Discursos João Paulo II 1980 - Domingo, 2 de Novembro de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE TRABALHO


DO CONSELHO ECUMÉNICO DAS IGREJAS


3 de Novembro de 1980



Caros Irmãos em Cristo

Sede bem-vindos. A minha cordial saudação dirige-se a cada um de vós, aos colegas que trabalham habitualmente convosco e aos cristãos das Igrejas que representais. Bendito seja o Senhor que vos reuniu e concede já trabalhardes juntos, com lealdade, para melhor perscrutar o seu desígnio sobre a sua Igreja e sobre a salvação do mundo, e para o exprimir da melhor maneira.

Sinto-me feliz por vos receber hoje e por ter a ocasião de vos dizer precisamente todo o interesse que nutro pelo vosso trabalho. Ao estudar em conjunto o Baptismo, a Eucaristia e o ministério, não só tratais das realidades que estão no centro do mistério da igreja e da sua estrutura, mas também abordais questões que foram se não a causa das nossas divisões, pelo menos fizeram parte dos principais argumentos sobre os quais se levantaram oposições. Ora, não pode haver um verdadeiro e durável restabelecimento da unidade, sem que cheguemos juntos a expressar claramente a nossa fé nestes aspectos do mistério sobre os quais nos opusemos uns aos outros. A questão do ministério permanece certamente uma questão-chave para o restabelecimento da plena comunhão.

Como eu disse a 31 de Maio passado, em Paris, todos somos chamados a dar o nosso contributo em benefício do homem. «Mas, hoje, talvez mais que nunca, o primeiro serviço a ser prestado ao homem é testemunhar a verdade, toda a verdade, confessando a verdade no amor. Não devemos cessar até sermos novamente capazes de juntos confessar toda a verdade».

O vosso esforço humilde, fraterno e perseverante obteve já resultados, pelos quais agradecemos Aquele que nos foi dado para nos guiar na verdade plena (cf. Jo Jn 16,13). E preciso continuar. É preciso chegar ao fim. Caberá à autoridade eclesiástica competente examinar esses resultados. Mas este esforço é já um importante testemunho que juntos prestais a Cristo, ao mistério da sua Igreja. Agradeço-vos isto, assegurando a minha simpatia e oração para que esses trabalhos se aprofundem mais e produzam frutos plenamente conformes à vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual seja sempre bendito!

Nesses trabalhos deveis perscrutar a Escritura; é preciso que considereis como os cristãos, desde o início, com os seus Pastores, receberam e interpretaram este ensinamento, não só no plano intelectual, mas no plano existencial, na sua vida de cada dia, na sua profissão e nas suas instituições; como este ensinamento suscitou uma vida espiritual mais intensa. Mas, sobretudo, é preciso que todos nós, e sem cessar, nos coloquemos à disposição de Deus, à procura de sua vontade, numa ardente oração que é bom elevar em comum a Deus. Quereis que rezemos juntos, conforme as palavras do Senhor?

Em seguida todos rezaram o Pai-Nosso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA FESTA DE SÃO CARLOS BORROMEU


Terça-feira, 4 de Novembro de 1980



1. Com gesto de amável cortesia quisestes, hoje, estar reunidos comigo, para me apresentar os vossos votos na ocorrência da minha festa onomástica. O caríssimo Cardeal Decano fez-se intérprete dos sentimentos de todos com palavras nobres e gentis, que suscitaram no meu ânimo um eco vivo e profundo.

Estou-vos cordialmente grato por esta delicada atenção e, ao apresentar, da minha parte, sinceros votos augurais ao Senhor Cardeal Confalonieri, que também hoje festeja o seu dia onomástico, quero testemunhar-vos a grande alegria proporcionada por este encontro. O clima de familiar intimidade, que se respira numa circunstância como esta, contribui eficazmente para reforçar os vínculos de fraterna comunhão que, pela acção do Espírito Santo, existem entre nós. Nos lábios surgem espontâneas as alegres palavras do Salmo: "Oh! como é bom, como é agradável viverem os irmãos em boa união" (Ps 132,1).

2. É-me grato nesta ocasião renovar-vos a expressão do meu reconhecimento pela colaboração assídua e inteligente que me ofereceis no desempenho das graves tarefas, para as quais a Providência quis chamar-me. De modo particular, desejo agradecer-vos o conforto espiritual, que me vem da vossa oração, em cujo indispensável apoio confio especialmente: é necessário que, como para o Apóstolo Pedro, "a Igreja reze a Deus, instantemente" (cf. Act Ac 12,5) também pelo seu Sucessor, uma vez que as dificuldades de hoje não são menos complexas e graves que as de ontem.

Continuai a estar junto de mim com a dedicação generosa da vossa mente e do vosso coração. São Carlos está diante de vós com o testemunho estimulante de um exercício tão semelhante ao vosso. Durante anos, de facto, ele esteve junto do Papa Pio IV, a quem ofereceu a contribuição da sua perspicaz argúcia no desempenho das graves incumbências de governo e sobretudo na histórica obra da nova convocação e feliz encerramento do Concílio de Trento. Isto é recordado por um seu conceituado biógrafo, anotando que o Pontífice "negotium Borromaeo dedit ut rem consiliis suis inceptam sollicitudine sua perficeret. Ita quidquid difficile ac periculosum incideret, Legati ad ipsum per litteras deferebant. Idque tam saepe fiebat, ut ne nocturnae quidem quietis certa tempora haberet" (Giussano, De rebus gestis S. Caroli, Mediolani 1751, p. 35).

3. Nós contemplamos com admiração o valioso exemplo deste incomparável servo da Igreja, cujo incansável dinamismo impressionava os contemporâneos, forçados a reconhecer que "impares tot laboribus plures fore, quibus unus Borromaeus eo tempore sufficeret" (testemunho dos Bispos de Lanciano e de Modena, em: Cartas de S. Carlos à Igreja Ambrosiana sobre o Concílio, vol. IV, p. 35). Como não recordar o estímulo, que ele nos dá, a assumirmos com renovado impulso o "pondus diei et aestum", conexos com o cumprimento dos encargos a nós confiados pelo celestial "Pai de família" na mística vinha da sua Igreja?

Oxalá São Carlos, que não foi só o protagonista da fase conclusiva do Concílio de Trento, mas também o artífice principal da sua prática actuação, nos seja generoso na sua protecção, a fim de que o período pós-conciliar, tão rico de fermentos e de perspectivas, que a Providência concedeu também a nós viver, nos encontre como ministros com amplas visões e intrépidos no quotidiano serviço eclesial, para proveito do Povo de Deus, pelo qual Cristo morreu e ressuscitou.

Com estes votos, a todos concede de coração a Bênção Apostólica, propiciadora de todo o desejado bem celeste.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DO II CONGRESSO


DOS CONSELHEIROS FISCAIS ORGANIZADO


PELA "CONFEDERAÇÃO FISCAL EUROPEIA"


Sexta-feira, 7 de Novembro de 1980



Senhoras e Senhores

Fiquei sensibilizado com o desejo por vós manifestado de vos encontrardes comigo no final do vosso Congresso. E agora aprecio o modo como evocais as vossas tarefas profissionais e o ideal que vos anima. Recebei agradecimentos por isso. Apresento-vos cordiais boas-vindas.

Compreendo que os campos de intervenção dos Conselhos fiscais são muito vastos, tanto junto dos contribuintes de toda a espécie quanto nas administrações dos órgãos nacionais ou internacionais, e que as suas modalidades são muito complexas. Formulo os melhores votos pelo bom cumprimento da vossa nobre profissão que se articula sabre o direito. Penso que três palavras mestras poderiam sintetizar as suas exigências: a equidade, a liberdade e o bem comum.

Primeiro a equidade na divisão das contribuições e das prestações. A colectividade, assumindo cada vez mais serviços sociais — seja porque o requerem os indivíduos, seja porque tal é o sistema político ou económico —, põe-se em toda a parte o problema de uma participação mais ampla nos cargos comuns, e é necessário reconhecer que a imposição legal e justa de tributos é tarefa difícil. Nenhuma sociedade pode gloriar-se de a ter resolvido suficientemente bem. Desde o tempo em que a cobrança dos impostos foi confiada à deliberação dos publicanos — que tinham neste campo boa margem de iniciativa — até à época actual, foi percorrido um longo caminho. Hoje há disposições jurídicas e instâncias administrativas que desempenham este papel, com um aspecto talvez mais rigoroso e mais anónimo. Vós, pelo contrário, vigiais por que os indivíduos, embora cumprindo os deveres que lhes dizem respeito, não sejam vítimas de injustiças no pagamento dos impostos: ajudai-los a proteger e a garantir os seus direitos, com toda a competência jurídica que possuis. Isto não se pode fazer senão num clima de liberdade, ao qual estais justamente ligados. A liberdade, neste campo, consiste em que os indivíduos e os corpos intermediários tenham a possibilidade de fazer valer os próprios direitos e de os defender, perante as outras administrações e sobretudo as do Estado, segundo os processos permitam uma arbitragem ou um julgamento pronunciado em consciência, de acordo com as leis estabelecidas, e portanto em absoluta independência do poder. É um ideal que se deve desejar para todos os países.

Por fim, isto não contradiz o sentido do bem comum e dos deveres para com a colectividade e o Estado, que devem ser promovidos ao mesmo tempo. "Dai a César o que é de César", já dizia Cristo, embora se deva acrescentar: "e a Deus o que é de Deus". Os cidadãos, que devem ser protegidos nos seus direitos, devem ao mesmo tempo ser educados a tomarem a sua justa parte nos encargos públicos, sob a forma de contribuições ou impostos, porque é também teor de justiça, pois se beneficia dos serviços públicos e das múltiplas condições de uma vida pacífica em comum; e é igualmente uma forma equitativa de solidariedade para com os outros membros da comunidade nacional ou internacional, ou para com as outras gerações. Mas estas obrigações necessitam, ainda neste ponto, de protecção legal.

Resumindo, há um justo equilíbrio entre direitos e deveres dos cidadãos contribuintes, entre a sua liberdade individual e o bem comum, entre os corpos intermediários e o Estado, e portanto um diálogo livre entre os indivíduos e a administração, que é necessário procurar incessantemente realizar o melhor possível um problema de educação, um problema de vigilância, um problema de justiça. Oxalá vós possais, como Conselheiros fiscais, dar-lhe um feliz contributo! E Oxalá a vossa Confederação possa alargar o seu esforço de harmonização entre os direitos fiscais nacionais para levar a uma prática mais equitativa da fiscalização dentro dos países europeus. Isto faz também parte do progresso a realizar-se neste continente.

Deus vos assista nesta obra de conselho e de justiça. Ele vos abençoe e abençoe cada uma das vossas queridas famílias!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA PEREGRINAÇÃO DE CARPI, ITÁLIA


Sábado, 8 de Novembro de 1980



Irmãos e Irmãs caríssimos!

1. Sinto-me sinceramente satisfeito por me encontrar hoje convosco, que desejastes concluir aqui em Roma a "Grande Missão", com que celebrastes o bicentenário de fundação da vossa Diocese, realizada — como é sabido — em 1779 por iniciativa do meu Predecessor Pio VI de venerada memória.

A todos o meu comovido agradecimento pela vossa presença, tão cheia de entusiasmo e afecto.

Neste ano de Missão aprofundastes e meditastes o papel e o significado eclesiológico que a Diocese assume quer no âmbito da vida de todo o Povo de Deus, quer no da experiência de cada cristão. "A diocese — afirma o Concílio Vaticano II — é a porção do Povo de Deus confiada a um Bispo para a apascentar, com a cooperação do Presbitério, de forma que, unida ao seu Pastor e por ele consagrada no Espírito Santo, pelo Evangelho e pela Eucaristia, constitua uma Igreja particular, em que esteja verdadeiramente presente e operante a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica de Cristo" (Decr. Christus Dominus CD 11).

Nestas poucas linhas há uma profunda apresentação teológica daquela "Igreja particular" que é a Diocese, a qual é "porção" da Igreja universal: nela o Bispo, os Sacerdotes e os Fiéis, animados todos pelo Espírito Santo, têm na mensagem evangélica a guia basilar para o seu comportamento, e na Eucaristia o alimento espiritual para o caminho e a peregrinação que eles realizam juntos em meio às várias vicissitudes do mundo.

2. O cristão é aquele que "crê em Cristo"; ou seja, crê que Jesus de Nazaré é o Filho de Deus encarnado; é o Salvador do homem; é aquele que se deu totalmente a si mesmo pela nossa autêntica libertação; que morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação (cf. Rom Rm 4,25). O primeiro e fundamental anúncio do Cristianismo é este; a nossa primeira grande profissão de fé é esta. Eis porque o Evangelho, que nos apresenta a vida e o ensinamento de Jesus, permanece sempre, para aquele que deseja aderir a Cristo, o ponto constante de referência e de orientação para toda a vida. É o Evangelho que deve transformar a nossa mentalidade, as nossas tendências, as nossas inclinações e os nossos desejos. Conservar, alimentar, aumentar, proteger e manifestar a fé é portanto para o cristão uma constante indeclinável.

Vós, Irmãos e Irmãs caríssimos, viestes a Roma para rezar sobre os túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e dos Mártires, os quais para permanecerem fiéis a Cristo preferiram a morte. Viestes, também, a fim de receber do Sucessor de Pedro encorajamento e conforto para a vossa fé, a qual deve exprimir-se e realizar-se não raro em situações de particulares dificuldades quer pela difusão de ideologias que se proclamam indiferentes ou abertamente contrárias a qualquer concepção religiosa e, em particular, cristã, quer pelo crescimento continuo e preocupante de comportamentos práticos, em que dominam o individualismo, o egoísmo, a busca do bem-estar e do êxito terreno a qualquer custo.

Em tais situações, que podem provocar a tentação do desconforto, da debilidade ou do abatimento psicológico, quero exortar-vos hoje, recordando a grande tradição cristã dos vossos pais; a reafirmar com coragem e com empenho a vossa fé; a guardá-la no coração; a professá-la, sem temor nem tibieza, publicamente, com a palavra e com o exemplo, sempre em radical coerência com as exigências, às vezes duras, da concepção cristã. "O fiel — adverte-nos Santo Agostinho — não creia simplesmente com o coração, enquanto com temor impede aos lábios de anunciarem aquilo em que crê. Há cristãos que têm fé no coração (...), mas temem professá-la com os lábios, quase proíbem aos seus lábios pronunciar aquilo que sabem, aquilo que têm dentro (...). Digam pois os lábios o que tem o coração: isto contra o temor. Tenha o coração o que dizem os lábios: isto contra a simulação (...). Os teus lábios estejam sempre em sintonia com o teu coração" (cf. Enarr. in Ps 39,16, PL 36, 444). Para o cristão a coerência é a manifestação mais bela da autenticidade da sua fé!

3. Faço pois votos por que, sempre unidos, com filial afecto e serena docilidade, ao vosso Bispo, formeis uma Igreja particular que seja motivo de admiração e de exemplo para todo o Povo de Deus. Vós, Sacerdotes, em leal colaboração e obediência ao vosso Pastor e em fraterna comunhão entre vós, procurai gastar todas as vossas energias pelo bem das almas. Vós, pais e mães, com a força do sacramento do Matrimónio, sede conscientes das vossas delicadas responsabilidades e educai os vossos filhos para o amor e a abertura para com os outros. Vós, jovens, que sonhais com a felicidade e a transformação da sociedade, preparai-vos com empenho, no estudo e na oração, para as tarefas que a Providência vos confiará quer no âmbito da Igreja quer no da comunidade civil. E vós, caríssimos doentes, que estais marcados no vosso corpo e no vosso espírito pelos estigmas da Paixão de Cristo, oferecei a Deus os vossos sofrimentos para que a vossa diocese seja luminoso centro de vitalidade cristã.

Neste encontro não posso deixar de vos recordar a extraordinária figura de um filho da vossa nobre terra: São Bernardino Reclino, nascido em Carpi em 1530, e que viveu em tempos tão difíceis como os actuais. Jovem, inteligente e brilhante, apaixonado pela verdade, estudou história, filosofia, medicina, direito civil e eclesiástico. Foi potestade, advogado, pretor e lugar-tenente-geral de Nápoles. Precisamente nesta cidade, respondendo docilmente ao chamamento de Deus, entrou na Companhia de Jesus e viveu por muitos anos em Lecce, onde morreu, abençoado, amado e venerado por todos, em 1616. Em 1947 foi canonizado pelo meu grande Predecessor Pio XII.

À luz da experiência espiritual do vosso São Bernardino, quero dirigir-me a todos vós, fiéis da diocese de Carpi, para que lhe imiteis as eminentes virtudes cristãs; em particular desejo convidar os jovens a serem sempre generosos com Jesus, também e especialmente quando Ele chama a segui-lo numa vida de total consagração. Espero e rezo por que o número dos Seminaristas e dos Noviços religiosos da vossa diocese aumente cada vez mais para que ela possa ter sempre muitos e santos Sacerdotes.

Com estes votos, invoco sobre todos vós e sobre os fiéis de Carpi a continua assistência de Deus, com a materna intercessão da Virgem Santíssima.

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe sempre.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO


II COLOQUIUM ROMANUM


8 de Novembro de 1980



Senhor Cardeal,
Senhoras e Senhores!

1. Alegro-me ao saudar todos os ilustres participantes no Segundo «Colloquium Romanum» do «Movimento internacional para a promoção dos valores e do desenvolvimento humano», organizado nesta Cidade de Roma em colaboração com a Associação dos Jornalistas Europeus. Com a vossa hodierna presença aqui, na casa do Papa, quisestes dar particular relevo à importância do tema escolhido para o vosso encontro: «Os valores humanos e o Acto Final de Helsínquia».

Ao manifestardes o desejo de vir para escutar a palavra do Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, não pretendeis solicitar um contributo, para as vossas reflexões, por parte da Santa Sé, que também faz parte dos trinta e cinco signatários do Acto final da Conferência sobre a segurança e a cooperação na Europa, aos quais vos propondes entregar o resultado do vosso trabalho ao termo do Colóquio. Viestes por um motivo de fidelidade àquilo que constitui a finalidade do movimento «Nova Spes» e do vosso mesmo encontro: fazer emergir o homem como protagonista necessário e insubstituível, ao invés de simples objecto ou instrumento, na problemática enfrentada pelos trinta e cinco Estados em Helsínquia em 1975, em Belgrado em 1977-1978, e que está para ser retomada nestes dias em Madrid. Trata-se de um objectivo muito louvável! Por isso quero unir-me a vós, organizadores, relatores e participantes, para desejar pleno sucesso aos vossos esforços: oxalá eles verdadeiramente sirvam o homem e tudo aquilo que é humano.

2. Precisamente neste âmbito devem encontrar-se as aspirações e os esforços de todos: na promoção do homem, da sua dignidade e da sua primazia. Certamente conheceis como a Santa Sé empenhou toda a força da sua autoridade espiritual e moral numa sincera colaboração no Acto Final. E fê-lo de modo especial, tendo presente duas intenções fundamentais: em primeiro lugar, assegurar uma base ética a todos os esforços em favor da segurança e da cooperação numa Europa, que sabe estar dividida em ideologias e posições de força; além disso, colocar no centro das relações entre nações e povos, não só europeus, o valor singular e a garantia inabalável dos direitos da pessoa humana: de todos os direitos fundamentais, e do direito à liberdade religiosa em primeiro lugar, como garantia dos outros.

A Santa Sé não podia e não pode agir diversamente; de facto, se o homem é o valor fundamental, então, é em todos os campos e em todos os espaços da convivência social que tal valor deve ser efectivamente salvaguardado e realizado. Se o homem e o homem europeu em particular está hoje exposto a riscos e perspectivas negativas, é preciso reafirmar a sua dignidade: uma dignidade que encontra a sua raiz e razão na própria humanidade, criada e chamada à imagem e semelhança de Deus.

3. O homem deve estar colocado realmente no centro das vossas reflexões, mas também das de todos aqueles que têm a responsabilidade de um futuro pacífico e próspero do continente europeu. Ele, de facto, é a verdadeira peça em jogo entre as nações. Considerado muito frequentemente como simples objecto nos processos políticos ou económicos, sob a pressão de promessas e de projectos materialistas, o homem corre o risco de se tornar ou permanecer passivo diante das multíplices manipulações que investem sobre ele. Mas o homem é o único critério para julgar a validade e a aplicação dos acordos internacionais: sim, com a condição de que se trate do homem integral, uma vez que somente a ele Deus concede compreender-se e viver na plenitude daquilo que ele verdadeiramente é. Com efeito, não é talvez verdadeiro que o homem alcança todas as suas dimensões e se dispõe a ser verdadeiramente criador na história artífice de paz, de mútua compreensão e de solidariedade fraterna, só quando se abre para Deus? O homem, convém sempre repeti-lo, não encontrará a sua plena força criadora senão n'Aquele que o transcende e lhe dá o seu pleno significado.

4. A iniciativa, por vós posta em prática nestes dias nas vossas reflexões e nos vossos debates, também comportará necessariamente dar todo o seu valor a um imperativo ético, que interpela quer o indivíduo no seu comportamento e testemunho pessoais, quer o cidadão e o homem político nos seus actos públicos orientados para estabelecer estruturas de dimensão humana. É um imperativo ético, que tende a impedir a quem quer que seja de abdicar da própria responsabilidade, de assegurar a primazia do humano. É precisamente de uma consciência moral sempre renovada que surge uma nova esperança, a «Nova Spes». E somente ela será capaz de mobilizar todas as forças vivas, todos os homens de boa vontade, para juntos exaltarem o que existe de mais humana no homem, e para juntos se esforçarem a fim de o afirmarem na realização histórica e na realidade das relações entre os povos. Confio estes cordiais votos à omnipotente graça de Deus, e a Ele recomendo também todos vós e as vossas fadigas, ao conceder com paterno afecto, a todos vós e a quantos vos são caros, a propiciadora Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO V CONGRESSO


INTERNACIONAL DA FAMÍLIA


8 de Novembro de 1980



Senhoras e Senhores

1. É uma alegria para mim receber tantas famílias de diversos países, logo a seguir ao Sínodo consagrado às tarefas da família.

Sois bem-vindos a esta casa que já vos acolheu diversas vezes. Sois cristãos e cristãs convictos, decididos a promover e a amparar a família como lugar primário e natural da educação. Alimentais esta convicção numa fé sólida e à luz dos ensinamentos da Igreja: sobre isto, os textos do Concílio Vaticano II são de natureza a guiar o melhor possível a vossa reflexão e a vossa acção. Realizais um certo número de iniciativas de grande envergadura para ajudar os pais no seu papel educador, convidando-os a aprofundarem a sua formação a este respeito, fazendo apelo para o melhor deles mesmos e para os conselhos de peritos competentes. Para assegurar um testemunho e uma colaboração mais eficazes e mais universais, constituistes há dois anos a Fundação Internacional da Família.

Naquela época, tive ocasião de recordar perante vós tudo o que pode concorrer para a educação humana e cristã na família. O recente Sínodo dos Bispos tratou longamente este tema e a mensagem final dos Padres fez-se-lhe eco, a ponto de eu não ter necessidade de, esta manhã, falar mais pormenorizadamente dele.

2. Para este quinto Congresso, estudastes o tema: «A família e a condição da mulher». Parte notável foi reservada às conferências pronunciadas por mulheres competentes, sobre assuntos em que podem falar por experiência. É-me bastante agradável que tenhais enfrentado este assunto capital e delicado, porque merece ser tratado em profundidade, com sabedoria, realismo e sem temor. Não só a nossa civilização é muito sensível a ele, às vezes hipersensível, mas isto corresponde a uma necessidade real, porque as perturbações da vida social e o movimento das ideias suscitam neste campo paixões e muitas coisas que devem ser postas em questão. De facto, graças a Deus, muitas mulheres expandiram plenamente os seus dons no concreto da sua vida e suscitaram a expansão deles na sociedade; tivemos maravilhosos testemunhos disto no Sínodo. Mas um certo número de mulheres experimentam, justamente, a necessidade de serem melhor reconhecidas, na sua dignidade de pessoa, nos seus direitos, no valor das tarefas que habitualmente desempenham, na sua aspiração a realizar plenamente a própria vocação feminina dentro da família e também na sociedade. Algumas estão cansadas e quase abatidas com tantos cuidados e trabalhos, sem encontrarem suficiente compreensão e ajuda. Outras sofrem, lamentam estar relegadas a tarefas consideradas secundárias. Outras, ainda, são tentadas a procurar uma solução em movimentos que pretendem «libertá-las», embora se devesse perguntar de que libertação se trata e não pretender com esta palavra a libertação daquilo que constitui a sua vocação específica de mãe e de esposa, nem a imitação uniforme da maneira em que o seu companheiro masculino se realiza. E por conseguinte, toda esta evolução e este fermento manifestam bem que há uma autêntica promoção feminina a seguir, em muitos aspectos. A família, sem dúvida, mas também toda a sociedade e as comunidades eclesiais, têm necessidade dos contributos específicos das mulheres.

3. E pois importante começar por reconfortar a mulher aprofundando um certo número de considerações: a sua igualdade capital de dignidade com o homem no plano de Deus, como fez o Sínodo e como eu reafirmo todas as quartas-feiras; o que a qualifica como pessoa humana com respeito ao homem para viver numa comunhão pessoal com ele; a sua vocação de filha de Deus, de esposa e de mãe; o seu apelo a participar de modo livre e responsável nas grandes tarefas de hoje, dando-lhes o melhor de si mesma; e, por conseguinte, a sua capacidade e o seu dever de esperar a plena maturação da própria personalidade: experiência das atribuições, formação para o espírito de serviço, aprofundamento da sua fé e da sua oração, de que ela fará beneficiar os outros.

Tendes razão de encarar as múltiplas possibilidades do contributo qualificado da mulher nos diversos sectores da vida social e profissional, onde a sua presença seria tão benéfica para um mundo mais humano e onde ela própria encontraria um acréscimo de expansão dos seus dons, sobretudo em certas épocas da sua vida. O problema fica em aberto, e oferece, em cada país, ocasião para muitos debates sobre as modalidades práticas quando se trata do trabalho da mulher fora do próprio lar. Muitos aspectos entram aqui em jogo. É preciso encará-los serenamente. Embora sem tratar demasiado hoje este assunto complexo, devemos mesmo assim ter em conta duas outras considerações.

4. É preciso vigiar por que a mulher não seja, por razões económicas, constrangida obrigatoriamente a um trabalho demasiado pesado e a um horário muito sobrecarregado que se juntem a todas as suas responsabilidades de dona de casa e de educadora dos seus filhos. A sociedade, como dissemos no final do Sínodo, devia fazer o esforço de se organizar de outro modo.

Mas sobretudo, e o vosso Congresso parece tê-lo sublinhado bem, é preciso considerar que os compromissos da mulher em todos os níveis da vida familiar constituem também um contributo inigualável para o futuro da sociedade e da Igreja, e que ele não poderia ser ignorado sem grande prejuízo para estas como também para a própria mulher, quer se trate de condições relativas à maternidade, da intimidade necessária com as crianças, da educação dos filhos e dos jovens, do diálogo atento e prolongado com eles, quer do cuidado a dedicar às múltiplas necessidades do lar, para que ele se mantenha acolhedor, agradável e reconfortante no plano afectivo, formador no plano cultural e religioso. Quem ousaria negar que, em muitos casos, a estabilidade e o bom êxito da família, a sua expansão humana e espiritual devem muito a esta presença maternal no lar. E pois um autêntico trabalho profissional que merece ser reconhecido como tal pela sociedade; requer, por outro lado, coragem, responsabilidade, engenho e santidade.

Trata-se pois de ajudar as mulheres a tomarem consciência desta responsabilidade e de todos os dons de feminilidade que Deus depositou nelas, para o maior bem da família e da sociedade. É preciso também pensar nas mulheres que sofrem por frustrações ou condições precárias, a fim de contribuir para o auxílio mútuo do seu ambiente.

5. Por fim, caros amigos, o que vós procurais fazer dentro da Fundação que constituístes, muitas outras associações ou movimentos familiares procuram também fazê-lo, de modo complementar. Por outro lado, a família, célula da sociedade e «Igreja doméstica)>, não é um fim em si, deve permitir que se introduzam pouco a pouco os jovens em comunidades educativas mais vastas. Quer dizer que todas as iniciativas neste campo não devem ignorar-se, e ainda menos fechar-se em si mesmas, mas abrir-se no mesmo sentido, em união confiante com os Pastores da Igreja, a fim de que as famílias desempenhem plenamente o seu papel e integrem o dinamismo das suas riquezas na vida pastoral e no apostolado das comunidades cristãs e no testemunho profético a dar ao mundo.

Oxalá as vossas famílias, tanto na alegria como nas provações, sejam um reflexo do amor de Deus! A Virgem Mãe, contemplada e implorada no seio de cada família cristã, vos conduza pelo caminho de seu Filho e vos abra para as luzes e a força do Espírito Santo, na paz! Abençoo de todo o coração todos os membros das vossas famílias, maridos e esposas, crianças, jovens e avós. E abençoo também os casais que vos são queridos e contam com o vosso testemunho.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR MOUSTAFA KAMAL EL-DIWANI


NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA ÁRABE DO EGITO


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 10 de Novembro de 1980



Senhor Embaixador

Sinto-me feliz em dar a Vossa Excelência as boas-vindas ao Vaticano nesta ocasião em que apresenta as credenciais do seu encargo como Embaixador do Egipto junto da Santa Sé. Agradeço-lhe a mensagem cordial que me dirigiu, especialmente pelas amáveis palavras de apoio aos meus esforços para promover paz e mútua compreensão entre todos os povos e nações.

Neste ensejo peço tenha a bondade de transmitir as minhas saudações e os meus melhores votos a Sua Excelência o Presidente Sadat. Alimento a esperança de que, com a liderança dele, dará a República Árabe do Egipto passos ainda maiores rumo ao progresso e ao desenvolvimento e de que todo o povo do vosso país conviverá harmoniosamente.

Tenho seguido de perto os esforços para construir uma paz duradoura, que têm sido envidados pelo Presidente Sadat e pelo Governo egípcio. E folgo em receber da sua parte confirmação de que persistirá esse empenho, a despeito de todas as dificuldades. De facto, precisamente por haverem crescido nos últimos tempos as tensões e os riscos, a obra da paz, como acaba de dizer Vossa Excelência, deve continuar. Na verdade, deve ela, intensificar-se até que se consiga uma pax abrangente, uma paz que propicie solução equitativa a todos os aspectos da crise do Próximo Oriente, inclusive o problema palestinense e a questão de Jerusalém. Qualquer decantada paz que não leve em consideração todos os elementos de divergência e que não inclua, em última análise, todas as partes que estejam directamente envolvidas, perigaria de tornar-se ineficiente e poderia desencadear um conflito ainda mais acrimonioso.

Como sabe Vossa Excelência, os católicos no Egipto desejam, como leais cidadãos, contribuir para o futuro desenvolvimento do vosso país e, junto com os seus irmãos e irmãs na fé cristã, almejam eles colaborar, em mútuo respeito e igualdade de condições, com todos os seus concidadãos de fé muçulmana.

Durante a sua permanência aqui, que confio seja proveitosa, pode Vossa Excelência contar com o interesse e a cooperação da Santa Sé no desempenho da sua tarefa.

Para Vossa Excelência, bem como para a nobre nação que representa, invoco abundantes dádivas de Deus Omnipotente.




Discursos João Paulo II 1980 - Domingo, 2 de Novembro de 1980