Discursos João Paulo II 1980 - Paris, 2 de Junho de 1980


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


DA CIDADE DE PARIS


Segunda-feira, 2 de Junho de 1980



Senhor Ministro

A minha viagem chegou ao fim, pelo que diz respeito à capital. Sinto-me muito feliz por todos os contactos de que pude beneficiar; começo a acostumar-me a programas intensos, mas creia que, desta vez, não era possível fazer mais! Apreciei as ocasiões que me foram oferecidas para exprimir c que me ditam as minhas responsabilidades. Também "registei" muitos testemunhos; o que vi e ouvi será para mim matéria para outras reflexões e sobretudo objecto de oração. É uma rica experiência!

Aos jornalistas, a quem compete comentar os factos, descrever as coisas, pôr em relevo o essencial, dizemos que testemunhem o acontecimento com toda a verdade e façam experimentar o verdadeiro alcance do mesmo. Espero ter sido isto o que eles fizeram. É isto que faz honra à sua missão e aos seus vínculos, de que frequentemente tive ocasião de falar. Hoje, quereria agradecer-lhes e agradecer, juntamente com eles, a todos os agentes das comunicações sociais, da imprensa, da rádio e da televisão. Na França, a sua competência e a sua aparelhagem permitem-lhes realizações tecnicamente muito acuradas. Têm um público exigente! Apresento-lhes os melhores bons votos, com a minha viva gratidão.

Devo também dizer muito obrigado a todos os membros da polícia e da gendarmaria nacional, confiando a quem os representa aqui o encargo de o transmitirem aos seus colegas. Tínheis ao vosso cuidado a tarefa não só de velar por mim, mas também de assegurar a boa ordem das multidões inumeráveis, presentes em toda a parte, e estou bem consciente do acréscimo de trabalho que vos foi pedido nesta ocasião. Desculpo-me perante vós e as vossas famílias.

De facto, fiquei e fico cheio de admiração por tudo aquilo que contribuiu para o serviço de ordem, ao longo dos percursos e nos lugares de reunião, e isto apesar dos atrasos que o meu programa não raro sofreu, desde a primeira tarde! e que certamente vos complicaram a tarefa. Desempenhaste-la com notável competência e discrição, dignidade e grande dedicação. Verdadeiramente, um muito, muito obrigado! Foi honroso para vós assegurar a melhor hospitalidade ao Papa e servir ao mesmo tempo o povo francês no seu desejo de participar nestas reuniões, pois foi precisamente o Povo francês que espontaneamente as quis. Sem me alongar mais, queria que soubésseis que aprecio o vosso serviço público não raro demasiado pouco reconhecido. Há alguns meses, tive ocasião de o dizer em Roma a um grupo de policias franceses, peregrinos de "Polícia e humanismo". São estes os sentimentos que nutro sempre pelas vossas pessoas e pela vossa missão.

Mas muitas outras pessoas tiveram que trabalhar intensamente durante várias semanas para esta viagem, para prever cada particular com a precisão dos franceses. Além das da Nunciatura, às quais já agradeci, penso nas do Secretariado do episcopado e de todos os serviços que colaboraram com este Secretariado para coordenar o conjunto. Não quereria esquecer nenhum daqueles que se prodigalizaram com discrição, para além do trabalho ordinário, a fim de fazer face aa acontecimento. Peço ao Senhor vos recompense por tudo o que fizestes pelo seu Servo e pelos vossos irmãos, e de todo o coração abençoo as vossas famílias e todos aqueles que vos são queridos.

A Paris, mas ainda não à França, digo: "Até à vista"!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS RELIGIOSAS CONTEMPLATIVAS


NO CARMELO DE LISIEUX


Segunda-feira, 2 de Junho de 1980



Minhas caras Irmãs

1. Paz e alegria em Jesus Cristo! A vós que rodeais o humilde sucessor do Apóstolo Pedro! E por meio de vós a todas as claustrais que vivem na terra da França!

Devo manifestar antes de tudo a minha profunda comoção por me ser dado orar junto da urna que encerra os restos de Santa Teresa. Expressei já longamente a minha acção de graças e a minha afeição pelo "caminho espiritual" que ela adoptou e ofereceu a toda a Igreja. Sinto agora enorme alegria ao visitar este Carmo que foi um enquadramento da sua vida e da sua morte, da sua santificação, no meio das suas Irmãs, e deve continuar a ser alto lugar de oração e santificação, para as carmelitas e para todos os peregrinos. E daqui desejaria eu confirmar-vos a todas, qualquer que seja a vossa família espiritual, na vossa vida contemplativa, absolutamente vital para a Igreja e para a humanidade.

2. Embora amando profundamente a nossa época, é bem preciso reconhecer que o pensamento moderno encerra facilmente no subjectivismo tudo o que diz respeito às religiões — a fé dos crentes e os sentimentos religiosos. E esta visão não poupa a vida monástica. A ponto de a opinião pública, e por desgraça às vezes alguns cristãos mais sensíveis ao puro compromisso concreto, serem tentados a considerar a vossa vida contemplativa como fuga ao que é real, actividade anacrónica e mesmo inútil. Esta incompreensão pode-vos fazer penar, até humilhar-vos. Dir-vos-ei como Cristo: "Não vos preocupeis, pequeno rebanho" (cfr. Lc 12,22). Por outro lado, certo renovamento monástico, que se manifesta pelo vosso país, deve manter-vos na esperança.

Mas acrescento igualmente: aceitai o desafio do mundo contemporâneo e do mundo de sempre, vivendo mais radicalmente que nunca o mistério mesmo da vossa condição completamente original, que é loucura aos olhos do mundo e sabedoria no Espírito Santo: o amor exclusivo do Senhor e de todos os vossos irmãos humanos n'Ele. Não procureis sequer justificar-vos. Todo o amor, desde que é autêntico, puro e desinteressado, traz consigo mesmo a sua justificação. Amar de maneira gratuita é direito inalienável da pessoa, mesmo — e dever-se-ia dizer, sobretudo — quando o Amado é o próprio Deus. Seguindo os contemplativos e os místicos de todos os tempos, continuai a atestar com força e humildade a dimensão transcendente da pessoa humana, criada à semelhança de Deus e chamada a uma vida de intimidade com Ele. Santo Agostinho, no fim de meditações feitas igualmente com o coração e a inteligência penetrante, certifica-nos que a bem-aventurança do homem está nisto: na contemplação amorosa de Deus. Por isso o grau, em que pertençais amorosamente ao Senhor, tanto no plano pessoal como no comunitária, é de extrema importância. A densidade e a irradiação da vossa vida "oculta em Deus" devem criar problema para os homens e as mulheres de hoje, devem criar problema para os jovens que procuram tantas vezes o sentido da vida. Encontrando-vos ou vendo-vos, seria necessário que todo o visitante, hóspede ou vindo a fazer retiro, chegasse a dizer ou pelo menos sentisse ter encontrado a Deus, ter experimentado uma epifania do Mistério de Deus que é Luz e Amor. Os tempos que vivemos necessitam de testemunhas tanto como de apologistas. Sede, pela vossa parte, essas testemunhas muito humildes e sempre transparentes.

Deixai-me ainda certificar-vos — em nome da tradição constante da Igreja — que não só a vossa, vida pode anunciar o Absoluto de Deus, mas que possui maravilhoso e misterioso poder de fecundidade espiritual (cfr. Perfectae caritatis PC 7). Porquê? Porque a vossa oblação de amor é completada pelo próprio Cristo na Sua obra de Redenção universal, um pouco como se fundem as vagas no fundo do oceano. Vendo-vos, penso na Mãe de Cristo, penso nas santas mulheres do Evangelho, de pé ao lado da cruz do Senhor e comungando na sua morte salvadora, mas também mensageiras da Sua ressurreição. Escolhestes viver, ou antes Cristo escolheu-vos para viver com Ele, o Seu Mistério pascal, através do tempo e do espaço. Tudo o que vós sois, tudo o que fazeis cada dia, quer se trate do ofício salmodiado ou cantado, da celebração da Eucaristia, dos trabalhos na cela ou em grupos fraternais, do respeito da clausura e do silêncio, das mortificações escolhidas ou impostas pela regra, tudo é assumido, santificado e utilizado por Cristo para a Redenção do mundo. Para não terdes nenhuma dúvida a este propósito, a Igreja — em nome mesmo de Cristo — tomou um dia posse de todas as vossas potências de viver e de amar. Foi a vossa profissão monástica. Renovai-a muitas vezes. E, a exemplo dos Santos, consagrai-vos, imolai-vos cada vez mais, sem procurar mesmo saber como utilizará Deus a vossa colaboração. Enquanto na base de toda a acção, há finalidade e portanto limitação, termo, a gratuitidade do vosso amor está na origem da fecundidade contemplativa. Vem-me ao espírito uma comparação muito moderna: abrasais o mundo com o fogo da verdade e do amor revelados, assim como os técnicos do átomo acendem os foguetões espaciais: à distância.

4. Queria por fim acrescentar duas palavras de incentivo que me parecem oportunas. A primeira diz respeito à fidelidade ao carisma das vossas fundadoras ou fundadores. A boa fraternidade e a cooperação, que existem mais que antigamente entre os mosteiros, não devem levar a certo nivelamento dos institutos contemplativos. Vele cuidadosamente cada família espiritual pela sua identidade particular em vista do bem da Igreja inteira. O que se faz num lugar não há necessidade de ser imitado fora.

Queria por fim acrescentar duas palavras de incentivo que me parecem oportunas. A primeira diz respeito à fidelidade ao carisma das vossas fundadoras ou fundadores. A boa fraternidade e a cooperação, que existem mais que antigamente entre os mosteiros, não devem levar a certo nivelamento dos institutos contemplativos. Vele cuidadosamente cada família espiritual pela sua identidade particular em vista do bem da Igreja inteira. O que se faz num lugar não há necessidade de ser imitado fora.

A minha segunda palavra é a seguinte. Numa civilização cada vez mais móvel, mais sonora e falante, as zonas de silêncio e de repouso tomam-se necessidade vital. Os mosteiros — no seu estilo original — têm portanto mais que nunca a vocação de se manterem como lugares de paz e de interioridade. Não permitais que as pressões internas ou externas prejudiquem as vossas tradições e os vossos meios de recolhimento. Esforçai-vos antes por educar — os vossos hóspedes e os que vêm fazer retiro — na virtude do silêncio. Sabeis certamente que tive ocasião de recordar aos participantes na sessão plenária da Congregação para os Religiosos, a 7 de Março último, a observância rigorosa da clausura monástica. Lembrei a este propósito as palavras muito enérgicas do meu predecessor Paulo VI: "A clausura não isola as almas contemplativas da comunhão do Corpo místico. Muito ao contrário, coloca-as no coração da Igreja". Amai a vossa separação do mundo, perfeitamente comparável ao deserto bíblico. Paradoxalmente, este deserto não é o vácuo. É nele que o Senhor fala ao vosso coração e vos associa intimamente à vossa obra de salvação.

Tais as convicções que desejava confiar-vos muito simplesmente, minhas caras Irmãs. Delas fareis o melhor uso, estou persuadido. Vós pedis muito pela fecundidade do meu ministério. Aceitai os mais ardentes agradecimentos. Ficai cientes que o Papa vem ter muitas vezes, pelo afecto e pela oração, com os mosteiros da França e do mundo inteiro. Desejo e peço ao Senhor, por intercessão da Santa Carmelita de Lisieux, que venham vocações sólidas e numerosas aumentar e renovar as vossas diversas comunidades contemplativas. Abençoo-vos de todo o coração, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS SUPERIORES MAIORES DOS RELIGIOSOS


E DAS RELIGIOSAS


Lisieux, 2 de Junho de 1980



Os encontros que me foi dado ter, sábado em Paris, com as religiosas empenhadas nas tarefas de evangelização, e há pouco com um grupo importante de contemplativas; foram, na minha intenção, destinados aos monges e monjas, a todos os Religiosos e a todas as Religiosas da França, que consomem a própria vida consagrada a Cristo, no serviço eclesial da oração ou do apostolado.

A vós, caros Irmãos e Irmãs, que fostes escolhidos para terdes a responsabilidade dos vossos Institutos, quero dirigir um encorajamento especial e importante.

O Concílio recordou de modo muito feliz que toda a autoridade na Igreja era um serviço e devia ser vencida no espírito mesmo do Senhor Jesus (cfr. Lc 22,27). Esta norma evangélica e imperativa não deveria fazer-vos abdicar das vossas responsabilidades próprias. A fórmula "todos responsáveis", que conheceu um grande êxito desde há um bom decénio até hoje, é válida apenas num determinado sentido. Vós tendes a grave responsabilidade, em última instância, do espírito religioso dos vossos Institutos ao seu ideal específico e da qualidade do seu testemunho na Igreja e no mundo de hoje.

Tenho conhecimento, por outro lado, do trabalho de investigação e de experiências que as vossas Congregações realizaram a partir do Concílio. O balanço comporta felizes orientações. Vigiai bem por que a vida religiosa seja uma "epifania" de Cristo. O mundo moderno tem necessidade de sinais. A noite sem estrelas é fonte de angústia. Numa palavra, fazei ver por toda a parte nas vossas famílias religiosas que o tempo da realização, calma e perseverante, das constituições revistas e aprovadas, já chegou. Queridos Irmãos e Irmãs, confio na vossa sabedoria e na vossa coragem. Invoco sobre vós e sobre os vossos Institutos as mais abundantes Bênçãos do Senhor.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DA FRANÇA


Aeroporto de Saint-Gatien de Deauville

Segunda-feira, 2 de Junho de 1980



Senhor Primeiro-Ministro

Chegou o momento de deixar a França, no termo de uma visita que permanecerá inolvidável para mim, em todos os pontos de vista. Não sei qual a recordação mais marcante. Cada cerimónia, cada encontro tem a sua característica própria e foi de grande intensidade, tanto nos círculos mais restritos como no calor das multidões. Pode ser que seja finalmente o sentimento de ter podido reunir a alma da França e do Povo Francês, o que levarei comigo como um dom particularmente precioso.

Foi um acolhimento totalmente excepcional, digno da hospitalidade da França. Quero aqui, pela última vez, exprimir a minha gratidão aos homens e às mulheres deste país, às famílias, aos trabalhadores, aos jovens, a todos sem excepção, e faço-o do fundo do coração. Agradeço especialmente às Autoridades civis, que colaboraram com tanta benevolência para a realização do programa, e sobretudo a Sua Excelência o Senhor Presidente da República e a todos do Governo, à Municipalidade de Paris e de Lisieux.

Despeço-me dos meus Irmãos e Filhos da Igreja católica, bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos, ao deixar o dom que nos foi concedido de uma comunhão mais forte, ao serviço da nossa missão de anunciar o Evangelho. Esta missão, devemos retomá-la com uma nova energia, à medida dos encargos. Deus seja louvado por nos ter permitido assim testemunhá-l'O!

Adeus, querido Povo da França, e até à vista!

Ofereço-te os meus votos mais calorosos e abençoo-te em nome do Senhor.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CHEGADA A ROMA


Aeroporto de Fiumicino

Segunda-feira, 2 de Junho de 1980



1. Agradeço-lhe vivamente, Senhor Ministro Adolfo Sarti, as cordiais èxpressões de saudação e de homenagem que Vossa Excelência, em nome do Governo Italiano, quis expressar-me, quando de novo chego ao solo da Itália. No termo desta viagem apostólica, que me levou além dos Alpes à nobre e querida Nação Francesa, que se fez merecedora através dos séculos de inumeráveis benemerências diante da Igreja e da história, entre os tantos sentimentos que urgem no meu espírito, sinto principalmente aquele de exprimir o reconhecimento mais sincero.

A Deus, antes de tudo, pelo dom que me concedeu de realizar esta desejada peregrinação, em espírito de obediência ao mandamento de confirmar os irmãos, que o Senhor Jesus Cristo me confiou, ao chamar-me à suprema responsabilidade de Pastor da Igreja universal, na Sé de Pedro.

2. Agradeço mais uma vez ao Senhor Presidente Giscard d'Estaing e às outras Autoridades políticas, civis e militares francesas, e em particular, aos venerados Irmãos no Episcopado pelo afectuoso acolhimento, e além de a eles, exprimo a minha gratidão a todos, aos Sacerdotes, Religiosos, Religiosas, Seminaristas, Trabalhadores e Associações católicas, a quem respectivamente tive o prazer de dirigir a minha palavra de exortação. E penso também em todos aqueles fiéis que, em Paris e em Lisieux, me reservaram tantas espontâneas demonstrações de devoção e de afecto, e, o que mais conta, de viva e sentida participação nas celebrações litúrgicas da Palavra divina e da Eucaristia.

Não é possível neste momento resumir, nem mesmo fugazmente, os momentos mais significativos que tive a possibilidade de viver em Paris, a grande metrópole das vetustas tradições cristãs, e em Lisieux, a admirada Cidade de Santa Teresa do Menino Jesus, a pequena e grande Santa, que não cessa de falar de Deus ao coração dos homens e das mulheres do nosso tempo, tão sequioso dos valores espirituais. Foi um encontro profundamente consolante com o Povo de Deus que está na França, que respondeu com um grande acto de fé à passagem do Papa.

3. Depois, tive também a ocasião de visitar a sede da UNESCO de saudar os distintos Representantes das diversas Nações e de lhes fazer conhecer o que penso sobre a diversificada e vasta temática a respeito do compromisso por uma sempre mais adequada promoção cultural, ao realçar sobretudo o sentido cristão da cultura em si. E estou sinceramente grato ao Director-Geral Senhor Amadóu Mahtar M'Bow, e a todas as personalidades que pude encontrar, pelo seu, cordial acolhimento.

O serviço da Igreja e do homem expande-se cada vez mais e pede que o Papa se torne presente onde quer que o interpelem as exigências da fé e a afirmação dos verdadeiros valores humanos. É para confirmar esta fé cristã e para promover estes valores que o Papa se põe a caminho pelas estradas do mundo.

E agora, ao voltar para a minha Sé romana, é-me particularmente grato saudar os Senhores Cardeais e as outras personalidades eclesiásticas aqui presentes; e enquanto renovo a expressão do meu reconhecimento ao Senhor Ministro, manifesto a minha deferente saudação a todas as Autoridades políticas civis e militares italianas, ao Representante da Administração Comunal de Roma, como também aos Membros do Corpo Diplomático e a todos os que vieram apresentar-me as cordiais boas-vindas.

O Senhor vos recompense pela cordialidade tão grande e vos conceda as melhores graças celestes.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CATHOLICOS PATRIARCA


DA ANTIGA APOSTÓLICA IGREJA DA GEÓRGIA


Sexta-feira, 6 de Junho de 1980



Santidade e Beatitude
Caros Irmãos no Senhor

Hoje é verdadeiramente um dia alegre na longa história das nossas Igrejas, porque é a primeira vez que um Catholicos-Patriarca da Antiga Apostólica Igreja da Geórgia visita esta Sé Apostólica de Roma para trocar o ósculo da paz com o Bispo desta. Nos anos mais recentes tem havido verdadeiro progresso nas boas relações entre as nossas Igrejas, comunicando cada uma nas tristezas e nas alegrias da outra, em concordância com as palavras do Apóstolo: "Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram. Tende entre vós os mesmos sentimentos" (Rm 12,15-16). O Bispo Nikolosi, de Sukhumi e Adkhasia, que tenho o gosto de saudar uma vez mais, representou Vossa Santidade no funeral do meu predecessor João Paulo I e também na Missa que inaugurou o meu próprio pontificado; constituiu verdadeira alegria para mim ficar certo da solidariedade da vossa Igreja na oração pelas bênçãos de Deus, quando principiei o meu ministério. Há três anos, Paulo VI esteve representado no funeral do vosso próprio predecessor, o Catholicos-Patriarca David V ; e no ano passado o Cardeal Willebrands, Presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, presidiu uma delegação para vos levar as minhas próprias saudações fraternais. Saudámo-nos então um ao outro, mas de longe. Agora Deus permitiu que nos encontrássemos e falássemos "de viva voz, para que a nossa alegria fosse perfeita" (cfr. 2Jn 12).

Encontramo-nos como irmãos. A Igreja da Geórgia orgulha-se da pregação de Santo André; e a Igreja de Roma funda-se na pregação de São Pedro. André e Pedro eram irmãos pelo sangue, mas tornaram-se irmãos no espírito graças à resposta que deram ao chamamento de Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus e "o primogénito entre muitos irmãos" (Rm 8,29), que ao tomar para Si a natureza de todos os homens, "não se envergonhou de lhes chamar irmãos" (cfr. He 2,11).

Como herdeiros de André e de Pedro encontramo-nos hoje como irmãos em Cristo.

Foi com amor fraternal e interesse que a Igreja de Roma tomou viva participação nas alegrias e nas tristezas da Igreja da Geórgia. Em tempo de paz e do mesmo modo em tempos de perseguição, a vossa Igreja deu testemunho fiel e exemplar da fé cristã e dos sacramentos cristãos, testemunho prestado por muitos santos e mártires a partir dos dias de São Nina.

O interesse de Vossa Santidade pela renovação da Igreja, renovação firmemente enraizada na tradição apostólica e nas tradições particulares da Igreja da Geórgia, é causa de especial alegria. Estais ciente de que a renovação da vida cristã é também o que tem a peito a Igreja de Roma. Foi o interesse pela renovação que nos fez tomar consciência tão viva da necessidade e do dever de restaurar a perfeita comunhão entre as nossas Igrejas. A longa duração da nossa história levou a tristes e às vezes amargas divisões que fizeram deixarmos de ver a nossa fraternidade em Cristo; e o nosso interesse pela renovação é um dos factores que nos levaram a ver mais claramente a necessidade que há de unidade entre todos os crentes em Cristo. O Concílio Vaticano II disse: "Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação: Esta é, sem dúvida, a razão do movimento para a unidade" (Unitatis Redintegratio UR 6). Este Concílio continuou a recordar a todos os fiéis que "quanto mais unidos estiverem em comunhão estreita com o Pai, o Verbo e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente conseguirão aumentar a fraternidade mútua"' (ibid., UR 7).

Hoje esta tarefa, de restaurar a perfeita comunhão entre os cristãos divididos, constitui prioridade para todos os crentes em Cristo. É nosso dever diante de Cristo, cuja túnica inconsútil está rasgada pela divisão. É nosso dever para com os nossos contemporâneos, porque só com uma voz podemos nós efectivamente proclamar uma mesma fé na Boa Nova da salvação e assim obedecer ao mandamento de Nosso Senhor de levar o Seu Evangelho a toda a humanidade. E é o nosso dever de uns para com os outros, porque somos irmãos e devemos expressar a nossa fraternidade.

Por este motivo a Igreja Católica esteve a orar intensamente nestas últimas semanas pedindo a bênção de Deus para o primeiro encontro da Comissão Mista para o diálogo teológico entre a Igreja Católica e todas as Igrejas Ortodoxas. Quanto veio a propósito que a Comissão primeiro se reunisse na Ilha de Patmos, onde São João teve o privilégio de receber a revelação que o tornou capaz de nos convidar "a ouvir o que o Espírito diz às Igrejas"! (Ap 2,7). Tenho o prazer de estar informado que dois membros da vossa delegação, o Bispo Nikolosi e o Bispo David, tomaram parte neste encontro como representantes da Igreja da Geórgia, e espero com antecipado prazer conversar convosco a respeito dele.

Estamos juntos orando por que este diálogo nos leve verdadeiramente à perfeita unidade de fé, que uns e outros tão, ardentemente desejamos. Mas o nosso progresso, a caminho da unidade na fé, deve ser posto à prova por constante aumento no conhecimento e compreensão, de um e do outro lado, e por um amor cada vez mais profundo. Quando voltei da minha visita do ano passado ao Patriarca Ecuménico, disse: "A união só pode ser fruto do conhecimento da verdade no amor. E uma e outro têm de actuar lado a lado; separadamente não bastam, porque a verdade sem o amor não é ainda verdade plena, como o amor não existe sem a verdade". (Audiência geral de 5 de Dezembro de 1979).

Santidade, é verdadeiramente oportuno que a vossa agradável visita a Roma se realize logo a seguir ao começo do nosso diálogo teológico, porque esta circunstância permite-nos testemunhar que ela precisa de se enraizar num diálogo de amor fraterno, que há-de caracterizar as relações entre as Igrejas de que somos Pastores. Renovando a vós a minha cordial saudação, repito as palavras de São Pedro, irmão de Santo André: "Sede todos concordes em sentimentos de amor fraterno, de misericórdia e de humildade" (1P 3,8). As Três Pessoas Divinas, cuja unidade é o mais alto exemplar e a mais alta fonte do mistério da unidade da Igreja (cfr. Unitatis Redintegratio UR 2), nos concedam esta graça e tanto abençoem o nosso encontro hoje, que ele venha a contribuir para a consecução desse fim, pelo qual orou Cristo e pelo qual nós esperamos tão ardentemente.

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA INDONÉSIA

POR OCASIÃO DA VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 7 de Junho de 1980



Veneráveis e caros Irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo

1. Estou muito reconhecido pela vossa visita hoje — agradecido pelas saudações que me trazeis das vossas Igrejas locais, agradecido pelo vosso próprio amor fraterno em Cristo Jesus, e agradecido pela comunhão eclesial que vós celebrais juntos na unidade católica. Esta comunhão eclesial — esta unidade católica — foi o tema da minha alocução aos vossos irmãos Bispos vindos da Indonésia, que estiveram aqui há menos de duas semanas. E igualmente a base para esta visita ad limina e para cada visita ad limina a Roma.

2. Precisamente por causa desta comunhão eclesial, experimento eu em pessoa, como Sucessor de Pedro, a necessidade de fazer todos os esforços para compreender tanto quanto possível os problemas das vossas Igrejas locais e para vos ajudar a resolver estes problemas em concordância com à vontade de Cristo quanto à Sua Igreja. Os problemas que me apresentastes referem-se ao bom estado do vosso povo. Alguns levantam questões que dizem respeito à fé católica e à vida católica em geral. Todos representam assuntos pastorais que em diferentes modos são o objecto da vossa responsabilidade e da minha, matérias para serem examinadas com a assistência do Espírito Santo, à luz do valor perene da palavra de Deus conserva da pelo Magistério da Igreja, e no contexto da comunhão eclesial.

3. Alguns destes problemas e ainda outras questões necessitam de minucioso exame, que por sua vez requer tempo e confiada troca de pontos de vista entre os Bispos e a Sé Apostólica. Em cada discussão sobre as necessidades pastorais, deve ser dada a primazia à palavra de Deus como base para soluções verdadeiramente efectivas. A interpretação autêntica da palavra de Deus e as aplicações dela à vida, foram dadas pela Igreja através dos séculos, e esta interpretação e estas aplicações formam parte do património da vida da Igreja hoje.

Nesta geração, o Concílio Vaticano II — um Concílio Ecuménico eminentemente pastoral — repetiu o ensinamento e as normas estabelecidas que prosseguirão dirigindo todos os nossos esforços pastorais e todas as nossas actividades eclesiais.

4. Pelo meu lado, farei tudo o que estiver no meu poder a fim de promover o bem do vosso povo e da Igreja universal. Com a ajuda de Deus espero desempenhar o meu papel, que é de vos fortalecer no vosso ministério de pregar "as insondáveis riquezas de Cristo" (Ep 3,8), de anunciar a salvação em Jesus Cristo como o grande dom do amor de Deus, e de construir a Igreja dia após dia, ano após ano. Em particular, o meu papel como Sucessor de Pedro dirige-se ao fortalecimento dos meus irmãos Bispos, na fé católica que eles professam e ensinam, e é o fundamento de todos os esforços pastorais e toda a vida cristã.

5. Foi na perspectiva da fé e da palavra de Deus que João XXIII interpretou "os sinais dos tempos". Antes de o Concílio Vaticano II entrar na consideração dos muitos problemas que lhe diziam respeito, desejou o Papa João insistir na natureza pastoral do acontecimento. Mas sabia que um Concílio pastoral — para ser genuinamente efectivo e reflectir verdadeiramente o amor pastoral do Bom Pastor — precisava de ter forte base doutrinal. Por este motivo, no seu discurso na abertura do Concílio estabeleceu: "O que mais importa ao Concílio Ecuménico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e proposto de forma mais eficaz" (Discurso de 11 de Outubro de 1962). Esta cada vez mais efectiva guarda e proposição da palavra de Deus tomaria em conta a maneira de apresentação da doutrina e verdadeiramente toda a questão de encarnação da palavra de Deus nas culturas locais, mas significa também a transmissão da doutrina pura e íntegra que, através dos séculos, formou, na sua perene validez, o património comum de todos.

6. Neste espírito, o próprio Concílio insistiu mais tarde no papel do Bispo em anunciar toda a verdade do Evangelho e proclamar "todo o mistério de Cristo" (Christus Dominus CD 12). Por isso, desde que tratamos com os muitos problemas pastorais que dizem respeito ao nosso povo cristão — alguns ligados com a sua eleição baptismal, outros com as circunstâncias particulares das suas vidas — somos constantemente solicitados a dar testemunho da plenitude da fé católica. O Espírito Santo que nos ajuda a ler os sinais dos tempos é o mesmo Espírito Santo que desceu sobre os Apóstolos, o mesmo Espírito Santo que assistiu o Magistério através das idades, proveu às necessidades da Igreja em cada século e produziu frutos abundantemente, de justiça e santidade nos corações dos fiéis.

Nas questões morais como nos problemas doutrinais devemos continuar a anunciar o ensinamento da Igreja "oportuna e inoportunamente" (2Tm 4,2). Por isso, insistimos nós com o nosso povo para que admita só uma medida de amor cristão: amar o próximo como Cristo nos amou (cfr. Jn 13,34); nós exortamo-lo a dar testemunho constante à justiça de Cristo e à Sua verdade.

No nosso ministério ao serviço da vida somos chamados a testemunhar a plenitude da verdade que nós defendemos, de maneira que todos possam conhecer a doutrina da Igreja Católica sobre a completa inviolabilidade da vida humana desde o momento da concepção. Por isso nós anunciamos profundamente convictos que toda a destruição voluntária da vida humana pelo aborto provocado, seja por que motivo for, não está de acordo com o mandamento que Deus, que se encontra inteiramente fora da competência de qualquer indivíduo ou grupo, e anunciamos que tal proceder não pode redundar em verdadeiro progresso humano.

8. Na questão do ensino da Igreja sobre a regulação da natalidade, somos chamados a professar, em união com toda a Igreja, o exigente mas elevado ensinamento apresentado na Encíclica Humanae Vitae, que o meu predecessor Paulo VI publicou "por virtude do mandato que nos foi confiado por Cristo" (AAS 60, 1968, p. 485). Particularmente a este propósito devemos nós estar conscientes de que a sabedoria de Deus está acima dos cálculos humanos e a Sua graça é potente nas vidas do povo. É importante para nós compreender a influência directa de Cristo nos membros do Seu Corpo em todos os domínios das obrigações morais. Por ocasião da visita ad limina de outro grupo de Bispos fiz referência a este princípio que tem muitas aplicações, dizendo: "Nunca temamos que a empresa seja grande demais, para o nosso povo: ele foi remido pelo sangue precioso de Cristo; é o Seu povo. Por meio do Espírito Santo; Jesus Cristo chama a Si a responsabilidade última pela aceitação da Sua palavra e pelo desenvolvimento da Sua Igreja. E Ele, Jesus Cristo, que há-de continuar a distribuir a graça ao Seu povo a fim de satisfazer as exigências da Sua palavra, apesar de todas as dificuldades, apesar de todas as fraquezas. E, pertence-nos a nós continuar a proclamar a mensagem da salvação na sua integridade e pureza, com paciência, compaixão e convicção, pois aquilo que é impossível ao homem, é possível a Deus. Nós mesmos constituímos unicamente parte de uma geração na história da salvação, mas Jesus Cristo é o "mesmo ontem; hoje e pelos séculos (He 13,8). Ele é verdadeiramente capaz de nos sustentar, se reconhecemos a força da Sua graça, o poder da Sua palavra e a eficácia dos Seus méritos" (AAS 71; 1979; pp. 1423 f.).

9. A graça de Cristo não elimina a necessidade de entendimento compassivo e de maior esforço pastoral da nossa parte, mas aponta para que, em última análise, cada coisa depende de Cristo. É a palavra de Cristo que nós pregamos; é a Igreja de Cristo que nós construímos dia após dia, de acordo com o Seu critério. Jesus Cristo construiu a Sua Igreja sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas (cfr. Ep 2,20), e de maneira especial sobre Pedro (cfr. Mt 16,18). Mas fica sendo a Sua Igreja, a Igreja de Cristo: "... e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja". O nosso povo é nosso, só porque é, acima de tudo, Seu. Jesus Cristo é o Bom Pastor, o autor da nossa fé e a esperança do mundo.

É importante para nós reflectirmos no mistério da chefia de Cristo sobre a Sua Igreja. Por meio do Seu Espírito Santo, Jesus Cristo dá graça e força ao Seu povo e convida cada pessoa a segui-l'O. Às vezes começando com Pedro, Cristo chama o Seu povo para ser levado, e explica para onde ele não deseja ir (cfr. Jn 21,18).

10. Veneráveis Irmãos: as minhas recentes visitas pastorais confirmam alguma coisa que todos nós experimentámos. O nosso povo está constantemente a voltar-se para nós esperando e desculpando-se: anuncia-nos a palavra de Deus; fala-nos a respeito de Cristo: Este pedido é um eco do pedido mencionado por São João e transmitido ao Apóstolo Filipe: "Desejamos ver Jesus": (Jn 12,21).

Verdadeiramente o mundo roga-nos que lhe falemos a respeito de Cristo.

Ele que formará os novos céus e a nova terra. É Ele que, por meio da Sua palavra de verdade, molda e comanda os destinos do nosso povo.

Com renovado amor e zelo pastoral, anunciemos ao mundo a Sua palavra salvadora. Confiando na protecção de Maria, Mãe do Verbo Encarnado, recomendemos juntos o nosso povo e o nosso ministério Àquele que é o único a ter "as palavras de vida eterna" (Jn 6 Jn 68).

Com estes sentimentos envio as minhas saudações a todos os membros das vossas Igrejas locais, especialmente a todas as famílias cristãs. Mando a minha palavra de ânimo e de gratidão aos sacerdotes e religiosos e a todas as pessoas que trabalham convosco na causa do Evangelho. Para os doentes e os que sofrem vai a minha bênção especial, e para cada um a expressão do meu afecto em Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.




Discursos João Paulo II 1980 - Paris, 2 de Junho de 1980