Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 21 de Outubro de 1980

Senhores Cardeais ilustres
Professores caríssimos alunos

1. Este encontro enche-me de alegria. Ocupais lugar especial no meu coração e no coração da Igreja. Ao olhar para vós, vêm-me aos lábios as palavras do Apóstolo: "A todos os amados de Deus que estais em Roma, chamados à santidade: graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo" (Rm 1,7).

A minha saudação dirige-se, antes de tudo, ao Senhor Cardeal Baum, para quem vai o meu reconhecimento pelas corteses palavras com que desejou apresentar esta assembleia, interpretando de modo penetrante os vossos sentimentos de sincera adesão à Cátedra de Pedro. Saúdo cordialmente os Professores, que honram com a sua presença este encontro de reflexão e de oração. E saúdo todos vós, caríssimos alunos, que quisestes recolher-vos comigo à volta do Altar de Cristo, no princípio do Ano Académico.

Desejei intensamente, eu mesmo, este momento, a que atribuo particular importância. Considero, de facto, muito significativo, no começo de um novo ano de estudo, o encontro das Comunidades, distribuídas nas várias Universidades eclesiásticas de Roma, com o próprio Bispo para uma solene celebração eucarística, em que se parte aquele Pão divino, que pode fazer de muitos um corpo só (cf. 1Co 10,17). A Palavra de Deus, que ouvimos proclamar há pouco, ajuda-nos a penetrar em profundidade no significado deste acontecimento, consentindo-nos medir-lhe o transcendente alcance.

2. "Vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo" (Mt 5,13-14) repetiu Jesus no Evangelho. Que quer dizer "sal", que quer dizer "luz"?

É claro que, com o auxílio destas metáforas, Jesus quis definir quem são os seus discípulos e indicar quais dotes devem eles possuir. O binómio "sal-luz" constitui a síntese expressiva da missão por Ele confiada à Igreja e a cada um dos seus membros.

Se tal indicação diz respeito a cada discípulo de Cristo, dirige-se em particular a quem exerce a missão de animador da Comunidade cristã, porque chamado a fazer de guia aos próprios irmãos na progressiva descoberta dos tesouros de verdade, oferecidos ao homem pela Revelação. Como não colocar, entre esses animadores, todos os que fazem parte dos Centros eclesiásticos universitários, de que a Igreja espera, segundo as palavras do Concílio Vaticano II, que aprofundem "os vários campos das disciplinas sagradas, de tal maneira que se consiga uma inteligência cada vez mais profunda da Revelação divina, se patenteie mais plenamente o património da sabedoria cristã transmitida pelos antepassados, se promova o diálogo com os irmãos separados e com os não-cristãos, e se dê resposta às questões nascidas do progresso da ciência"? (Declar. Gravissimum educationis, GE 11).

Reflictamos, portanto, sobre o que deixam entrever as sugestivas imagens, a que Jesus recorre. Perguntemo-nos o que encerram para a vossa situação própria. Não está de algum modo esboçada nelas a natureza íntima da Comunidade académica, em que os Professores devem "brilhar" diante dos discípulos por competência e doutrina, e "condimentar" ao mesmo tempo a formação deles com o "sal" da sabedoria e da sapiência? Se bem se reflecte, está aqui indicado o princípio, com base no qual se há-de construir aquela particular unidade espiritual que tira a origem do amor pela "luz" — isto é pela verdade —, e deriva além disso da firmeza, da solidez e da robustez do testemunho vivido que, à maneira do "sal", torna crível o ensinamento ministrado. A vida da inteira Comunidade universitária encontra aqui o critério decisivo da sua autenticidade.

A palavra evangélica desvela depois, em perspectiva, o futuro para o qual deve tender toda a Comunidade recolhida na estrutura universitária: nela se preparam aqueles que serão, amanhã, a "luz" e o "sal" no meio dos irmãos; "não se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire.." (Mt 5,15). A dimensão pastoral deve estar constantemente diante dos olhos de todos os que fazem parte da Universidade, e deve orientar eficazmente o esforço. Quando Cristo diz "Brilhe a vossa luz diante dos homens" (Mt 5,16), indica especial responsabilidade quer dos discípulos quer dos mestres: a responsabilidade de trabalhar pela glória do Pai.

3. A nossa reflexão esta tarde é estimulada e orientada também pelas sugestões contidas no esplêndido trecho da Primeira Carta aos Coríntios, que nos foi proposto. Nele o Apóstolo fala do "espírito do homem", "conhecedor dos segredos do homem", e do "Espírito de Deus", o único a quem se desvelam "os segredos de Deus" (cf. 1Co 2,11).

São expressões das quais transparece, primeiro que tudo, a estima do Apóstolo Paulo pela capacidade que tem o espírito humano de penetrar o próprio mundo interior e, através deste, também o mundo circunstante.

É estima que traz consigo uma indicação precisa: a de utilizar prudentemente os recursos da própria inteligência no esforço requerido para a conquista da "Ciência" de que fala São Paulo. A indicação vale em particular para vós, membros de Centros universitários, que como tais tendes a este respeito deveres peculiares, para que dispondes também de possibilidades e instrumentos, que a outros estão vedados.

Exactamente essa "Ciência" é fruto do "ensinamento do Espírito", e decide de toda a autenticidade e riqueza da vossa vida espiritual: nela está encerrada como que a síntese da "teologia" e da "vida pelo Espírito", concentrada no mistério pascal que irradia também para os vossos estudos.

Por isso, urge que enfrenteis o trabalho — de professores ou de alunos — com seriedade e com sentido de responsabilidade. O que significa muitas coisas: por exemplo, o bom emprego do tempo, utilizando especialmente as muitas possibilidades; que oferece uma cidade como Roma, para a investigação pessoal, diálogo cultural, a troca de ideias, de informações e de experiências, medida à extensão eclesial, internacional e intercontinental.

Significa também o esforço de um estudo aprofundado, metódico e orgânico, tanto nos cursos fundamentais como nos especializados e especialísticos, segundo o programa e as normas da Constituição Apostólica Sapientia Christiana datada de 15 de Abril de 1979 e das Normas de Aplicação que se lhe seguem; documentos muito importantes, a cuja atenta aplicação, estou certo, desejará cada um oferecer o seu generoso contributo.

Seriedade e sentido de responsabilidade significam ainda a aquisição de uma real competência nas várias matérias, de modo que possa responder às exigências tanto do trabalho científico e pastoral, ecuménico, escolar e missionário, como às do serviço que sois chamados a prestar às Igrejas locais e à Igreja universal, como requer a citada Constituição (cf. Proémio, III).

Nesta circunstância, desejo chamar a atenção de vós todos, caros Directores, Professores e Alunos, para a necessidade de se cultivarem as disciplinas filosóficas e teológicas, seja em si mesmas, seja na conexão delas com as ciências antropológicas e cosmológicas, seja nas relações com as experiências vivas da pastoral, da cultura, dos costumes, e da vida social e política do nosso tempo. Este é o caminho para chegar a anunciar a verdade evangélica com força persuasiva no confronto entre razão e fé, com método adequado e em diálogo construtivo com os homens do próprio tempo. Este é o segredo para se chegar a ser, a nível cultural e científico mas também pastoral e catequético, "sal da terra e luz do mundo".

4. O Apóstolo Paulo não fala apenas do "espírito do homem", mas também do "Espírito de Deus", a propósito do qual afirma: "Nós recebemos o Espírito de Deus para conhecer tudo que Deus nos deu" (cf. 1Co 2,11-12). Para o Apóstolo, o conhecimento da verdade não é somente fruto do esforço humano: é também — e para a verdade teológica, é sobretudo — dom do alto, acolhido com humilde disponibilidade e, direi, em profunda e grata adoração.

Tal dom não pode ser apreciado e acolhido pelo "homem natural" (1Co 2,14), que julga "loucura" tudo o que, na interpretação de si e do mundo, transcende a medida da sua inteligência. Ao "ensinamento do Espírito" está, ao contrário, aberto o "homem espiritual", que pode afirmar com o Apóstolo: "Nós temos o pensamento de Cristo" (1Co 2,16), "pensamento" que encerra no centro, como São Paulo precisa no mesmo contexto, o mistério "absurdo" da cruz (cf. 1Co 1,17 ss; 2, 2).

Por isso, na investigação teológica adquire importância fundamental a oração, entendida como prática de cada dia e como espírito de fé e de contemplação, que deve tornar-se estado habitual da vida do estudioso cristão. Este é o ponto: a verdade do Senhor estuda-se com a fronte inclinada; ensina-se e prega-se na expansão da alma que a crê, a ama e dela vive.

Por isso é necessário levantar muitas vezes a oração que traduz a opção do autor do Livro da Sabedoria: "Pedi o espírito da sabedoria e ele me foi dado. Preferi-o aos ceptros e tronos, e, em comparação com ele, tive em nada as riquezas...; amei-o mais do que a saúde e a beleza, e antes o quis ter que a luz do sol, porque a sua claridade jamais se extingue" (Sg 7,7-8).

Todos os cultores das ciências sagradas, e das que estão com elas relacionadas, devem empenhar-se nesta docilidade e fidelidade ao Espírito de Deus, como os grandes Padres e Mestres da Igreja, entre os quais me apraz recordar hoje Santo Alberto Magno, porque, no próximo 15 de Novembro decorre o sétimo centenário da sua morte.

Nesse dia irei a Colónia, para honrar este eminente filósofo e teólogo medieval, que no seu trabalho científico soube harmonizar a cultura humana e a sabedoria cristã, exactamente porque vivia na oração e na meditação das verdades eternas, para alimentar no seu coração a chama do amor divino. Não hesitava em afirmar: "Mais ajudam a adquirir a oração e a devoção do que o estudo" (Summa theol.,. pról.). São Tomás, seu discípulo, foi também seu imitador neste culto da vida interior e na prática da oração.

5. Eis as exigências que estão diante de vós, caríssimos Professores e alunos, na perspectiva deste novo Ano Académico, que inauguramos esta tarde no contexto majestoso desta Basílica, em que se guardam os despojos mortais do Apóstolo Pedro. Não é acaso necessário que se ponha cada um a escutar quanto sugere a eterna Palavra de Deus? Não há acaso razão para reflectirmos nisto com ânimo decidido e disponível, tendo o desejo de corresponder do melhor modo possível às expectativas dos Superiores, dos irmãos e da Igreja inteira?

Como Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal, estou aqui para rezar convosco, para invocar a descida do Espírito Santo às vossas mentes e aos vossos corações, para pedir que Ele vos inunde com o esplendor da Sua luz e vos acompanhe com o conforto dos Seus sete dons no vosso estudo e no vosso apostolado.

Caríssimos jovens, conheço a vossa generosidade e sei que posso contar com a vossa capacidade de esforço e o vosso espírito de sacrifício. Ao apresentar-vos, portanto, os meus votos cordiais de um ano escolar sereno e frutuoso, recomendo-vos: estudai e comportai-vos de modo que deis satisfação às aspirações do povo cristão, que também no Sínodo dos Bispos se expressaram várias vezes, especialmente nas palavras comovedoras da Madre Teresa de Calcutá, que pedia aos Padres Sinodais que dessem às comunidades cristãs santos sacerdotes, apóstolos da verdade e do amor.

E a vós, Professores e Responsáveis da vida universitária, desejo confirmar, também nesta circunstância, o alto apreço que nutro pela missão por vós desempenhada na Igreja: missão sublime a vossa! Mas também missão especialmente delicada e difícil, não só pelos árduos caminhos da investigação cientifica pelos quais tendes de avançar, mas também pela responsabilidade formativa a respeito de tantos jovens que se confiam à vossa guia. Sustenha-vos a confiança do Papa, que convosco e por vós ora junto do altar de Deus.

A Celebração eucarística, que nos reuniu esta tarde na contemplação das profundidades da Palavra de Deus, consolide a íntima união de mentes e corações, que deve existir entre os Ateneus eclesiásticos de Roma durante todo o Ano Académico. Apesar de ocupados em institutos diversos. no aprofundamento de campos distintos da investigação, . segundo métodos talvez diferentes, permanecei na unidade que brota da verdade hoje ouvida.

O Espírito divino desça sobre todos vós e, pela virtude do Sangue de Cristo, vos torne sábios cultores da verdade e bons administradores dos dons de Deus.

"Vós sois a luz do mundo... Vós sois o sal da terra...

Brilhe a vossa luz diante dos homens".

Amém.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA COREIA EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Quinta-feira, 23 de Outubro de 1980



Caros irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

1. Na especial unidade que experimentamos hoje, contente está o nosso coração e rejubila o nosso espírito. Juntos, desfrutamos um elevado senso do que significa encontrar-se "em Cristo". Para mim pessoalmente constitui particular alegria dar-vos as boas-vindas, ao Senhor Cardeal Kim e aos outros irmãos meus no Episcopado, pois que, no profundo mistério da colegialidade, reservou a Divina Providência tanto, a mim como a vós um elo vital com a história da salvação, qual se desenrola ela nas vidas de todo o povo coreano.

A vossa presença aqui expressa também a vossa percepção do inestimável valor da comunhão eclesial. Junto do túmulo dos Apóstolos tome-se essa vossa presença um acto público de acção de graças — um solene hino de louvor — para com a acção salvífica de Deus, que se opera cada dia na Igreja ao longo da Coreia, e que tem tocado as vidas de tantas gerações dos vossos antepassados. Com as palavras do Salmo podemos juntos proclamar: "Bendito seja o Senhor dia após dia, o Deus que nos salva e carrega os nossos fardos. O nosso Deus é um Deus que salva..." (Ps 68,19-20).

2. Com efeito, toda a história da evangelização na Coreia é recapitulada neste dinâmico momento — que viveis hoje — de fidelidade à pregação de Pedro e Paulo. A vossa visita consolida essa história, desde a primeira menção do nome de Jesus Cristo no vosso país, e especialmente desde aquela carismática implantação da fé há cerca de dois séculos, que se efectuou par intermédio do leigo Yi Sung-hun. Chamados à "obediência da fé" (Rm 1,5) pela acção do Espírito Santo, prestaram os vossos antepassados heróico testemunho de fé, que atingiu a sua culminância na fortaleza dos Mártires coreanos.

3. Este mesmo Espírito Santo actua ainda hoje e a graça de Cristo continua a sazonar frutos de justiça e santidade de vida. Como deixar de louvar o nosso Deus Salvador pelos sinais de vitalidade católica encontrada nas vossas Igrejas locais, pela dádiva de fé e baptismo constantemente renovada para edificação da Igreja universal! Ainda relembro com júbilo como, durante a vigília pascal do corrente ano, me foi dado, a mim pessoalmente, baptizar e crismar uma porção de pessoas que haviam sido zelosamente preparadas, lá na sua pátria coreana, para esses ritos de iniciação cristã. A Igreja de Deus, que está no vosso meio, tem sido efectivamente capaz de operar grandes obras de fé e caridade — e tudo isso em nome do próprio Jesus.

4. Com fidelidade e perseverança tendes desempenhado a vossa missão cristã de serviço, dando autêntica resposta ao mandamento de amor que Jesus nos legou. Nas escolas e nos hospitais, mediante múltiplas obras de misericórdia e empenho pela promoção humana, as vossas comunidades locais têm-se demonstrado capazes de dar uma resposta verdadeiramente cristã às necessidades humanas.

5. Embora numericamente reduzidos em proporção aos vossos irmãos e irmãs, tendes zelosamente prestado relevante serviço e contributo ao bem comum. Os vossos concidadãos católicos, individual e colectivamente, têm dado dignas e altamente estimadas contribuições nos sectores religioso, social, cultural político e económico. Deve a Igreja continuar a efectivar a sua plena solicitude pela pessoa humana, pelos direitos de todo o homem, de toda a mulher e de toda a criança. E assim estará sempre atenta a Igreja ao desafio pastoral que enfrenta em matéria de direitos humanos, matéria essa em que não deve ela cessar de enquadrar a sua resposta no contexto da própria missão que lhe é peculiar, de acordo com a qual estará sempre preocupada com a dimensão ética e humanitária de toda e qualquer questão que toca a existência humana, reconhecendo de facto que, conforme ao ensinamento de Jesus, justiça e misericórdia figuram entre "os pontos mais graves da lei" (Mt 23,23).

6. Ao mesmo tempo proporcionará a Igreja a sua original, peculiar e maior contribuição: a proclamação do Evangelho salvífico e enaltecedor de Jesus Cristo na sua plenitude. Um aspecto da sua actividade — mas que é especial e inalienável direito e dever do laicato — que merece particular consideração é a actividade do laicato no que concerne à renovação de toda a ordem temporal (cf. Apostolicam Actuositatem AA 7). Existem muitas facetas nessa grande tarefa — claros objectivos a serem colimados e meios específicos a serem empregados — e não é possível tratá-los agora. Mas, recorde sempre o nosso laicato católico que lhe cabe o papel principal no sentido de encaminhar toda a criação ao louvor de Deus e de impregnar o mundo com o espírito de Cristo (cf. Lumen Gentium LG 38).

7. Em 1984 celebrareis na Coreia o bicentenário da vossa evangelização. Será sem dúvida aquele um tempo de graça, fortalecimento e renovação. A propósito dessa magna efeméride estais zelosamente preparando um plano nacional de pastoral para os anos 80. Nesse coordenado esforço tendes certamente uma oportunidade providencial para promover vigorosamente a unidade das vossas Igrejas locais. Em cada aspecto da vossa actividade eclesial chama-nos Cristo a sermos um n'Ele. Por conseguinte, tudo o que se fizer para promover a unidade do Episcopado e a unidade do clero, redundará em unidade do Corpo de Cristo e em eficiência da missão da Igreja. Oxalá sinta cada segmento vital da Igreja, cada grupo paroquial, cada comunidade de religiosos e religiosas, a necessidade de estarem unidos na aceitação da palavra de Deus e de serem "fiéis ao ensinamento dos apóstolos, à fraternidade, à fracção do pão e à oração" (Ac 2,43).

A preparação de um plano pastoral propicia excelente ocasião para abraçar de novo e cada vez mais eficientemente — e com total prioridade — a missão evangelizadora da Igreja. O fundamento, o centro e o vértice dinâmico dessa evangelização é "a clara proclamação de que, em Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, que morreu e ressuscitou da morte, é oferecida salvação a todos os homens, como dádiva da graça e da misericórdia de Deus" (Evangelii Nuntiandi EN 27). E qual poderia ser a maior oferta a ser apresentada por intermédio de Cristo Jesus ao seu Pai, por ocasião do vosso bicentenário, senão a oblação de unidade — todos, conforme à injunção de São Paulo, "unidos no mesmo espírito e no mesmo pensamento" (1Co 1,10)?

8. Bem amados Irmãos: muitos são os obstáculos e as dificuldades que enfrenta o Evangelho e que põem em risco a vida e dignidade humanas. Mas, tenhamos fé na oração de Jesus Cristo. Confiemos na sua graça que nos sustenta.

Dignos da vossa especial afeição e atenção pastoral são os vossos seminários e os vossos seminaristas. Com a assistência do Espírito Santo, muitos jovens têm escutado o convite divino. Asseguremos, da nossa parte, que seja sólida a formação doutrinal e espiritual deles, digna de Cristo que os chamou para serem fiéis por toda a vida. Caso seja falho o tirocínio deles, carente será tudo o mais. A única base para a vida e o ministério sacerdotais é a pura palavra da revelada verdade de Deus. Salvaguardemos esse tesouro e transmitamo-lo em toda a sua vitalidade através dos nossos seminários. É difícil imaginar responsabilidade mais tremenda do que este encargo que nos impôs, a nós Bispos, o Cristo Pastor Supremo.

Encareço-vos que comuniqueis a todos os vossos sacerdotes, sejam eles diocesanos ou missionários, a certeza do meu amor em Cristo. Ao defrontarem-se eles com os problemas pastorais do dia-a-dia, inclusive os de uma sociedade urbanizada e migrante, urgi-os a terem confiança em Cristo e na sua permanente presença. A maior força deles será sempre a sua união com o Senhor, especialmente através da oração e da Eucaristia.

Em todos os religiosos e religiosas mantenhamos alto o ideal de santidade e a sabedoria da Cruz. Não é aquilatada a eficiência deles por padrões humanos, e sim pela sua capacidade de amarem a Jesus e aos seus Irmãos.

Recomendo-vos todos à graça salvífica de Cristo Nosso Senhor, e exorto-vos a estardes repletos de confiança, a caminhardes para a frente, com esperança. Jesus está, na verdade, a dizer-nos: "Noli timere, pusillus grex, quia complacuit Patri vestro dare vobis Regnum" (Lc 12,32). Vão as minhas cordiais e respeitosas saudações a todos os vossos irmãos não cristãos, com os quais viveis e operais em fraternal estima e amor. Vão as minhas preces e os meus bons votos, outrossim; a todas as autoridades do vosso país, a todos os vossos concidadãos de boa vontade.

9. Nesta altura, dirige-se em particular o meu pensamento aos vossos irmãos e irmãs que vivem na Coreia do Norte, especialmente aos que sofrem tribulações por causa do nome de Jesus e por causa da sua fidelidade a Ele. Saibam que, de facto, não são olvidados. A Igreja universal oferece a eles a certeza das suas preces e da sua solidariedade e amor indefectíveis. Ao falarmos deles em face do mundo, confiamo-los com esperança a Deus, que "é capaz de operar com maior abundância do que tudo quanto pedirmos ou pensar-mos" (Ep 1,20).

10. E mesmo ao envidarmos esforços para desincumbir-nos das nossas graves responsabilidades pastorais, estamos profundamente convencidos de que o destino do povo de Deus está no poder da Sua graça, a qual é abundantemente ministrada pelas mãos da sua bendita Mãe Maria. Ela tem velado diuturnamente pela evangelização do vosso povo e continuará a conduzir-vos todos a Cristo Jesus seu Filho e, por intermédio d'Ele, ao Pai, ao qual, na unidade do Espírito Santo, sejam tributados louvores e graças para todo o sempre.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DO 18º CONGRESSO


INTERNACIONAL DOS JORNALISTAS EUROPEUS


25 de Outubro de 1980



Senhoras, Senhores

É com particularíssima alegria que recebo os representantes da Associação dos Jornalistas Europeus neste ano dedicado ao grande apóstolo e padroeiro da Europa, São Bento. Para o vosso 18° Congresso Internacional, reunistes-vos nesta cidade de Roma, cuja vocação europeia terá favorecido e mesmo inspirado os trabalhos da vossa assembleia.

Estais empenhados na formação da opinião pública dos países europeus, e nisso está uma bela e pesada responsabilidade. Estais bem conscientes das enormes dificuldades de ordem política, económica, social e sobretudo humana, que o ideal da unidade da Europa encontra para se realizar. Este continente abarca grande número de comunidades nacionais e poderia por conseguinte beneficiar de toda a riqueza das suas culturas próprias dentro do respeito por cada uma; mas está marcado pelas oposições e lutas que estes Estados tiveram entre si, exasperando assim as suas divergências políticas, ideológicas ou religiosas, ou querendo fazer valer pela força interesses particulares. De maneira que esta longa história não facilita a tarefa dos que vêem na unidade da Europa o meio de realizar a compreensão e a fraternidade dos povos que a formam e de contribuir assim para a paz do mundo.

Deve reconhecer-se que, apesar dos grandes passos dados, a inspiração previdente e generosa de tantos pioneiros, homens e mulheres (que dedicaram o seu tempo e as suas canseiras ao ideal da Europa) não encontrou ainda a sua plena realização. Os meus predecessores, desde a época de Bento XV, não deixaram de contribuir incitando e exortando, segundo acaba de recordar o vosso Presidente a quem agradeço vivamente o seu pensar elevado. Retomando o que disse Paulo VI aos Directores dos jornais dos países membros da Comunidade económica europeia a 17 de Abril de 1967, recordo que a missão do Papa não é a de apresentar a melhor fórmula política ou económica para realizar a união dos povos da Europa: «A nossa missão é outra: é de ordem moral e espiritual. Mas é precisamente à luz dos princípios de ordem superior que aparece com maior evidência o carácter nefasto das divisões e das oposições entre os homens e os povos. E à luz das exigências profundas da natureza humana e da vida em sociedade que melhor se manifesta a necessidade para os homens de se aproximarem e amarem e de unirem esforços para realizarem por fim esse mundo fraterno e verdadeiramente humano pelo qual, conscientemente ou não, todos os homens e todos os povos aspiram profundamente» (cf. Insegnamenti di Paolo VI, Tip. Pol. Vat., vol. V, p. 739).

E toda a gente sabe, a este propósito, que a Europa pode encontrar nas suas tradições os valores humanos, morais e espirituais, que asseguram a dignificação da existência pessoal, o sentido do trabalho, das relações familiares, o respeito do homem, dos seus direitos, da sua liberdade, do seu destino, a dinâmica do perdão e da fraternidade...A Igreja muitas vezes glorificou neste ano a contribuição original de São Bento de Núrsia para esta civilização, de maneira que seria supérfluo insistir nisso de novo, diante de vós. Desejo pelo menos que saibais colocar sempre em relevo estes valores espirituais que a Europa foi buscar ao Cristianismo ou desenvolver na esfera dele, mas são o património da natureza humana, de todos os homens de boa vontade. A Europa deve dar disso testemunho ao mundo; o que é verdade é que sem estes valores a sua construção seria frágil e, atrevo-me a dizê-lo, destinada ao malogro.

Mas é muito oportuno que o vosso Congresso tenha estudado também, com o auxílio de especialistas, os problemas de ordem política, monetária, agrícola e energética, que exprimem concretamente a solidariedade nos cuidados da vida quotidiana e contribuem para tornar, o entendimento e a união, realistas e eficazes, sobretudo desde que a eleição do Parlamento europeu, por sufrágio universal e directo, fornece novas possibilidades de orientações comuns.

Pertencer-vos-á desde então contribuir para este progresso utilizando os instrumentos — para dizer a verdade, bastante poderosos — que vos são próprios: jornais, rádio e televisão. Desenvolvereis assim as conclusões do vosso Congresso, de maneira relativamente fácil para serem compreendidas pela grande massa interessada dos homens e mulheres, e em particular dos jovens.

A vossa tarefa neste campo, como aliás em todos quantos os «mass media» atingem, é determinante para a maturação e o sentido de responsabilidade da opinião pública, exactamente à medida em que souberdes ao mesmo tempo comunicar os dados reais e propor as vossas convicções sobre a realização ideal da Europa. Muito recentemente ainda, a 25 de Setembro, tive ocasião, diante dos congressistas da União internacional da imprensa católica, de sublinhar os valores da comunicação: «escuta, informação recíproca, permuta, comunhão, participação e compromisso ao serviço dos outros, numa palavra, tudo o que vai fazer que os homens se conheçam melhor e melhor colaborem» (Discurso de 25 de Setembro de 1980, n. 7).

A vossa atenção está centrada em particular na construção actual da unidade europeia, mas não podeis deixar de alargar a vossa visão a um horizonte mais vasto. A vossa esperança, como a de muitos europeus, está em ver este continente inteiro encontrar a sua solidariedade e união numa Comunidade dos povos europeus, que já têm em comum tantas tradições culturais e cristãs. E este voto encontra um princípio de realização, ou antes novo período, ao entrarem proximamente novos países da Europa na Comunidade a que consagrastes agora os vossos trabalhos.

A Comunidade económica europeia tem, além disso, ligações económicas com aproximadamente uns 60 países da Africa, das Caraíbas e do Pacífico penso especialmente na segunda convenção de Lomé o que pode apresentar-se como forma interessante de compreensão e solidariedade para com os países do terceiro mundo. Deve sem dúvida desejar-se que este tipo de ligações se estenda a outros países mais desfavorecidos do mundo, com os quais aliás a Comunidade já iniciou acordos de associação.

Nisto ainda, com os vossos meios de comunicação, podeis levar a que se compreendam os valores culturais e espirituais destes países e as suas exigências maiores no campo social e económico. A vossa competência, a vossa lealdade e o vosso espírito de serviço permitirão oferecer contributo precioso, mesmo aos políticos que estão encarregados de tarefas tão complexas. Numa palavra, ajudareis na edificação do homem que é afinal o objectivo do vosso trabalho, do homem cujos direitos são inseparáveis dos direitos de Deus.

Desejo que a graça de Deus vos inspire e acompanhe, e peço ao Senhor que abençoe as vossas pessoas, as vossas famílias, os vossos colegas e os vossos queridos países.



SANTA MISSA NO ENCERRAMENTO

DA V ASSEMBLEIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Capela Sistina

25 de Outubro de 1980



Veneráveis Irmãos

1. Acabamos de ouvir o apóstolo São Paulo dar graças a Deus pela Igreja de Corinto, «porque foi enriquecida em Cristo Jesus, em toda a palavra e em toda a ciência» (cf. 1Co 1,5). Também nós, precisamente nesta hora, nos sentimos impelidos a dar graças primeiro que tudo ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, antes de terminarmos este Sínodo dos Bispos; para o celebrar, quer os membros da mesma Assembleia quer os colaboradores, reunimo-nos no mistério daquela máxima unidade que é própria da Trindade Santíssima. A esta pois apresentamos em coro sentimentos de gratidão por termos acabado o Sínodo, que é excelente sinal de vitalidade, e momento importante da vida da Igreja. Na verdade, o Sínodo dos Bispos — para usarmos palavras do Concílio, segundo o desejo do Sumo Pontífice Paulo VI que o instituiu—«agindo em nome de todo o Episcopado Católico, mostra também como todos os Bispos, em comunhão hierárquica, são participantes da solicitude por toda a Igreja» (Christus Dominus CD 5).

Damos graças todos juntos por estas quatro semanas de trabalho. Este espaço de tempo — já antes de os últimos documentos, isto é a Mensagem e as Proposições, serem tornados públicos — frutificara em nós próprios, pois a verdade e o amor pareciam ir atingindo cada vez mais a, perfeição nas nossas almas com o decorrer dos dias e das semanas.

Este progresso deve sem dúvida realçar-se, e as características, que o ilustraram, merecem ser brevemente indicadas; assim se torna claro com que rectidão e sinceridade nele se manifestaram a liberdade e a responsabilidade acerca do assunto que se tratava

Queremos hoje primeiramente dar graças Àquele, «que vê o oculto» (Mt 6,4) e como «Deus oculto» actua, por ter dirigido os nossos pensamentos, os nossos corações e as nossas consciências, e por nos ter concedido aplicarmo-nos ao trabalho em paz fraterna e alegria espiritual; foram tais essas graças que não sentimos quase o trabalho e a fadiga. Se bem que houvesse matéria para fadiga! Mas vós não vos poupastes a nenhum trabalho.

2. E necessário também darmos agradecimentos uns aos outros. Antes porém deve confessar-se: aquele progresso --que, desenvolvendo-se gradualmente o método, nos levou a «praticar a verdade na caridade» — todos os devemos atribuir às orações instantes, que toda a Igreja, como que rodeando-nos, elevou ao céu durante este tempo. Esta oração teve por objecto o Sínodo e as famílias: o Sínodo, porque se referia às famílias; as famílias em relação com as tarefas que lhes competem na Igreja e no mundo actual. Estas súplicas ajudaram o Sínodo numa medida talvez completamente singular.

Era Deus instado com preces assíduas e abundantes: o que sucedeu sobretudo nó dia 12 de Outubro, quando na Basílica de São Pedro se juntaram casais, como representantes das famílias de todo o orbe, para juntamente connosco participarem nos sagrados ritos e orarem.

E se devemos apresentar agradecimentos mútuos, este dever havemos ao mesmo tempo de o cumprir com tantos benfeitores desconhecidos, que no mundo inteiro nos ajudaram com as suas preces, oferecendo também a Deus os próprios sofrimentos por este Sínodo.

3. Passamos agora a agradecer em especial a todos os que ajudaram a celebrar esta Reunião; referimo-nos aos Presidentes, ao Secretário-Geral, ao Relator-Geral, aos Membros de modo particular, ao Secretário Especial e seus Ajudantes, aos Auditores, às Auditoras, aos Encarregados dos Instrumentos de Comunicação Social, aos Dicastérios da Cúria Romana sobretudo à Comissão para a Família, e além disso a outros, quer dizer aos distribuidores dos lugares, e tendo o prazer de continuar a série abrangendo também os ajudantes técnicos, os tipógrafos e assim por diante.

Todos estamos agradecidos de ter podido levar a cabo este Sínodo: que foi mostra sem par da solicitude colegial pela Igreja, manifestada pelos Bispos de todo o Orbe. Estamos agradecidos porque nos foi dado compreender o significado da família, qual na realidade ela existe na Igreja e no mundo contemporâneo, atendendo nós às múltiplas e variadas condições em que ela se encontra, às tradições próprias das várias culturas que a efectam, aos elementos culturais que a atingem, e a realidades semelhantes. Estamos agradecidos, porque, no pleno respeito da fé, pudemos de novo perscrutar o eterno desígnio de Deus sobre a família, manifestado no mistério da criação e assinado pelo sangue do Redentor, Esposo da Igreja. Estamos, por fim, agradecidos por termos conseguido precisar, segundo a eterna disposição a respeito da Vida e do Amor, as tarefas da família na Igreja e no mundo contemporâneo.

4. O fruto, porém, que este Sínodo de 1980 já oferece imediatamente, encontra-se nas Proposições, aprovadas pela Assembleia. A primeira é a seguinte: «Como conhecer a vontade de Deus na peregrinação do Povo de Deus. O sentido da fé».

Este rico tesouro de Proposições, que ao todo são 43, recebemo-lo nós agora como fruto extraordinariamente precioso dos trabalhos do Sínodo.

Ao mesmo tempo manifestamos a alegria por a Assembleia, enviando a Mensagem, se ter dirigido à Igreja universal; Mensagem que a Secretaria Geral com a ajuda dos organismos da Sé Apostólica, tratará de enviar a todos os interessados, utilizando também a ajuda das Conferências Episcopais.

5. Tudo o que o Sínodo deste ano de 1980 estudou profundamente e comunicou nas mencionadas Proposições leva-nos a compreender melhor a missão cristã e apostólica da família no mundo actual, deduzindo-a da grande riqueza dos ensinamentos do Concílio Vaticano II. O caminho que devemos seguir consiste em procurarmos que as propostas doutrinais e pastorais deste Sínodo encontrem concreta aplicação prática.

O Sínodo deste ano relaciona-se profundamente com os Sínodos passados, de que é continuação. Referimo-nos aos Sínodos de 1971 e sobretudo aos de 1974 e 1977, que serviram e devem ainda servir para levar a efeito, na vida prática, o Concílio Vaticano II. Estes Sínodos fazem que a Igreja se apresente a si mesma de modo autêntico, segundo convém que suceda na situação do mundo actual.

6. Entre os trabalhos deste Sínodo deve atribuir-se a maior importância ao exame cuidadoso dos problemas doutrinais e pastorais, que muito o estavam a requerer, como também, consequentemente, ao juízo certo e claro sobre cada uma destas questões.

Na riqueza das intervenções, das relações e das conclusões deste Sínodo — que se moveu segundo duas directrizes: a fidelidade ao plano de Deus quanto à família, e a prática pastoral, caracterizada pelo amor misericordioso e pelo respeito devido aos homens, considerados em toda a sua plenitude, no que se refere ao «ser» e ao «viver» — nessa grande riqueza, dizíamos, a qual foi para nós motivo de grande animação, algumas partes há que chamaram a atenção dos Padres de modo especial, porque eles tinham consciência de ser intérpretes da expectativa e das esperanças de muitos cônjuges e muitas famílias.

Entre os trabalhos deste Sínodo convém recordar esses problemas e mais útil ainda é conhecer o estudo profundo que deles foi feito. Trata-se do estudo doutrinal e pastoral das questões que, se bem não tenham sido as únicas agitadas nas discussões do Sínodo, tiveram todavia especial relevo, pois delas se falou de modo sincero e livre. Dai a importância particular das orientações dadas pelo Sínodo, de modo claro e animoso, sobre as mesmas questões, tendo presente simultaneamente a visão cristã, segundo a qual o matrimónio e a família são considerados como dons do amor divino.

7. Por isso, o Sínodo, falando embora do ministério pastoral com aqueles que, depois do divórcio, passaram a nova união, atribui, por outro lado, o merecido louvor aos cônjuges que, apesar de angustiados por graves dificuldades, testemunham na própria vida a indissolubilidade do matrimónio; pois na vida deles aprecia-se a boa nova da fidelidade ao amor, que tem em Cristo a força e o fundamento.

Além disso, os Padres Sinodais, afirmando de novo a indissolubilidade do matrimónio e a maneira de proceder da Igreja que não admite à comunhão eucarística os divorciados que, contra a regra estabelecida, passaram a novo matrimónio, exortam os Pastores de toda a comunidade cristã a ajudar estes irmãos e irmãs a não se sentirem separados da Igreja; não só isso, mas devido ao baptismo podem e devem participar da vida da Igreja orando, ouvindo a Palavra, assistindo à Celebração eucarística da comunidade e promovendo a caridade e a justiça.

Não se deve negar que tais pessoas podem ser recebidas, dando-se as condições, ao Sacramento da penitência e depois à Comunhão eucarística. Dá-se isto quando sinceramente abraçam uma forma de vida que não se opõe à indissolubilidade do matrimónio — isto é, quando o homem e a mulher, que não podem cumprir a obrigação de separação, tomam o compromisso de viver em perfeita continência, ou seja, abstendo-se dos actos só próprios dos cônjuges — e quando não há motivo de escândalo. Entretanto a privação da reconciliação sacramental com Deus não os aparta da perseverança em orar e de praticar a penitência e a caridade, para conseguirem afinal a graça da conversão e da salvação.

Convém que a Igreja se mostre mãe de misericórdia, orando por eles e fortificando-os na fé e na esperança.

8. Os Padres Sinodais bem conhecem as graves dificuldades, que muitos cônjuges sentem na consciência, acerca das leis morais quanto à transmissão e à defesa da vida humana. Sabendo perfeitamente que o preceito divino traz consigo promessa e graça, os mesmos claramente reafirmaram a validez e a segura verdade da mensagem profética, dotada de alto sentido e bem adaptada às condições presentes, que se encontra na Carta Encíclica Humanae Vitae. O Sínodo incitou os teólogos a unirem os esforços com a actividade do Magistério hierárquico, para cada vez melhor explicarem os fundamentos bíblicos e as razões a que se chama «personalistas» desta doutrina, procurando que o ensino da Igreja a este propósito seja melhor compreendido por todos os homens de boa vontade.

Dirigindo-se àqueles que exercem o ministério pastoral para bem dos cônjuges e das famílias, os Padres Sinodais rejeitaram toda a bipartição ou dicotomia entre a pedagogia, que propõe certa gradualidade em realizar o plano divino, e a doutrina apresentada pela Igreja com todas as suas consequências, nas quais se inclui o preceito de viver segundo a mesma doutrina. Não se trata do desejo de observar a lei só como puro ideal para ser atingido no futuro, mas como mandamento de Cristo Senhor para que se vençam com empenho as dificuldades.

Na verdade, não se pode aceitar um «processo de gradualidade», senão no caso de alguém que, de ânimo sincero, observa a lei divina e procura aqueles bens que são guardados e promovidos pela mesma lei. Porque a chamada «lei da gradualidade», ou caminho gradual, não pode identificar-se com a «gradualidade da lei», como se houvesse vários degraus e várias formas de preceito na lei divina, para vários homens e várias condições na mesma lei. Todos os cônjuges são chamados à santidade no matrimónio segundo o desígnio de Deus; e esta vocação realiza-se na medida em que a pessoa humana pode corresponder ao preceito de Deus, com ânimo sereno, confiante na graça divina e na própria vontade.

Por isso, os cônjuges, que não têm a mesma sensibilidade religiosa, não podem aceitar passivamente a situação, mas deverão esforçar-se, com paciência e benevolência, por se encontrarem no fiel cumprimento dos deveres próprios do matrimónio cristão.

9. Os Padres Sinodais chegaram a mais uma profunda compreensão das riquezas, que se encontram nas várias culturas dos povos, ou dos contributos positivos que oferece cada género cultural para se conhecer mais plenamente o imperscrutável mistério de Cristo. Além disso, sublinharam que, mesmo no âmbito do matrimónio e da família, está aberto imenso campo à investigação teológica e pastoral, para melhor se favorecer a encarnação da mensagem evangélica na realidade de cada povo e para melhor se captar em que modos os costumes, as tradições, o sentido da vida e a alma de toda a cultura conseguem harmonizar-se com tudo o que pode contribuir para colocar em realce a Revelação divina (cf. Ad Gentes AGD 22).

Esta investigação produzirá frutos para as famílias, se feita segundo o princípio da comunhão da Igreja universal e sob o impulso dos Bispos locais, que entre si estejam unidos e com a Cátedra de Pedro, «que preside à comunhão universal da caridade» (Lumen Gentium LG 13).

10. De modo apropriado e convincente, falou o Sínodo da mulher, com reverência e muito reconhecimento, isto é, da sua dignidade e vocação como filha de Deus, como cônjuge e como mãe. Desaprovando tudo o que lesa a sua dignidade humana, o Sínodo pôs em evidência a dignidade da mãe. Por isso, com razão declarou que a sociedade humana deve constituir-se de maneira que as mulheres não sejam obrigadas a um trabalho fora de casa por motivos económicos, mas é preciso que a família possa viver convenientemente, mesmo quando a mãe se dedica totalmente a ela.

11. Se recordámos estes problemas e as respostas que lhes deu o Sínodo, não queremos contudo atribuir pouco valor aos outros de que ele tratou; na verdade, como se viu durante estas semanas em muitas intervenções, úteis e frutíferas, trata-se de questões que precisam de ser explicadas, quer pelo magistério quer pelo ministério pastoral, com grande reverência e com amor cheio de misericórdia para com os homens e as mulheres, nossos irmãos e irmãs, que se dirigem à Igreja a fim de receberem palavras de fé e de esperança.

Oxalá, tomando exemplo do Sínodo, os Pastores com o mesmo cuidado e a mesma determinação encarem estes problemas, como eles se apresentam na vida conjugal e familiar, com a intenção de todos «praticarmos a verdade na caridade».

12. Queremos agora acrescentar, como fruto dos trabalhos, suportados durante mais de quatro semanas, que ninguém pode praticar a caridade senão na verdade. Este princípio vale tanto para a vida de cada família, como para a acção dos Pastores, que verdadeiramente querem servir as famílias.

13. Portanto, o fruto desta Sessão do Sínodo está principalmente em que as tarefas da família cristã — cujo coração, podemos dizer, é a caridade mesma — não se podem desempenhar senão em plena obediência à verdade.

Todos quantos a Igreja encarregou de desempenharem estas tarefas — quer sejam leigos quer clérigos, religiosos — não podem exercer o seu múnus senão na verdade.

Porque é a verdade que liberta; é a verdade que ordena; é a verdade que abre o caminho à santidade e à justiça.

Verificámos quanto amor de Cristo, quanta caridade, são oferecidos a todos aqueles que na Igreja e no mundo formam uma família: não só aos homens e às mulheres em ligação no matrimónio, mas também às crianças, às meninas e aos jovens, e ainda aos viúvos e aos órfãos, da mesma maneira que aos avós e a todos que de algum modo participam na vida familiar.

Para todos estes quer a Igreja de Cristo ser e permanecer testemunha e, por assim dizer, porta-voz dessa plenitude de vida, da qual São Paulo fala aos Coríntios com as palavras citadas no princípio: porque em tudo fomos enriquecidos em Cristo Jesus, em toda a palavra e em toda a ciência (cf. 1Co 1,5).

Dito isto, anunciamo-vos que, para ajudarem a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, estabelecemos juntar, aos doze membros da mesma Secretaria por vós eleitos, mais três Prelados, cuja nomeação pertence ao Romano Pontífice.

São: Ladislau Cardeal Rubin, Perfeito da Sagrada Congregação para as Igrejas Orientais;
Paulo Tzadua, Arcebispo de Adis Abeba;
e Carlos Maria Martini, Arcebispo de Milão.

Por último, desejo-vos todas as felicidades no Senhor.




Discursos João Paulo II 1980 - Terça-feira, 21 de Outubro de 1980