontro-me aqui, neste Ateneu, que recolhe hoje, em feliz união e significativa concórdia, estudantes que provêm de todas as partes do mundo, trazem a Roma as múltiplas riquezas das culturas dos seus Povos e o trasbordante entusiasmo da juventude dada a Cristo e à Igreja, e voltarão às suas longínquas Nações a tornar participantes os seus irmãos do magnífico e misterioso dom da fé.

Apraz-me recordar que, no 1° de Maio de 1931, o meu Predecessor Pio XI inaugurou pessoalmente a nova sede do Colégio, aqui no Janículo; e que no 1° de Outubro de 1962 João XXIII, com o Motu proprio Fidei Propagandae, conferiu ao Ateneu o título de "Universidade" e, durante a visita por ele feita a esta sede, pronunciou aquelas esplêndidas palavras, que desejo fazer também minhas: "As nossas duas residências do Vaticano e do Janículo olham-se de frente, olhàm-se, falam-se e entendem-se; uma mesma inspiração, uma mesma oração pela redenção em Cristo do mundo inteiro".

2. Caríssimos Superiores, Professores e Alunos. Neste nosso encontro quereria brevemente apresentar à vossa consideração as notas específicas, que devem caracterizar a vida desta Pontifícia Universidade Urbaniana.

A primeira deve ser a da eclesialidade. Pertenceis à Igreja, sois a Igreja; especialmente vós, estudantes, nela vos formais no estudo severo, na ordenada disciplina e na oração contínua, para trabalhar a fim de a Igreja se dilatar cada vez mais no mundo, manifestando com cada vez maior eficácia a sua essencial e intrínseca catolicidade. A vossa vida está ligada e unida à de toda a Igreja: às Igrejas jovens que vos esperam com ansiedade para receberem de vós luz, conforto e esperança; àqueles membros da Igreja que abraçaram não poucos sacrifícios para poder contribuir, mesmo economicamente, para a vossa preparação e formação; às Igrejas mais antigas, que esperam de vós nova força e juvenil energia, as quais se difundam em toda a articulação da Igreja universal.

O amor à Igreja — Corpo místico de Cristo, Povo de Deus e Edifício de Deus — deve estar profundamente radicado no vosso coração. Tornemos a ouvir e meditemos as conhecidas e comovidas palavras do grande Bispo e mártir de Cartago, São Cipriano: "Não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe"; e, falando da unidade da Igreja, acrescenta: "quem não tem esta unidade, não tem a lei de Deus, não tem a fé do Pai e do Filho, não tem a vida e a salvação" (De Catholicae Ecclesiae unitate, 6: CSEL, 3, 1, 214).

A vossa vida cultural, que se desenvolve por meio de sérios e metódicos cursos académicos, como também a vossa formação espiritual em preparação para o Sacerdócio, devem ser animadas pela dimensão eclesial.

A Teologia, que é o coração dos estudos próprios desta Universidade, é ciência eclesial; cresce na Igreja, fala da Igreja e desenvolve-se à luz do Magistério da Igreja. "Na investigação e no estudo da doutrina católica — afirmei na Constituição Apostólica Sapientia Christiana — deve bilhar sempre a luz da fidelidade ao Magistério da Igreja. Depois, no desempenho do múnus de ensinar, principalmente no ciclo institucional, seja apresentado em primeiro lugar aquilo que faz parte do património adquirido pela mesma Igreja. As opiniões prováveis e pessoais, que porventura derivem de recentes investigações, sejam propostas com discrição e apenas como tais" (II parte, art. 70).

Isto exige estudo cuidadoso, investigação apaixonada, grande seriedade científica e o esforço conjunto da específica preparação dos Professores e do trabalho pessoal dos Alunos. Essa sede de verdade e de absoluto, que é típica do homem de todos os tempos e todas as civilizações, e se encontra de maneira singular nas concepções religiosas e em muitas outras tradições atávicas dos vossos Povos, deve ser estímulo contínuo para o estudo cada vez mais aprofundado das várias disciplinas teológicas, evitando as fáceis sugestões da superficialidade e do conformismo.

Mas o estudo, separado da vida espiritual, não pode plasmar os verdadeiros teólogos, e menos ainda os autênticos apóstolos de Cristo. Por isso, a formação espiritual — baseada e radicada na fé viva, na serena esperança e na caridade prática — deve ser a primeira meta das várias fases da vida desta Universidade e dos Colégios, que na Urbe vos hospedam com tanto amor. E tal formação deve ser tipicamente "eclesial", porque vós vos preparais para vir a ser operários fiéis, que dêem frutos dignos na vinha do Senhor, que é a Igreja.

A oração assídua — quer pessoal quer comunitária — ajudar-vos-á a aprofundar a doutrina teológica e a viver os mistérios da revelação cristã.

3. Outra nota, característica desta Universidade é a sua romanidade.

Todos vós, filhos caríssimos, tendes a felicidade de poder completar os vossos estudos em Roma, nesta cidade sacralizada pela fé e pelo sangue dos Apóstolos Pedro e Paulo, e de tantos mártires, que nos deixaram, como tesouro e dever, o exemplo luminoso do testemunho que deram a Cristo; nesta cidade que, não sem divina disposição, é o centro da catolicidade, a sede do Sucessor de Pedro, e para a qual estão orientados o coração e a fé de milhões de crentes.

Entre os vossos condiscípulos e os vossos professores encontrais pessoas de todas as nações e de línguas diversas, mas todos unidos pela e na mesma fé; podeis viver aqui em Roma a experiência exaltante da unidade e da catolicidade da Igreja; unidade e catolicidade, nas quais devereis continuamente formar cada uma das vossas Igrejas particulares. "Quanto mais uma Igreja particular estiver ligada, por vínculos sólidos de comunhão, à Igreja universal — na caridade e na lealdade, na abertura para o Magistério de Pedro, na unidade da "Lex orandi" (norma da oração), que é também a "Lex credendi" (norma para crer), e no cuidado pela unidade com todas as demais Igrejas que formam a universalidade tanto mais essa Igreja... será verdadeiramente evangelizadora, ou seja, capaz de ir beber no património universal para fazer que dele aproveite esse seu povo; e, depois, capaz de comungar com a Igreja universal a experiência e a vida desse mesmo povo, para benefício de todos" (Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi EN 64).

Sim, Filhos caríssimos. Cada Igreja particular deve ser "evangelizadora", isto é, deve viver em contínua tensão missionária. Precisamente a missionaridade é a terceira característica da Pontifícia Universidade Urbaniana, pois está aberta a muitos grupos culturais diversos.

A vossa Universidade é — bem o podemos dizer — quase um sinal concreto e visível da universalidade da Igreja, que em si acolhe, na própria unidade, a diversidade dos povos todos. Unidade e diversidade que Santo Agostinho, comentando o salmo 44, reconhece no vestido precioso da Igreja-Rainha, que é apresentada ao Rei-Cristo: "O vestido desta rainha qual é? Não é só precioso mas também variado: os mistérios da doutrina em todas as variadas línguas. Uma a língua africana, outra a siriaca, outra a grega, outra a hebraica, esta e mais aquela: constituem estas línguas a variedade do vestuário desta rainha. Como porém toda a variedade do vestuário concorda na unidade, assim também todas as línguas para uma só fé. No vestuário há variedade, não haja rasgão. Entendemos a variedade a respeito da variedade das línguas e entendemos o vestuário por causa da unidade... Porque todas as línguas proclamam a mesma sabedoria, a mesma doutrina e disciplina" (Enarr. in Ps 44,24 PL Ps 36,253).

De modo particularíssimo sobressai neste instituto, sempre vivo e actual, o problema da relação entre mensagem cristã e culturas, diversas. A força do Evangelho deve penetrar no coração mesmo das várias culturas e das diversas tradições. Em tal contexto — como recordei na Exortação Apostólica sobre a catequese — devem ter-se presentes dois princípios: "Por um lado, a Mensagem evangélica não é isolável pura e simplesmente da cultura em que ela primeiramente se inseriu (o mundo bíblico e mais concretamente o meio cultural onde viveu Jesus de Nazaré), nem mesmo, sem perdas graves, das culturas em que ela já se exprimiu ao longo dos séculos...; por outro lado, a força do Evangelho por toda a parte é transformadora e regeneradora. Quando penetra numa cultura determinada, quem se maravilhará de que ela aí aperfeiçoe muitos elementos? Deixaria de haver catequese se fosse o Evangelho a ter que alterar-se no contacto com as culturas" (Catechesi Tradendae CTR 53).

E na minha recente viagem à África, dirigindo-me aos Irmãos no Episcopado do Quénia, dizia-lhes: "A aculturação ou inculturação, que vós fundadamente promoveis, será na realidade reflexo da Encarnação do Verbo, quando uma cultura, transformada e regenerada pelo Evangelho, produz, da sua própria tradição, expressões originais de vida, de celebração e de pensamento cristão. Respeitando, apresentando e favorecendo os próprios valeres e a rica herança cultural do vosso povo, estareis capazes de guiá-lo para uma melhor compreensão do mistério de Cristo, que deve ser vivido nas nobres, concretas e quotidianas experiências da vida africana".

A Faculdade de Teologia, com as suas várias disciplinas, o Instituto Missionário científico e o Instituto de Catequese Missionária, canonicamente erecto há alguns meses, deverão aprofundar, com rigor científico, o problema da aculturação do Evangelho e deverão formar adequadamente os futuros Arautos, que em todas as Nações saibam difundir a mensagem de Cristo, sem adulterá-la ou esvaziá-la, mas levando-a ao coração mesmo da vida e das tradições dos vários Povos, para elevá-los a Cristo, caminho, verdade e vida (cf. Jo Jn 14,6).

Para realizarem isto, é preciso fazerem-se as pessoas ao alto com coragem, para o mar ilimitado da evangelização, na barca de Pedro, que é a Igreja. "Nem... é sem valor a nau — adverte-nos Santo Ambrósio — que se faz ao largo. Porque se escolhe uma nau — pergunta o santo Doutor — em que se sente Cristo, e a multidão seja ensinada, senão porque a nau é a Igreja que, com a vela panda da cruz do Senhor, sob o impulso do Espírito Santo, navega prosperamente neste mundo?" (De Virginitate, 18: PL 16, 297).

A vós todos vos confio a Maria Santíssima, a Estrela da Evangelização, e — ao tornar a confirmar-vos o meu aplauso, o meu incitamento e o meu afecto — concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica.



VISITA DO DO PAPA JOÃO PAULO II

AO COLÉGIO URBANIANO

E À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE URBANIANA

DISCURSO DO SANTO PADRE

NA CAPELA DO COLÉGIO URBANO


Domingo, 19 de Outubro de 1980



Caríssimos Professores e Alunos!

Neste dia tão intenso de espiritualidade missionária e muito denso de encontros e emoções, sinto particular alegria por me encontrar convosco e reservar um pouco do meu tempo, para vos dirigir a minha saudação muito cordial e afectuosa e dizer quanto o Vigário de Cristo está sempre perto de vós. Meus são os vossos problemas, desejos e ideais; e meus também as vossas alegrias e júbilos.

Viestes de tantas regiões da terra, falais várias línguas, trazeis convosco diversas culturas; e, contudo, sois "uma só coisa" aqui, em Roma, no centro da Cristandade, unidos na fé e no amor a Cristo, para retornardes para as vossas terras com mais profunda e convicta consciência da verdade do mistério escondido por tantos séculos e revelado em Cristo Jesus (cf. Col Col 1,26).

Muito me alegro com cada um de vós, e auguro-vos de coração uma formação intelectual e moral completa, profunda e irradiante, que vos dê força e consolação por toda a vida. E a este propósito, deixo-vos uma particular exortação.

Neste "Dia Mundial das Missões" meditámos sobre o valor sempre actual e autêntico da palavra ao Divino Mestre: "Ide, pois, ensinai todas as nações... ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho mandado" (Mt 28,19-20). O mundo tem sempre necessidade de evangelização, de catequese e de conversão.

Mas para realizar este intento, Jesus prescreveu-nos também a condição necessária e indispensável: a unidade! Assim disse Jesus na "oração sacerdotal": "para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste!" (Jn 17,21).

São palavras impressionantes porque fazem depender da nossa unidade na verdade, na caridade e na disciplina, a credibilidade do Evangelho, isto é, do amor de Deus criador e redentor. E são palavras determinantes e irreversíveis, porque divinas.

Por este motivo, caríssimos, exorto-vos a tender, nestes anos de estudo e formação, ao amor da verdade, como é revelada pela "palavra de Deus" e ensinada pelo Magistério da Igreja. Tendei constante e seriamente à unidade na verdade, seguindo os exemplos dos grandes Santos e dos heróicos Missionários! Esta é a orientação que vos deixo; estes são os meus votos!

O amor ardente a Jesus Eucarístico e a Maria Santíssima, seja o centro propulsor para a vossa formação na unidade, para todos serem, e logo, apóstolos e testemunhos da verdade e da caridade.

Acompanhe-vos sempre a minha oração e a minha Bênção Apostólica.



RÁDIOMENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS FIÉIS DE LEÃO (ESPANHA) POR OCASIÃO


DO QUINQUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO


DA COROAÇÃO DA IMAGEM


DA "VIRGEM DO CAMINHO"


Domingo, 19 de Outubro de 1980



Amadíssimos irmãos e irmãs!

É para mim um motivo de grande satisfação estar hoje convosco e unir-me à vossa voz, em sintonia de sentimentos e de afectos, para prestar homenagem de amor filial à Santíssima Virgem, neste quinquagésimo aniversário da Coroação canónica da sua imagem — imagem evocadora de "A Piedade" —, venerada neste formoso Santuário, sob a invocação popular de "A Virgem do Caminho". A todos os caríssimos filhos de Leão e das regiões vizinhas, chegue a minha saudação mais cordial de bênção no Senhor: "Que a paz de Cristo tenha sempre no vosso coração a última palavra. Sede agradecidos" (cf. Col Col 3,15).

Os meus sentimentos são, pois, de sinceras felicitações para vós que, seguindo os passos dos vossos antepassados na fé, caminhais ao encontro diário com Cristo, nossa paz, trazido de maneira especial pela Virgem a estas laboriosas terras. O povo de Leão está a viver feliz esta presença da Mãe e do Filho no seu solo, particularmente durante estes dias de expansivo respiro espiritual condensando na oração, à espera de hoje renovar a sua oferenda, generosa e confiante àquela a quem canta como "Rainha e Mãe" com espontâneo fervor e gratidão.

Sei muito bem o que isto significa e por isso dou graças a Deus. Significa que desde esse lugar bendito, lar espiritual da família leonina e remanso acolhedor para devotos e peregrinos, se tem difundido no tempo e no espaço e gravado nos corações o mistério de amor, que a Virgem do Caminho, conservando-o visível entre os seus braços, tornou realidade mais frutuosa e próxima: Cristo nosso Salvador, Cristo nosso irmão.

A Virgem do Caminho, mostrando e pondo ao alcance dos vossos olhos a humanidade permanente e redentora do seu divino Filho, tem sido durante séculos um evangelho vivo: tem anunciado sem cessar que as chagas, as dores e até mesmo a morte, assim como a solidão, a divisão dos espíritos e dos males morais não são para os seus filhos a última palavra. Ela está a dizer e a provar-lhes que a sorte definitiva do homem é Cristo, a Palavra encarnada, o Amor feito perdão, graça e alegria de Deus entre o seu povo. Quantos, junto da sua imagem, se têm sentido bem-aventurados, porque, como Ela, "acreditaram" (cf. Lc Lc 1,45), deixando-se deste modo aproximar das fontes da salvação! Verdadeiramente, Ela manifestou-lhes, e vós tendes experimentado, "o dom de Deus" (cf. Jo Jn 4,10), esse desejo íntimo de redenção que tem inundado a alma desta região espanhola e que expressais felizmente como uma súplica anelante dirigida à Virgem: "mostrai-nos a Jesus, vivo e glorioso, que é a nossa herança".

Sim, Jesus vivo e glorioso, herança nossa insubstituível: eis aí, em resumo, o evangelho perene da Virgem do Caminho. É sumamente consolador para mim, saber que esta mensagem mariana não ficou em vão silêncio, mas que encontrou terreno propício para se enraizar num coração novo e num espírito novo, que vos mantêm unidos na esperança e no amor fraterno. Seja um eco vivo desta solidariedade com Cristo por Maria, a Residência para inválidos a ser erguida à sombra protectora desse Santuário, sob o patrocínio da Cáritas diocesana; ninguém melhor que estes nossos irmãos, cuja existência sofrida os faz semelhantes ao Servo de Deus, para tornar actual e familiar, isto é, eclesial, a presença de Cristo, caminho de verdade e de vida, que "nos transformará em corpo glorioso como o Seu".

Tudo isto vos traz recordação; a tudo isto vos chama a Virgem do Caminho na sua figura da "Piedade". E da vossa generosidade espera também que vos disponhais a continuar proclamando a sua própria mensagem. Ela espera isto de todos, mas particularmente dos sacerdotes, dos religiosos e das pessoas consagradas, que assumem como própria, com o seu "fiat", a alegre missão de dar a. vida pelos homens, por Cristo palavra definitiva e herança nossa.

A vós, às vossas famílias, aos anciãos e enfermos, às crianças e jovens a minha mais cordial Bênção Apostólica, no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS PONTIFÍCIAS UNIVERSIDADES ROMANAS


Terça-feira, 21 de Outubro de 1980




Discursos João Paulo II 1980 - Sábado, 18 de Outubro de 1980