Discursos João Paulo II 1980 - Sábado, 7 de Junho de 1980

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR STEPHANOS STATHATOS


PRIMEIRO EMBAIXADOR DA GRÉCIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 12 de Junho de 1980



Senhor Embaixador

1. É com grande alegria que recebo Vossa Excelência, ao apresentar as suas Cartas credenciais como primeiro Embaixador da República Helénica junto da Santa Sé, e não posso deixar de sublinhar esta manhã o carácter excepcional deste acontecimento. É estabelecido, com efeito, junto da Santa Sé, como primeiro representante oficial do povo e do Governo da Grécia, da nação que é como a depositária primeira e natural da civilização que, entre as mais elevadas civilizações aparecidas na história, tão profundamente influenciou o pensamento, a arte e o futuro da humanidade.

A civilização grega, com efeito, exprimiu uma concepção sublime do homem, da sua capacidade de penetrar os mistérios da natureza, mas, acima de tudo, de se "conhecer a si mesmo"; segundo esta concepção, o homem respeita e observa, não só as leis escritas, mas sobretudo as "leis não escritas", e coloca como regra moral "voltar-se para a sabedoria" e "proceder com a mais alta virtude ou perfeição". Deste modo, é ele capaz de atingir, "graças ao que há de divino em nós", como diz Platão, o conhecimento do ser supremo e o sentido religioso da vida. São Paulo, chegando ao país de Vossa Excelência, podia começar o discurso no Aerópago dizendo: "Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens" (Ac 17,22).

O enraizamento do Cristianismo na civilização grega e helenística não podia deixar de ser feliz e frutuoso. A língua grega chegou mesmo a "encarnar" a Palavra de Deus do Novo Testamento e foi empregada por inúmeros Padres da Igreja e escritores eclesiásticos, para colocar à vista e aprofundar a riqueza da mensagem cristã, no plano da teologia e da espiritualidade.

Esta lembrança do património religioso e humanista da Grécia antiga não leva a esquecermos a parte activa que tomou a Grécia moderna, desde que reencontrou a sua independência, e continua a tomar no concerto das nações. Actualmente, a Grécia distingue-se, ao mesmo tempo que pelos esforços em vista da modernização e do desenvolvimento do pais, pela abertura às nações de diversas tendências e pela adesão ao processo da unidade europeia. Estas perspectivas fazem pressagiar a influência benéfica que poderá ir buscar a ela a comunidade internacional, como também os povos que nela estão mais directamente interessados. Neste contexto, desejaria eu renovar o voto, que a Santa Sé formulou noutras ocasiões, por uma solução rápida e justa do doloroso problema da República de Chipre, a que, merecidamente, atribui a Grécia tanta importância.

2. A Igreja de Roma, como Vossa Excelência pode facilmente imaginar, olhou e olha com atenção e respeito para o património que o helenismo representa nas suas diferentes épocas: antiga, bizantina e moderna. Sabe dever-lhe riquezas que recebeu dela e formula a viva esperança de que as relações diplomáticas recentemente estabelecidas marquem progresso decisivo na colaboração e no entendimento entre a Santa Sé e a Grécia, ao serviço da difusão dos valores mais altos do humanismo e pelo progresso da paz entre os povos.

3. Esta acção comum deverá ser acompanhada por urna compreensão mais larga e mais profunda, e pela amizade entre a Sé de Roma e a Igreja grega-ortodoxa. Vossa Excelência sabe quanto o diálogo entre o Catolicismo e a Ortodoxia, esforçando-se por esquecer as dolorosas incompreensões do passado, se estreita hoje de maneira cada vez mais íntima, e a recente reunião de Patmos e de Rodes é apenas disso manifestação tangível. Estou convencido também que a troca de representantes oficiais entre a Santa Sé e a Grécia poderá contribuir para tornar mais abertos e mais cordiais estes contactos ecuménicos entre católicos e gregos-ortodoxos.

4. Na Grécia, Vossa Excelência não o ignora, os católicos são lealmente dedicados à própria Pátria e desejam, sem buscar qualquer privilégio, exercer livremente as suas actividades, no plano religioso como no plano social e pessoal, para o maior bem da nação. Não posso deixar de me alegrar com o bom nome de que eles gozam e fazer votos por que a acção deles seja cada vez mais profunda e mais frutuosa para todos os seus compatriotas, sem qualquer distinção.

5. Senhor Embaixador, desejo agradecer-lhe as palavras de estima e amizade, e os votos que me apresentou em nome do Presidente da República e da Nação grega. Ficar-lhe-ei agradecido se tiver a bondade de transmitir a minha saudação deferente a Sua Excelência o Senhor Constantino Caramanlis, que possui grande consideração no campo internacional e acaba de ver que lhe foram confiadas as mais altas funções nacionais pelos representantes do povo grego.

Desejo a Vossa Excelência que possa cumprir com felicidade a missão que o seu Governo lhe confiou, e desde agora me atrevo a assegurar-lhe a compreensão e a colaboração que os diversos dicastérios da Santa Sé lhe hão-de oferecer com esse fim.

Ao nobre povo da Grécia e aos seus dirigentes, desejo, recomendando ao Senhor esta intenção, a prosperidade e o progresso, assim como uma irradiação mais extensa no mundo, e o dom divino da paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BOLSISTAS PARTICIPANTES


NO 18º CURSO ORGANIZADO PELO INSTITUTO


ITALIANO PARA A RECONSTRUÇÃO INDUSTRIAL (I.R.I.)


Quinta-feira, 12 de Junho de 1980



Senhor Presidente ilustres Senhores,
caros Irmãos e Irmãs

Tenho o prazer de receber-vos e dirigir-vos a minha cordial saudação. Sei que a maior parte de vós aqui presentes constitui o grupo de Bolsistas, que frequentaram o 18° Curso de aperfeiçoamento para quadros técnicos e directivos de países em vias de industrialização, promovido e organizado pelo Instituto para a Reconstrução Industrial, da Itália. A todos dirijo calorosas boas-vindas, assim como aos vossos Professores e Familiares, ao mesmo tempo que agradeço sinceramente ao Presidente do IRI as suas palavras gentis.

Primeiramente, não posso deixar de exprimir a minha viva complacência pela iniciativa do Grupo IRI em si mesma e pelos bons frutos que anualmente produz, há perto de dois decénios. Parece-me, de facto, descobrir nela uma concreta e louvável expressão de esforço a nível de cooperação internacional, que sublinha e exalta a beleza, a unidade e mesmo a necessidade de uma troca mútua entre os povos. Trata-se de um modo bastante profícuo de recíproca comunhão entre tradições culturais diversas, que hoje não podem já viver no isolamento, tradições que também a técnica industrial, juntamente com as várias formas de serviço social, contribui para avizinhar: não por mesquinhos interesses económicos ou políticos, mas com o fim primário de elevar o teor de vida e favorecer o progresso das várias comunidades nacionais e de promover verdadeiramente o homem, prescindindo das suas qualificações de raça, sexo, cultura e religião. Portanto, não posso deixar de animar os esforços realizados em tal sentido, tanto mais válidos quanto mais são acompanhados pela competência e dedicação. Devemos aliás estar certos que todo o genuíno serviço prestado ao homem tem também como fim a maior glória de Deus, de quem ele é imagem.

E "para vós, caros Bolsistas, que representais quase todos os continentes, quero formular um sincero e sentido voto. Voltando a trabalhar nas vossas pátrias em diversos postos de responsabilidade, tomai como ponto de honra ser sempre dignos, não só de quanto aprendestes na terra da Itália, mas também e sobretudo da vossa ingénita nobreza de homens, para ainda serdes cada vez mais dignos do vosso País de origem e daquilo que, ele espera de vós. Como várias vezes disse durante a inesquecível visita realizada ao Continente Africano o mês passado, e como mais recentemente repeti em Paris diante da Assembleia da UNESCO, olho com alegria, admiração e esperança para todas aquelas Nações, que tomaram nas próprias mãos a construção da sua identidade e do seu destino, e sabem defender a soberania fundamental da cultura que lhes é própria "contra a influência e as pressões dos modelos propostos do exterior" (Discurso à UNESCO, n. 14). Por isso, digo também a vós: "Não permitais que esta soberania fundamental se torne presa de algum interesse político ou económico. Não permitais que ela se torne vítima dos totalitarismos, dos imperialismos ou das hegemonias, para os quais o homem não conta senão como objecto de dominação e não como sujeito da sua própria existência humana" (ib., n. 15). Aqueles dentre vós que são cristãos sabem que estas palavras e, mais ainda, este esforço derivam naturalmente do vínculo, o mais íntimo possível, que existe entre o Evangelho de Jesus Cristo e o homem na sua real dignidade basilar, de maneira que nada do que é autenticamente humano pode ser estranho ao Cristianismo, e vice-versa.

Não me resta, portanto, senão augurar-vos do fundo do coração todo o bem possível a vós pessoalmente, aos que vos são caros e, mais em geral, aos Países a que pertenceis, os quais me são todos igualmente dilectos. E é-me agradável confirmar estes votos, invocando os mais abundantes favores divinos, de que é penhor a Bênção Apostólica, que de muito boa vontade concedo ao Senhor Presidente do IRI, aos Professores do Curso que está para concluir-se e a todos os Bolsistas do Curso mesmo com os seus Familiares, como sinal da minha estima e minha benevolência.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DIRIGENTES DO MOVIMENTO ECLESIAL


DE ESFORÇO CULTURAL


Sábado, 14 de Junho de 1980



1. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as amáveis palavras que desejou dirigir-me, e saúdo do coração, juntamente consigo, os participantes na Assembleia do Movimento Eclesial de Esforço Cultural.

Há cinquenta anos o Assistente Eclesiástico nacional da FUCI, Monsenhor João Baptista Montini, colocava as bases do vosso Movimento com um artigo em "Azione Fucina" (n. 36, 14 de Dezembro de 1930) intitulado "O problema do laureado".

A 5 de Setembro de 1932, por ocasião do Congresso Nacional da FUCI presidido por Igino Righetti, e por inspiração daquele saudoso apóstolo da Acção Católica universitária, fundava-se o Movimento dos Laureados, que em anos sucessivos tomou o nome de Movimento de Laureados da Acção Católica, agora mudado — em consequência da aprovação do vosso novo Estatuto por parte do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Italiana — no de "Movimento Eclesial de Esforço Cultural".

Com o esforço expresso pelo vosso novo nome, pretendeis continuar a tradição de apostolado e de serviço cultural, que foi própria do vosso Movimento desde o princípio, e corresponder também, quanto vos diz respeito, à sempre crescente responsabilidade dos católicos que trabalham no mundo da cultura, conscientes de que "neste campo vital se joga o destino da Igreja e do mundo naquilo que resta do nosso século" (Discurso ao Sacro Colégio de 9.11.79; Insegnamenti de Giovanni Paolo II, vol. II, p. 1089).

2. É primeiramente intenção do vosso Movimento concorrer, juntamente com outros grupos e associações, para oferecer "um especial serviço intelectual na Igreja" para um profícuo encontro entre fé e cultura, e entabular um diálogo construtivo "com todos os que, embora vindos de diversas posições religiosas e culturais, pretendem contribuir para a promoção da pessoa humana" (Regulamento do MEIC, art. 4).

Este propósito corresponde a quanto expressei no meu recente Discurso à UNESCO: "O homem vive vida verdadeiramente humana graças à cultura" (2 de Junho de 1980, n. 6). Vós, por isso, como cristãos e enquanto homens de cultura, devereis dirigir-vos ao homem, princípio e termo da acção cultural, na perspectiva de um humanismo plenário, que o abraça na sua total dimensão, assinalada por dupla transcendência, a transcendência do homem sobre o mundo e a de Deus sobre o homem (cfr. Discurso à Pontifícia Academia das Ciências, 10 de Novembro de 1979).

3. A cultura deve por isso realizar o homem na sua transcendência sobre as coisas, impedir-lhe que se dissolva no materialismo de qualquer sinal e no consumismo, ou que seja destruído por uma ciência e uma tecnologia escravizada à cobiça e à violência de poderes tirânicos, inimigos do homem. É necessário que os homens de cultura sejam dotados não só de provada competência, mas de esclarecida e forte consciência moral, de maneira que não tenham de escravizar a própria acção, nas várias formas de concupiscência que guiam o mundo, aos "imperativos aparentes" hoje dominantes, mas sirvam com amor ao homem, "ao homem e à sua autoridade moral que provém da verdade dos seus princípios" (Discurso à UNESCO, nn. 13, 11) .

O vosso Movimento deverá, portanto, promover, entre os vossos associados e entre todos os que se aproximaram de vós, urna provada profissionalidade, fundada nos valores da competência, da moralidade e do amor social.

Ele deverá, além disso, empenhar-se por que o bem humano fundamental da cultura não fique sendo privilégio de poucos, mas atinja círculos cada vez mais vastos de pessoas, favorecendo-lhes a elevação ao conhecimento libertador da verdade nos seus múltiplos aspectos.

4. A cultura que vós professais deve, além disso, reconhecer e viver a transcendência de Deus sobre o homem, isto é, deve ser animada por inspiração cristã. este o encargo que vos confia o Concílio: "2 próprio dos leigos procurar o Reino de Deus tratando as coisas temporais e ordenando-as segundo Deus" (L. G., n. 31). As coisas temporais, quando não sejam ordenadas para Deus, cedo ou tarde já não são sequer referidas ao homem mas entram em oposição com Ele. A vossa profissionalidade, como a de qualquer profissional cristão, deverá portanto ser penetrada também por um impulso interior, proveniente da espiritualidade cristã. O espírito cristão deverá dirigir cada leigo, especialmente quem possui o encargo de investigação e de discernimento cultural, a penetrar, utilizar e desenvolver todos os valores que o Evangelho difundiu na história, a continuar "a pôr em prática — como escreveu o meu venerado predecessor Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas coisas do mundo" (n. EN 70).

Fiéis às exigências culturais e espirituais das vossas profissões, vós podeis praticar aquela "maturação da consciência civil no espírito evangélico", a que vos chamam as bases estatutárias do vosso Regulamento (n.2) e a vossa história, e operar com coerência em todas as circunstâncias para "inscrever a lei divina na vida da cidade terrena" (G. S., 45), isto é, nos costumes e nas leis, que dizem respeito de modo especial à pessoa humana nos seus direitos e valores fundamentais; segundo os ensinamentos do Magistério eclesiástico.

5. Mas a vossa acção não tem em vista apenas um itinerário cultural. Por motivo da vocação cristã, vós propondes-vos contribuir, de modo próprio, para o fim geral do apostolado da Igreja; de tal modo, vós sois chamados a realizar o ensinamento conciliar, segundo o qual "a obra evangelizadora é dever fundamental do Povo de Deus" (Ad Gentes AGD 8,35). O vosso Movimento seja, quer dizer, um dos instrumentos de presença e de animação cristã no mundo da cultura e de evangelização daqueles que nele operam, para a sua eterna salvação.

O vosso esforço eclesial será autêntico se percorrerdes o caminho de fé viva e operante na caridade, a que sois chamados, em plena adesão aos ensinamentos e às directrizes do Magistério do Papa e dos Bispos, sera aceder a interpretações e caminhos próprios, que se viessem a mostrar objectivamente diferentes dele e, por isso, lesassem a comunhão eclesial, que é dever de todos contribuir para edificar e consolidar.

Mas vós sois e quereis ser também Movimento de Acção Católica Italiana, isto é, chamado desde o princípio, sendo embora com fisionomia particular, a participar na missão apostólica assinalada pela Jerarquia à Acção Católica Italiana, e por isso a participar nas finalidades e nas opções fundamentais dela, a aceitar-lhe os princípios e as normas estatutárias, a ser nela organicamente inserido, a operar com ela em unidade de perspectivas e em sintonia de decisões em ordem a uma eficaz acção pastoral de toda a Associação.

O esforço cultural tão necessário para a Igreja e para a sociedade civil é o mais difícil possível, especialmente neste período da história, por causa da crise cultural que atravessa. Animo-vos nos vossos bons propósitos. Peço votos por que, ajudados pelos vossos Bispos e em fiel colaboração com cada um deles nas várias Dioceses, saibais cooperar na acção, tão urgente, de reconciliar a cultura com Cristo e, mediante Cristo, com o homem. A Igreja acompanha-vos, meus caros filhos, na obra que procurais levar a termo com o exercício cristão das vossas profissões e com a acção unitária do vosso Movimento, e o Papa abençoa-vos com efusão do coração e com os mais paternos votos pelo vosso esforço eclesial e cultural.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS CABELEIREIROS ITALIANOS


Segunda-feira, 16 de Junho de 1980

De bom grado vos recebo esta manhã, caríssimos Sócios da União Italiana dos Cabeleireiros, que aproveitando o dia de descanso tradicional da vossa profissão, organizastes uma peregrinação especial a Roma e desejastes tão vivamente este encontro. Disse "peregrinação" segundo o que escreveu o vosso Presidente Nacional, para acentuar a intenção propriamente religiosa que moveu os vossos passos: não uma viagem turística, nem uma visita de cortesia, mas uma iniciativa de piedade para venerar os lugares sagrados da Urbe, e para receber, para as vossas pessoas e o vosso , trabalho, a bênção daquele que vos fala e que tem a formidável responsabilidade de ser o Sucessor de Pedro.


De resto, na denominação da vossa União, li mais um atributo, também ele significativo: "para o culto do Santo "Padroeiro"; e eu sei que de facto vós promoveis todos os anos uma digna celebração em honra de São Martinho de Porres, na igreja dos Padres Dominicanos, em Milão.

Desejo, portanto, não só agradecer-vos a vossa presença, mas exprimir-vos a minha satisfação pelo apego que de tal modo demonstrais ter à fé cristã, e quereria dizer, à fidelidade à fé, num tempo em que os perigos e as tentações da incredulidade, infelizmente se tornaram mais graves. Da parte da Santa Sé, efectivamente, merece elogio e encorajamento este relevo que o elemento religioso assume no interior da vossa Associação: além de cuidar e tutelar os legítimos interesses da profissão, vós tendes a peito a formação cristã de todos os seus componentes, a fim de que também na vida se advirta, positivo e exemplar, o influxo da fé. A própria escolha de uma figura humilde e grande, como a de São Martinho, que desabrochou no Novo Mundo como uma flor perfumada de virtudes, recorda-vos e ao mesmo tempo recomenda-vos que tenhais sempre um comportamento de coerente e transparente fidelidade aos valores cristãos.

Recorda-vos, em particular, que a vossa profissão, é essencialmente um serviço: como o celeste Protector na multiplicidade dos seus serviços (foi "boticário", isto é, segundo os usos do seu tempo, barbeiro, enfermeiro, médico e farmacêutico) teve sempre em vista e tanto amou o seu "próximo", segundo a insuperada lição da parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), assim também vós, nas relações quotidianas que tendes com os irmãos, procurai servi-los com simplicidade, com tratamento cordial e, sobretudo, com aquela fundamental atitude que respeita as supremas razões do bem e da honestidade.

Cada um de vós, nas variadas circunstâncias, modos e formas em que concretamente realiza o seu típico trabalho profissional, deve ter a constante preocupação de seguir esta linha de rectidão moral e de oferecer assim um contributo pessoal para a elevação dos costumes. Também de vós — de cada um de vós pessoalmente e de todos vós como membros desta União — a Igreja espera muito: uma demonstração convincente de cristianismo vivido. Direi melhor: espera-se um claro testemunho de amor a Cristo e, por isso mesmo, de amor aos irmãos.

Para que tudo isto se realize com bom êxito, invoco sobre cada um de vós e sobre a vossa Associação, como também sobre os vossos colaboradores e familiares; as mais eleitas graças do Senhor e no seu Nome de bom grado vos abençoo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO


DE ARTE RELIGIOSA MODERNA


Braço de Carlos Magno

Segunda-feira, 16 de Junho de 1980



Não é fácil tomar a palavra. Primeiramente devo agradecer a todos os presentes, aos artistas, aos oferentes, mas também àqueles que não puderam vir. Quero apenas agradecer, porque não é fácil resumir o fruto desta visita, certamente demasiado breve. Dever-se-ia fazer uma pausa mais longa diante de cada quadro, de cada obra, pois cada obra leva-nos a uma contemplação mais aprofundada.

Mas, embora breve, esta visita enriquece-nos muito. Embora breve, faz-nos ver muitos aspectos do génio humano, a inspiração, os dotes, os talentos extraordinários, mas faz-nos ver também, sobretudo talvez, o esforço extraordinário para a pessoa se exprimir, para falar através destes meios artísticos.

Não posso dizer mais; só algumas ideias me ocorreram como fruto desta visita. Mais uma vez quero agradecer a todos os artistas e aos organizadores, dadores e, poderia dizer, ao próprio Deus estes dons que chegam a nós por meio dos nossos Irmãos, a quem Deus concedeu dotes especiais para enriquecerem os outros.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO VIETNAME


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Terça-feira, 17 de Junho de 1980



O dia de hoje é para mim de grande alegria. De facto, sinto-me profundamente feliz de poder receber nesta residência um grupo importante de Bispos do Vietname. Provindes principalmente do norte do vosso país, mas também do centro e do sul. Ao querido e zeloso Cardeal Joseph-Marie Trinh-van-Can, Arcebispo de Hanói, a D. Philippe Nguyen-Kim-Dien, o intrépido Arcebispo de Hue, e a todos vós, Pastores do povo cristão que está no Vietname, dou as mais fraternais e afectuosas boas-vindas. Há já bastante tempo que também numerosos Bispos vieram trazer o testemunho da fidelidade e dedicação dos católicos do Vietname ao Sucessor de Pedro. Alguns de vós é a primeira visita que fazem a Roma, e para muitos é o primeiro encontro com aquele cujo cargo não é tanto "presidir mas servir" (São Leão o Grande, Sermo 5, 5, S.C. 200).

Teria muitas coisas para vos dizer nesta ocasião tão importante da visita "ad limina Apostolorum". Vindes venerar os túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo que aqui confessaram a fé até ao martírio. Vindes visitar hoje o Sucessor de Pedro. Vindes ver Pedro.

Deste modo, inseris-vos, por vossa vez, num caminho que remonta às origens da Igreja. Foi o Apóstolo Paulo o primeiro a fazer a viagem para encontrar Pedro: "fui a Jerusalém para visitar Pedro e fiquei com ele quinze dias" (Ga 1,18). E neste espírito que os cristãos e os seus Pastores fazem a peregrinação a Roma para "ver Pedro".

Vós vindes ver Pedro porque ele é primeiro de tudo a testemunha e o guarda da fé apostólica. Foi por ter confessado a fé em Jesus, Messias, Filho de Deus vivo, que ele pôde ouvir dizer ao próprio Jesus: "Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a Minha Igreja" (Mt 16,18). Mas Pedro fortaleceu também a fé dos seus irmãos em Cristo: "Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos" (Lc 22,32).

É este o ministério de serviço e de autoridade que compete a Pedro e que vos fortalece hoje no cargo que recebestes do Senhor. Porque os Bispos são os Doutores da fé. "Os Bispos foram constituídos, pelo Espírito Santo que lhes foi dado, verdadeiros e autênticos Mestres na fé, Pontífices e Pastores" (Decreto Christus Dominus CD 2). Eis a vossa missão principal. Desempenhá-la-eis anunciando o melhor possível o Evangelho de Cristo aos homens.

Para o fazer, é necessário que a Bispo visite regularmente os seus diocesanos, ao serviço da fé. Vós fortaleceis assim na fé aqueles que estão confiados à vossa solicitude pastoral.

Com todos os Bispos, pudestes reunir-vos nos meses precedentes a esta visita, por províncias eclesiásticas e depois todos juntos em Conferência episcopal do país. Também pudestes rezar juntos, transmitistes uns aos outros as vossas experiências pastorais e preparastes este encontro. As reuniões de Bispos são o sinal da colegialidade justamente considerada valiosa pelo Concílio Vaticano II, e um modo concreto de o pôr em prática. Desejo muito vivamente que estas reuniões possam realizar-se com regularidade.

O meu pensamento dirige-se para os vossos sacerdotes, "vossos ajudantes e vossos conselheiros" (Decreto Presbyterorum ordinis, PO 7). Eles devem ocupar lugar de eleição no vosso coração. O Senhor é o único a conhecer as dificuldades e os méritos deles. São pobres e por vezes trabalham em condições precárias. Oxalá possam contar ainda mais com o afecto das comunidades cristãs e encontrem a compreensão e estima de todos! Junto deles, sede intérpretes dos meus encorajamentos mais vivos.

Mas os sacerdotes são poucos e muitas vezes idosos. O recrutamento de trabalhadores para a messe é indispensável, urgente. A acção da Igreja depende disto. As comunidades católicas do Vietname deram tantas provas de coragem, de generosidade e fidelidade incomparável, a Cristo e à sua Igreja, que suscitaram e continuam a suscitar a admiração do mundo inteiro; isto confirma ainda mais o seu direito, como por outro lado o exige fundamentalmente a liberdade religiosa, a terem os seus sacerdotes, todos os sacerdotes que são necessários para lhes sustentar a fé e as fazer beneficiar dos actos do seu ministério sacerdotal indispensável para a vida cristã das mesmas, segundo as exigências da sua consciência. É preciso, pois, que os candidatos — aqui, eles, são numerosos — possam receber a formação intelectual e espiritual em seminários tais como os entende a Igreja. Neste sentido, alegro-me com a noticia que me trazeis da reabertura do Seminário de Hanói. Faço votos também por que os sacerdotes estejam sempre consagrados ao seu ministério espiritual, sem juntar à sua própria missão religiosa iniciativas noutros campos, que são estranhas à Igreja.

O seu zelo religioso, o seu espírito de sacrifício ao serviço das comunidades eclesiais não constituem já precisamente um contributo para o bem do seu próprio país?

O vosso povo viveu longos anos de guerra e devastações. Conhece ainda muitas dificuldades. Os católicos do Vietname têm a peito, bem sei, tomar a própria parte na tarefa de reconstrução. Não é necessário recordar a atenção e a solicitude constante que a Santa Sé lhe dedica.

As Organizações católicas de diferentes países continuarão igualmente no futuro a prestar generosa ajuda, tanto para aliviar às calamidades quanto para: ajudar a obra de desenvolvimento económico que foi empreendida.

Aproveito esta ocasião privilegiada para dizer que apreciei o facto de as Autoridades do vosso país terem favorecido a realização da vossa visita. Quando se apresenta a ocasião, sinto-me sempre. feliz, tal como os meus colaboradores, de ter com elas contactos que não podem deixar de ser úteis para o bem do Vietname e igualmente para o de toda a Igreja.

Ao tomar passe, no ano passado, do seu título cardinalício, o vosso querido Cardeal dizia que a Igreja que está no Vietname encontrou sempre em Maria "a mão poderosa de mãe". Confio à sua protecção a vossa missão eclesial e a de todos os cristãos do vosso país. No regresso da minha peregrinação a Lisieux, seja-me permitido invocar também a jovem carmelita, santa Teresa do Menino Jesus, que muitos laços unem ao Vietname. O seu Carmelo deu origem à vida carmelita na vossa terra, e se a sua saúde lho tivesse permitido, ela de boa vontade teria ido ao vosso país. Os cento e dezassete bem-aventurados Mártires vietnamitas, que demonstram a fidelidade intrépida do vosso povo na fé, vos acompanhem nos caminhos, às vezes difíceis, que são os vossos!

Ao terminar este encontro, envio a todos aqueles que tendes aos vossos cuidados pastorais, sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas, pais, adolescentes e crianças, juntamente com os meus votos calorosos de coragem, de alegria e paz em Cristo, a minha paternal Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR FRANCIS A. COFFEY


NOVO EMBAIXADOR DA IRLANDA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 19 de Junho de 1980



Senhor Embaixador

Cordialmente dou a Vossa Excelência as boas-vindas como Embaixador da Irlanda e asseguro-lhe o meu apreço pelos bons votos que me trouxe da parte de Sua Excelência o Presidente Hillery. Recordo com grande prazer as muitas delicadezas que ele me patenteou durante a minha visita pastoral ao vosso país e renovo as minhas orações pela sua felicidade.

Os três dias que eu passei na Irlanda figuram entre as minhas mais venturosas recordações. Visitei centros relacionados simultaneamente com o passado glorioso e com a actualidade florescente. Tive contactos com as vossas Autoridades civis e com o povo de todas as partes do vosso país, incluindo os Chefes de outras Igrejas Cristãs e do mesmo modo os Bispos Católicos, o clero, religiosos, missionários, seminaristas e jovens.

Estes contactos deram-me a oportunidade de conhecer melhor os Irlandeses. Formam uma nação que é ao mesmo tempo antiga e moderna. Possui uma herança de esplêndidas tradições, em cuja formação a fé cristã teve grande parte. É uma herança que inclui abertura a outros países e conhecimento de pertencer a urna vasta comunidade que não se restringe às fronteiras de urna só nação.

Tenho o gosto de ver a Irlanda oferecer o seu importante contributo ao avanço religioso dos povos e assegurar o progresso económico, cultural e social por meio da sua qualidade de membro de organizações continentais e globais, e por meio da resposta do seu governo e povo à chamada dos que se encontram em necessidades espirituais e materiais. Como eu disse ao Presidente Hillery em Dublim, "a Irlanda herdou uma nobre missão cristã e humana, e a sua contribuição para o bem-estar do mundo e para a formação de uma nova Europa pode ser tão grande hoje como foi nos maiores dias da história da Irlanda".

Como a verdadeira felicidade e progresso dependem dos valores morais e espirituais, eu espero confiadamente que a Irlanda continue a salvaguardar e promover estes valores tanto na pátria como, na medida em que possa, através do mundo. O mundo precisa do conhecimento, e do respeito dos direitos humanos, do aumento da dignidade de cada pessoa individual, da liberdade para buscar e aceitar a verdade, e deve cooperar com outros para o bem de todos em entendimento mútuo, fraternidade e paz. Estes são alguns dos valores que foram promovidos pelo trabalho dos homens e das mulheres da Irlanda, incluindo os zelosos missionários que, hoje tanto como no passado, são arautos da dimensão espiritual do homem e da relação com Deus, sem a qual a dignidade humana não pode ser perfeitamente compreendida.

Vossa Excelência falou da oposição do seu Governo à violência e da obrigação de ele buscar justas e duradouras soluções por meios pacíficos. Eu também peço pela reconciliação e paz, que não podem ser estabelecidas pela violência ou num clima de terror, mas apenas por meio da justiça, dó perdão e do amor.

Nesta ocasião renovo os meus piedosos bons desejos pelos Irlandeses onde quer que se encontrem. Para Vossa Excelência e para todos os seus compatriotas invoco eu as mais ricas bênçãos.




Discursos João Paulo II 1980 - Sábado, 7 de Junho de 1980